Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


DIVERGÊNCIAS DE CONCEPÇÕES CONCEITUAIS SOBRE FUNK E CULTURA

Autores e infomación del artículo

Tatiane Lima de Paiva *

Thaynã Davilla Savio **

Universidade Estadual de Oeste do Paraná , Brasil

tatyplug@hotmail.com

RESUMO: Nos últimos tempos a pluralidade cultural do país — e do mundo — tem sido ressaltada continuamente nas mídias nacionais e internacionais. No entanto, tal afirmativa não quer dizer que essa enorme diversidade seja aceita ou respeitada por todos. Todavia resta muito a ser feito para que a diversidade cultural seja compreendida e respeitada pela maioria da população brasileira — e de outras partes do mundo. O modo de viver, a mudança de hábitos, o acesso à informação, a mundialização (ORTIZ, 1994), entre tantos outros fatos que ocorrem ininterruptamente nos tempos atuais nos impulsionam a repensar conceitos e atitudes em relação ao modo como pensamos a sociedade e tudo que está relacionado a ela. Propomos expor aqui uma discussão em torno de um ritmo musical ouvido por parte da população brasileira: o funk, que, embora seja constante nas rádios e mídias brasileiras, não é reconhecido como cultura e/ou patrimônio cultural. Desta forma, objetivamos neste artigo verificar quais conceitos de cultura estão subjacentes nos textos explícitos através de comentários publicados por usuários em duas redes sociais: youtube e facebook. Para isto, primeiramente faremos uma breve discussão sobre o conceito de cultura, diversificando os pontos de vista através de diferentes autores. Posteriormente, estabeleceremos uma relação entre o levantamento teórico e as manifestações levantadas nestas redes sociais. Ao final desta análise, com o auxílio de alguns autores, acrescentaremos a esta discussão a importância da interculturalidade e da hibridação neste contexto atual. Esperamos, com isso, obter um pequeno diagnóstico sobre a tolerância e o respeito, exercidos ou não, frente às diferenças de gostos, opiniões e entre culturas. Afinal, compartilhamos com Hall (2006) a opinião de que toda forma de expressão musical é cultura. Para conceituar o termo cultura nos pautaremos em Marilda do Couto Cavalcanti (2009), Terezinha Machado Maher (2009), Vera Maria Candau (2008) e Néstor García Canclini (2001). Já a opção pela utilização de análise dos comentários publicados pelos usuários do youtube e do facebook se deu pela possibilidade de observação de crenças e atitudes expressadas pelos participantes/usuários nestes ciberespaços em relação ao estilo musical funk, associando-o à cultura brasileira, seja de modo positivo ou negativo. partilhamos do entendimento de que a cultura é algo extremamente mutável, permeável (não se pode falar em cultura única) e que reflete a vivência de um grupo de pessoas, ainda que este grupo não seja o dominante. A consequência disto é que, pelo fato de estas manifestações culturais emanarem de uma parcela menos favorecida, são minimizadas e dispensadas, na concepção antiga e equivocada que cultura é sinônimo de refiidnto, ou seja, que pobre não tem e nem pode fazer cultura. Mas assim como não podemos classificar a cultura também não podemos classificar um ritmo musical em sendo melhor que outro. A música, em nossa concepção, deve ser vista como forma de integração, hibridação e interculturalidade, pois expressam a diversidade de vários indivíduos pertencentes a uma ou muitas sociedades.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Tatiane Lima de Paiva y Thaynã Davilla Savio (2018): “Divergências de concepções conceituais sobre funk e cultura”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2018). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2018/01/funk-cultura-brasil.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1801funk-cultura-brasil


