Revista: DELOS Desarrollo Local Sostenible
ISSN: 1988-5245


OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA INSTALACAO DO PARQUE EOLICO DO BOLAXA E A NEGLIGENCIA COM OS DIREITOS DA COMUNIDADE DO ENTORNO: O PAPEL DA EDUCACAO AMBIENTAL

Autores e infomación del artículo

Daniela da Silva Pieper*
Greici Maia Behling**
Rafael Souza Dias***

Universidade Federal de Rio Grande, Brasil

danypieper@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta a reflexão e discussão acerca dos impactos socioambientais passiveis de ocorrência junto ao meio ambiente (comunidades e meio natural), pela falta de atuação dos órgãos envolvidos, aos quais compete legalmente o dever de conciliar as pretensões de desenvolvimento científico, tecnológico e social e a preservação do equilíbrio ambiental sustentável embasada tanto pela doutrina como pela legislação específica. A partir da pesquisa bibliográfica, documental, entrevistas e o estudo de caso, foi desenvolvida uma investigação sobre os conflitos socioambientais decorrentes da construção e operação de um parque eólico na praia do Cassino, município de Rio Grande – RS. Detectamos que os fatos ocorridos e os transtornos causados a comunidade do Bolaxa durante o processo de implantação do empreendimento, somente foram minimizados pela organização e o enfrentamento de um grupo de moradores locais.  Concluímos pela ineficaz Gestão Ambiental Publica na qual foram desconsiderados os direitos de cidadania, a Educação e a Justiça Ambiental.

Palavras Chave: Energia Eólica, Gestão Ambiental Pública, Justiça Ambiental, Educação Ambiental

Resumen

El artículo presenta la reflexión y discusión sobre los impactos sócio-ambientales que se producen o son susceptibles de ocurrir con el medio ambiente (comunidades y entorno natural), por la falta de acción de los organismos involucrados, los que tienen competencias legales y deber conciliar el desarrollo científico, tecnológicos y sociales y la preservación del equilibrio ambiental sostenible, tanto por la doctrina como por la legislación específica. A partir de la revisión bibliográfica, documental, entrevistas y estudio de los casos, fue desarrollada una investigación sobre los conflictos socio-ambientales derivados de la construcción y operación de un parque eólico en el barrio de Playa Casino, Rio Grande – RS - Brasil. Hemos detectado que los hechos y las molestias causadas a la comunidad de Bolaxa durante el proceso de ejecución del proyecto, solamente fueron minimizados por la organización y el enfrentamiento de un grupo de residentes locales. Llegamos a la conclusión que la ineficaz Gestión Ambiental Pública en la cual fueron desconsiderados los derechos de la ciudadanía, Educación y Justicia Ambiental.

Palabras clave: Energía Eólica; Gestión Ambiental Pública, Justicia Ambiental; Educación Ambiental


Para citar este articulo puede utilizar el siguiente formato:

Daniela da Silva Pieper, Greici Maia Behling y Rafael Souza Dias (2016): "Os conflitos socioambientais na instalacao do parque eolico do Bolaxa e a negligencia com os direitos da comunidade do entorno: o papel da educacao ambiental", Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 27 (octubre 2016). En linea:
http://www.eumed.net/rev/delos/27/conflitos.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/delos27conflitos


