Revista: DELOS Desarrollo Local Sostenible
ISSN: 1988-5245


A GRILAGEM DE TERRAS E A CONCENTRACAO FUNDIARIA PARA A PRODUCAO DE BIOCOMBUSTIVEIS

Autores e infomación del artículo

Carlo Alessandro Castellanelli
Luise Medina Cunha

Universidade Federal de Santa Maria

castellanelli@bol.com.br


Resumo

A rápida expansão da produção de Biodisel no Mundo, tem aumentado a preocupação sobre aspectos sócio-ambientais advindos de sua produção. Mecanismos e  normas são criadas para proteger os envolvidos e alavancar a inclusão social. No entanto, aspectos controversos não estão sendo avaliados, como é o caso da proteção ao fenômeno chamado land grabbing, conhecido no Brasil como grilagem. Aproxima-se um debate para regulamentar a apropriação de terras, através do apoio de instrumentos de governança privadas, como o caso da Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis ​​(RSB). Tais instrumentos visam promover e introduzir meta-padrões de sustentabilidade na tomada de decisão e risco processo de gestão das empresas signatárias, instituições financeiras e não-governamental organizações (ONGs) no que diz respeito ao uso da terra e acesso. Conclui-se, no entanto que por se tratar de um fenômeno novo, a proteção e definições regulatórias são insatisfatórias e imprecisas tendo em conta a intensa pressão comercial sobre terra.

Palavras-chave: Terras de Estrangeiros, Biodiesel, Grilagem de Terras, RSB, Impactos Sociais.

Abstract

The rapid expansion of production of Biodiesel in Brazil raised the world concern related to socio-amebiental sustainability. Mechanisms and some rules are created in order to to protect those involved and boost social inclusion. However, controversial aspects in order to make a real social inclusion are not provided, such as the protection of the phenomenon called land grabbing, known in Brazil as grilagem. Approaches a debate to regulate land grabbing supported by private governance instruments such as the case of the Roundtable on Sustainable Biofuels (RSB). Some instruments intended to promote and introduce sustainability meta-standards in the decision making and risk management process of the signatory companies, financial institutions and non-governmental organizations (NGOs) with regard to land use and access. It can be concluded, however, that because it is a new phenomenon, protection and regulatory definitions are unsatisfactory and inaccurate given the intense commercial pressure on land.

Keywords: Foreigner´s lands, Biodiesel, Land Grabbing, RSB, Social Impacts.



Para citar este articulo puede uitlizar el siguiente formato:

Carlo Alessandro Castellanelli y Luise Medina Cunha (2015): "A grilagem de terras e a concentracao fundiaria para a producao de biocombustiveis", Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 24 (octubre 2015). En linea: http://www.eumed.net/rev/delos/24/biodiesel.html


1.         Introdução

            O mercado em crescente expansão tem promovido a formação de mais plantações de oleaginosas, bem como de outros produtos agrícolas, o que alavanca os impactos e a demanda por recursos ambientais, como os bens e serviços que formam o capital natural. O capital natural é toda a base de recursos ambientais que permite a subsistência da vida em sua totalidade e, é claro, o desenvolvimento socioeconômico do homem. Além disso, no conjunto de entes ameaçados pelo crescimento, encontra-se a dignidade da vida humana, em especial a do trabalhador inserido nesses sistemas produtivos. Todos esses problemas relacionados à expansão do mercado têm sido alvo de críticas, principalmente aqueles relacionados ao desmatamento e consequentes impactos ambientais, como emissão de gases de efeito estufa, contaminação da água e do solo e a perda da biodiversidade.
            Essas e outras tendências revelam que o futuro da produção agrícola no mundo, seguirá diretrizes padronizadas nas esferas econômica, social e ambiental, sob a égide de práticas agrícolas mais responsáveis. Vislumbra-se um cenário de práticas determinadas por compromissos ou acordos, padrões de certificação e iniciativas em pleno desenvolvimento, mobilização de fornecedores, produtores, compradores, exportadores, processadores e demais atores da cadeia produtiva no processo de condicionamento socioambiental para a continuidade sustentável dos negócios.       
            Dentro desta perspectiva da produção sustentável, seja no viés social, ambiental ou econômico, a produção agrícola se depara com um fenômeno crescente, o chamado land grabbing. O termo land grabbing, conhecido em espanhol como acaparamiento de tierras e dentro de um contexto mais específico, conhecido no Brasil como ´´grilagem´´, descreve as crescentes operações comerciais transnacionais de terras (e especulação com terras) que se está produzindo nos últimos anos em torno da produção, venda e exportação de alimentos e biocombustíveis. A visão do passado, em que grandes empresas e governos cercavam o patrimônio comum, expulsando os povos do campo e povos indígenas e ainda, não se preocupando com os possíveis impactos ao meio-ambiente, pode ter um novo ciclo com a expansão da produção de alimentos e biocombustíveis.
            As várias vertentes da crise global (financeira, ambiental, energpetica e alimentar), nos últimos anos, tem contribuido a uma dramática urgência para o controle da terra, especialmente as situadas no hemisfério Sul. Atores econômicos nacionais e transnacionais de vários setores empresariais como, petróleo, minas, energia, alimentação, entre outros, estão adquirindo com grande avidez, ou delcarando a intenção de adquirir, vastas extensões de terra para construir, manter ou ampliar suas indústrias.
            A aquisição massiva de terras por parte de empresas estrangeiras em países Africanos, Asiáticos e Latino-Americanos, reflete uma nova fase do capitalismo global. (Sassen, 2013).
            Com a finalidade de nortear a produção sustentável de alimentos e biocombustíevis, despontam no cenário mundial, a criação das Round tables ou Mesas Redondas, que são mecanismos de governança privada que focam na produção de alimentos e biocombustíveis, estabalecendo critérios e princípios que levam a um cenário de sustentabilidade sócio-amebiental. Este trabalho propõe uma abordagem inicial ao tema, verificando o status de proteção de algumas certificações e round tables em relação ao assunto da crescenmte estrangeirização e concentração de terras.