INTRODUÇÃO

A pluralidade cultural do país é ressaltada continuamente nas mídias nacionais e internacionais e inclusive foi tema de redação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e vestibulares. Entretanto, isto não quer dizer que esta enorme diversidade seja aceita ou respeitada por todos. Percebemos que um longo caminho já foi percorrido, mas ainda há muito a ser feito para que a diversidade cultural seja compreendida, respeitada e, principalmente, considerada uma riqueza, pela maioria da população brasileira.
Desta forma, objetivamos neste artigo verificar quais conceitos de cultura estão subjacentes nos textos explícitos através de comentários publicados por usuários em duas redes sociais: youtube e facebook. Para isto, primeiramente faremos uma breve discussão sobre o conceito de cultura, diversificando os pontos de vista através de diferentes autores. Posteriormente, estabeleceremos uma relação entre o levantamento teórico e as manifestações levantadas nestas redes sociais. Ao final desta análise, com o auxílio de alguns autores, acrescentaremos a esta discussão a importância da interculturalidade e da hibridação neste contexto atual. Esperamos, com isso, obter um pequeno diagnóstico sobre a tolerância e o respeito, exercidos ou não, frente às diferenças de gostos, opiniões e entre culturas. Afinal, compartilhamos com Hall (2006) a opinião de que toda forma de expressão musical é cultura.
Para conceituar o termo cultura nos pautaremos em Marilda do Couto Cavalcanti (2009), Terezinha Machado Maher (2009), Vera Maria Candau (2008) e Néstor García Canclini (2001). Já a opção pela utilização de análise dos comentários publicados pelos usuários do youtube e do facebook se deu pela possibilidade de observação de crenças e atitudes expressadas pelos participantes/usuários nestes ciberespaços em relação ao estilo musical funk, associando-o à cultura brasileira, seja de modo positivo ou negativo.

CULTURA FLUÍDA
As formas de manifestações de expressões culturais são infinitas, já que fazemos parte de uma sociedade formada por indivíduos em constante transformação. De acordo com Maher e Cavalcanti (2009, p. 11), antropologicamente falando, nós todos somos seres culturais, independente do nível acadêmico, pois compartilhamos grande parte das formas de pensar e de agir com outros integrantes do grupo ao qual estamos inseridos. Somos seres interpretativistas, interpretamos tudo o que vemos através de sistema de valores, representações e comportamentos aprendidos dentro da própria cultura. E assim como o meio social muda, os nossos modos de agir e de interpretar também mudam. Novas formas expressões surgem e são compartilhadas e ressignificadas através do contato entre diferentes culturas, através da globalização, como o gênero musical funk, originalmente estadunidense, criado por volta de 1965 por músicos afro-americanos com a mistura de ritmos musicais como soul, jazz e rhythm and blues, mas que ao chegar ao Brasil foi sendo modificado até se tornar o que conhecemos hoje como funk carioca.
A interpretação que os indivíduos sociais têm daquilo que está ao entorno só é possível se lhe é atribuído sentido em sua cultura. Assim como aprendemos desde pequenos a nos comportamos em sociedade, também aprendemos modos de interpretação no meio em que convivemos. Isso porque o homem é, além de um ser biológico, um indivíduo social (LEVI-STRAUSS, 1982, p. 43). Mas, tanto a interpretação quanto o comportamento são aprendidos ao longo da vida e podem ser modificados, não são fixos, estáticos, assim como nós também não somos.
A cultura é móvel, é líquida assim como a "vida líquida", a "modernidade líquida 2" (BAUMAN, 2009). As transformações ocorrem cada vez mais rapidamente, isto resulta em um movimento contínuo e alternado em que ora a cultura influencia o comportamento, ora o comportamento influencia a cultura, não necessariamente nesta ordem.   
Em sendo o ser humano um ser cultural e compartilhando as formas de pensar e agir com o grupo ao qual pertence, se torna imprescindível levar em consideração os modos como estes compartilhamentos são levados a cabo. Eles ocorrem de diversas maneiras no cotidiano, passando das mais sutis (como um olhar de aprovação ou desaprovação direcionado a alguém), até formas mais visíveis, ou mesmo revestidas de mecanismos que as tornam mais explícitas como um anúncio na televisão ou um discurso dado por alguém importante. Mas, é principalmente por meio da família e da escola que esses ensiidntos são repassados e legitimados, pelo fato que esses dois espaços são onde, preponderantemente, os comportamentos são reforçados ou não, incentivados ou repreendidos, punidos ou elogiados.
Moita Lopes (2002, p. 127) afirma que "a escola é um dos espaços institucionais mais importantes para aprendermos a nos constituir como seres sociais e também para construirmos os outros”. Deste modo é importante ressaltar neste ambiente o respeito mútuo para com o próximo, independentemente das diferenças estabelecidas entre as pessoas. Não é raro ver manifestações negativas ou intolerâncias sobre algum gênero musical ou pessoas que afirmam escutá-los vindas de quem deveria prover a tolerância e o respeito. Não seria necessária uma lei 3 reconhecendo o funk como cultura, descriminalizando-o, proibindo qualquer tipo de discriminação ou preconceito contra o movimento ou seus integrantes e reconhecendo os artistas do funk como agentes da cultura popular se a população já o fizesse de antemão.  
Mas o funk é contraditório e tira proveito até mesmo dos estereótipos e de tudo aquilo que se acumula como “lixo” e “vulgar” na cultura moderna. O funk evidencia como a juventude negra e favelada reinventa-se criativamente com os escassos recursos disponíveis, subvertendo, muitas vezes, as representações que insistem em situá-la como baixa e perigosa. Além disso, a crítica ao funk escancara a maneira pela qual a sociedade brasileira renova seu racismo e preconceito de classe camuflados pelo retórica ocidental do “bom gosto estético.” (LOPES, 2010, p. 20)