1.         Introdução

Desenvolvida sob o discurso de tecnologia limpa desde a década de 1970, a geração de energia eólica é uma atividade que se acentuou a partir da crise internacional de petróleo. Os Estados Unidos (EUA) e alguns países da Europa voltaram seu interesse por fontes alternativas à produção de energia elétrica para a diminuição da dependência do petróleo e do carvão. Nesse sentido, a instalação dos parques eólicos em regiões com potencial de ventos, por ser uma alternativa energética limpa, tem sido tratada como política pública e recebido investimento privado, constituindo-se, também, como mais uma vertente do desenvolvimento que pressiona os ambientes e os modos de vida tradicionais.
Esta forma de geração de energia teve início, no Brasil, em julho de 1992, com a instalação de uma turbina de 75 KW na ilha de Fernando de Noronha, em iniciativa pioneira do Centro Brasileiro de Energia Eólica 1.
As grandes centrais eólicas, segundo o MMA2 , podem ser conectadas à rede elétrica posto que possuam um grande potencial para atender o Sistema Interligado Nacional (SIN). As pequenas centrais, por sua vez, são destinadas ao suprimento de eletricidade a comunidades ou sistemas isolados, contribuindo para o processo de universalização do atendimento de energia. Em relação ao local, a instalação pode ser feita em terra firme (on-shore) ou no mar (off-shore).
Pelo levantamento dos primeiros dados anemométricos na década de 70, as velocidades médias anuais dos ventos de 4m\s a 10m\s de altura já indicavam viabilidade técnica do aproveitamento eólico com equipamentos de pequeno porte, assim como alguns sitos promissores (CRESESB, 2001)
Ao longo da década de 80 foram desenvolvidos mapeamentos de potencial eólico nos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O primeiro atlas eólico nacional foi publicado em 1988, mas somente a partir da década de 90 as medições começaram a ser feitas em alturas superiores a 20m.
No sul do Brasil, a época dos ventos coincide com o período de seca na região, o que favorece o interesse na implantação desses sistemas como recurso energético complementar importante estrategicamente ao sistema de produção de energia elétrica.
No contexto nacional, o Rio Grande do Sul (RS) abriga atualmente o maior parque eólico da America Latina, tendo seu programa de incentivo a esta fonte de energia se iniciado a partir de 1999 com a realização do I Seminário sobre Energia Eólica, que resultou na assinatura de um protocolo de intenções para realização de medições de vento. A partir de 2014, começaram a ser instalados nas cidades de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar. Rio Grande contará com dois complexos eólicos: o primeiro, situado no Corredor do Bolaxa 3 (32 torres com capacidade para gerar 64MW) e o outro no Corredor do Senandes (40 torres com capacidade para gerar 200MW (megawatts) de energia).
No início de 2015 foi inaugurado, no interior de Santa Vitória do Palmar, extremo sul do Estado, o Parque Eólico Geribatu 4, já considerado o maior empreendimento Eólico do Rio Grande do Sul, com capacidade para gerar energia para 1,5 milhão de pessoas. Seguindo essa sequencia histórica, em 2012, o Brasil atingiu 2 GW  (gigawatts) de potência eólica instalada no sistema elétrico nacional, encerrando o ano com 2,5 GW e 2% de participação na matriz elétrica brasileira. Foram instalados 40 novos parques eólicos, totalizando 108 empreendimentos gerando em torno de 15 mil empregos diretos. O pagamento dos arrendamentos das áreas nas quais os parques são instalados é feito diretamente aos proprietários, o que representa geração de renda em regiões bastante carentes e com economias estagnadas, por um prazo de 20 anos  (MELO, 2013).
Os dados aqui registrados demonstram o virtuoso panorama de crescimento da energia eólica, novos horizontes na geração de empregos e renda nessas regiões, a partir de uma alternativa energética limpa considerada como um dos pilares da sustentabilidade. Entretanto, como todo e qualquer processo em que haja intervenção no meio ambiente, as ações devem vir acompanhadas da responsabilidade socioambiental durante todo o seu procedimento.
Dessa forma, objetivamos apresentar o relato dessa experiência acerca dos conflitos socioambientais gerados pela instalação do Parque Eólico, evidenciando a participação da comunidade local no processo. Buscamos, neste trabalho, compreender e discutir o processo de participação das comunidades no decorrer do licenciamento ambiental dos parques eólicos em questão, destacando os conflitos e impactos ocorridos durante a instalação do empreendimento, discutindo como a perspectiva socioambiental deve estar inserida desde o início para garantia da qualidade de vida e sustentabilidade ambiental do empreendimento.
Escolhemos para desenvolvimento deste trabalho a pesquisa qualitativa e como abordagem metodológica optamos pelo estudo de caso, utilizando para tanto a pesquisa bibliográfica, documental e entrevistas não estruturadas. De acordo com Ludke e André (2014) é o estudo de um caso, independente da sua complexidade, sempre bem delimitado. Os dados são predominantemente descritivos, podendo interrogar a situação, confrontando-a com outras já conhecidas e com as teorias existentes, sendo o processo rico em elementos emergentes. Os estudos de caso, portanto,  buscam representar os diferentes pontos de vista, inclusive conflitantes, presentes numa situação social: a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas, não havendo uma única que seja a verdadeira, o que proporciona ao pesquisador trazer essas reflexões como enriquecedoras para a investigação. Assim, iremos apresentar essas diferentes visões e opiniões a respeito da situação em questão e colocar também a nossa posição (YIN, 2005).
A primeira fase do estudo de caso é chamada de fase exploratória, na qual o planejamento é incipiente, menos delineado do que quando a pesquisa já está mais avançada, pois algumas questões ou pontos críticos podem ir se alternando conforme a pesquisa vai avançando A partir dessas questões, a seleção dos aspectos mais relevantes e a determinação dos recortes e do contorno da pesquisa são fundamentais, pois, a próxima fase do estudo de caso é a delimitação do estudo ou de coleta de dados, e se caracteriza como “coleta sistemática de dados, utilizando fontes variadas, instrumentos – mais ou menos – estruturados, em diferentes momentos e em situações diversificadas”.  Após a coleta de dados, é então realizada a terceira fase do estudo de caso, a análise sistemática desse material. A análise sistemática é realizada, a partir de um “conjunto inicial de categorias que serão reexaminadas e modificadas num momento subsequente, em que aspectos comuns serão reunidos, pontos de destaque separados e realizadas novas combinações ou desmembramentos” (LUDKE E ANDRÉ, 2014, p. 99).
Pensando nisso, buscamos informações sobre o empreendimento e o seu processo de implantação e imediatamente encontramos matérias do Jornal Agora, acerca das manifestações ocorridas pelo movimento de resistência dos moradores contra os impactos que o transporte pesado de caminhos causou a rotina do Corredor do Bolaxa. Realizamos algumas conversas informais com moradores locais, e posteriormente entrevistas com o representante da Associação Comunitária dos Amigos do Bolaxa (ACAMBO), um vereador e um geógrafo, todos envolvidos diretamente com a área do estudo.
Da análise sistemática resultaram três categorias, cujos fatos representantes se entremeiam durante o desenrolar dos acontecimentos: a) O estabelecimento de conflito e os impactos no pertencimento: de mudanças no cotidiano a medidas compensatórias não cumpridas; b) Exercício da cidadania, participação, enfrentamento e a importância do senso de coletividade; c) a ineficácia da gestão pública e a imprevisibilidade da solução de conflitos socioambientais no processo de licenciamento.

2.         A legislação ambiental brasileira e a energia eólica

As normas Constitucionais e o Direito Ambiental, a dimensão da Gestão Ambiental Pública e da Justiça Ambiental, o sentido de pertencimento da comunidade envolvida, de sua capacidade de enfrentamento e da Educação Ambiental (EA) crítica, embasaram nossas reflexões para o estudo das ações de enfrentamento que serão relatadas e discutidas nas próximas seções.
Existem no país várias normas para coibir práticas danosas ao meio ambiente, a partir do estabelecido na Constituição Federal (CF) de 1988, que em seu art. 225 traz a preocupação com o meio ambiente como um referencial para a legislação brasileira.  A partir da promulgação da Lei nº 6938 de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), o conceito de meio ambiente foi definido no art. 3º, inciso I da referida Lei, como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Também, dentre seus princípios, o art. 2º, inciso IX, estabelece a “Educação Ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.  Além dessas normas, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9605 de 1998) e a Lei da Ação Civil Pública (ACP, Lei nº 7347 de 1985) tratam da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 2016).
Por meio da ACP, o licenciamento ambiental constitui-se em instrumento da PNMA, estabelecido pelo art. 9º, inciso IV. A CF, embora não se refira expressamente ao licenciamento, estabelece o estudo prévio do impacto ambiental (EIA), como exigência para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental. Já o processo de regulamentação do licenciamento encontra amparo em Resolução CONAMA nº 001/86 e 237\97, que estabelecem diretrizes gerais para o licenciamento ambiental e a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) nos processos de licenciamento ambiental, definindo, ainda, critérios para sua aplicação e a resolução 462/2014 que altera a resolução 279/2001 que estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir da energia eólica.
Pelo exposto, entendemos que, devido à previsão legal no processo de licenciamento no Brasil e da crescente expansão desse modelo de geração de energia, objetivando o equilíbrio e a qualidade do meio ambiente, é fundamental fazer-se cumprir de fato as normas relativas aos direitos das comunidades do entorno na instalação de grandes empreendimentos voltados à sustentabilidade, além das preocupações ecológicas, posto que

