Revista: DELOS Desarrollo Local Sostenible
ISSN: 1988-5245


PEGADA ECOLOGICA E A BIOCAPACIDADE FRENTE AOS DESAFIOS DO AGRONEGOCIO

Autores e infomación del artículo

Luciana Paim Pieniz*
Igor Senger**

Universidade de Cruz Alta/RS, Brasil

lpieniz@unicruz.edu.br


Resumo

Uma das principais preocupações da sociedade na atualidade concentra-se nas questões relativas ao uso dos recursos naturais conjugado ao aumento da demanda por alimentos. Um dos aspectos preocupantes é o contingente de pessoas que ainda encontra-se em condição de severa desnutrição. Neste contexto, o presente artigo tem como objetivo evidenciar e traçar algumas análises referentes às pegadas ecológicas e a biocapacidade de alguns países com base nos dados fornecidos pela Global Footprint Network. Procura-se observar também a situação dos países situados dentre as mais importantes economias industrializadas e emergentes no cenário mundial (G20) e do BRICS. Os apontamentos finais indicam que o planeta apresenta um déficit de biocapacidade, ressaltando que os países do G20, que correspondem a 70% da população mundial, exercem pressão nos indicadores mundiais, principalmente pela demanda por alimentos e biocombustíveis. O grande desafio do mundo nos próximos anos perpassa por minimizar os impactos do consumo do alto padrão de vida dos habitantes dos países desenvolvidos e minimizar os impactos do alto crescimento populacional nos países mais pobres, buscando aproximar a pegada ecológica à biocapacidade do planeta.

Palavras chave: recursos naturais, sustentabilidade, capital natural, pegada ecológica, biocapacidade

Abstract

One of the main concerns of society today focuses on issues related to the use of natural resources combined with increased demand for food. One aspect of concern is the number of people who still find themselves in a condition of severe malnutrition. In this context, this article aims to highlight and draw some analysis regarding the ecological footprint and biocapacity in some countries based on data provided by the Global Footprint Network. Search also, observe the situation of the countries situated among major industrialized and emerging economies on the world stage (G20) and the BRICS. The final notes indicate that the planet has a biocapacity deficit, noting that the G20 countries, which account for 70% of world population, exert pressure on global indicators, mainly by demand for food and biofuels. The big challenge in the coming years the worlds, go through minimizing the impacts of consumption of the high standard of life of the inhabitants of developed countries and minimize the impacts of high population growth in the poorest countries, seeking to approximate the footprint biocapacity of the planet.

Keywords: natural resources, sustainability, natural capital footprint, footprint, bio capacity


Para citar este articulo puede utilizar el siguiente formato:

Luciana Paim Pieniz e Igor Senger (2016): "Pegada ecologica e a biocapacidade frente aos desafios do agronegocio", Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 25 (febrero 2016). En linea: http://www.eumed.net/rev/delos/25/agronegocio.html