As críticas a respeito do funk são divulgadas diariamente em muitos meios midiáticos, o desenvolvimento tecnológico acontece de modo cada vez mais rápido e a cada dia surgem novas possibilidades de comunicação e aprendizado entre e dentro das sociedades, gerando uma gama enorme de interações possíveis. E nessas interações, transmitimos, seja consciente ou inconscientemente, uma impressão que desejamos que outros tenham sobre nós, de acordo com o que aprendemos ser bom ou correto (GOFFMAN, 2014). E essa constante troca de impressões acaba sendo crucial na formação do que determinada sociedade entende por cultura.
Temos como resultado da contemporaneidade as formas múltiplas, onde não existe um único modo de ver, compreender e sentir, as possibilidades são infinitas, depende do modo como olhamos para elas e se nos permitimos olharmos para elas aceitando estas infinitas possibilidades. Neste sentido cabe aqui a metáfora do caleidoscópio proposta por César e Cavalcanti (2007, p.61) quando afirmam que ele como um jogo de (im)possibilidades fortuitas, concomitantemente, apropriadas pelo contexto e pelos elementos, “um jogo que se explica sempre fugazmente no exato momento em que o objeto é colocado na mira do olho e a mão que o movimenta”.

É como se o ser humano, na natureza, fosse míope. Sem a cultura, o mundo seria um conjunto de imagens desfocadas, nebulosas, sem sentido aparente. A cultura atua, metaforicamente, portanto, como um par de óculos. É através deles que o mundo faz sentido para nós. Por isso costuma-se dizer que a cultura é uma visão particular de mundo. É claro que, dessa perspectiva, todo ser humano tem cultura, todo ser humano é culto, já que nenhum ser humano está no mundo destituído de um sistema de valores e de representações. (MAHER e CAVALCANTI, 2009, p.12)

Deste modo, todos os sistemas sociais e também as diferentes classes pertencentes a estes sistemas contêm e produzem cultura. E não seria correto afirmar que existem culturas melhores ou piores que as outras, são sistemas diferentes que abrangem culturas distintas. Mas isto gera inúmeras consequências, como afirmam Maher e Cavalcanti (2009, p. 12): “Ocorre que o encontro com as diferenças culturais é, quase sempre, marcado pelo estranhamento: temos uma dificuldade imensa em reconhecer que outros possam estar sendo orientados por matrizes culturais diferentes das nossas”.  
O estranhamento e a dificuldade são até previstos em encontros culturais, mas dependendo do rumo que tomam podem se desenvolver de modos distintos. O que é estranho pode se tornar familiar e a dificuldade pode ser superada possibilitando o surgimento da hibridação e posteriormente da interculturalidade. Mas se ao invés destas barreiras serem vencidas e forem acentuadas, incentivadas e aprofundadas é possível que haja o surgimento de rupturas, resultando no surgimento de intolerância, falta de respeito, preconceito, atitudes violentas para com o outro, ou até mesmo a invisibilização.
Skliar (apud MAHER e CAVALCANTI, 2009, p.48) afirma que tornamos invisível aquele que nos incomoda, seja de diferentes modos, inclusive culturalmente. Desta maneira, acabamos naturalizando as diferentes formas de invisibilização daquilo que nos convêm, disto surgem os tabus, os assuntos não discutidos, tampouco não problematizados e o surgimento de fronteiras, não fronteiras físicas - territoriais ou políticas, mas fronteiras sociais que surgem através e por meio do contato sociocultural. Conforme afirma Isis Berger:

tendo um cunho social, as fronteiras se formam, sustentam-se ou dissolvem-se também nas relações entre os grupos. Assim, fazendo uso da definição provida por Raffestin (2005, p. 13), entendo que:
[...] a fronteira é um dos elementos da comunicação biossocial que assume uma função reguladora. Ela é a expressão de um equilíbrio dinâmico que não se encontra somente no sistema territorial, mas em todos os sistemas biossociais. (BERGER, 2015, p.45)

Estes fatos não ocorrem apenas entre uma cultura em relação à outra, mas dentro dos próprios sistemas culturais, pois existem sistemas amplos sistemas que englobam contextos pluriculturais e diferenças socioculturais, fazendo surgir, por conta disso, a emersão de conflitos. As divergências são consequências naturais, uma vez que somos seres biológica e socialmente distintos uns dos outros, mas precisamos atentar para as decorrências conflituosas radicais — as intolerâncias, as manifestações de racismo, preconceito discriminação, opressão e violência —, elas devem ser problematizadas, discutidas e sanadas, pois a diferença nos é inerente.       Vera Maria Candau defende a promoção da educação para o reconhecimento do outro através de uma perspectiva intercultural,   

uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade. (CANDAU, 2008, p. 52)

            Até aqui, através dos conceitos explorados podemos perceber que há uma gama muito grande para a definição de cultura. Muitos autores de diferentes áreas exploram este termo sob diversos aspectos. Entretanto, existe uma definição que parece prevalecer em dicionários e também em opiniões populares: cultura como sinônimo de conhecimento/sabedoria. Canclini (2009. p. 37) compartilha seu pensamento quando analisa a noção inicial de cultura que se apresenta no cotidiano das pessoas, que a assimilam à educação, ilustração, refiidnto, informação ampla, “nesta linha, cultura é o acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e estáticas". Tomando por base o dicionário on-line Priberam, observamos que ele agrega, além das definições relacionadas ao cultivo da terra, três palavras pontuais tratando cultura como sinônimo de conhecimento elitizado (pois entendemos que o conhecimento não é adquirido apenas através de sistema de ensino formal): instrução, saber, estudo. O Antropólogo Roberto Da Matta (1986, p. 01), afirma que as pessoas utilizam o conceito de cultura comunmente em dois sentidos, um deles é cultura como sinônimo de sofisticação, sabedoria, educação (sentido restrito), equivalente a quantidades de leituras, controle de informações, títulos universitários e até mesmo com inteligência.

Neste sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia (“os pretos não tem cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que “os franceses são cultos e civilizados” em oposição aos americanos que são “ignorantes e grosseiros”. [...] A palavra cultura, enquanto categoria do senso comum, ocupa como vemos um importante lugar no nosso acervo conceitual, ficando lado-a-lado de outras, cujo uso na vida cotidiana é também muito comum. (DA MATTA, 1986, p. 01)

Através da afirmação acima entendemos que muitas vezes o funk deixa de ser classificado como cultura por não ser sinônimo de do que se considera culto. 
Por muitas pessoas entenderem cultura segundo os conceitos acima citados diferentes manifestações culturais são desconsideradas por não se encaixarem neste padrão. Se compararmos o que afirmamos no início deste artigo com estes entendimentos perceberemos que há uma dicotomia: todos os estilos musicais são considerados cultura X estilos musicais que denotam conhecimento/sabedoria são considerados cultura, mas aqueles que são produzidos/ouvidos pelas classes mais baixas não.