tais empreendimentos, uma possível alternativa ao aquecimento global, apesar de considerados como de pequeno porte pela FEPAM, são apontados, pela própria FEPAM, como causadores de diversos impactos ambientais sobre a avifauna e quirópteros (morcegos), de poluição sonora (ruídos) e de problemas de drenagem. A esses, ainda podemos elencar impactos relativos a interferência eletromagnética, danos ao ecossistema (notadamente de dunas), alteração da paisagem e ao uso e ocupação do solo (ONG CEA, 2013).

Na medida em que estão próximos das pequenas comunidades rurais e\ou urbanas, os empreendimentos intervêm no espaço de interação social, cultural e profissional dos grupos sociais, podendo causar impactos e conflitos socioambientais comprometendo a convivência coletiva saudável.
Como já referido acima, o Estado é considerado o mediador principal do processo de gestão ambiental em nosso país e, aos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), é atribuída a titularidade para avaliar os riscos ambientais e tecnológicos que decorrem dos empreendimentos submetidos ao processo de licenciamento ambiental, constituídas como “instituições peritas, possuidoras de saber científico” (QUINTAS, 2005 p.9).
No contexto da real possibilidade de ocorrência de riscos e impactos que geram os conflitos entre os atores envolvidos, Acselrad nos ensina que os conflitos ambientais constituem-se como aqueles que

envolvem grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando ao menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem, ameaçadas por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos decorrente do exercício das práticas de outros grupos (ACSELRAD, 2004 a, p.26).

É também, manifesta a importância de abrir espaço para “negociações e debates sociais” por meio da educação para que a gestão ambiental pública seja efetiva nos diversos empreendimentos, uma vez que opta por 

 (...) respeitar a pluralidade e diversidade cultural, fortalecer a ação coletiva organizada, organizar os aportes de diferentes saberes e fazeres e proporcionar a compreensão da problemática ambiental em toda a sua complexidade (QUINTAS, 2002, p.11). 

A partir da imposição desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e informacionais, (o que, nesse caso, se considera injustiça ambiental), o conceito de justiça ambiental pretende “denominar um quadro de vida futuro no qual essa dimensão ambiental da injustiça social venha a ser superada”, exprimindo um movimento de ressignificação da questão ambiental” e portanto, “tem sido utilizada, sobretudo, para constituir uma nova perspectiva a integrar as lutas ambientais e sociais” (ACSELRAD, 2010, p.108).
Para Herculano, a justiça ambiental é

o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas (HERCULANO, 2002, p.2).

A EA tem sido caracterizada como um importante processo para auxiliar na resolução de conflitos ambientais entre os grupos e setores sociais ocasionados pela intervenção no espaço público e apropriação dos recursos naturais em nome do desenvolvimento sustentável. Entretanto, é preciso atentar para o fato de que o argumento mais comumente utilizado para fazer esta EA, o de “ganhos mútuos em soluções negociadas” (ACSELRAD, et. al, 2010,p. 54) é, na realidade uma espécie de conivência, fazendo com que esses grupos aceitem as injustiças ambientais e sociais impostas pelo capital de forma articulada com o Estado (MACHADO et. al. 2013).
Desde a emergência da reflexão e da discussão sobre as relações estabelecidas entre os seres humanos e a natureza, existiu uma grande diversidade nas concepções sobre meio ambiente, especialmente no que diz respeito aos processos de sensibilização, conscientização, mudança de valores e ação dos indivíduos nas questões ambientais. Enquanto o enfoque inicial era uma visão mais conservadora dessa relação, notou-se uma transição para uma uma visão mais pragmática, que se tornou hegemônica por ser o reflexo do modo capitalista de produção e assim, objetivou prioritariamente o desenvolvimento econômico nos diversos discursos, projeto e práticas, inclusive na EA.  Nesse contexto, tais práticas, entretanto, mesmo que levem à alteração de certos hábitos e comportamentos, reforçam e ampliam paradoxalmente a exclusão social, o ensino reprodutivista e a lógica daquilo que se diz negar – o consumismo e a cultura do descartável (LAYRARGUES, 2002).
Notoriamente, a Carta de Belgrado 5 e a Conferencia de Tbilisi6 , bem como os outros eventos ocorridos e documentos publicados foram fundamentais para definição dos objetivos, princípios e as estratégias para a EA no mundo, determinando que o processo educativo deveria ser orientado para a resolução dos problemas concretos do meio ambiente, por meio de enfoques interdisciplinares e, de participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade. 
Para Layragues (2004), a EA está associada à responsabilidade social, pela necessidade de ampliar seus os horizontes, uma vez que os problemas ambientais ocorram por meio de mútuas relações de causalidade multidimensional entre os fatores ecológicos, sociais, culturais, econômicos, políticos, territoriais e éticos. Considerando a EA como uma prática educativa imersa na conjuntura social, ela não pode incentivar práticas desvinculadas dessa mesma realidade. Deve, portanto, propiciar o desenvolvimento de uma consciência ecológica no indivíduo, de acordo com o desafio da complexidade das questões ambientais, que por ser fruto de práticas sociais, expõe as comunidades à situação de conflitos socioambientais.
De acordo com Carvalho (2004), a EA é uma educação crítica, imersa nas questões urgentes do nosso tempo, voltada para a compreensão das relações sociedade-natureza e possível intervenção sobre problemas e conflitos ambientais. Esta capacidade crítica busca uma mudança de valores e atitudes que influencia na formação de um sujeito ecológico, ético, sensível e solidário ao meio socioambiental, e assim voltado para a justiça ambiental. Complementa Loureiro (2003, pg. 44) “Não basta uma EA sem capacidade de atuação crítica e teórica”. Ela deve ser capaz de “transformar pela atividade consciente, pela relação teórico-prática, modificando a materialidade e revolucionando a subjetividade das pessoas”. Assim, a EA crítica e transformadora atua junto aos problemas pontuais de cada grupo social alargando-se e conectando-se às questões ambientais em suas dimensões globais, em suas causas e implicações.
Complementando, entendemos importante a reflexão acerca do sentido de pertencimento do grupo social envolvido, como condição central que justificou as ações de enfrentamento gerados pelos impactos e respectivos conflitos ambientais em virtude do descaso dos órgãos gestores e empreendedores no que se refere ao atendimento das medidas mitigatórias prometidas.
Podemos nos sentir responsáveis por aquilo que faz parte do meio natural (ou construído) onde nos inserimos, a partir do cuidado pelo que nos cerca. Esse sentimento se manifesta quando inconscientemente assentimos que tudo o que é material ou cultural ao adquirirmos será nosso por algum tempo e sempre haverá de ser apenas pelo tempo de nossa existência. Assim podemos nos considerar gestores da parte da natureza que nos cabe como beneficiários e usuários (Brandão, 2005).
O sujeito, ao sentir-se pertencente a um grupo, comunidade ou lugar, permite-se intervir nos fatos e acontecimentos que direcionam os seus rumos, o que lhe dá a sensação de participar de alguma coisa maior. O sentimento de pertencimento, neste contexto, se relaciona com a noção de participação: à medida que o grupo se sinta sujeito ativo e passivo das atividades do cotidiano daquele meio, desenvolverá a corresponsabilidade pelo que for construído de forma participativa. Os resultados, sejam quais forem, são pertencentes a todos os seus integrantes.

