Revista: DELOS Desarrollo Local Sostenible


CENÁRIO HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

Autores e infomación del artículo

Antonio Roney Sousa da Mota
Neliton Marques da Silva
roneymotta@yahoo.com.br
Universidade Federal do Amazonas


Resumo: O presente artigo não tem a finalidade de tratar de uma reconstrução histórica da questão dos resíduos sólidos1 . Mas demonstrar que este tema sempre esteve, de uma forma ou de outra, na ordem do dia, bem como apresentar sua relação com o saneamento. Essa relação dependeu de fatores históricos decorrentes dos processos de urbanização que ainda não foram suplantados em função da destinação incorreta dos resíduos. Isto que traz problemas de saúde pública, sendo constatado que a temática dos resíduos está ligada a questões maiores: ambiental e de sustentabilidade da própria sociedade. Diante desse panorama, nota-se a oportunidade para se perceber que o ser humano em seu processo evolutivo deparou-se com a necessidade de observar a natureza para sua sobrevivência e para obter proveito dela. Porém, o crescimento populacional, o desenvolvimento industrial e a urbanização acelerada, atrelados à postura individualista da sociedade, vêm contribuindo para o aumento do uso dos recursos naturais e para a geração dos resíduos.
Palavras-chaves: Resíduos Sólidos, Sustentabilidade, Gestão ambiental, Saneamento, Lixo.

CONFIGURACIÓN HISTÓRICA Y CONSIDERACIONES GENERALES SOBRE LOS RESIDUOS SÓLIDOS

Resumen: Este artículo no está destinado a tratar una reconstrucción histórica de la cuestión de los residuos sólidos. Pero para demostrar que esta cuestión ha sido siempre, de una manera u otra, en el orden del día, así como la presentación de su relación con el saneamiento. Esta relación depende de razones de tipo histórico los procesos de urbanización que no han sido sustituidos debido a la disposición inadecuada de residuos. Esto trae problemas de salud pública, y reveló que el tema de los residuos está vinculada a cuestiones más amplias: la sostenibilidad y de la sociedad en sí del medio ambiente. En este contexto, existe la oportunidad de darse cuenta de que el ser humano en su proceso evolutivo se enfrentó a la necesidad de observar la naturaleza para su supervivencia y para su beneficio. Sin embargo, el crecimiento demográfico, el desarrollo industrial y la urbanización acelerada, vinculada a la actitud individualista de la sociedad, han contribuido al aumento del uso de los recursos naturales y la generación de residuos.
Palabras clave: Residuos Sólidos, Sostenibilidad, Gestión Ambiental, Saneamiento, Basura.

1 Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (BRASIL, 2012).


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Antonio Roney Sousa da Mota y Neliton Marques da Silva (2014): “Cenário histórico e considerações gerais acerca dos resíduos sólidos”, Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 20 (junio 2014). En línea: http://www.eumed.net/rev/delos/20/sustentabilidade.html


1.         INTRODUÇÃO
 
A problemática existente com relação à gestão dos resíduos vem se aprofundando ao longo dos tempos. Da Antiguidade até meados do século XVIII, quando surgiram as primeiras indústrias na Europa, o lixo produzido era composto basicamente por cinzas e restos de alimentos (EIGENHEER, 2003).

A partir da Revolução Industrial, houve uma aceleração no processo de crescimento econômico global, aumentando sensivelmente a geração de resíduos provenientes também do processo produtivo, ou seja, produção de objetos em larga escala, consequentemente, aumento do volume e da diversidade dos resíduos gerados. Mas não foi apenas isso que aconteceu, pois um novo padrão de consumo também foi responsável pelo lançamento de grandes quantidades de resíduos no meio ambiente.

Dadas essas circunstâncias, as populações tendem a acumular resíduos em seu entorno e, com o avanço tecnológico, estes passaram a comprometer o limite ecológico de tempo para decomposição de materiais cada vez mais estranhos ao ciclo de reciclagem natural.

2.         METODOLÓGICOS

Trata-se de um levantamento bibliográfico, utilizando a pesquisa em literatura especializada por meio de autores que discutem as abordagens em torno da gestão dos resíduos sólidos à luz perspectiva histórica, do consumo e da geração e do aspecto sustentável dos citados resíduos, além de suas bases conceituais, definições e classificações.

3.         RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1      Abordagem histórica da gestão dos resíduos sólidos

Segundo Viveiros (2006) a disposição dos resíduos tornou-se um problema a partir do período Neolítico. Há cerca de dez mil anos, os homens passaram a fixar-se em determinados locais e a dedicar-se à agricultura, à domesticação dos animais e abandonaram o nomadismo. Após essa nova forma de organização, surgiram os primeiros conflitos em torno da disposição dos resíduos.

No Brasil, a gestão1 dos resíduos foi tratada de forma descontínua, fragmentada e instável desde o século XVI. Esse contexto dificultou o acesso democrático da população, principalmente da classe social mais baixa, aos serviços essenciais para o bem estar coletivo (REZENDE E HELLER, 2008). O manejo dos resíduos sólidos e a limpeza urbana são considerados como um dos serviços integrados ao saneamento básico.