2.         Seriam os biocombustíveis realmente sustentáveis?

            Pode-se considerar que a criação de emprego e a geração de renda para a população rural pobre é um dos argumentos utilizados pelos defensores dos biocombustíveis. Certas questões são levantadas acerca da problemática de que as plantações de grande escala de biocombustíveis podem ou não proporcionar um ganho real para as comunidades rurais. O fato das pessoas estarem dispostas a se envolver em uma atividade geradora de renda particular, não deve ser automaticamente visto como evidência de impactos sociais positivos. Esta questão deve ser avaliada considerando as opções de subsistência que estão verdadeiramente disponíveis. Pode acontcer que pequenos produtores, por exemplo, sofram de privação causada por uma exploração anterior, e, assim, estaria associado somente com uma oportunidade para a geração de renda. Exemplos clássicos incluem trabalhadores pobres sem terra trabalhando para fazendeiros poderosos. Na verdade casos de escravidão são ainda muito comum nas fazendas de cana do Brasil.
            Por terem se tornado uma atração global, a mídia e parte dos pesquisadores, iniciaram um processo de questionamento sobre os impactos sociais da produção de biocombustíveis no mundo. Alguns estudos apontam especificamente para o aumento do preço dos alimentos e a estrangeirização e concentração de terras pelos grandes produtores, o que acaba contrastando com um cenário otimista reportado por algumas pesquisas, as quais apontam, por exemplo, como argumento principal, o desenvolvimento rural, além da prevenção da degradação dos solos (SUMATHI, 2008).
            Estudos recentes tem levantado questões sobre a produção em larga escala de biocombustíveis e se a mesma é capaz de alcançar efetivamente benefícios sociais e ambientais (NAYLOR et al. 2007; FARGIONE et al. 2008; SEARCHINGER et al. 2008).
            As ocorrências que conduziram a produção do biodiesel ao modelo atual revelam uma grande verdade: para as indústrias, a produção de biodiesel é uma atividade comercial e segue as leis de mercado, onde a competitividade de um produto padronizado se dá pelo menor preço e o menor preço é possível através da compra de matéria prima barata e menor custo de logística.
            Sob a ótica de Almeida (2010), a intervenção governamental direta na economia de mercado, não é estranha perante aos moldes capitalistas, que ora expressam que a economia deve se autoregular pelo mercado, excluindo o estado como elemento regulador, para aferirem maiores lucros e, em outros momentos, quando são necessários investimentos de risco e a fundo perdido, suplicam o amparo estatal, para garantir preço mínimo, mercado consumidor, condições subsidiadas de produção, fazendo assim, com que os cofres públicos aventurem-se nas custas e riscos do empreendimento e os lucros possam ser privatizados.
            Ainda, existe a questão da corrupção do governo que pode levar a priorizar interesses de algumas empresas em detrimento de outras, assim como a priorização de questões econômicas e políticas. A preocupação com a questão dos impactos da corrupção na economia não é uma coisa recente. Muitos autores, como por exemplo, Robert Merton, Samuel Huntington e Nicolo Machiavelli se ocuparam em estudar os seus efeitos sobre a sociedade. Verifica-se que, os efeitos negativos sobre o desenvolvimento econômico e político são bastante perceptíveis quando a corrupção compromete o direito de propriedade, o império da lei e os incentivos aos investimentos. Por outro lado, está evidenciado que uma sociedade com corrupção generalizada, mais cedo ou mais tarde, será submetida a crises de legitimidade no seu sistema político, especialmente em termos de queda nos níveis de credibilidade de seus políticos e de suas instituições. 
            Os fenómenos de concentração e estrangeiração de terra pode  ter um impacto sobre as condições dos pequenos agricultores os quais acabam por se tornar inquilinos. À medida que a concentração de processos de produção aumenta, aumenta o dependência da população rural das empresas que controlam estes processos. Em muitos países, este fenômeno leva a crescente desigualdade de distribuição de renda e condições precárias de trabalho. Além disso, a crescente mecanização dos processos de produção em muitos casos, limita a oferta de trabalho. Sem uma regulamentação eficaz, as más condições de trabalho e  a concentração de terra pode aumentar a pobreza da população.

