Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO SOB A ÓTICA DA INTERDISCIPLINARIDADE E TOTALIDADE

Autores e infomación del artículo

Fátima Regina Cividini *

Marcelo Gomes **

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

cividinifatima@hotmail.com

RESUMO

Este artigo busca compreender e trazer reflexões acerca da construção do conhecimento sob o olhar interdisciplinar e através das eras históricas utilizando como metodologia a revisão bibliográfica de literatura de textos selecionados durante as aulas da disciplina Interdisciplinaridade e Totalidade, ministrada pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociedade, Culturas e Fronteiras – Nível Mestrado e Doutorado. O homem sempre buscou a explicação do universo e essa curiosidade é inerente ao ser humano. Antes da formação da filosofia grega, os mitos eram a forma de explicar os eventos naturais no meio ambiente e na vida dos seres humanos. A filosofia nasceu na Grécia Antiga como uma forma de explicação racional sobre os acontecimentos da natureza e do homem. Os filósofos gregos pré-socráticos buscavam um elemento fundamental, a physis para a explicação do Universo. Sócrates e Platão acreditavam que o conhecimento era alheio as experiências humanas e que o homem não tinha controle sobre ele. Aristóteles acreditava que o mundo sensível era fonte de conhecimento. Os pensadores da Idade Média eram influenciados pela Igreja Católica e o pensamento cristão, mas sem perder vínculos com os filósofos gregos, incorporando suas ideias com uma roupagem mística cristã. As formas de poder se transformam e com o advento do capitalismo, o poder se concentra no acúmulo de capital e a Idade da Razão rompe com o conhecimento atrelado à religião, traz o positivismo e a necessidade de se produzir o conhecimento e submetê-lo aos interesses do capitalismo, causando uma fragmentação e alienação do homem sobre o processo de conhecimento. Essa fragmentação despersonaliza o homem e a sua relação com o trabalho. Com isso, na segunda metade do século XX começam questionamentos sobre como é produzido o conhecimento e a interdisciplinaridade vem como um resgate da totalidade do conhecimento, como um todo e a desfragmentação do mesmo.

PALAVRAS CHAVE: Conhecimento, Interdisciplinaridade, Totalidade, Filosofia, História.

 

ABSTRACT

his article seeks to understand and bring reflections about the construction of knowledge under the interdisciplinary perspective and through the historical eras using as methodology the bibliographical revision of literature of selected texts during the classes of the discipline Interdisciplinarity and Totality, taught by the Interdisciplinary Postgraduate Program in Society, Cultures and Borders - Masters and Doctoral Level. Man has always sought the explanation of the universe and this curiosity is inherent to the human being. Before the formation of Greek philosophy, myths were the way to explain natural events in the environment and in the lives of human beings. Philosophy was born in Ancient Greece as a form of rational explanation about the events of nature and man. The pre-Socratic Greek philosophers sought a fundamental element, the physis for the explanation of the Universe. Socrates and Plato believed that knowledge was alien to human experiences and that man had no control over it. Aristotle believed that the sensible world was the source of knowledge. The thinkers of the Middle Ages were influenced by the Catholic Church and Christian thought, but without losing ties with the Greek philosophers, incorporating their ideas in a Christian mystical garb. The forms of power are transformed and with the advent of capitalism, power is concentrated in the accumulation of capital and the Age of Reason breaks with the knowledge linked to religion, brings positivism and the need to produce knowledge and submit it to interests of capitalism, causing a fragmentation and alienation of man over the process of knowledge. This fragmentation depersonalizes man and his relationship with work. With this, in the second half of the twentieth century questions about how knowledge is produced and interdisciplinarity come as a rescue of the totality of knowledge as a whole and the defragmentation of it.

KEY WORDS: Knowledge, Interdisciplinary, Totality, Philosophy, History.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fátima Regina Cividini y Marcelo Gomes (2017): “A construção do conhecimento sob a ótica da interdisciplinaridade e totalidade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/construcao-conhecimento-totalidade.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704construcao-conhecimento-totalidade