A compreensão da evolução histórica do saneamento no Brasil, segundo Rezende e Heller (2008), é influenciada pelo panorama sanitário dos colonizadores portugueses em suas práticas de higiene, cuidados com a saúde, recolhimento de lixo2 e dejetos. Isso implica retroceder o tempo na história da sociedade europeia e no modo de vida dos povos da antiguidade. Segundo Freitas (2006), na antiguidade não era comum os sujeitos preocuparem-se com a geração de resíduos. As civilizações antigas passaram a dar atenção especial aos cuidados coletivos com saúde e saneamento após o surgimento de epidemias. Os cuidados auxiliavam o afastamento dessas doenças, consideradas como uma vontade divina, numa relação mitológica, Rezende e Heller (2008).

Mesmo nas civilizações mais antigas os sujeitos deparavam-se com a problemática dos resíduos em escala diferente da atual. Na visão mitológica, interpretava-se o surgimento de epidemias como um castigo divino, pela ausência de cuidados coletivos com a saúde e com o saneamento. Essa situação indicava a necessidade de uma organização de ações de tratamento dos resíduos.

Durante as civilizações greco-romanas estabeleceram-se associações entre a ausência de saneamento e a presença de algumas doenças:

Se os gregos foram os precursores da medicina racional e preventiva os romanos foram os grandes engenheiros que uniram o seu talento para as construções ao legado científico dos gregos. Executaram grandes sistemas de esgotamento sanitário e banhos, além de outras instalações sanitárias, revelando nas suas obras a grande preocupação do Estado com as demandas coletivas [...]. (REZENDE E HELLER, 2008, p. 54-55).

Foi durante a antiguidade, que se considerou comum o despejo de lixo na água corrente (JUUTI, 2007). O hábito de despejar resíduos na água não é um problema do período atual, perdura há anos: desde a idade antiga até os dias de hoje, motivo de atritos em várias partes do Brasil. Além da morosidade no processo de regulamentação do sistema brasileiro integrado de gestão de resíduos sólidos, ainda enfrenta-se a urgência de colocar em prática a legislação. Somente a partir do final da década de 80 surgiram as primeiras iniciativas legislativas sobre as diretrizes voltadas aos resíduos sólidos. Após 21 anos de tramitação no Congresso Nacional aprovou-se a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS). Esse longo período de espera da aprovação da PNRS configura-se como um indicador da falta de atenção merecida à área dos resíduos sólidos pelo poder público.

Após a década de 90 as discussões sobre os resíduos começaram a ser sistematizadas. Houve a constituição de alguns grupos de trabalho e comissões específicas, contribuições de seminários sobre o tema e dos anteprojetos de lei apensados ao Projeto de Lei nº 203, de 1991 (BRASIL, 2010). Esse Projeto de Lei refere-se às etapas de acondicionamento, coleta, transporte, tratamento e disposição dos resíduos de serviços de saúde. Nesse contexto, elaborou-se em 2005 a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), definição das diretrizes nacionais para a gestão dos resíduos sólidos, regulamentada apenas em agosto de 2010.

Muitas vezes a maneira mais fácil de amenizar o problema dos resíduos foi removê-los para longe de si e destiná-los em locais impróprios. Zaneti (2006, p. 37) considera que “[...] esse tipo de ação não resolve o problema, já que mesmo longe, o lixo fica depositado em algum lugar, contaminando o meio ambiente”. Essa prática é ilusória segundo a perspectiva que considera o ser humano como parte do meio. Nessa lógica ao mesmo tempo em que o sujeito é poluidor também sofre as consequências desse ato. A vida humana faz parte do circuito retroativo em que “[...] vai unir o ser vivo a seu ecossistema, um produzindo o outro reciprocamente [...]” (MORIN, 2008, p. 254).

No período medieval, em cidades como Londres e Paris, as pessoas acumulavam seus resíduos domiciliares em potes e os laçavam pelas janelas (JUUTI, 2007). Nessa época considerava-se comum o lançamento de fezes e urina em vias públicas, causa de vários conflitos nas cidades medievais (REZENDE E HELLER, 2008). No mesmo período os problemas de ordem sanitária intensificaram-se. Silva (1998, p. 33) afirma que os hábitos higiênicos no tempo medieval ao contrário da idade antiga:

[...] eram pouco considerados, visto a dimensão dos problemas sanitários com a deposição de restos orgânicos e lixo nas vias públicas, nas instalações sanitárias insuficientes ou ausentes [...] Este período foi marcado por grandes epidemias além da peste, dentre elas, a da varíola, a do cólera, a da lepra e a do tifo.

Essa ausência de disposição adequada dos resíduos atravessou outros períodos da história humana e continua como um grave problema no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, detalham que mesmo com o serviço de acesso à coleta de resíduos estando relativamente equacionada, a destinação final dos mesmos se apresenta como um grande desafio às gestões municipais (IBGE, 2011), pois:

De acordo com a PNSB 2008, 50,8% dos municípios brasileiros ainda recorre a vazadouros a céu aberto, conhecidos como lixões, como destino principal de seus resíduos. Ainda que a pesquisa registre uma diminuição desse percentual nas últimas décadas, ele é ainda elevado e deve ser diminuído para que se cumpra o que estabelece a Lei no 12.305, de 2 de agosto de 2010 – também conhecida como Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a eliminação de lixões do Território Nacional até o ano de 2014 (IBGE, 2011, p. 185).