3.         A estrangeirização e concentração de terras

            O aumento no preço dos alimentos, o crescimento da demanda mundial de biocombustíveis e o descobrimento de novas reservas de petróleo e carvão tem dinamizado o mercado de terras em países da África, Asia e América Latina (SASSEN, 2013; MARGULIS, MCKEON, BORRAS, 2013; COTULA, VERMEULEN, LEONARD Y KEELEY, 2009).
            Calcula-se que entre os anos de 2006 e 2010, as empresas e governos estrangeiros, compraram ou arrendaram, duzentos milhões de hectáres nestes países (LAND MATRIX, 2012; OXFAM, 2012). A maioria das compras e arrendamentos de terras se deram para favorecer as inversões em biocombustíveis, cultivos alimentares, sivicultura e minérios (ANSEUUW, ALDEN, COTULA Y TAYLOR, 2012).
            Ao contrário dos países desenvolvidos, onde o Estado registra a propriedade rural, cobra impostos e oferece segurança, nos países subdesenvolvidos, a falta de legitimidade das instituições políticas e a incapacidade do Estado, tem impedido que se desenvolvam projetos de titulação e formalização dos direitos sobre a propriedadce da terra. (Fitzpatrick, 2006).
            A falta de censos cadastrais e a tradição oral nas transações comerciais do campo, tem gerado nos países subdesenvolvidos um ''pluralismo jurídico'', que dificulta a especificação e definição estatal de direitos de propriedade sobre os ativos rurais. (Fitzpatrick, 2006).
            Os governos de países ricos em fundo e pobres em recursos, estão buscando países pobres em fundo e ricos em recursos, para auxiá-los em suas necessidades energéticas e alimentares no futuro. Na atualidade, o tema de relaciona com fortes dinâmicas entre as quais se destacam os acelerados processos de modernização tecnológica e seus impactos sobre a estrutura produtiva rural. Hoje, surgem preocupações urgentes vinculadas a diferentes desafios que tem a ver com as mudanças climáticas, a segurança alimentar e os problemas de ambito financeiro.
            Uma constatação do estudo do Banco Mundial é que o crescimento da produção agrícola mundial e, consequentemente, das demandas e transações de compra de terras, se concentra na expansão de apenas oito commodities. Estas são milho, dendê (óleo), arroz, canola, soja, girassol, cana de açúcar e floresta plantada (TWB, 2010), Em 2008, a estimativa era de 36 milhões de hectares a área total cultivada com matérias-prima para os agrocombustíveis, área duas vezes maior que em 2004 (TWB, 2010). Segundo Borras et al. (2011), são exatamente essas commodities as principais responsáveis pelos investimentos estrangeiros em países da América Latina. A “estrangeirização”, bem como a (re)concentração de terra e capital, estão em setores além da produção de alimentos com especial destaque para os agrocombustíveis, extração mineral e madeira. As narrativas dessa corrida a atrelam à demanda crescente por alimentos (Borras et al., 2011), mas o interesse por terras está associado a projetos de produção de biocombustíveis e de outras commodities agrícolas e não agrícolas, atraindo capitais de vários setores, inclusive de aqueles historicamente avessos a imobilizar capital como, por exemplo, fundos de investimentos (TWB, 2010).
            Fairhead et al. (2012), relata a “grilagem verde”, e os processos de alienação de terra e da natureza em um contexto de acumulação por espoliação. O tema central é a apropriação de terras para alimento e agrocombustíveis, em uma lógica neoliberal organizada e refinada de commodificação e apropriação de terras para a exploração agrícola e não agrícola (FAIRHEAD et al., 2012). Consequentemente, a atualidade da questão agrária em pleno século XXI não fica restrita às disputas políticas, como parte de um problema social (pobreza rural) não resolvido (Martins, 2000), em países como o Brasil, mas há um crescente interesse mundial por commodities agrícolas e não agrícolas, consequentemente por terras (COTULA et al, 2011; BORRAS et al., 2011). Apesar do alerta de Oliveira (2010), de que essa busca não é nenhuma novidade, estudos e notícias sobre uma corrida mundial por terras, reeditam temas como a importância da terra, lugares e territórios, especialmente no Hemisfério Sul.