1 INTRODUÇÃO

É comum ver o mito manipulado pelas classes dominantes. Aos poucos, estes se apropriam e manipulam em favor da própria política. Os mitos são reescritos e transformados ao longo da história daquele povo, servindo como anteparo da força política, e se escora na tentativa de normatização do comportamento da sociedade. Os mitos cristalizam as relações na vida social e justificam as justificam. Se há a possibilidade de controlar o ser humano e a conduta social através dos mitos, não há necessidade de fazê-lo mediante a violência. Evita-se traumas ao povo e de tal forma que uma suposta legitimidade pode ser muito melhor construída. Com esta construção da coletividade, surgem as relações de trabalho entre as tribos humanas, que compõem a base econômica da sociedade. É a base econômica que define os vários aspectos que existem em uma sociedade, e a transforma. O conhecimento científico também foi uma forma de buscar satisfazer as necessidades materiais do homem, e cada conhecimento produzido teria como retrato de um determinado momento histórico.
Para este artigo, será usado o conceito de cultura como toda produção humana material ou espiritual. Essa cultura é a resposta as necessidades humanas. A transmissão da cultura faz com que o homem não volte ao ponto de partida precedente. A produção humana, seja ela qual for, é um processo social, pois o homem é dependente de si mesmo e de outros a sua volta, e todas as transformações são feitas coletivamente. O objetivo deste artigo é compreender e analisar a construção do conhecimento através dos tempos históricos de acordo com os principais pensadores de cada época estudados durante as aulas da disciplina de Interdisciplinaridade e Totalidade, do Programa de Pós Graduação em Sociedade, Culturas e Fronteiras – Mestrado e Doutorado.

2 FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA: A TENTATIVA DE EXPLICAÇÃO DO UNIVERSO

Antes da filosofia, os Deuses eram a chave para a explicação do Universo. Todos os fenômenos só poderiam acontecer se fosse da vontade dos deuses, isentando o homem de qualquer responsabilidade sobre o meio em que vive. Reale e Antiseri (1990) descrevem que a poesia, antes da filosofia, tinha alta importância na formação espiritual e na educação dos gregos. Em Homero, a poesia buscava retratar a realidade – mesmo que de uma forma mística – como um todo. Já em Hesíodo, há a teogonia³, que narra o nascimento dos deuses, em uma explicação mística da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos. Com o orfismo, rompe-se com a visão naturalista, e faz com que o pensamento em vigor seja de que algumas características da natureza humana ligadas ao corpo devem ser reprimidas, ao passo de que a purificação do divino sobre o humano torna-se objetivo de vida.
A filosofia veio como um meio de explicar a totalidade das coisas, sem exclusão de nenhuma parte ou momento dela, ao contrário das ciências particulares, que buscam explicações para coisas específicas, e para uma parte apenas. O objeto de estudo da filosofia é a totalidade e a realidade do ser. Pretende-se, nesta parte, dissertar sobre o início da filosofia, os principais teóricos pré-socráticos e suas teorias para a explicação do universo.
A gênese da filosofia é atribuída a Tales de Mileto (624-546 a.C), um filósofo, cientista e político. Até o momento, não há registro de livros de sua autoria. Iniciou a filosofia da physis, e de acordo com os estudos de Reale e Antiseri (1990) foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário e único, causa de tudo o que existe, e sustentando que este princípio é a água. A grande revolução operada por Tales levaria a criação da filosofia.
Anaximandro de Mileto (610-546 a.C) assim como Tales, segundo julgava que havia uma única substância básica, a partir da qual tudo tinha evoluído. Decidiu que ela deveria ser infinita e eterna, e a chamou de apeiron4. (BUCKINGHAM et al, 2011) Anaximandro também desafiou a sugestão de Tales de que a Terra era sustentada por um mar, ponderando que esse mar teria de ser sustentado por outra coisa. Dessa natureza indefinida e indeterminada todas as coisas são geradas. Reale e Antiseri (1990) descrevem que a influência órfica se torna presente no pensamento do filósofo. O divino não nasce nem morre. Deus torna-se o princípio, e os deuses vivem e morrem ciclicamente.
Anaxímenes de Mileto (585-528 a.C) possivelmente sintetizando as concepções de Tales e Anaximandro, propunha como origem de todas as coisas um elemento ilimitado e mais sensível – o ar – e especificava os processos pelos quais este elemento – do uno – se originavam tais fenômenos, a multiplicidade. (ANDERY et al, 2012, p.38).
Heráclito de Éfeso (535-475 a.C) acreditava que havia uma consumação eterna, o fogo era um elemento ilustrativo dessa processualidade das coisas naturais. A verdade e realidade é um processo, e não algo estático. A busca da verdadeira essência está justamente no fluxo distante, não é em uma coisa fixa ou definida.