3.         O estabelecimento de conflito e os impactos no pertencimento: das mudanças no cotidiano a medidas compensatórias não cumpridas

Quem chega a imensa Praia do Cassino (Rio Grande, RS) e olha para sua direita, logo avista as torres em meio às dunas na beira da praia que modificaram o horizonte até então demarcado apenas pelo movimento de interação do mar e da areia. Pelas informações obtidas durante a pesquisa, soubemos que toda a extensão de praia já está devidamente loteada para empreendimentos dessa natureza. Em vista disso nos intrigamos com a escolha deste local tão perto de uma comunidade (mesmo que respeite os 500m de distância exigidos pela legislação). Assim, emergiram inquietações contraditórias acerca dos benefícios da geração de energia limpa e os possíveis impactos e conflitos advindos pela instalação das torres em um ambiente sabidamente rota de aves migratórias e habitado pela comunidade do Bolaxa, bem como da real necessidade daquela intervenção à beira mar, desafiando o imprevisível processo natural que ocorre ao longo dos 220 km de praia, que estende-se  dos molhes da barra do canal de acesso à Lagoa dos Patos, no Balneário Cassino, em Rio Grande, RS, até os molhes da barra do Chuí, na fronteira com o Uruguai.
A opção de instalação do Parque mediante a intervenção do espaço via Corredor do Bolaxa se deu porque o movimento das marés e das dunas gerava instabilidade no terreno à beira mar. Acreditamos que os momentos de desconforto vivenciados por essa comunidade não poderiam deixar de ser valorizados, por entender os moradores do bairro do Bolaxa como cidadãos que tiveram, durante a construção do parque, seus direitos desconsiderados, e que até hoje sofrem por medidas mitigatórias não cumpridas.
A REB Empreendimentos foi a empresa responsável pelo parque eólico do Bolaxa para a construção de 32 torres, com um investimento de R$ 230 milhões, de acordo com o depoimento do geógrafo entrevistado. Para garantir o processo, a empresa passa por algumas etapas, iniciando com o estudo prévio de medições de ventos por um período de cinco anos, seguida por um leilão realizado pela Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para verificar as empresas interessadas e, por fim, um estudo da área, que neste caso levou doze meses para realização de monitoramento de fauna, inventario de flora e levantamento de recursos hídricos.
Em termos de lucros, uma torre proporciona R$ 400 mil/ano. O empreendimento traz retorno financeiro em 8 anos. O parque eólico do Bolaxa não começou a funcionar ainda, pois há pendências judiciais nos terrenos para a instalação das linhas de transmissão conforme informações verbais do geografo integrante da equipe contratada para fazer o licenciamento7 , mas o processo já dura mais de três anos, causando desconforto àquela população durante todo esse período.
O complexo eólico desde o do Bolaxa até o da cidade de Santa Vitória do Palmar compreenderá mais ou menos 750 torres, com a participação das empresas REB, Odebrecht e Ecopart. Após instalado, a manutenção é realizada por cerca de dez funcionários, incluindo o técnico de operação, funcionários para segurança e limpeza. Com relação ao som, a emissão é normal dos ventos predominantes na região, excedendo essa margem apenas em dias muito ventosos. A distância legal prevista é de 400m de propriedades e de 1500m de núcleos urbanos. Neste caso, como o Bolaxa não foi considerado núcleo urbano, não foi necessário realizar um EIA/RIMA, mas um Relatório Ambiental Simplificado (RAS), que não exigia ações de EA. Da mesma forma, artigo 3º, parágrafo 3º, inciso 1º diz que não será considerado de baixo impacto (...), exigindo a apresentação do EIA/RIMA os empreendimentos eólicos que estejam localizados em formações dunares. Neste caso, o EIA/RIMA não foi exigido, mesmo o parque se instalando sobre dunas, características daquela região.
 A distribuição assimétrica social e geográfica dos custos e benefícios decorrentes da transformação do meio ambiente natural ou construído é comum no Brasil e em outras partes do mundo. Assim, determinados atores sociais, por serem detentores do poder (seja ele econômico ou outorgado pela sociedade) possuem maior capacidade de influenciar direta ou indiretamente na transformação da qualidade ambiental, a qual, por sua vez, influencia a qualidade de vida das populações. Nos referimos a empresários, membros do poder judiciário, legislativo e executivo, (principalmente os ligados a órgãos ambientais), das agências estatais de desenvolvimento, assim como jornalistas e professores, entre outros que possam legitimamente influenciar a população, enquanto referência na sua área de atuação, e que nem sempre levam em conta os interesses e necessidades das diferentes camadas sociais direta ou indiretamente afetadas.
Após a realização da análise sistemática, as falas dos sujeitos entrevistados resultaram em três categorias, que serão discutidas em sequencia, para que não se perca a lógica histórica dos fatos.
 Na primeira categoria, a qual intitulamos “O estabelecimento de conflito e os impactos no pertencimento encontramos aspectos relacionados ao estabelecimento de conflito, bem como as mudanças no cotidiano, relacionadas especialmente à poeira, aos riscos para os moradores, especialmente em virtude das modificações no trânsito, às questões de saúde pública também relacionadas à poeira, bem como as dificuldades de comunicação entre os responsáveis pelo empreendimento e moradores. Além disso, as ações ou omissões relacionadas ao cumprimento ou não de medidas mitigatórias e compensatórias não cumpridas, além da duração do conflito.
A segunda categoria, denominada “Exercício da cidadania, participação, enfrentamento e a importância do senso de coletividade” traz as falas dos entrevistados relacionadas à organização da comunidade para se contrapor à situação estabelecida, incluindo a questão do desinteresse da comunidade e da falta de empoderamento e de alteridade.
Por fim a última categoria, intitulada “Sobre a ineficácia da gestão pública e a imprevisibilidade da solução de conflitos socioambientais no processo de licenciamento”, discutiremos as falas relacionadas à ineficiência da gestão pública neste processo e a ausência de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis.
Segundo os relatos dos representantes comunitários analisados, a seguir, houve um primeiro contato com a comunidade em 2011, uma reunião com os moradores locais solicitada pela empresa8 , na qual foram discutidos os benefícios da energia eólica e os impactos possíveis do empreendimento sobre a vida da comunidade.