            A conservação em grande escala, a exploração florestal a nível industrial, as plantações com fins de produção de biocombustíveis, entre outros, recebem a denominação de ´acaparamientos proambietais´ ou seja uma espécie de grilagem em nome do meio-ambiente. Há um consenso crescente de que os fenômenos da concentração e à propriedade estrangeira de terras gerar problemas nos países da região em vários dimensões: política, econômica, ambiental e social. Além da questão social, a dimensão ambiental resultante deste ato com o viés puramente produtivo e de maximização do lucro, pode levar ao um uso intensivo do solo e da água, contaminação com pesticidas, e demais impactos ambientais..
            Borras et al. (2011), cita que o Brasil e Argentina, se configuram como os países da américa do Sul com mais incidência da grilagem. Se observa uma tendência comum entre os dois países, a frágil estrutura de governança.
            Em outubro de 2008, o site mundial da Grain (uma organização internacional sem fins lucrativos, que trabalha apoiando camponeses, pequenos agricultores e movimentos sociais em suas lutas para conseguir sistemas alimentares baseados na biodiversidade e controlados comunitariamente) passou a publicar notícias e artigos referentes à apropriação de terras em todo mundo pelas empresas mundiais, particularmente aquelas que operam com o comércio de alimentos e pelos fundos de investimentos e investidores privados. (www.grain.org) Inclusive, criou um site específico para veicular as notícias relativas à apropriação de terras por estrangeiros.(http://farmlandgrab.org/).
            Assim, a GRAIN (2011), informou pela primeira vez, o fato da aquisição de terras por estrangeiros no mundo: as crises alimentar e financeira atual, combinadas, desencadearam um novo ciclo mundial de apropriação de terras. Os governos com insegurança alimentar, que dependem de importações para alimentar sua população, estão tomando rapidamente terras agrícolas em todo o mundo, onde produzem seus próprios alimentos fora do país. Corporações mundiais que comercializam alimentos e investidores privados, com fome de lucros em meio à profunda crise financeira, vêem o investimento em terras agrícolas estrangeiras como uma importante nova fonte de renda. Como resultado, férteis terras agrícolas são privatizadas e, cada vez mais concentradas.
            E mais, a GRAIN não ficou somente nessa assertiva, no texto decretou igualmente, sem estudo prévio algum, o fim da agricultura camponesa e do campo como modo de vida: Ante a incapacidade de deter este processo, a apropriação de terras global poderia significar, em muitas partes do mundo, o fim da pequena agricultura e do campo como um modo de vida e subsistência.
            A esse processo de aquisição e arrendamento de terras por estrangeiros, os textos em língua inglesa passaram a utilizar várias noções/conceitos: farmland grab; land grab (AREZKI, DEININGER e SELOD, 2010; COTULA, VERMEULEN, LEONARD e KEELEY, 2009; KUGELMAN e LEVENSTEIN, 2010); land grabbing (BRAUN, J. von, e R. MEINZEN-DICK. 2009; FIAN. 2010; SAUER, S. e LEITE, S. P. 2011). Lee Mackey (2011), do Department of Planning, University of California, Los Angeles utiliza a noção de foreignization of space, e, lembra também, que há o uso da noção foreignization of land (MACKEY, 2011).
            Sauer (2010), traz também a expressão land grabbing. Merlet (2010) discorre que  este processo não pode ser reduzido apenas ao mecanismo de compra da terra, o que pressupõe o funcionamento de um mercado de terras marcado pela compra e venda de propriedades rurais. Segundo o estudo solicitado pelo Comité Technique Foncier et Développement, estamos diante de um movimento de apropriação e concentração da terra e recursos naturais em larga escala (appropriation and concentration of land – and natural resources – in large scale) (MERLET, 2010).