1          Introdução

Atualmente há uma forte preocupação por parte da sociedade em respeitar os conceitos de sustentabilidade nos sistemas produtivos, principalmente os relacionados com a produção de alimentos. No entanto, ainda existem algumas divergências sobre o conceito de sustentabilidade, sobretudo por conta do grau de importância que esta assume frente aos aspectos econômicos e ambientais. Nesse contexto emerge a busca incessante por uma medida específica e mensurável do conceito de sustentabilidade.
Por sua vez, o aumento da população e do consumo mundial de alimento está colocando demandas sem precedentes na agricultura e nos recursos naturais. Pesquisas recentes relatam que cerca de um bilhão de pessoas estão cronicamente desnutridas, enquanto os sistemas agrícolas estão simultaneamente degradando a terra, a água, a biodiversidade e o clima em escala global. Para atender a segurança alimentar do mundo no futuro e as necessidades de sustentabilidade, a produção de alimentos deve crescer substancialmente, enquanto, ao mesmo tempo, o impacto ambiental da agricultura deve diminuir acentuadamente (FOLEY et al., 2011).
Uma duplicação na demanda global de alimentos projetada para os próximos 50 anos coloca enormes desafios para a sustentabilidade, tanto da produção de alimentos e dos ecossistemas terrestres e aquáticos, quanto dos serviços prestados à sociedade. Os agricultores são os principais gestores das terras utilizáveis e moldarão, talvez irreversivelmente, a superfície da Terra nas próximas décadas. Novos incentivos e políticas para garantir a sustentabilidade da agricultura e dos serviços ambientais serão fundamentais para que se possa atender às demandas de produção, melhorando e aumentando a produtividade sem comprometer a integridade ambiental e a saúde pública (TILMAN et al., 2002).
Segundo Christofidis (2006), existem no mundo cerca de 800 milhões de pessoas em condições de insegurança alimentar e as estatísticas sobre a fome e a garantia de alimentos no mundo são estarrecedoras, conforme as previsões de crescimento populacional. As estimativas apontam que nos próximos 50 anos, 70% dos habitantes do planeta enfrentarão deficiências no suprimento de água repercutindo em cerca de um bilhão e seiscentos milhões de pessoas que não terão água para a obtenção da alimentação básica.
Hoje no mundo, uma área de aproximadamente 1.532 bilhão de hectares está alocada à produção agrícola, dos quais 278 milhões de hectares em áreas irrigadas. A área de 18% sob cultivo irrigado produz cerca de 40% da produção agrícola total, enquanto os cultivos de sequeiro respondem pelo restante. A estimativa de potencial para acréscimo na área mundial irrigada situa-se em 190 milhões de hectares, e considera o potencial das áreas situadas no Brasil de um incremento, desse total, em 26 milhões de hectares. O Brasil detém um potencial superior a 13% das capacidades mundiais de incorporação de novas áreas à agricultura irrigada.
Desta forma, a produção agrícola gera uma pegada ecológica, que por meio de dados globais mostram que a humanidade está usando os recursos e produzindo dióxido de carbono (CO2) a uma taxa 44% maior do que a natureza pode regenerar e reabsorver. Essa lacuna, conhecida como overshoot ecológico, resulta no esgotamento do capital natural que todas as espécies, incluindo a nossa, dependem para sua subsistência. Ele também resulta no acúmulo de CO2 que conduz à mudança climática, com implicações profundas para os ecossistemas e as espécies que eles suportam, bem como para o bem-estar da nossa sociedade e estabilidade econômica (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2013).
Além disso, tem-se o conceito de pegada hídrica, um cálculo que ajuda a mostrar a conexão entre o consumo diário de produtos (industrializados ou não) e os problemas da escassez e poluição de água que ocorrem nas regiões onde são produzidos. Criado em 2002 por Arjen Hoeksta, na Holanda, somente agora o conceito começa a ser aplicado nas organizações. A pegada hídrica serve como um indicador da quantidade de água gasta na fabricação de todos os tipos de produtos que são consumidos (do café a uma peça de roupa). Com essa ferramenta, toda a cadeia produtiva entra em análise, permitindo a identificação dos pontos críticos de uso e contaminação dos recursos hídricos naturais, gerando informações importantes para as decisões, tanto no nível institucional com do consumidor.
Através do comércio internacional todos os países negociam commodities intensivas em água, mas poucos governos explicitamente consideram esta uma das opções para economizar água através da importação de produtos intensivos em água ou fazer uso de relativa abundância de água para produzir commodities intensivas em água para exportação. Além disso, ao olhar para o uso da água em apenas seu próprio país, os governos não têm uma visão abrangente da sustentabilidade do consumo nacional. Muitos países têm significativamente exteriorizado sua pegada de água sem considerar se os produtos importados estão relacionados com o esgotamento da água ou poluição nos países produtores. O conhecimento da dependência de recursos hídricos em outros lugares é relevante para um governo nacional, não só ao avaliar sua política ambiental, mas também quando se avalia a segurança alimentar nacional (MEKONNEN E HOEKSTRA, 2011).
A discussão deste artigo permeia a seguinte indagação: será possível, dentro dos próximos 20 anos, suprir as necessidades básicas da população mundial, dado o paradigma do aumento do contingente populacional e sua demanda por alimentos, e de outro lado a escassez de recursos naturais? Desta forma, o presente estudo possui como objetivo principal demonstrar e analisar as pegadas ecológicas e a biocapacidade de alguns países através dos dados fornecidos pela Global Footprint Networks. Procura-se observar também a situação dos países situados dentre as mais importantes economias industrializadas e emergentes no cenário mundial (G20) e das economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS).
Para tanto, foi utilizada uma base de dados fornecida pela Global Footprint Network, a qual relata a pegada ecológica e a biocapacidade total no ano de 2008 dos 150 países com mais de um milhão de habitantes. Nesta base de dados tem-se detalhadamente cada um dos componentes da pegada ecológica e da biocapacidade de cada país, além de calcular se existe déficit ou reserva de biocapacidade em cada país. Por meio desta base de dados foram filtradas algumas informações, sendo geradas tabelas demonstrando os dados das principais regiões do planeta e dos países do G20.