Em meados do século XIII, de acordo com Silva (1998), iniciou-se lentamente o crescimento econômico na Europa e surgiu um importante período na história: o Renascimento. Acompanhado da expansão marítima do ocidente e associada à agitação cultural, demarcou a linha divisória entre o mundo medieval e o moderno.

Nas cidades renascentistas comumente jogavam-se os resíduos domiciliares (sólidos e líquidos) pelas janelas. Os habitantes eram os responsáveis pela limpeza das ruas e, nem com a previsão de punições a população e os governantes respeitavam a proibição de espalhar resíduos nas ruas (REZENDE E HELLER, 2008).

No século XVIII com a Revolução Industrial, científica e tecnológica houve uma preocupação maior com a saúde do trabalhador, considerado elemento essencial para a geração de riquezas. Houve a busca por mecanismos que preservassem a saúde coletiva e o saneamento das cidades. Entretanto, com o crescimento populacional e com o avanço da industrialização, as cidades alastraram-se e as condições sanitárias continuaram caracterizadas pela precariedade, pela dificuldade em universalizar e modernizar o saneamento mesmo com as reformas sanitárias (REZENDE E HELLER, op. cit.).

Com a chegada dos europeus ao Brasil, em meados do século XVI, Rezende e Heller (2008) cita alguns hábitos e práticas culturais oriundas das etnias indígena, europeia e africana que contribuíram significativamente na miscigenação étnica no país:
       
Do indígena provêm hábitos salutares como os banhos diários, a utilização de água pura, o uso de ervas medicinais e uma vasta cultura centrada no respeito pela natureza. Esses povos demonstram ter conhecimento da relação saneamento-saúde pelo seu hábito de destinar locais específicos para a realização das necessidades fisiológicas e a disposição de coisas sem serventia. (REZENDE E HELLER, op. cit., p.87).

Os colonizadores portugueses subestimaram os indígenas com sua ampla sabedoria e respeito pela natureza, com a imposição do modo de vida europeu na invasão do território brasileiro. A preocupação dos recém-chegados ao Brasil orientava-se para a exploração dos recursos naturais e o acúmulo de riquezas, sem dedicar-se ao planejamento estratégico das questões sanitárias. Desde o início da história do Brasil, não se priorizou a gestão dos resíduos. Houve medidas paliativas impulsionadas pelo o agravamento da falta de coleta e destinação inadequada dos resíduos.

Do século XVI a meados do século XIX as ações de saneamento restringiram-se às cidades mais ricas. As ações coletivas de saneamento mais antigas realizadas no Brasil incluem a construção de aterros na cidade de Recife, no período da ocupação holandesa no Nordeste, entre 1637 a 1644. Houve raras intervenções coletivas de saneamento no país durante o período colonial. As ações de saneamento caracterizavam-se pela “[...] transitoriedade, precariedade e provisoriedade.” (REZENDE E HELLER, 2008, p. 355).

No período compreendido entre 1850 e 1910, o Estado assumiu a responsabilidade em relação às ações de saneamento e transferiu essas ações à iniciativa privada (REZENDE E HELLER, op. cit., p.120). Entretanto, essas ações foram realizadas de forma inadequada, transferindo à iniciativa privada as tarefas de coleta, destinação e tratamento de resíduos. Houve concentração dos esforços apenas nos locais onde se concentrava a elite, com o interesse de obter o retorno do capital investido.

Dessa forma, a história brasileira da gestão dos resíduos sofreu influências do processo de dominação caótico, instável e excludente. Com a predominância dos interesses econômicos sobre os outros aspectos do desenvolvimento: social, cultural, político, educacional e ambiental.

No período compreendido entre 1910 a 1950, houve a centralização do Estado nas intervenções coletivas de saneamento, influenciada por várias questões: como a insatisfação da população com as ações privadas concentradas nos centros urbanos; a fragilidade da maioria dos municípios na execução das ações de saneamento; a necessidade de uma solução coletiva para os problemas de saneamento de alcance universal da população não contemplada e da zona rural esquecida. Nesse período surgiu a Liga Pró-Saneamento do Brasil em defesa da extensão do saneamento para a população rural (REZENDE E HELLER, 2008).

No período compreendido entre 1950 e 1969 existiam vários órgãos federais responsáveis pelo saneamento. A grande quantidade de órgãos para gerenciar e executar ações de saneamento gerou problemas administrativos e burocráticos. Houve o afastamento dos setores de saúde e saneamento, ausência de recursos, além de críticas a gestão do saneamento pela administração direta municipal. O novo contexto do crescimento industrial implicou a modernização do setor de saneamento, bem como exigiu autonomia administrativa para recebimento de empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (ibid., p. 245).

A partir de 1970 foi implantado o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), em nenhum momento o plano da gestão dos resíduos sólidos foi priorizado. No contexto das privatizações da década de 90 o plano começou a declinar (REZENDE E HELLER, 2008). Na década de 80 foi aprovada a Constituição de 1988, atribuiu-se responsabilidade aos municípios nas ações de saneamento, definiu-se maior autonomia e maior orçamento. Entretanto, a legislação ainda não era aplicada na íntegra. Na década de 90 foram aprovadas as diretrizes nacionais para o Saneamento Básico, Lei n. 11.145 de 2007 (BRASIL, 2007).