            Um estudo sobre Imóveis rurais sob propriedade de estrangeiros no Brasil foi elaborado por Pretto (2009), e elaborado a partir de uma solicitação feita pela Assessoria Internacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o SNCR/INCRA realizou uma apuração especial, denominada Apuração Especial DM 009425. Este relatório, que foi extraído no dia 04 de junho de 2008, será denominado, a partir deste momento, Apuração Especial 2008/SNCR/INCRA ou AE2008/SNCR/INCRA. A AE2008/SCNR/INCRA contém 34.632 registros de imóveis rurais em nome de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Estes registros são classificados como minifúndios, pequenas, médias e grandes propriedades e montam, no seu total, a 4.037.667.60 (quatro milhões, trinta e sete mil, seiscentos e sessenta e sete hectares com seis mil metros quadrados) em áreas registradas em nome de estrangeiros.
            Importante citar, que novas empresas como a do do empresário espanhol Enrique Bañuelos, que com a intenção de formar um gigante, realizou, desde o ano passado, uma série de operações. Primeiro, adquiriu o controle da produtora de algodão Maeda e promoveu uma associação com a BrasilEcodiesel, que diversificou suas atividades para além do biodiesel. Recentemente, Bañuelos saiu do negócio – mas não desistiu de seus planos. Agora, ele tenta aprovar uma fusão entre a BrasilEcodiesel e a Vanguarda, produtora de algodão e soja. Metade do capital da Vanguarda pertence ao espanhol, por meio de sua holding de investimentos, a Veremonte. A Veremonte já coleciona planos para a possível gigante. Entre eles está a criação de um fundo de terras como forma de capitalizar a companhia. Outro projeto é expandir o negócio por meio da compra de áreas de outros produtores – mas sem o desembolso de dinheiro. A idéia é oferecer em troca as ações da BrasilEcodiesel, que é negociada na BM&F Bovespa.
            A produção de agrocombustíveis tem sido concebida desde 2006 como a grande panaceia para resolver o problema do aquecimento global e seus impactos deletérios devido ao fato de a eliminação de CO decorrente do uso de combustíveis fósseis ser identificada como a sua principal causa. Organiza-se, assim, uma nova frente de expansão do capitalismo com a estruturação de uma série de políticas e subsídios em nível nacional ou envolvendo grupo de países como a União Europeia e acordos bilaterais bem como a definição de diretrizes internacionais visando o rápido incremento de sua produção. Essa expansão está relacionada a um movimento maior de reestruturação do poder sobre a terra, recursos genéticos, espaço econômico e sobre o mercado baseado em alianças entre corporaçõres internacionais, firmas de biotecnologia, instituições financeiras, governos e produtores locais. Nos bastidores – e debaixo do nariz das leis antitrust – gigantes petroleiras, de grãos, automóveis e engenharia genética estão formando parcerias poderosas: ADM e Monsanto, Chevron e Volkswagen; BP, DuPont, e Toyota. Essas corporações estão consolidando a pesquisa, produção, processamento e cadeias de distribuição dos nossos alimentos e sistemas de combustível sob um colossal teto industrial (HOLT-GIMENEZ, 2007). O regime alimentar global representa um regime de produção, circulação e distribuição de valor. A análise das relações de valor numa escala global aponta para o que fundamenta tal regime alimentar, ou seja, para os mecanismos de dependência tecnológica, econômica e financeira por ele estabelecidos. É neste contexto que tem ganho maior expressão a luta em defesa da moratória das metas de investimento da transição energética e da soberania alimentar, ou seja, a luta pelo direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar.
            Nos casos do óleo de palma, soja e do milho, produtos alimentares de importância fundamental em diversos países, a situação torna-se ainda mais grave na medida em que são formados complexos combustível-alimentares. Ou seja, a produção terá como destino a mesa ou o tanque de combustível a depender dos preços do mercado. Tendo em vista os altos subsídios concedidos à produção de agrocombustíveis, mesmo havendo a inflação do preço destes alimentos, é muito difícil competir com os ganhos assegurados por sua utilização na produção de combustíveis (McMICHAEL, 2009).
            Os aspectos apresentados chamam a atenção para o uso, a compra e a cessão de terras destinadas a fomentar a inclusão social do pequeno agricultor no contexto do PNPB e do Selo Social. Os critérios legais e de governança são insuficientes para a proteção da real inclusão social em detrimento do avanço da crise energética e alimentar.