 (...) o Corredor do Bolaxa tem um leito arenoso e eles propuseram colocar saibro para estabilizar o terreno para a passagem dos transportes de carga para equipamentos necessários a construção e instalação do parque(...).(relato de “V”).

Assim, a comunidade do Bolaxa, que perfazem em torno de 5000 pessoas, acreditou que estariam garantidas algumas medidas mitigatórias, dentre outras promessas.  De posse de uma licença prévia obtida via Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), caminhões, máquinas e diversos equipamentos pesados começaram a transitar pela via principal, onde existem moradias, pequenos comércios e a Escola Municipal de Ensino Fundamental Ana Nery, na qual estudam em torno de 400 crianças.
Das medidas acordadas inicialmente (entre REB Empreendimentos e a comunidade), foi colocado uma cerca na frente da escola para proteção da comunidade escolar, assim como três camadas de saibro na via principal, para facilitar o acesso dos veículos pesados de transporte dos equipamentos 9 necessários para montagem das 32 torres eólicas do parque. A partir de então, sem trégua, o pó e as rachaduras começaram a invadir nas casas dos moradores; causando danos à saúde e impossibilitando a rotina das donas de casa. Além disso, o receio do perigo iminente às crianças e os ruídos causados pelo trânsito, cujas normas de velocidade nem sempre foram respeitadas, começaram a gerar o desconforto e consequentemente modificar o cotidiano daquelas pessoas acostumadas a um ambiente bucólico, quase rural.

(...) e no verão posterior, quando o sol era muito forte, a poeira levantava muito e interferiu diretamente na vida das pessoas, limpavam a casa e daqui a pouco tinha pó dentro de casa (...) eu não moro no corredor, mas passava por ali, ficava conversando com as pessoas (...) o saibro melhorou muito mais pra quem não mora diretamente no corredor, porque tu passa por ali, passa de carro, passa de moto,(...) mas pra quem mora ali ficou complicado as crianças deixaram de brincar ali (...)aqueles que tinham problemas com rinite pioraram, algumas casas tiveram suas estruturas abaladas pelo peso dos caminhões o trânsito era intenso e, muitas vezes a velocidade permitida não era respeitada (....)passavam numa zona urbana a 70, 80 km\h, na frente da escola (...)e isso começou a causar atritos entre os moradores, a comunidade, a Associação à frente desse processo e o parque eólico (relato de “R”)

Instalado o conflito, todo o processo de resistência pela manutenção de uma saudável qualidade de vida, direito garantido pela CF, fica registrado por uma grande mobilização da comunidade, com o fechamento compulsório das vias de acesso ao bairro, impedindo a passagem dos caminhões de transporte de equipamentos, forçando a ocorrência de algumas reuniões entre os representantes da prefeitura, da FEPAM e da empresa responsável pelo empreendimento, além da pavimentação de quase 1 km da via principal.

Nós tínhamos contato com um rapaz que era muito atencioso, mas ele tinha poderes limitados, ele fazia esse meio campo entre a empresa e os moradores. Era representante da prestadora de serviços do grupo(...). Como Associação, começamos a trabalhar (...) pressionamos o antigo governo a se comprometer com a pavimentação, mas o antigo governo não quis documentar isso, quis deixar só na palavra empenhada e na palavra empenhada nós não aceitamos(...)e nós continuamos a lutar, interrompemos o trânsito e tudo o mais até que mudou o governo. (relato de “R”)

É inconcebível que um empreendimento desse porte, que interfira diretamente na vida de uma comunidade, não contemple em seu projeto as medidas mitigatórias mínimas aos possíveis prejuízos que por certo ocorreriam, ou, no mínimo, a instalação de uma ouvidoria competente e eficaz, para que tais ocorrências pudessem ser registradas assim que surgissem. Havia uma espécie de “porta-voz”, “ouvidor”, que não resolvia nada. Isto é, o empreendimento utilizou a principal via de acesso de uma comunidade para a instalação de 32 torres de energia eólica, que demandam 20 carretas para o transporte de cada aerogerador, sem levar em conta nas consequências durante quase três anos na rotina diária daquela comunidade. A pavimentação da via de acesso teve prioritariamente a finalidade de receber o transporte dos equipamentos, não o bem-estar e a qualidade de vida dos moradores.      