A partir da década de 90 ocorreram muitas mudanças institucionais e instabilidades quanto à privatização dos serviços em algumas partes do país. Necessidade de reorganização dos órgãos responsáveis pelo saneamento e regulamentação da legislação na área de resíduos. Ao longo da história brasileira a questão do saneamento esteve ligada à saúde, com relações de intensidades distintas e por vezes até de forma dicotômica. Em diferentes tempos históricos foram realizadas ações de saneamento com a priorização do abastecimento de água, em detrimento do esgotamento sanitário. Em hierarquia ainda menor, respectivamente a limpeza urbana (por meio do manejo de resíduos sólidos) e a drenagem das águas pluviais.

As instabilidades políticas no Brasil interferiram diretamente na fragmentação e no atraso das ações de saneamento. A população recebeu benefícios parciais. A fragmentação institucional dificultou a comunicação e intensificou os conflitos entre estados e municípios na responsabilização pela gestão dos resíduos. As divergências entre as esferas da União, dos estados e dos municípios refletiram nas ações de limpeza urbana, muitas vezes realizadas isoladamente, sem compartilhar as experiências eficientes.

Debate-se muito a problemática dos resíduos no Brasil. Contudo, apenas em tempos recentes houve divulgação de dados estatísticos. Segundo Monteiro (et al., 2001), dados referentes à limpeza urbana não são confiáveis, devido à variedade de padrões de aferição dos vários serviços e a ausência de parâmetros facilitadores da comparação entre as diversas cidades. Somente a partir da década de 90, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico começou a divulgar informações em nível nacional e acompanhar de forma mais sistemática a evolução da gestão dos resíduos sólidos no país.

A partir de 2003, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA) criada no âmbito do Ministério das Cidades (BRASIL, 2008) tornou-se responsável pelo acompanhamento e divulgação de informações relativas à coleta e tratamento de resíduos sólidos, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), na tentativa de diagnosticar e articular as ações em várias localidades do território brasileiro. Além dessas responsabilidades a SNSA visa impulsionar o desenvolvimento do setor de saneamento no Brasil, quando desenvolveu o Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS). E somente em 2010 a PNRS foi aprovada.

Nesse contexto, o paradoxo de avanços e retrocessos revela a necessidade de implantar um sistema de gestão sustentável de resíduos sólidos no país. O fato de estar integrada à área de saneamento básico e historicamente não receber a atenção merecida não é barreira para a promoção de uma gestão adequada, integrada, transparente e eficiente. A busca do consenso para os conflitos de interesse com a aprovação da PNRS passou a ser decisiva para a etapa prática da gestão, ainda fragmentada e atrasada.

3.2      Conceitos, Definições e Classificações

O conhecimento das implicações sobre o meio ambiente e o aumento da consciência ambiental determinaram uma nova qualificação para resíduos. O termo “lixo” passou a ser substituído por “resíduos sólidos”, entendidos como subprodutos do sistema produtivo e responsáveis por graves problemas de degradação ambiental, além disso, diferem-se de “lixo” por possuir valor econômico e possibilitar o reaproveitamento em seu processo produtivo, enquanto que o conceito de “lixo” refere-se a tudo aquilo que não possui valor.

Em sentido dicionarizante, Ferreira (2004, p. 520), conceitua lixo como: “1. é o que se varre da casa, da rua, e se joga fora; entulho. 2. Coisa imprestável.”

Para Sewell (1978), definindo resíduos sólidos na concepção do termo lixo, são “materiais indesejados pelo homem que não podem fluir diretamente para os rios ou se elevar imediatamente para o ar”.

De acordo com Girord (1993) o artigo 1º da Lei Francesa nº 75.663 de 17 de julho de 1975, define resíduos sólidos como “todo resíduo de um processo de produção, de transformação ou utilização, toda substância, matéria, produto, ou mais geralmente, todo bem móvel abandonado ou que seu proprietário o destina ao abandono”.

Para Moreira et al (1994) a Comunidade Econômica Europeia (CEE), de acordo com as diretrizes 75/442 e 78/319, define o lixo como “qualquer substância ou objeto cujo detentor se desfaz segundo a legislação vigente”.

Há de se considerar, então, que o conceito de lixo é atribuído a materiais gerados diariamente constituídos por restos alimentares, embalagens descartáveis, objetos inservíveis e oriundos da higiene pessoal e da limpeza doméstica. Para Grimberg (2005), esses objetos são considerados lixo apenas quando misturados e o destino mais adequado torna-se o aterro sanitário. Entretanto, quando separados em secos e úmidos passam a ser reaproveitáveis ou recicláveis, consequentemente o que não puder ser aproveitado nesta cadeia de reuso, denomina-se rejeito, pois segundo a autora:
           
Não cabe mais, portanto, a denominação de lixo para aquilo que sobra no processo de produção ou de consumo. Marcar estas diferenças é de suma importância. A clareza na compreensão destes conceitos é o que permite avançar na construção de um novo paradigma que supere inclusive o conceito de limpeza urbana (GRIMBERG, 2005, p. 11).