4.         As round tables no contexto da proteção à extrangeirização e apropriação de terras

            Como solução para esta crescente demanda de produção alimentar e de combustíveis, surgem arranjos privados, que visam auxiliar e dar um norte mais sustentável à produção. Parte significativa dos padrões de arranjos institucionais privados para a regulação é criada por meio de processos multistakeholders, ou seja, arenas de negociação, como os casos que envolvem as chamadas Mesas Redondas (Round Tables), em que atores de diversas naturezas negociam as regras a serem adotadas pelas organizações regulatórias – soja, óleo de palma, biocombustíveis, etc. Uma vez estabelecidas, essas regras são simbolizadas por padrões, expressão do conteúdo do marco regulatório a que os stakeholders aderiram, isto é, comprometeram-se a cumprir. A depender da evolução da negociação, a instituição pode expedir um certificado/selo que atesta o compliance dos aderentes como uma forma de aumentar o nível de informação sobre a cadeia produtiva, e ajudar os atores individualmente a tomarem a melhor decisão.
            Dentre elas, podemos citar a RTRS, Greenergy, ISCC, RSB, Soja Plus, entre outros. Pode-se dizer que o Selo Social brasileiro no contexto do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, também é uma mesa-redonda, porém com o horizonte temporal estagnado, sem perspectivas, e sem a dinâmica necessária para acompanhar e manter em bom funcionamento o esquema social proposto.
            No caso, a que mais possui regramento sobre as questões ligadas à propriedade e uso da terra é a  Roundtable on Sustainable Biofuels (RSB). A Mesa Redonda em Biocombustíveis Sustentáveis é uma iniciativa multistakeholder estabelecida em 2006, para alcançar um consenso global em torno de um conjunto de princípios e critérios para produção de matérias-primas para biocombustíveis líquidos (incluído o biodiesel), processamento e distribuição (ISMAIL; ROSSI, 2011). É coordenada pelo Energy Center localizado em Lausanne na Suíça. O padrão da RSB segue doze princípios: (a) Legalidade; (b) Planejamento, Monitoramento e Melhoria Contínua; (c) Emissões de GEE; (d) Direitos Humanos e do Trabalhador; (e) Desenvolvimento Rural e Social; 6. Segurança Alimentar; 7. Conservação; 8. Preservação do solo; (f) Preservação da água; (g) Preservação do ar; (h) Uso de Tecnologia e Gerenciamento de Resíduos; (i) Direitos da Terra (ISMAIL; ROSSI, 2011).
            Nessa linha, os critérios adotados pela RSB são: (a) A produção de biocombustíveis deve seguir todas as leis aplicáveis do País onde ela ocorre e deve procurar respeitar os tratados internacionais relevantes à produção de biocombustíveis das quais o País em questão é signatário; (b) Projetos de biocombustíveis devem ser planejados e operados por meio de processos apropriados, abrangentes, transparentes, consultativos e participativos que envolvam todos os atores relevantes; (c) Os biocombustíveis deverão contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, por meio da significativa redução das emissões dos GEE, em comparação com os combustíveis fósseis; (d) A produção de biocombustíveis não poderá violar direitos humanos ou direitos do trabalho e deverá assegurar trabalho digno e o bem-estar dos trabalhadores; (e) A produção de biocombustíveis deve contribuir para o desenvolvimento social e econômico de povos e comunidades locais, rurais e indígenas; (f) A produção de biocombustíveis não deverá prejudicar a segurança alimentar; (g) A produção de biocombustíveis deve evitar impactos negativos sobre a biodiversidade, ecossistemas e áreas de Alto Valor de Conservação (AVC); (h) A produção de biocombustíveis deve promover práticas que procurem melhorar a qualidade e minimizar a degradação do solo; (i) A produção dos biocombustíveis deve otimizar o uso dos recursos hídricos, tanto superficiais como subterrâneos, incluindo a minimização da contaminação ou da depleção desses recursos, e não deve infringir direitos hídricos formais ou informais ditados por costumes locais existentes; (j) A poluição do ar a partir da produção e do processamento de biocombustíveis deve ser minimizada ao longo de sua cadeia; (l) Os biocombustíveis devem ser produzidos da maneira mais eficiente possível. O uso de tecnologia deve melhorar a eficiência da produção e o desempenho social e ambiental em todos os estágios de sua cadeia produtiva; (m) A produção de biocombustíveis não deve violar os direitos sobre a terra (SILVA, 2010).
            A produção de Biodiesel, pode afetar o desenvolvimento e a inclusão social através da aquisição legal e ilegal de terras pelos investidores de biocombustíveis, moldando quais direitos locais são reconhecidos no processo de negociação em detrimento de outros locais, quais compensam e quais não (BMZ, 2009; Cotula et al., 2008; German et al., 2011; Nuffield Council on Bioethics, 2011).