2         Footprint e a biocapacidade no contexto do agronegócio

O termo footprint, traduzido como pegada vem ganhando espaço nas discussões acadêmicas referentes ao agronegócio, demonstrando os diversos rastros que a produção de alimentos proporciona ao meio ambiente e sua relação com a necessidade de produção de mais alimento para os próximos anos. Tais rastros estão relacionados com a emissão dos gases do efeito estufa, uso e poluição da água, utilização da terra para fins de habitação, pastagens, pesqueiros, florestas, etc. Dentre os principais tipos de pegada estão à pegada ecológica, pegada da água e pegada de carbono.
A pegada ecológica é um indicador territorial introduzido por Wackernagel e Rees em 1996 para medir a demanda de capital natural das atividades humanas. Este tipo de pegada é uma forma de documentar as demandas por recursos e assimilação de resíduos necessários, direta e indiretamente, para manter o estilo de vida de uma determinada população ou para sustentar uma economia local, regional, nacional ou global, ou ainda para manutenção de um processo de produção (NICCOLUCCI et al., 2008).
A Global Footprint Network (2013) define pegada ecológica como sendo a medida da quantidade de área de terra e de água biologicamente produtiva que um indivíduo, população ou atividade requer para produzir todos os recursos que consome e para absorver os resíduos que gera, usando a tecnologia vigente e práticas de gestão de recursos. Geralmente é medida em hectares globais, considerando que o comércio é global e a pegada de um indivíduo ou país inclui terra ou água de todo o mundo.
Gaodi et al. (2012) destacam que a pegada ecológica é uma medida criada para responder ao questionamento: Quanto da capacidade regenerativa de nosso planeta estamos usando?, através do cálculo da demanda que o consumo humano e a produção de lixo exercem sobre a Biosfera. Para os referidos autores, a pegada ecológica de determinada população humana é a soma de solo cultivável, pastagens, florestas, pesqueiros, solos urbanizados e solo para absorção de carbono (Pegada de Carbono) necessária para a produção de alimentos, fibras e madeira por ela consumidos e ainda absorver o CO2 gerado (GAODI et al., 2012).
O carbono representa a quantidade de florestas que poderiam sequestrar as emissões de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis, excluindo a fração absorvida pelos oceanos, o que leva à acidificação. As florestas representam a quantia de floresta necessária para fornecer produtos de madeira, celulose e lenha. Por sua vez, as terras agricultáveis se referem a quantidade de terras utilizadas para o cultivo de alimentos e fibras para o consumo humano, bem como para a alimentação animal, culturas de oleaginosas e de borracha. As edificações abrangem a quantidade de terra convertida pela infraestrutura humana, incluindo transporte, habitação, estrutura industrial e reservas para hidroelétricas. Os pesqueiros são calculados a partir da estimativa de produção primária necessária para suportar a captura de peixe e marisco, com base em dados de captura de espécies marinhas e de água doce. Por fim, as pastagens representam a quantidade de pastagem utilizada para criação de gado utilizados para produzir carne, lácteos, produtos de couro e lã (GAODI et al., 2012).
Se por um lado tem-se a pegada ecológica, por outro se tem a biocapacidade, que condiz com a quantidade de área disponível para produção capaz de gerar recursos e absorver resíduos, representando a capacidade máxima dos recursos disponíveis, medida em área de terras bioprodutivas (WACKERNAGEL et al., 2002). A biocapacidade representa a capacidade de prever a demanda humana.
A comparação da pegada ecológica com a biocapacidade revela se o capital natural existente é suficiente para suportar padrões de consumo e produção vigentes. Um país cujas pegadas excedem sua biocapacidade acaba tendo um déficit ecológico, o qual pode ocorrer de duas formas: importações de biocapacidade de outras nações (déficit comercial ecológico) e/ou a liquidação do capital natural, também chamado de overshoot ecológico (LENZEN et al., 2007).
Apesar de ser estudada e calculada separadamente, a pegada de carbono está relacionada com a pegada ecológica, o que acaba gerando certo conflito conceitual e metodológico, devido a falta de consenso em como medir ou quantificar este tipo de pegada. Após uma vasta revisão bibliográfica e identificação de várias definições, Wiedmann e Minx (2007) concluíram que a pegada de carbono é uma medida da quantidade total de emissões exclusiva de dióxido de carbono, que é direta ou indiretamente causada por uma atividade ou é acumulada ao longo dos estágios de vida de um produto.