Calderoni (2003, p.49), esclarece que o conceito de lixo e de resíduos sólidos pode variar segundo o tempo, lugar, bem como em função de fatores jurídicos, econômicos, ambientais, sociais e tecnológicos:

A definição e a conceituação dos termos “lixo, resíduo” e “reciclagem” diferem conforme a situação em que sejam aplicadas. Seu uso na linguagem corrente, com efeito, distingue-se de outras acepções adotadas consoante a visão institucional ou de acordo com seu significado econômico. Na linguagem corrente, o termo resíduo é tido praticamente como sinônimo de lixo. Lixo é todo material inútil. Designa todo material descartado posto em lugar público. Lixo é  tudo aquilo que se “joga fora”. É o objeto ou a substância que se considera inútil ou cuja existência em dado meio é tida como nociva. Resíduo é palavra adotada muitas vezes para significar sobra do processo produtivo, geralmente industrial. É usada também como equivalente a “refugo” ou “rejeito”.

No entanto, a par de todos os conceitos transcritos, Zaneti (2006, p.37), informa que, apesar da falta de unanimidade em relação aos conceitos das palavras “lixo” e “resíduos”, existe uma substituição técnica da palavra “lixo” pelo termo “resíduo”, ressaltando, porém, que o conceito de “resíduo” pode ser alterado segundo a relação entre as pessoas e os objetos que descartam:

Resíduo sólido e lixo, embora comumente usadas como sinônimos, tanto na linguagem técnica e legal, quanto na coloquial, não significam, necessariamente, a mesma coisa. Lixo está associado à noção da inutilidade de determinado objeto, diferentemente de resíduo, que permite pensar em nova utilização, quer como matéria prima para produção de outros bens de consumo, quer como composto orgânico para o solo. (MANDARINO, 2008, p. 8 apud ZANETI, 2006, p. 37).

Apesar das supracitadas definições e conceitos parecerem convincentes e esclarecedoras como ferramenta na construção de um paradigma, existem muitas discussões quanto à similaridade em torno da significação de lixo e resíduos. Dentre essas discussões são estabelecidas conceituações legais muito mais difundidas, porém conflitantes.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Tecnológicas e o Compromisso Empresarial para Reciclagem (IPT/CEMPRE, 1995, p. 23), o conceito de lixo adquire a seguinte descrição:

Restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou descartáveis. Normalmente apresentam-se sob estado sólido, semissólido ou semilíquido (com conteúdo líquido insuficiente para que este líquido possa fluir livremente).

Segundo Tenório e Espinosa (2004, apud SILVA, 2009), a palavra “resíduo”em conjunto com a palavra “sólido”possui um significado técnico específico definido por norma técnica. A NBR 10004 define resíduos sólidos como:

Resíduos sólidos são resíduos nos estados sólido e semissólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam inclusos nesta última definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível (ABNT, 2004 apud SILVA, 2009, p. 17).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), conceitua os:

Resíduos Sólidos como: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. (Capítulo II – Art. 3º - Inciso XVI)

Portanto, pequenas modificações em relação a conceitos e definições de resíduos convergem a um único ponto: Há várias formas de classificar os diversos tipos de resíduos sólidos existentes e mesmo que se tornem conflitantes, a maioria está direcionada ao senso comum, sofrendo algumas modificações em virtude de conceitos próprios e da diversidade de definições autorais.

No tocante à classificação dos resíduos sólidos, para que sua gestão possa ser feita de maneira eficiente, conhecer os tipos de resíduos é essencial. Haja vista que a composição dos resíduos varia de comunidade para comunidade, hábitos e costumes, poder aquisitivo, número de habitantes e nível educacional, desenvolvimento e variações climáticas. São constituídos por substâncias facilmente degradáveis, como restos de comida, folhagem e excrementos; moderadamente degradáveis, materiais celulósicos como papel e papelão; dificilmente degradáveis, como trapos, madeira, borracha e plástico entre outros; e os não degradáveis, como metal não ferroso, vidro, cerâmica, cinzas, areia, etc.

De acordo com a NBR-10.004 (ABNT, 2004 apud SILVA, 2009), os resíduos sólidos possuem sua classificação em conformidade com riscos de poluição do meio ambiente (Tabela 1).

Tabela 1. Classificação dos resíduos sólidos quanto aos riscos de contaminação


CLASSIFICAÇÃO

CARACTERÍSTICAS DOS RESÍDUOS

Perigosos

Resíduos Classe I – Perigosos

 

Aqueles que apresentam periculosidade.Geralmente são inflamáveis, corrosivos, reativos, tóxicos ou patogênicos;

Não Perigosos

Resíduos Classe II A – Não Inertes

 

Aqueles que podem apresentar propriedades como biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água;

Resíduos Classe II B – Inertes

 

Quaisquer resíduos que, quando amostrados de uma forma representativa e submetidos a um contato dinâmico e estático com água destilada ou desionizada, à temperatura ambiente não tiverem nenhum de seus constituintes solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade de água, excetuando-se aspecto, cor, turbidez, dureza e sabor.

Fonte: Adaptado de ABNT (2004 apud SILVA, 2009, p. 17)

Já a PNRS classifica os resíduos sólidos (Tabela 2) quanto à origem e periculosidade (BRASIL, 2010, Art. 13º).

Tabela 2. Classificação dos RS quanto à origem e periculosidade.


CLASSIFICAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS QUANTO À ORIGEM

a)

Domiciliares: originários de atividades domésticas em residências urbanas;

b)

Limpeza urbana: originários da varrição, limpeza de logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana;

c)

Urbanos: os englobados nas alíneas “a” e “b”;

d)3

Estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: os gerados nessas atividades, excetuados os referidos nas alíneas “b”, “e”, “g”, “h” e “j”;

e)

Serviços públicos de saneamento básico: os gerados nessas atividades, exceto os da alínea “c”;

f)

Industriais: aqueles gerados nos processos produtivos e instalações industriais;

g)

Serviços de saúde: os gerados nos serviços de saúde, conforme definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS;

h)

Construção civil: gerados nas construções, reformas, reparos e demolições de obras da construção civil, incluindo aqueles resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis;

i)

Agrossilvopastoris: os resíduos gerados nas atividades agropecuárias e de silviculturas, incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas atividades;

j)

Serviços de transportes: os originários de portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira;

k)

Mineração: os gerados na atividade de pesquisa, extração ou beneficiamento de minérios.

CLASSIFICAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS QUANTO À PERICULOSIDADE 4

 

a)

Perigosos: aqueles que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica;

b)

Não perigosos: aqueles não enquadrados na alínea “a”.

Fonte: BRASIL (2010 apud CASTRO, 2012).

Por fim, outro fator importante a ser considerado na gestão dos resíduos é a classificação quanto à identificação de suas características quando secos ou molhados e orgânicos (biodegradáveis) ou inorgânicos (não biodegradáveis). Podem variar em função de aspectos sociais, econômicos, culturais, geográficos e climáticos, ou seja, os mesmos fatores que também diferenciam as comunidades entre si e as próprias cidades.

3.3      Consumo Consciente e a Geração de Resíduos

A prática do consumo sempre esteve presente em todos os períodos históricos como algo inerente ao cotidiano da humanidade (BAUMAN, 2008). Nas sociedades primitivas, o ato de consumir estava vinculado à satisfação de necessidades fisiológicas, como alimentar-se e saciar a sede.

Na sociedade industrial e urbana, a aquisição e o acúmulo de bens ultrapassaram a satisfação das necessidades de sobrevivência, relacionando-se ao habitus (BOURDIEU, 1983), da segurança a longo prazo, logo, o prazer da compra não era imediato, mas uma promessa de felicidade futura (BAUMAN, 2008).

A crise ambiental que vem sendo vivenciada pelas sociedades humanas em todo o planeta tem gerado sofrimento, dúvidas e insatisfações. Vive-se uma crise de valores. Os modelos de felicidade, baseados na capacidade de adquirir bens materiais e na ideia de que os recursos naturais durariam para sempre, se tornaram um sonho impossível para a maioria da população. Os resultados são sentimentos de frustração e baixa autoestima.

Vivemos em uma época em que a grande utopia é a busca da felicidade privada, e o consumo é visto como um dos meios para alcançar essa felicidade. Mas todo mundo sabe que o consumo não faz ninguém feliz. Consumir traz satisfação, que não é a mesma coisa que felicidade. Se você compra um carro, se faz uma viagem, o consumo lhe proporciona uma sensação de evasão, o faz esquecer seus problemas, mas esse sentimento é temporário. Então a civilização hipermoderna tem algo de paradoxal (LIPOVETSKY apud GARCIA & GENEROZO, 2013, p. 2).

Desta forma, pode se enfatizar que em todas as sociedades houve desperdício, dilapidação, gasto e consumo sempre além do estritamente necessário, pela simples razão de que é no consumo do excedente e do supérfluo que tanto o individuo como a sociedade sentem-se não apenas existir, mas também viver. (BAUDRILLARD, 2008).

De acordo com Portilho (2004) em uma sociedade capitalista, praticamente, 80% dos recursos naturais são consumidos por 20% da população e o sucesso é medido pela quantidade de coisas que se pode ter. Acrescenta, ainda, que a crise ambiental é uma construção social e que, ao longo do tempo, houve transições no discurso utilizado para problematizar a questão, conforme sistematizado abaixo:

a) Até a década de 1970 – os problemas ambientais eram decorrentes do crescimento populacional;
b) A partir da década de 1970 – os problemas eram decorrentes do impacto da produção;
c) A partir da década de 1990 – os problemas são decorrentes do impacto do consumismo.
No entendimento de Bauman (2008, p. 41):

[...] o consumismo é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, neutros quanto ao regime, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de autoidentificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais.

A matriz desse problema, portanto, pode ser considerada no modelo de desenvolvimento adotado na maioria dos países, os quais exibem um padrão de consumismo exagerado e produzem, pois, uma quantidade tal de resíduos que a natureza jamais conseguirá absorver ou processar.

Corrobora com esta afirmação, a Organização Panamericana de Saúde (2005) ao constatar que o modo de vida urbano produz uma diversidade cada vez maior de produtos e de resíduos que exigem sistemas de limpeza diferenciados após o seu uso e uma destinação ambientalmente segura.

Sob tais condições, a redução dos milhões de resíduos gerados vem sendo apontada como um dos maiores desafios da atualidade. A geração excessiva de resíduos sólidos afeta a sustentabilidade urbana e, que, a sua redução depende de mudanças nos padrões de produção e consumo da sociedade.