Funk e cultura
Ao escolhermos a música como ponto de análise neste artigo, o fizemos em razão do papel que a música ocupa no cotidiano. Mesmo nas sociedades primitivas, a música e a musicalidade eram utilizadas para dar maior significado a certos momentos. Casamentos, funerais e cerimônias importantes são tradicionalmente acompanhadas de música, que tem o condão de ditar o tom da ocasião. Some-se à isto poder que a música tem expressar sentimentos, desejos e vontade. Souza, Jesus e Silva afirmam que   

A música se faz presente em todas as manifestações sociais e pessoais do ser humano desde os tempos mais remotos. Schaeffner (1958) explica que mesmo antes da descoberta do fogo, o homem primitivo se comunicava por meio de gestos e sons rítmicos, sendo, portanto, o desenvolvimento da música, resultado de longas e incontáveis vivências individuais e sociais. Da mesma maneira, ao nascer, a criança entra em contato com o universo sonoro que a cerca: sons produzidos pelos seres vivos e pelos objetos. Essa sua relação com a música pode ocorrer, por exemplo, por meio do acalanto da mãe ou aparelhos sonoros, sons da natureza e outros sons produzidos no seu cotidiano. Nesse sentido, a música dialoga com a constituição interna do ser humano. A criança estabelece suas primeiras relações com o mundo sociocultural por meio dos sentidos sensoriais e de laços afetivos. (SCHERER, 2010, p. 247-248)

            Para a construção deste artigo, optamos por realizar uma breve busca em comentários relacionados a vídeos de música funk postados em uma plataforma de armazeidnto deste tipo de arquivos denominada Youtube-Br (https://www.youtube.com/) e a outras duas comunidades intituladas: “funk é um lixo” e “funk é cultura”, de outra rede social - onde podem ser compartilhados arquivos com diferentes propriedades de mídia - denominada Facebook (https://www.facebook.com/). Nelas encontramos comentários demonstrando tanto o entendimento/aceitação do funk como cultura, quanto a rejeição do mesmo. O próprio nome das comunidades já demonstra o posicioidnto de pessoas que optam por segui-las. Abaixo separamos alguns comentários/manifestações que nos chamaram a atenção e os apresentamos, fazendo alguns apontamentos teóricos.
O que notamos, em verdade, é que ainda persiste a visão de que cultura é algo que pode ser adquirido, ou seja, pode-se ter ou não ter. E que o que é visto como verdadeiramente cultural muitas vezes é algo relacionado às classes sociais mais altas. Na linha deste texto, tome-se por exemplo a música clássica. Não é uma afirmação absurda dizer que quase não se contesta a música clássica como sendo “cultura” (como dito popularmente). O que nos parece é que para algo ser considerado cultura, é preciso que possua origem europeia e seja apreciado pelas camadas mais abastadas da população. Já as manifestações culturais, mesmo estrangeiras que se originam de países mais pobres, principalmente africanos, que emanam das classes sociais menos favorecidas são constantemente rechaçadas e reduzidas à manifestações vulgares e indignas de apreciação.
Na página do Facebook intitulada “Funk é cultura”, observamos a existência de postagens enaltecendo o funk como ritmo cultural brasileiro, como se nota do próprio nome dado à página. Entretanto, embora as postagens fossem de cunho “pró-funk”, percebemos em praticamente todas elas a existência de comentários de pessoas repudiando, por vezes até mesmo utilizando linguagem agressiva e palavrões, a possibilidade de o funk ser visto como algo cultural. Na imagem abaixo vemos uma boa demonstração disto:

                                  
Ao analisar o comentário “Funk não é cultura nem aqui nem na China”, percebemos um forte repúdio ao ritmo musical. Vê-se um distanciamento das pessoas que comentam, bem como um forte rechaço à possibilidade de que a música funk seja considerada elemento cultural por uma parte da população brasileira. Demonstra-se um estranhamento com a vivência alheia. São comentários etnocêntricos, que tomam suas próprias preferências como parâmetro para o que seria adequado para os demais (MAHER e CAVALCANTI, 2009).
Na comunidade intitulada: Funk é um lixo separamos os seguintes comentários: “Porra, se funk é cultura o rio tietê é cheio, é lotado de cultura a cultura lá todo mundo q passa pelas redondezas sente até o cheiro é tenso”. Percebe-se que há o uso de um condicional, demonstrando que não seria possível considerá-lo cultura, o autor do comentário o compara ao rio Tietê, por sua impureza, pela poluição, por ser considerado um esgoto. Ou seja, o posicioidnto adotado é que funk não é cultura, além disso ele é considerado impuro, sujo assim como um esgoto. Como pode-se ver da imagem, o mesmo pensamento é reproduzido por outras pessoas:

Explorando um pouco mais o ciberespaço, não é difícil encontrar comentários de pessoas que degradam o funk desvinculando-o de qualquer forma de manifestação cultural. “Funk. É. Cultura. Para imorais, que não respeitam ninguém”. Aqui há uma ligação do funk com questões éticas e comportamentais e, seguindo este raciocínio, quem gosta deste estilo musical é imoral e não respeita ninguém, como se fosse possível obter este tipo de definição em relação a uma pessoa considerando apenas o que ele/ela escuta. 
Ainda explorando a imagem acima, conhecida como “meme” - imagens que podem viralizar na internet sendo compartilhadas por um grande número de pessoas. Tem-se outro exemplo de interligação entre o funk e algo carregado de sentido negativo. Neste exemplo há uma conexão do funk com uma privada, um modo de esclarecer que ele não pode ser cultura, ou se fosse seria classificando a cultura como algo minorizado. Conforme vimos no início deste artigo, não há possibilidade de classificar cultura como algo bom ou ruim.       

Este é um outro exemplo de meme. Podemos observar que existe um questioidnto sobre funk ser cultura e uma resposta a este questioidnto. Na resposta fica claro a conexão entre este estilo musical e o comportamento do homem em relação a uma mulher, dando a entender que um homem que escuta funk não trata uma mulher do jeito “correto”, ou seja, bem, não a ama e não a respeita. É importante ressaltar que as questões levantadas acima são também culturais, variam de um lugar para outro.
Ele também é relacionado ao uso do português “errado”, demonstrando desconsiderar a variedade linguística e preconizando a valorização do português padrão e monolíngue. Afirma-se também que ele faz apologias ao crime, drogas e má distribuição de renda no país. Percebe-se que neste texto há uma culpabilização do funk por muitas coisas ruins que ocorrem no Brasil, como se fosse possível culpar um gênero musical o responsabilizando por todas as questões acima relatadas.
Isto ocorre também na próxima imagem, em que se acusa ser culpa do funk a cultura do estupro. Fato que não ocorre em apenas uma parte do Brasil, mas em muitos lugares deste território e de outros territórios do mundo. Não seria possível afirmar ser um estilo musical culpado por uma barbárie humana que ocorre desde muito antes do seu surgimento. Tal afirmação pode ser movida pelo preconceito existente, não com o estilo musical em si, mas com os indivíduos de determinada classe social, de determinados lugares e de determinadas cores que escutam e/ou aderem a este estilo.      

Em um dos comentários a respeito do funk um dos usuários faz uma ofensa aos autores de determinada música, às pessoas que gostam da música e aos que afirmam que funk é cultura. Outros dois comentários que seguem abaixo também contêm ofensas a pessoas que escutam tal estilo musical. Fica claro a intolerância de alguns participantes da rede que se propõem a realizar críticas, ofensas e acusações, gerando discussões infindáveis. Assim como as pessoas estão livre para fazer diferentes escolhas em diferentes momentos da vida, elas também têm o direito de escolher o escutam, o enraizamento cultural não dialoga com o modo de vida atual. Ofender alguém por ter um gosto musical diferente não faz com que o estilo musical seja extinto, e nem faz com que o funk deixe de ser considerado cultura. Assim como foi afirmado anteriormente, a ignorância e a pobreza não podem ser justificadas por se gostar de determinado ritmo.     