A pegada de carbono é muitas vezes usada como uma abreviação para a quantidade de carbono, geralmente em toneladas, que está sendo emitida por uma atividade ou organização. Por outro lado, o componente de carbono da pegada ecológica tem uma abordagem um pouco diferente, revela a quantidade de dióxido de carbono por quantidade de terra produtiva e área marítima necessária para sequestrar as emissões de dióxido de carbono. Isto nos revela a demanda do planeta resultante da queima de combustíveis fósseis. Em um nível prático, a pegada ecológica nos mostra como comparar as emissões de carbono e a interação com outros elementos da demanda humana, tais como a pressão sobre as fontes de alimento, a quantidade de recursos vivos necessários para transformar nos bens que consumimos e a quantidade de terra retirada da produção quando se constrói cidades e estradas (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2013).
No que se relaciona com a pegada da água, verifica-se que esta é definida como sendo a apropriação humana dos recursos de água doce. É um indicador explícito geograficamente, mostrando não somente os volumes de consumo de água e poluição, mas também os locais. Apropriação de água doce é medida em termos de volume de água consumido (evaporado ou incorporado num produto) ou poluído por unidade de tempo. A pegada de água tem três componentes: verde, azul e cinza. A pegada de água azul se refere ao consumo de recursos de água azul (águas superficiais e subterrâneas). A pegada de água verde é o volume de água verde (água da chuva) consumida, o que é particularmente relevante na produção agrícola. A pegada de água cinza é um indicador do grau de poluição de água doce e é definido como o volume de água doce, que é necessária para assimilar a carga de poluentes existentes com base em padrões de qualidade de água ambiente (MEKONNEN E HOEKSTRA, 2011).
A pegada de água é um indicador de uso de água que observa tanto o uso direto e indireto da água por um consumidor ou produtor. A pegada hídrica serve como um indicador global de apropriação de recursos de água doce, que vai além das tradicionais medidas restritivas de retirada de água. A pegada de água de um produto é definida pelo volume total de água doce, que é usado direta ou indiretamente para produzi-lo, considerando o consumo de água e da poluição em todas as etapas da cadeia de produção. Nesse sentido, a pegada hídrica de uma nação é definida pelo volume total de água doce que é utilizado para produzir os bens e serviços consumidos pelos habitantes do país. Uma vez que nem todos os bens consumidos em um determinado país são produzidos internamente, a pegada de água consiste de duas partes: o uso de recursos hídricos nacionais e uso de água fora das fronteiras do país (HOEKSTRA E CHAPAGAIN, 2007; OEL et al., 2008).
Por sua vez, o conceito do termo água virtual refere-se ao volume de água contida apenas no produto, enquanto o termo pegada hídrica refere-se não apenas ao volume, mas também o tipo de água que foi usada (água verde, azul e cinza) e para onde e quando a água foi usada. A pegada da água de um produto consiste então em um indicador multidimensional, enquanto que o teor de água virtual ou água embutida diz respeito somente ao volume (HOEKSTRA E HUNG, 2005).
De acordo com os estudos de Mekonnen e Hoekstra (2011) a pegada hídrica global bruta no período 1996-2005 foi de 9.087 gm3/ano (74% de água verde, 11% azul e 15% cinza). A produção agrícola contribuiu 92% para o total desta pegada. O volume total de água virtual dos fluxos internacionais relacionados ao comércio de produtos agrícolas e industriais foi 2320 gm3/ano, sendo 68% de água verde, 13% azul e 19% cinza). O comércio de produtos cultivados contribui com 76% do volume total do fluxo internacional de água virtual; o comércio de animais e produtos industriais contribuiu com 12% cada.
Além disso, Mekonnen e Hoekstra (2011) demonstram que no mesmo período a pegada global média dos consumidores foi de 1.385 m3/ano. Aproximadamente 92% desta água estão relacionados com o consumo de produtos agrícolas, 5% com o consumo de produtos industriais e 4% para uso doméstico. Os produtos com base agrícola que mais contribuem para este percentual são os produtos à base de cereais (27%), seguidos pela carne (22%) e produtos de leite (7%). A contribuição das diferentes categorias de consumo para a pegada de água total varia de país para país.
Por outro lado, a economia de água global bruta resultante do comércio de produtos agrícolas no período 1996-2005 foi de 369 gm3/ano, o que equivale a 4% da pegada de água global relacionada à produção agrícola, dos quais 53% se devem ao comércio de cereais, seguido pelas oleaginosas (22%) e produtos de origem animal (15%).