Para Dias (2002), faz-se necessário buscar e atingir um novo estilo de vida, baseado numa ética global, regida por valores humanitários harmonizadores. Enfatiza, ainda, que as cidades com manejo eficiente carecem da necessidade de se reduzir a produção de resíduos, a poluição e os riscos. Desta forma, busca-se a eficiência no uso de energia, dos materiais, dos alimentos e da água e promove-se a reciclagem, a reutilização e a redução de consumo.

Neste horizonte, Fromm (1980) já assinalava, como princípio implícito do ato de consumo, a relação concreta e humana, segundo ele:

[...] o ato de consumo deveria ser um ato humano concreto [...] em que nós participássemos como seres humanos concretos, sensíveis, sentimentais e inteligentes, o ato de consumo deveria ser uma experiência significativa, humana, produtiva (FROMM, 1983, p. 136).

Para isto, deve-se contribuir em melhorar o planejamento, o manejo e a geração de políticas públicas capazes de tornar as cidades menos impactantes e mais agradáveis de viver, conciliando desenvolvimento com conservação e uso sustentável e equitativo de recursos naturais, com a decisiva participação das populações locais no processo de gestão.

Mance (2003) considera que o consumo pode ser classificado em quatro classes: alienado, compulsório, para o bem viver e solidário.

O consumo alienado caracteriza o praticado por influência das semioses publicitárias.

Já o consumo compulsório é aquele que se é obrigado a realizar para satisfazer as necessidades biológicas, culturais e situacionais e que ocorre quando a pessoa tem pouco recurso para atendê-lo ou não há alternativas para escolher.

Consumo para o bem viver ocorre quando as pessoas não se deixam levar pelas armadilhas publicitárias e, optam por produtos e serviços que garantam o seu próprio bem viver, permitindo sua singularidade como seres humanos.

E por fim, o consumo consciente e solidário trata-se daquele que ao adquirir um produto ou serviço leva-se em consideração aspectos solidários e ecológicos em toda a sua cadeia produtiva.

Assim, a reversão do atual padrão de desenvolvimento, em direção à sustentabilidade ambiental, tem no manejo adequado dos resíduos sólidos, um de seus maiores desafios (LIMA, 2002), sendo que a adoção das práticas de gerenciamento pelas municipalidades, observando todas as nuanças em torno do consumo e geração de resíduos, poderia ser a base do processo de enfrentamento do problema.

As considerações de Pinto (2010) contribuem com o quadro exposto ao afirmar que:

O estilo de vida, tendo por base o sistema capitalista de produção, faz a sociedade caracterizar-se dentro de um padrão de vida voltado para o consumo. A lógica do capital, compreendida pela produção de bens e prestação de serviços, e somado a tudo isto o aumento populacional, tem colocado em discussão a questão do gerenciamento dos resíduos (PINTO, 2010, p. 19).

Portanto, fruto dos modelos de produção e consumo, a produção de resíduos tende cada vez mais a aumentar, tomando dimensões preocupantes. De maneira que, atualmente, a prevenção, tanto na fabricação como na utilização de produtos, tem gerado estratégias e tecnologias limpas para redução da quantidade e da nocividade dos resíduos resultantes dos processos de produção e do consumo pela sociedade, visando à proteção do meio ambiente. Porém, atrelada a essa perspectiva fabril e tecnológica, somente um gerenciamento integrado em todas as etapas de manejo dos resíduos sólidos, pode render às cidades, maior sustentabilidade ambiental e equidade social.

3.4      Resíduos Sólidos e Sustentabilidade

É notório que até os dias atuais, a logística da coleta e transporte de resíduos sólidos urbanos consagra-se como diretriz predominante quanto ao seu gerenciamento. Os elevados custos das etapas de tratamento e disposição final. O total desconhecimento da sociedade acerca dos impactos ambientais, sociais e econômicos gerados. Os efeitos nocivos à saúde acarretados pela disposição inadequada dificultam os avanços para se solucionar o problema, principalmente nos países não desenvolvidos. Logo, ao poder público cabe ponderar que a sustentabilidade da gestão de resíduos urbanos vai além da mera disposição adequada em aterros, ou qualquer outro tipo de destinação final.

 Em conformidade com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, apenas 25% de todos os resíduos no mundo são reutilizados ou reciclados; e a projeção de geração de resíduos urba­nos é de 13 bilhões de toneladas em 2050 (JARDIM e MACHADO FILHO, 2011). Neste sentido, PNU­MA enfatiza que o mundo necessitará investir cerca de US$ 108 bilhões/ano no “esverdeamento” do setor de resíduos, ou seja, a redução em 85% da quantidade de rejeitos encaminhados aos aterros sani­tários. Segundo o levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Re­síduos Especiais (ABRELPE), os moradores e empresas localizadas nos centros urbanos geraram cer­ca de 1,03 Kg de resíduos por dia. Isso representa um aumento de 5,3% comparado a 2010 (TAVARES, 2011).

Desta forma, nota-se que a prevenção e o manejo de resíduos sólidos podem ser destacados como os principais desafios atualmente da sustentabilidade que de acordo com Jardim e Machado Filho (2011, p. 50):

Há a necessidade de se repensar o descarte dos resíduos e investir em novas tecnologias de processos produtivos, utilizando menos recursos naturais, melhorando os atuais processos instalados e até influenciando nos modos de consumo da sociedade.