Embora sejam poucos os comentário e as participações em defesa do funk como cultura, eles ainda foram vistos. Abaixo há uma afirmação dizendo que funk é cultura. Porém, percebe-se que tal afirmação é taxativa e logo abaixo seguem comentários que fomentam a discussão. A objetividade de tal afirmação pode ocorrer por conta da falta de conhecimento e aprofundamento do conceito de cultura, acarretando na pobreza ou até mesmo na ausência de argumentação.      
Conclusão
Já que não é possível separar cultura e sociedade tais termos deveriam problematizados nas instituições de ensino (em seus diferentes níveis), nas mídias e em outros tantos lugares, pois é a partir das discussões que amplia a visão de mundo e de tudo que faz parte dele. Não somente o funk, mas outros ritmos musicais que são constantemente minorizados e menosprezados deveriam ser valorizados como cultura por todas as pessoas. Estes ritmos geralmente são formas de manifestação de resistência, surgem de classes menos favorecidas e historicamente apresentam desigualdade no sentido econômico e social. Hall (2003, p. 249) afirma que "no estudo de cultura popular, devemos sempre começar por aqui: com o duplo interesse da cultura popular, o duplo movimento de conter e resistir, que inevitavelmente se situa em seu interior.
Embora para as camadas mais ricas da população possa não, a música funk, assim como o rap e o hip-hop são formas de contar vivências de uma parte da população (MUNIZ, 2016). É preciso abdicar das concepções etnocêntricas e da tendência colonialista de valorizar o que se origina de países estrangeiros considerados “desenvolvidos”, em detrimento de manifestações culturais locais, que evidenciam uma realidade de nosso país.
O que buscamos abordar neste pequeno texto foi exatamente as diferentes visões que existem sobre a música funk, dando um destaque inevitável aos posicioidntos que excluem o ritmo do conceito de cultura. O preconceito publicado em redes sociais muitas vezes está relacionado ao fator econômico, social e intelectual, e o que se é valorizado em tais comentários nos remete a cultura importada de consumo, ou seja, ritmos musicais estrangeiros, reproduções que percorrem o mundo e são consideradas “melhores”, “mais cultas” e “mais prestigiadas” do que as brotam deste solo.
Como vimos e discutimos no texto, partilhamos do entendimento de que a cultura é algo extremamente mutável, permeável (não se pode falar em cultura única) e que reflete a vivência de um grupo de pessoas, ainda que este grupo não seja o dominante. A consequência disto é que, pelo fato de estas manifestações culturais emanarem de uma parcela menos favorecida, são minimizadas e dispensadas, na concepção antiga e equivocada que cultura é sinônimo de refiidnto, ou seja, que pobre não tem e nem pode fazer cultura.
Mas assim como não podemos classificar a cultura também não podemos classificar um ritmo musical em sendo melhor que outro. A música, em nossa concepção, deve ser vista como forma de integração, hibridação e interculturalidade, pois expressam a diversidade de vários indivíduos pertencentes a uma ou muitas sociedades.

Referências

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*Mestranda em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual de Oeste do Paraná (Campus de Foz do Iguaçu). E-mail: tatyplug@hotmail.com. Rua Ouro Preto, Jardim Nacional, Foz do Iguaçu, Brasil.
** Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora no curso de Diretito na UNIOESTE, campus de Foz do Iguaçu. E-mail: thaynadavilla@gmail.com.
1 Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2008/07/1224167-jovens-brasileiros.shtml>. Acesso em: 25 de março de 2017.
2 A "vida líquida" e a "modernidade líquida" estão intimamente ligadas. A "vida líquida" é uma forma de vida que tende a ser levada adiante numa sociedade líquido-moderna. "Líquido-moderna" é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquedez da vida e da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer por muito tempo. (BAUMAN, 2009, p.07)
3 Disponível em: <https://goo.gl/ko8NZy>. Acesso em 25 de março de 2017.


Recibido: 28/01/2018 Aceptado: 30/01/2018 Publicado: Enero de 2018

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