3          A pegada ecológica e os principais rastros internacionais

O aumento da demanda pelos recursos naturais finitos ou limitados é impulsionado principalmente pelo crescimento populacional. A situação geral é um crescimento quase exponencial da procura global, enquanto a biocapacidade não está aumentando na mesma proporção. Isto acentua o desafio, já que o consumo de recursos do planeta não é apenas desigual, mas é, como um todo, muito alto. O uso excessivo dos recursos, a degradação ambiental e o aumento da pobreza estão se movendo rapidamente.
A região da Ásia-Pacifico é a mais populosa, com mais de 3 bilhões de habitantes e está entre as de menor pegada ecológica juntamente com a África (Tabela 1). Esta região, por concentrar o maior número de habitantes, é também a que demandará mais alimento e mais recursos naturais a médio e longo prazo. Por sua vez, a África, o segundo continente mais populoso do planeta, com 938,4 milhões de habitantes, apresenta-se como uma das regiões de menores indicadores de pegada ecológica, aonde a pegada de carbono chega a 0,3 gha/per capita, a menor do mundo.

As regiões de maior pegada ecológica são América do Norte, com 6,2 gha/per capita, seguida da União Europeia, com 4,7 gha/per capita, e em 4º lugar a América do Sul, com 2,7 gha/per capita. O Brasil ainda é um dos poucos países que exporta sua pegada e que na atualidade possui condições de expandir o uso dos recursos naturais, devido aos indicadores que compõe a pegada ecológica.
Na Tabela 2, estão relacionadas às pegadas ecológicas dos países que pertencem ao G20. Verifica-se assim, que a pegada ecológica das maiores economias mundial é liderada pelos Estados Unidos, com um indicador per capita de 7,2 gha, seguido da Austrália e do Canadá, com 6,7 e 6,2 gha/per capita, respectivamente. Embora tenha a terceira maior área de terra, depois da Rússia e Canadá, e seja dotado de riquezas naturais, a capacidade biológica dos EUA tem diminuído desde 1961, tanto em termos per capita como um todo. Em 2005, existiam 5,0 gha de área bioprodutiva por Americano, descendo dos 8,6 gha em 1961.  Atualmente, um americano médio vive com uma Pegada de 9,4 gha devido ao alto consumo e infraestrutura intensiva no uso de energia (WWF, 2012).

De acordo com o Relatório Planeta Vivo Rio+20 (2012) a pegada ecológica acompanha as demandas da humanidade sobre a biosfera por meio da comparação dos recursos naturais renováveis que as pessoas estão consumindo considerando a capacidade regenerativa da Terra ou sua biocapacidade, referente a área de terra efetivamente disponível para a produção dos recursos naturais renováveis e a absorção das emissões de CO2.
Em 2008, a biocapacidade total da Terra foi de 12,0 bilhões de gha (1,8 gha per capita), ao passo que a pegada ecológica da humanidade ficou em 18,2 bilhões de gha (2,7 gha per capita). A extensão de áreas florestais necessária para o sequestro das emissões de carbono é o maior componente da pegada ecológica (55%). Essa discrepância significa que se está vivendo uma situação de sobrecarga ecológica, pois o planeta terra leva 1,5 anos para regenerar por completo os recursos renováveis que estão sendo consumidos pelos seres humanos em um ano. Em vez de extrair nosso sustento dos rendimentos, estamos acabando com o capital natural. Além da análise da pegada ecológica, o presente estudo analisa também a biocapacidade das principais regiões do planeta e de alguns países, conforme os resultados apresentados a seguir.