Marcamos uma reunião com o prefeito, tipo 3h da tarde, o prefeito recebeu a empresa, e os moradores. O “V” e a “E” foram (...) eu fiquei (...) em síntese a empresa não tinha como fazer na rua diretamente, eles precisavam de um financiamento do BNDS. E o financiamento do BNDS não contemplava a rua, a rua é do poder executivo fazer... ( relato de “R”).

É triste ver que uma coisa que é boa que envolve milhões e milhões de reais, não guardar, não reservar um milhãozinho, não reservar 500 mil, não se preparar pra dar uma contrapartida social...isso é um absurdo...e isso vem acontecendo...              (relato de “V”)
             
Depreende-se do comentário acima, que a empresa, por força de lei, não poderia asfaltar a via de acesso, que isso caberia ao poder público. Mesmo assim isso é incompreensível na medida em que já deveria estar previsto o dano e a medida mitigatória, no projeto da empresa (e o acordo entre empresa\gestor público), uma vez que pretendiam utilizar a via que atravessava o principal acesso a comunidade do Bolaxa. Da mesma forma, fica claro, a capacidade crítica e a coragem para a mobilização e o enfrentamento da situação de alguns integrantes da comunidade local, portanto, obtiveram um ganho mínimo nas medidas mitigatórias devidas pela empresa responsável pelo empreendimento.

(...)bom nós vamos trancar...não vamos aturar...esse é o nosso momento...se nós fraquejarmos agora...vamos perder o trem da história...aí não teremos mais moeda de troca (...)alguns moradores ainda reclamaram...a gente deixava passar moradores...era a empresa...e ainda não gostaram(...)Estávamos preparados pra ficar uma semana se fosse necessário sem a empresa trabalhar...e eles precisavam trabalhar, porque eles tinham prazo... e já estavam atrasados... ( relato de “R”)

O sentido de pertencimento ao seu local de moradia, o conhecimento de seus direitos e seu poder de mobilização, principalmente de lideranças locais, foi o único agente de defesa da comunidade e do meio ambiente no processo. Ao perceber os prejuízos à qualidade de vida daquela comunidade pela ação do empreendedor, buscaram intervir efetivamente para a defesa e garantia de seus direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Dos excertos extraídos das falas dos sujeitos entrevistados, podemos perceber o grande incômodo causado pela construção do parque eólico, e que, somente após uma grande mobilização realizada pela comunidade, os conflitos gerados pela instalação do Parque foram considerados e algumas medidas mitigatórias foram tomadas pela empresa construtora, enquanto outras ainda não saíram do papel, como a reforma da Escola Ana Nery como compensação ficou no esquecimento. Sem esquecer que, como o Parque não começou a funcionar, não se sabe qual será o efeito causado pelo ruído das torres em pleno funcionamento.

Então se negociou na época que eles fariam uma escola nova que seria no ABC, ainda não fizeram está documentado, uma escola nova, a ciclovia do bairro, que tb não fizeram e a ampliação da escola do bairro...a contrapartida da REB pra prefeitura fazer a rua....até hj ela não fez a parte dela ( relato de “V”). 

Os Parques Eólicos são empreendimentos que atuam beneficamente como complementares à geração da energia elétrica, não significando, entretanto, que estejam isentos de minuciosa avaliação dos espaços escolhidos para a sua instalação. Dentro dessa linha de pensamento, há que considerar que o atual modo socioeconômico de produção capitalista sempre prioriza as cifras geradas por qualquer empreendimento e secundariamente os benefícios que este pode trazer para as comunidades e o meio ambiente envolvido.

(...)essas empresas estrangeiras , multinacionais não estão preocupadas com o social com o ambiental...nada, estão preocupadas somente com o lucro (relato de “R”).

A mídia também teve um importante papel, conforme podemos observar nos extratos das notícias da época do Jornal Agora, sem a intervenção através de ampla divulgação dos acontecimentos, a atuação da comunidade seria ainda mais desvalorizada. Aqui também ilustram e confirmam os relatos dos entrevistados acima:

Temos atestado médico de pessoas que estão com problemas de saúde por causa da poeira", frisa H. M. (...)Os moradores não abrem mão pavimentação do trecho, lembrando que a poeira em dias de sol, e a lama em dias de chuva, são problemas graves que a população local enfrenta. A rua recebeu três camadas, de saibro e de pó de saibro, e este pó está interferindo na saúde, principalmente das crianças, diz Virgínia. Muitas donas de casa estão estendendo as roupas lavadas na cozinha ou na sala de visitas, pois na rua não há condições, salientam”.(...)“Desde junho do ano passado que escutamos esta conversa. E a pavimentação até agora nem foi começada”.(...)Não conseguimos empréstimo para asfaltar uma rua, pois isso é de competência da administração municipal".(...) No entanto, nada foi feito e tudo ficou apenas na proposta. Outra proposta apresentada foi a Prefeitura assumir toda a pavimentação, mão de obra, material e infraestrutura e a empresa adotar a escola da localidade, Ana Neri, que necessita de grandes reformas, em um valor de R$ 1 milhão e 200 mil (JORNAL AGORA, 2013).