            Terras e recursos também podem ser afetados, colocando restrições aos direitos existentes (por exemplo, através de acordos entre os investidores e os pequenos produtores que colocam restrições à sua utilização e empregam terras como garantia para empréstimos), ou através de efeitos indiretos em mercados de terra locais (BMZ, 2009; De Schutter, 2009; German et al, 2011). O principal princípio invocado por várias autoridades é a necessidade de reconhecer e respeitar os direitos à terra locais. Uma série de passos fundamentais são amplamente reconhecidos no processo de identificação e respeito aos direitos de terra locais no contexto das aquisições de terras em larga escala. Estes incluem: (a) a identificação e documentação de todos os direitos de propriedade e de uso existentes; (b) as negociações voluntárias, justas, informado e transparentes com todos os utilizadores das terras afetadas concordar se os direitos devem ser transferidos para os investidores, que os direitos, como isso deve ser feito e em que condições; (c) uma compensação justa por todos os direitos não cobrados; e (d) o estabelecimento de agravo independente.
            No que diz respeito à governança acerca da grilagem de terras, a RSB manifesta padrões criados para produtores e transformadores sobre como usar a terra de forma sustentável, com base em legal, social e ambiental os critérios (i.e. Princípios 2-11); e sobre a forma de acesso à terra de forma sustentável (Princípios 1, 2, 4, e 12). Neste último caso, a RSB vai além dos critérios de acesso à terra embutidos em outros instrumentos de governança privada (por exemplo, Desempenho Padrões IFC) e leva uma postura mais restritiva em matéria de conflitos de interesse. Por exemplo, o princípio 12 sobre direito de terras, estabelece que nenhum reassentamento involuntário deve ser permitido para operações de biocombustíveis e também em casos de posse de terra não resolvidos contesta operações de biocombustíveis, as quais não devem ser aprovados. (FORTIN e RICHARDSON, 2013).
            No entanto, sua imprecisa natureza, a falta de mecanismos de sanção e de compensação eficazes, e a tendência para determinados interesses da indústria, destacam que a RSB fornece uma insuficiente protecção para as comunidades ou para o meio-ambiente considerando configurações reguladoras fracas no contexto da pressão comercial global sobre a terra. Os instrumentos devem, se envolver na construção de uma compreensão de sustentabilidade que enquadra debates em torno de como os investimentos terão lugar. Neste contexto, FIAN (2010), apontou que o padrão RSB, por exemplo, é de principalmente facilitar ainda mais a expansão de larga escala de projetos de biocombustíveis, apesar da evidência empírica sobre a ineficácia de biocombustíveis, especialmente biocombustíveis de primeira geração que não atendem aos requisitos técnicos ou ambientais para uma sustentável política energética, assim como seus efeitos indiretos do uso da terra. Isto leva a uma interpretação de que a RSB é parte de uma tendência geral de governança privada para enfraquecer abordagens de governança baseados nos direitos e, como tal, deve ser abordada com precaução como uma ferramenta regulamentar potencial para abordar a apropriação de terras (PARTZSCH, 2011).
            A Natureza Imprecisa de outros mecanismos de inclusão social, como o Selo Social por exemplo, a falta de mecanismos de sanção e de compensação eficazes, e a tendência para determinados interesses da indústria, demonstram que as Roundtables como a RSB podem se configurar como uma ferramenta eficaz para a protecção das comunidades ou para o ambiente em configurações reguladoras fracas no contexto da pressão comercial global sobre a terra. (PARTZSCH, 2011).
            É importante salientar que fatores não fiscalizados ou com uma política obscura podem levar à pressão da comunidade contra a produção de biocombustíveis. Com base nestes e outros argumentos, numerosos grupos da sociedade civil fizeram campanha energicamente contra os biocombustíveis. Relatórios de organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos sociais afirmaram que os agrocombustíveis industriais geram a fome e a pobreza, distorcendo os preços dos alimentos e perturbam os meios de subsistência (La Via Campesina, 2009), que a produção de monocultura de culturas energéticas é uma ameaça para a biodiversidade, segurança alimentar e direitos humanos (Biofuelwatch et al., 2007), e que a demanda por biocombustíveis tem impulsionado em grande escala a ´´grilagem´´ no hemisfperio Sul (Amigos da Terra, 2010). Estes grupos têm procurado influenciar a opinião pública, bem como políticas de biocombustíveis por meio de ações, incluindo manifestações públicas (Biofuelwatch, 2013), protestos, conferências de biocombustíveis e fóruns (Vidal, 2008), e declarações na imprensa expressando oposição às posições do governo sobre biocombustíveis.
            Entre essas normas que tratam de direitos agrários consuetudinários, de uma forma ou de outra, a maioria o faz de uma forma muito restrita. As certificações e Roundtables como Bonsucro, ISCC e RTRS, exigem que os operadores apresentem prova de propriedade legal ou arrendamento. Os requisitos adicionais incluem a prova de que a terra não está sob disputa, ou seja, é um compromisso para mitigar os impactos negativos sobre direitos, terras e recursos, e compensação para os direitos consuetudinários, nos casos de direitos de uso contestado. Os mecanismos das Roundtables ainda necessita de maior aprimoramento no que diz respeito à propriedade e uso de terra, ainda mais em países que possuem meta energética de utilização de biocombustíveis como é o caso do Brasil. Soma-se a este fato, a questão social levantada através do Selo Social e que corre o risco de entrar em colapso, além de outras questões envolvidas, pelo aumento da ´´grilagem´´ de terras, dificultando o acesso e o uso e consequentemente uma real inclusão social dos pequenos agricultores.