4          A biocapacidade global: uma análise dos recursos (in)disponíveis.

Considerando que a biocapacidade está relacionada com a área disponível para produção, capaz de gerar recursos e absorver resíduos, medida em área de terras bioprodutivas, pretende-se nesta parte do trabalho demonstrar e analisar os dados referentes aos países que apresentam déficit ou reserva de recursos naturais. Para tal análise são abordados os principais componentes da biocapacidade: lavouras, pastagens, florestas, pesqueiros e terra construída.
Na tabela 3 são evidenciados os dados da biocapacidade global através das principais regiões do planeta. Verifica-se que a população mundial de aproximadamente 7 bilhões de pessoas apresenta uma biocapacidade total 1,8 hectares por pessoa. A América do Sul é a região com maior biocapacidade total, correspondendo à 7,4 hectares por pessoa, seguida de outros países da Europa com 4,9. A América do Norte demonstra a terceira maior biocapacidade total, equivalente a 4,1 hectares, entretanto, é a região com maior pegada ecológica, o que justifica ser o segundo maior déficit de biocapacidade (-2,1).
Subtraindo-se da biocapacidade a pegada ecológica, tem-se como resultado uma reserva ou déficit de biocapacidade. Identifica-se assim que existe no planeta um déficit de biocapacidade de -0,9 hectares por pessoa. A União Europeia e a América do Norte são as regiões que mais contribuem para este índice, com (-2,5) e (-2,1) hectares globais por pessoa, respectivamente. Por outro lado, a América do Sul é a região que demonstra maior reserva de biocapacidade, com 4,7 hectares por pessoa. Com estes dados pode-se perceber a problemática que envolve o crescimento populacional e a limitação dos recursos naturais perante a necessidade de produção de mais alimento, principalmente com as estimativas de que em 2050 a população mundial atingirá os 9 bilhões de pessoas (GODFRAY et al., 2010).

Como a base de dados fornecida pela Global Footprint Network relaciona a biocapacidade total de 150 países com população acima de 1 milhão de habitantes, uma das formas utilizadas para filtrar esta base de dados foi por meio da análise dos vinte países que representam as mais importantes economias industrializadas e emergentes no cenário mundial (Tabela 4). Os países que compõe o G20 correspondem a aproximadamente 10% da quantidade total de países no mundo e representam cerca de 70% da população do planeta.
Mediante os dados apresentados na tabela 4, percebe-se que dentre os países do G20, o Canadá, que apresenta a terceira menor população mundial, destaca-se como o país com maior biocapacidade, 14,9 hectares por pessoa, e constitui-se também na maior reserva de biocapacidade 8,5 hectares por pessoa. A Austrália, que é o país menos populoso do G20, apresenta biocapacidade total de 14,6 hectares, atribuindo-lhes uma reserva de 7,9 hectares por habitante. Por sua vez, a Arábia Saudita, que é o segundo de menor população, demonstra um dos maiores déficits de biocapacidade, com índice de 3,3. Considerando todos os 150 países, Gabão e Bolívia são os que se destacam com biocapacidade total e reserva de biocapacidade iguais a 28,7 e 26,9 e 18,4 e 15,8 hectares por pessoa, respectivamente.
Os Estados Unidos, uma das maiores potências mundiais, demonstra ter a quinta maior biocapacidade entre os países do G20, o equivalente a 3,9 hectares por pessoa. Por outro lado, o país situa-se entre os de maior déficit de biocapacidade, correspondente a -3,3 hectares por pessoa.
Observando as economias emergentes do BRICS, constata-se que o Brasil e Rússia são os únicos que apresentam reserva de biocapacidade. O Brasil situa-se em terceiro lugar no ranking de biocapacidade total com índice igual a 9,6 hectares por habitante, e com uma reserva de biocapacidade de 6,7 hectares. Em contrapartida, Índia, China e África do Sul, demonstram déficit de biocapacidade, com -0,4, -1,3 e -1,4 hectares por pessoa, respectivamente.
Perante estes dados, torna-se evidente a problemática que envolve os dois países mais populosos do mundo. Por um lado a necessidade de produzir alimento e de outro o tamanho da população. Dentre todos os países do mundo, Qatar e Kuwait são os que possuem o maior déficit de biocapacidade, -9,6 e -9,3 respectivamente.

Com as informações preliminares evidenciadas pela exposição dos dados, verifica-se que o comércio internacional é cada vez mais imperioso para algumas nações, quer por questões de acordos comerciais ou por insuficiência produtiva de algumas culturas. Além disso, questões como segurança alimentar permeiam o debate. A reserva de biocapacidade de alguns países e o déficit de outros, demonstra quais são as nações que apresentam grande probabilidade de serem os fornecedores de alimentos para o planeta. Índia, China, Estados Unidos e União Europeia concentram hoje a metade da população mundial, e contabilizam déficits significativos de biocapacidade. A maior demanda de alimentos e subsistência provém destes países, e aqueles que possuem reservas tornam-se uma das principais alternativas de resposta para essa equação.