Acrescente-se ao exposto, que se torna importante  a adoção de programas considerando ações e/ou projetos de Educação Ambiental, os quais devem privilegiar soluções voltadas à conscientização e educação da população, estimulando, também, a adoção de princípios e atitudes visando à minimização da geração de resíduos na perspectiva da sustentabilidade urbana.

No contexto dos resíduos sólidos e sua gestão sustentável, Milanez (2002) propõe 11 princípios que norteiam pontos importantes a serem levantados:

1. Garantia das condições adequadas de trabalho; 2. Geração de trabalho e renda; 3. Gestão compartilhada; 4. Democratização da informação; 5. Universalização dos serviços; 6. Eficiência econômica da gestão dos RSU; 7. Internalização pelos geradores dos custos e benefícios; 8. Respeito ao contexto local; 9. Recuperação da degradação devida à gestão incorreta dos RSU; 10. Previsão dos impactos ambientais; 11. Preservação dos recursos naturais (MILANEZ, 2002, p. 78)
Assim, ao se abordar resíduos sólidos na perspectiva da sustentabilidade e desses princípios, naturalmente que vem à tona seu aspecto ecológico, sua parcela relacionada diretamente às questões ambientais (biodiversidade, vegetação, recursos naturais etc.). Entretanto, essa abordagem é apenas um dos eixos que constitui o que se entende como sustentabilidade: um conceito complexo e amplo, que comporta diversas dimensões na sua expressão mais ampla. Portanto, a gestão de resíduos sólidos no âmbito das dimensões da sustentabilidade, conforme descritas abaixo, tem se mostrado como um modelo alternativo de desenvolvimento em relação ao vigente.

a) Ambiental – relaciona-se à recuperação da degradação devida à gestão incorreta dos resíduos, previsão dos impactos socioambientais e preservação dos recursos naturais. Abrange, portanto, aspectos relacionados ao uso dos recursos naturais e à degradação ambiental; preservação e conservação do ambiente; coleta e destino de lixo, os quais igualmente expressam pressões sobre os recursos naturais e envolvem questões pertinentes à política ambiental, além de terem forte influência na saúde e na qualidade de vida da população;
b) Social – caracteriza-se pela garantia das condições adequadas de trabalho e universalização dos serviços, o que corresponde a aspectos relacionados à satisfação das necessidades humanas, melhoria da qualidade de vida e justiça social; como os temas população, trabalho e rendimento;    
c) Econômica – trata da geração de trabalho e renda, eficiência econômica da gestão dos resíduos sólidos urbanos e internalização pelos geradores dos custos e benefícios, caracterizados pelo desempenho macroeconômico e financeiro do País e dos impactos no consumo de recursos materiais, na produção e gerenciamento de resíduos e uso de energia;
d) Política – reporta à democratização da informação, gestão compartilhada e institucionalização da gestão de resíduos sólidos urbanos. Reflete a capacidade e esforço despendido por governos e pela sociedade na implementação das mudanças requeridas para uma efetiva execução do desenvolvimento sustentável; e) Cultural – considera a promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo e conscientização ambiental, levando em consideração que o processo produtivo de uma organização ou comunidade é reflexo de seus valores culturais (IBGE, 2010).

Considerações Finais
           
A atual sociedade de consumo se caracteriza pela produção de um elevado número de objetos e produtos, trazendo inegáveis benefícios à humanidade, e conduzindo simultaneamente, a uma redução dos recursos naturais, sobretudo dos não renováveis e a produção de resíduos de natureza variada, o que representam riscos ambientais e sociais (PRECIOSO et al., 2005, p. 01).

Com isso, a problemática dos resíduos sólidos urbanos no mundo, mais comumente conhecida como a “questão do lixo”, há muito tempo tomou proporções de poluição ambiental e cresce proporcionalmente ao aumento da população mundial e sua urbanização. Sobre esta proporcionalidade, é provável que o volume dos resíduos sólidos urbanos no mundo cresça mais que a população mundial, aumentando a produção per capita do lixo, uma vez que o consumo na era dos descartáveis toma formas de fundamentalismo pelo incentivo da mídia.

Morin e Kern (2002) alertam que “A tomada de consciência da comunidade de destino terrestre deve ser o acontecimento chave do novo milênio: somos solidários desse planeta, nossa vida está ligada à sua vida. Devemos arrumá-lo ou morrer”.

Diante do contexto teórico apresentado neste artigo, espera-se que o conteúdo abordado evidencie uma compreensão do repertório conceitual sobre resíduos sólidos para o planejamento urbano ambiental e às políticas públicas envolvendo a temática. Destaca-se a importância das fontes revisadas para sua aplicabilidade no contexto popular, na busca de interpretações menos técnicas e mais acessíveis.

Agradecimentos: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por financiar parcialmente este trabalho.

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1 O termo gestão é adotado, projetando o preconizado pela PNRS: “Conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2010)”.

2 Definição atribuída a resíduo, nesse período (material indesejado pelo homem, sem valor econômico)  tratado na seção: Conceitos, Definições e Classificações. 

3 De acordo com o Parágrafo Único, do art. 13º da PNRS, os resíduos referidos na alínea “d”, se caracterizados como não perigosos, podem, em razão de sua natureza, composição ou volume, ser equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público municipal (BRASIL, 2010).

4À PNRS não se aplica aos rejeitos radioativos, que são regulados por legislação específica (ibid, § 2º, do art. 1º).  


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