Conclusão

            É possível notar, que apesar de ser um estudo que está apensa em sua fase inicial, por ser tratar da questão agrária e de uso da terra, a extrangeirização e a concentração da terra, através da chamada grilagem, aproxima a dimensão destes fenômenos ao funcionamento e governança das produtoras de biocombustíveis, uma vez que inexistem regras e dados sobre este quesito.
            A soja por exemplo, tende a ser disputada entre a produção de alimento, seja para consumo interno ou exportação, e a produção de Biocombustíveis. Sendo assim, existe um cenário ainda invisível, mas que ganha espaço a cada dia, que se configura através do interesse de grandes latifundiários ou grandes coorporações, sejam elas nacionais ou internecionais, direcionando sua falta de espaço produtivo para países onde haja pouco controle e brechas jurídicas.
            No contexto da produção de biocombustíveis é difícil preconizar um diagnóstico sobre a ´´grilagem´´, são necessários dados mais concretos, como registros cartoriais, para se dimensionar o impacto da grilagem na questão social. O que se pode adiantar é que, quando se fala em uma commodity, que tem forte tendência de crescimento e importancia mundial, e em um cenário onde há a disputa entre pequenos e grandes produtores e também entre alimento e biocombustíveis, o interesse econônmico estará sempre presente.
            A regulação do mecanimsmo do Selo Social no Brasil, foi criado para tentar a inclusão social de famílias rurais de baixa renda, ao mesmo tempo que contribui para um esquema ambientalmente favorável, no entanto, diversos fatores foram esquecidos e não foram revistos desde a sua criação. Exige-se do produtor que não ultrapasse quatro módulos fiscais de terra, porém, como demonstrado, este dado pode ser mascarado de diversas maneiras, assim como a terra pode não estar verdadeiramente sobre a sua posse. Não há, da mesma maneira, o controle e a exigência de comprovação de posse da terra, como requisito de compra de sementes das famílias participantes pelas das empresas produtoras. É possível que pequenos agricultores do programa estejam trabalhando para empresas estrangeiras, donos da propriedade, ou ainda, existam trabalhadores contratados específicamente para a produção das sementes, através das coorporações.
            Mecanismos de proteção estão sendo criados ao redor do mundo para tentar mitigar parte do problema advindo da produção de biocombustíveis e alimentos, direcionando a cadeia para um cenário produtivo, mas sobre tudo sócio-ambiental. Iniciativas de roundtables como a RSB, ISCC, Soja Plus, e outras, se configuram como tentativas iniciais de definir critérios de governança com maior segurança e eficácia no que tange a produção de alimentos e biocombustíveis, neste caso, mais especificamente ao uso e posse da terra.
            É necessário que a produção mundial de biocombustíveis deixe de ser passe a ter um caráter normativo rígido, e que atue como uma ferramenta de segurança jurídica para todos os envolvidos e que a inclusão social possa realmente ter um efeito benéfico para a nação.

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Recibido: Sepiembre 2015 Aceptado: Octubre 2015 Publicado: Octubre 2015


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