Nesse sentido, o entendimento de que as diretrizes que permeiam as decisões sobre os empreendimentos sempre representarão benefícios para uns e prejuízos para outros, no que tange a lucro para empresários, votos para políticos, aumento de arrecadação para Governos, emprego para trabalhadores e desemprego para outros, conforto pessoal e melhoria da qualidade de vida para moradores de determinada parcela e, ao mesmo tempo, implica prejuízo para outros, como perda de propriedade, empobrecimento dos habitantes de determinada região, desagregação social e outros problemas que caracterizam a degradação socioambiental das comunidades, além de ameaça à biodiversidade e outros problemas ecológicos, o que representa o injustiça socioambiental (grifo nosso) que envolve estes emprendimentos.
Consideramos que, a partir do exposto, não houve respeito aos princípios da precaução e prevenção (CF, 1988, art 225,§1º i IV e V) pelo órgão licenciador, que ao conceder a licença prévia não valorizou critérios socioambientais nos procedimentos de análise técnica do EIA, pois apenas os aspectos físicos e bióticos do meio ambiente foram levados em conta, de acordo com o disposto no item 10 da licença de instalação (LI nº 724\2012-D 10). Da mesma forma, a consulta à comunidade afetada serviu apenas proforma, excluindo do processo os aspectos sociais e culturais. Da análise do referido documento, fica claro que o aspecto socioambiental nunca foi incluído para a concessão da licença, em desacordo com a resolução 462/2014, nos itens do termo de referência que dizem respeito ao meio socioeconômico (5.3) que define os termos para caracterização populacional, uso e ocupação do solo, estrutura produtiva e de serviços e demais itens,  que nos leva a concluir que a gestão ambiental pública, no que se refere aos cuidados com a comunidade do entorno, não foi efetivada, na sua via principal que é o licenciamento, para a instalação do empreendimento.
Os entrevistados registram que a FEPAM, após conceder o licenciamento, não fiscalizou as ações dos responsáveis pelo empreendimento, deixando a comunidade à mercê dos problemas causados, em desacordo com uma de suas principais atribuições, a de aplicação da legislação ambiental, fiscalização e apoio à mobilização da comunidade. Analisando e comparando os relatos dos sujeitos e a LI, entendemos que, por não terem sido previstos, determinados procedimentos não poderiam ser exigidos, mesmo que tenham sido prometidos nas reuniões anteriores entre os moradores e os representantes da empresa. Portanto, a única saída para os moradores do Bolaxa foi o enfrentamento através do fechamento do acesso ao local do empreendimento.
Entendemos que o processo de gestão e licenciamento não pode ser considerado como a expedição de um mero alvará, e que as licenças não podem ser concedidas sem considerar as questões socioambientais envolvidas. Alia-se a este problema a realidade do sucateamento dos órgãos ambientais (fragilização estrutural, técnica e administrativa), que dificulta a fiscalização e avaliação técnica dos licenciamentos, problema para o qual também devemos exigir soluções, buscando a capacitação e qualificação desse setor.
Na perspectiva de uma educação para a Gestão Ambiental, Quintas e Gualda (1995, apud LAYRARGUES, 2002) definem meio ambiente como “o fruto do trabalho dos seres humanos, relacionando o meio natural ao social”. Para esses autores “no processo de transformação do meio ambiente, são criados e recriados modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza” entre sujeitos sociais diferentes e, portanto, condicionada à existência de interesses individuais e coletivos normalmente opostos. Nesse contexto, a gestão ambientalatua como mediadora de conflitos socioambientais entre a diversidade de atores sociais envolvidos, e também deve reconhecer a assimetria dos poderes sociais, políticos e econômicos.
No momento em que os responsáveis pelo empreendimento e os órgãos públicos, que deveriam agir na prevenção, reparação e repressão aos danos, falharam, coube tão somente a um grupo de ativistas a luta pelos direitos assegurados pelas leis de defesa do meio ambiente. Considera-se que a gestão ambiental pública neste caso não foi eficaz, posto que o órgão gestor não cumpriu seu papel.
As empresas detentoras de poder econômico e em nome de uma pretensa evolução tecnológica, quando decidem investir em algum projeto, usam dos mais convincentes artifícios para atingir seus objetivos, que não incluem a preservação da dignidade dos desfavorecidos, apesar da luta em favor da justiça ambiental.
Quintas, Gomes e Uema, orientam que

O processo de EA se torna eficaz na medida que possibilite ao indivíduo perceber-se como sujeito social capaz de compreender a complexidade da relação sociedade-natureza, bem como de comprometer-se em agir em prol da prevenção de riscos e danos socioambientais causados por intervenções no ambiente físico natural e construído como determina a Política Nacional de EA (Lei 9.795/99) e o Decreto 4.281/02 que a regulamenta (Quintas, Gomes e Uema, 2005).

Acreditamos, nesse contexto, que o investimento em uma EA crítica (CARVALHO, 2004) que emancipa e transforma os cidadãos, proporciona aos seus detentores a aptidão para o questionamento e reflexão permanente acerca dos danos que os representantes do desenvolvimento insustentável podem oferecer às comunidades, constituídas geralmente por pessoas simples, sujeitas a serem ludibriadas com falsas promessas.  Na mesma linha de pensamento, a criação das leis e instrumentos para a gestão ambiental, no Brasil, ainda não significou de fato a implantação de políticas de qualidade a vida para as comunidades e a proteção dos recursos naturais, porque não decorreu de um processo democrático entre o poder público e a sociedade, sendo fruto do poder decisório da tecnocracia (LAYRARGUES, 2002).

4.         Considerações Finais

Reafirmamos aqui, apesar da discussão acerca dos conflitos e impactos causada pelo caso do Parque Eólico do Bolaxa, que a geração de energia renovável tão desejada pelos ambientalistas é por certo considerada uma das alternativas energéticas limpas, capaz de contribuir para o equilíbrio na relação entre ser humano e meio ambiente. Entretanto, como todo e qualquer processo em que haja intervenção no meio ambiente, deve vir acompanhada da responsabilidade socioambiental durante todo o seu processo, o que neste caso específico foi malconduzido no que se refere a atuação da gestão ambiental pública.
Apesar da legislação em vigor, o Brasil precisa estabelecer metas precisas e optar por um planejamento claro e objetivo na questão da fonte eólica, a fim de garantir o desenvolvimento dos projetos sérios e competentes que não comprometam os direitos das comunidades e a preservação do meio ambiente. Instalado o conflito de interesses a partir dos impactos ambientais surgidos pelo descaso de quem de direito deveria estar atuando, urge que os indivíduos tenham um mínimo de conhecimento de seus direitos, para que possam se impor no enfrentamento de possíveis danos gerados pela ânsia do investimento sem o real comprometimento com preservação do meio ambiente.
Acreditamos que a EA é um importante processo para a implementação de quaisquer empreendimentos que afetem o meio ambiente e a qualidade de vida das populações. Entretanto, para que seja eficaz no processo de gestão ambiental, sugerimos que ela deve ser dirigida a todos os sujeitos envolvidos: empreendedores e agentes públicos, além dos grupos do entorno envolvidos desde o início do processo, àqueles que se interessarem a concorrer aos leilões de fonte eólica, assim como de outros empreendimentos que possam causar riscos ambientais.
Como nos ensina Loureiro,
para existir uma EA transformadora, é necessário destacar a realidade da maioria, democratizar o acesso à informação, entender a sociedade em suas múltiplas contradições. É fazer com que os diversos setores sociais incorporem a práxis ambientalista, ressignificando-a, e tornem a EA uma política pública democrática (LOUREIRO, 2003, p. 50)