5          Considerações finais

Com a demonstração das pegadas ecológicas e da biocapacidade dos países é possível perceber e entender a pressão criada pela crescente procura sobre os recursos da natureza em diferentes partes do mundo. O presente estudo evidenciou que os diferentes tipos de pegadas conseguem medir a quantidade de material transacionada entre os países na economia global, através do comércio, da pesca em águas internacionais e das emissões de gases de um país para outro.
Desta forma, as pegadas representam a realidade atual e estimulam discussões acerca da procura humana sobre a natureza e o futuro comum da sociedade. Isto não significa, no entanto, que os países devam caminhar para a autossuficiência e utilizar apenas os recursos dentro das suas próprias fronteiras, e, portanto, não se envolverem no comércio global.
Entretanto, o que foi possível verificar através dos resultados, é que o planeta apresenta um déficit de biocapacidade de -0,9, enquanto que os países do G20 demonstram um déficit de -4,1. Desta forma, percebe-se a influência que uma minoria de países, mas que corresponde a 70% da população mundial, exerce sobre o comércio mundial e sobre a demanda por recursos naturais, principalmente por alimentos.
Verifica-se também que a maioria dos países que compõem o G20 está com sua biocapacidade chegando ao  limite, o que justifica a importação de recursos como a principal estratégia para fornecer suprimentos para sua população e indústrias. Além de suprir suas necessidades, a importação torna-se uma forma de utilizar a reserva de biocapacidade disponível em outros países. Entretanto  esta medida deverá ser conhecida e gerenciada pelos países que ainda possuem reservas e não apenas ser parte de acordos comerciais desiguais e injustos.
O BRICS representa mais de um quarto da área terrestre do planeta e mais de 40% da população mundial. Segundo Farah (2007) a China e a Índia vão se tornar os principais fornecedores mundiais de produtos manufaturados e serviços (respectivamente), enquanto Brasil e Rússia se tornarão dominantes da mesma forma como fornecedores de commodities. O Brasil é referencia na soja e no minério de ferro, enquanto a Rússia tem enormes reservas de petróleo e  gás natural. Estes são importantes elementos da composição da pegada ecológica e da biocapacidade dos países. Por sua vez, a África do Sul vem se tornando uma das regiões potenciais para aumentar a produção de alimentos.
Considerando aqui apenas os dados quantitativos, ainda há que se ressaltar que o nível de pobreza mundial aliado à escassez de recursos naturais poderá fazer com que aumente ainda mais a insegurança alimentar. O nível de renda por habitante, em 2050, estimado pela FAOSTAT (2011), deverá aumentar em 40% e a demanda por alimentos ainda deve crescer em torno de 60%, além da necessidade de produzir biocombustíveis.
Portanto, o grande desafio do mundo nos anos vindouros, além de reduzir as desigualdades de renda e das disparidades das condições de vida, será minimizar os impactos do consumo do alto padrão de vida dos habitantes dos países desenvolvidos e minimizar os impactos do alto crescimento populacional nos países mais pobres. Mas acima de tudo, será preciso que a pegada ecológica da humanidade seja compatível com a biocapacidade da Terra.
Esta evidenciação não termina aqui, cabendo ainda a realização de estudos que respondam a algumas perguntas: os países de renda elevada impõem demandas desproporcionais sobre os recursos naturais? Como limitar-se à biocapacidade? Qual o limite do planeta? Qual o desafio do agronegócio frente às questões apontadas? Qual o desafio do  Brasil frente à capacidade disponível de aumentar áreas de plantio e áreas irrigadas para alimentar o mundo. Quem paga a conta? Como serão as políticas públicas voltadas à estas questões?

Referências

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* Graduada em Ciencias Contabeis. Especialista em Contabilidade Gerencial. Mestre em Extensao Rural (UFSM - 2001). Doutoranda em Agronegocios (UFRGS 2012-2016). Professora na Universidade de Cruz Alta/RS desde 1997, nos cursos de graduacao em Ciencias Contabeis, Administracao e Ciencias Economicas. Brasil.

** Universidade Federal de Santa Maria/RS/BR, Professor. Brasil.

Recibido: Febrero 2015 Aceptado: Junio 2015 Publicado: Octubre 2015


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