Mesmo que seja competência do IBAMA criar instrumentos que orientem e normatizem as relações licenciador/licenciado neste campo, enquanto órgão responsável pelos processos de licenciamento federal e pela implementação das políticas e diretrizes na área de EA, reafirmamos a importância da compreensão dos riscos socioambientais por parte da população afetada por empreendimentos em processo de licenciamento ambiental.
Finalizando, sem a pretensão de esgotar a discussão, com a ausência de políticas ambientais de licenciamento e fiscalização de atividades apropriadas e de políticas sociais e de emprego consistentes, as populações mais desfavorecidas e desorganizadas tenderão a sucumbir às promessas de emprego ou vantagens, quaisquer que sejam seus custos, esvaziando as lutas por justiça ambiental no Brasil. O fenômeno da ambientalização, que vem sendo construído e exposto à sociedade, pode designar tanto o processo de adoção de um discurso ambiental genérico por parte dos diferentes grupos sociais como a incorporação concreta de justificativas ambientais para legitimar práticas institucionais, políticas, científicas (ACSELRAD, 2010)
Devemos considerar, portanto, que existe tanto o conflito como o diálogo entre diferentes interesses e interpretações no discurso da ambientalização na perspectiva da EA, uma vez que a própria concepção transformadora propõe, em maior ou menor proporção, a crítica ao atual modelo socioeconômico e sua superação. Nesse sentido, acredita-se que a discussão sobre os conflitos ambientais deveria ter mais espaço nas pesquisas em EA, justamente para refletir entre a práxis e questionar qual é a EA que se pretende inserir na resolução de conflitos, com vistas a justiça ambiental, num cenário no qual as políticas públicas tem defendido o interesse dos representantes do poder econômico.

5.         Referencias

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* Bacharel em Direito,; servidora publica federal em educacao UFPel; Mestre em Educacao Ambiental, Universidade Federal de Rio Grande, e-mail: danypieper@gmail.com

** Biologa, servidora publica federal em educacao\UFPel;Mestre e Doutoranda em Educacao Ambiental; email: biogre@gmail.com

*** Professor Universitario, licenciado em geografia. Mestre em Educacao Ambiental; Doutorando em Geografia, Universidade Estadual do Rio de Janeiro; email_ geo_rafael@gmail.com

1 Subcomissão mista da energia eólica da Assembleia Legislativa do RS.POA 2008. http://www.al.rs.gov.br/download/Subenergia_Eolica/RF_energia_eolica.pdf. acessado em 17\10\2014

2 http://www.mma.gov.br/clima/energia/energias-renovaveis/energia-eolica

3 Parque Eólico no Corredor do Bolaxa: O engenheiro da empresa Gamesa Eólica Brasil, adiantou que no ponto alto da construção, pelo menos 250 empregos serão gerados com preferência, segundo ele, é para a mão de obra local, dando prioridade aos moradores daquela região. Parque Eólico do Senandes: empresa responsável é a Odebrecht Energia A licença da FEPAN, permite a transmissão de 48 quilômetros que ligará os quatro parques do Complexo à subestação Quinta da CEEE. Em sua primeira fase do Complexo Eólico Corredor do Senandes é formada pelos parques Corredor do Senandes II, III e IV, e Vento Aragano I. Os empreendimentos receberão investimentos totais da ordem de R$400 milhões e têm previsão de início de geração em janeiro de 2014. Durante a implantação, serão gerados cerca de mil empregos diretos e indiretos com priorização de contratação de mão de obra local.

4 O empreendimento integra o Complexo Eólico Campos Neutrais, considerado o maior da América Latina, incluindo os parques Chuí e Hermenegildo, ainda em implementação com 583 megawatts de capacidade prevista, gerando 4,8 mil empregos diretos e indiretos. Para escoar a produção dos parques e integrar a Zona Sul ao Sistema Interligado Nacional, foi implantado um novo sistema de transmissão, que compreende cerca de 470 quilômetros de linhas de extra-alta tensão, entre outras ações. Dessa forma o Parque Geribatu representa um incremento de 30% na potência instalada no Estado. Conta com 129 aerogeradores (cata-ventos) distribuídos em dez usinas, em uma área de 47,5 quilômetros quadrados. O parque e os sistemas de transmissão associados somam R$ 2,1 bilhões em investimentos e fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2). A Eletrosul e a FIP Rio Bravo Energia I são parceiras no empreendimento.

5 Carta de Belgrado, então Iugoslávia, publicação fruto  de um Congresso que reuniu especialistas em educação, geografia, biologia e história entre outros ( REIGOTA, 1994, pg, 13).

6  Tbilizi, na antiga União Soviética, Conferência organizada em parceria entre UNESCO e o Programa de Meio Ambiente da ONU – PNUMA. 

7 Informação verbal

8 REB, Empreendimentos e Administradora de Bens S\A, representante do GRUPO SANTANDER.

9 “para transportar um aerogerador, são necessárias, pelo menos, 20 carretas (...). 32 delas nos parques eólicos do Bolaxa (...) cada torre tem em média 90 metros de altura. http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/print.php?id=43594. Acessado em 18\08\2016.

10 Licença de Instalação concedida pela FEPAN, Processo nº 11.536-05.67\11-2

Recibido: Septiembre 2016 Aceptado: Octubre 2016 Publicado: Octubre 2016


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