Para Pitágoras (570-495 a.C) a unidade é composta por elemento da natureza que é o número. No conceito de physis, o número existe e é material. O número tinha um aspecto místico. Pitágoras lhe dava um valor extraordinário, podendo ser igualado ao divino. O conhecimento estava entrelaçado com a religião, por isso, para o filósofo e a religião iniciada por ele, o conhecimento revestido em caráter de doutrina só poderia ser revelado aos membros da religião, e se tornava objeto de reflexão e meditação, o caminho para a salvação.
Xenófanes critica as visões de Hesíodo e Homero, quanto a concepção aos deuses como um modo exemplar de uma religião pública. A maior crítica de Xenófanes é a do antropomorfismo, ou seja, de atribuir formas e caráter de personalidade humanas aos deuses. Para ele, o uno é deus, e deus é superior aos homens, e não há semelhanças entre eles. O deus de Xenófanes é onipresente e onipotente, ou seja, ele é o cosmos. O que torna os homens melhores não é a força física, mas sim a força mental e a honra. (REALE; ANTISERI, 1990)
Parmênides (515-445 a.C) parte a partir da premissa de que algo existe (‘é’), Parmênides deduziu que esse algo não pode também não existir (‘não é’), pois isso envolveria uma contradição lógica. Portanto, seria impossível existir um estado de nada – não haveria vazio. Assim, algo não pode vir do nada: deve sempre ter existido de alguma forma. Essa forma permanente não pode mudar, porque algo que é permanente não pode mudar para outra coisa sem deixar de ser permanente. A mudança fundamental seria, portanto, impossível. (BUCKINGHAM et al, 2011, p.41)
Zenão de Eléia (490-430 a.C) O filósofo descobriu a refutação da refutação tentando não deixar Parmênides cair no ridículo, fundando a dialética. Para haver multiplicidade, devem haver muitas unidades. Para Buckingham et al (2011, p.331) imagina-se que o filósofo tenha produzido mais de quarenta paradoxos de movimento. Neles, defendeu a alegação de Parmênides de que o mundo é variado e em mutação percebido à nossa volta não é realidade. O movimento é uma ilusão dos sentidos.
Segundo os estudos de Melisso de Samos, o ‘ser’ deve ser infinito porque não tem limites temporais ou espaciais, ao contrário do que pensava Parmênides. Assim, o eleatismo se concluiu com a afirmação de um ser eterno, infinito, uno, igual, imutável, imóvel, incorpóreo e com a explícita e categórica negação do múltiplo, negando, portanto, o direito dos fenômenos e pretenderem um reconhecimento veraz.
Anaxágoras (500-428 a.C), para Reale e Antiseri (1990), o nascer e o morrer são eventos reais. Todas as coisas têm parte de outras coisas, mas a inteligência é ilimitada e não misturada em nada, só nela mesma. A inteligência deu impulso à rotação universal nada se forma nem todas as coisas se dividem uma das outras, senão através da inteligência.
Demócrito (460-371 a.C) e Leucipo (início do século V a.C) foram os primeiros atomistas, acreditando que tudo é composto por partículas indivisíveis da matéria. Andery et al (2012) explica que para os atomistas, a vida e a alma eram formadas por um tipo especial de átomo esférico, capaz de movimentar-se muito rapidamente – os átomos de fogo. Estes átomos, em permanente movimento, estavam espalhados por todo o corpo, saíam dele ou entravam nele por meio da respiração, mantendo-o vivo e em movimento até que se dispersassem, o que implicava uma visão de homem absolutamente material e natural e a negação de uma vida após a morte.
Diógenes de Sínope (404-323 a.C) acreditava que para ter uma vida virtuosa, ou que valesse a pena viver, era necessário libertar-se das restrições externas impostas pela sociedade e do descontentamento interno causado pelo desejo, pela emoção ou pelo medo. Isso poderia ser conseguido, segundo ele, por quem fosse feliz vivendo uma vida simples, governada pela razão e por impulsos naturais, rejeitando sem pudor as convenções e renunciando ao desejo por propriedade e conforto. (BUCKINGHAM et al, 2011)

3 FILOSOFIA GREGA SOCRÁTICA E PÓS-SOCRÁTICA: O MUNDO SENSÍVEL VERSUS O MUNDO DAS IDEIAS

É importante notar que nem sempre uma filosofia rompe propriamente com mitos, e há uma certa continuidade deles. Vale ressaltar que quem fazia a filosofia na Grécia Antiga são as classes da elite, pois a vida contemplativa era o que o verdadeiro nobre deveria viver, deixando o trabalho manual para a população em geral e escravos.
O nome mais reconhecido até hoje na filosofia grega é Sócrates (469-399 a.C). Este filósofo não era de nível alto de sociedade, e como filho de parteira, fazia uma analogia ao trabalho da mãe: dá à luz ao conhecimento. Por esquecer, o homem precisa retornar ao conhecimento original, fazer um retorno ao conhecimento a si mesmo. Ele não buscava o conhecimento na natureza, mas o conhecimento dos homens da sociedade. A sabedoria dependia de conhecer-se a si mesmo e do conhecimento e controle de seus próprios limites, o reconhecimento de sua própria ignorância, por parte de cada indivíduo consistia, assim, no primeiro passo, absolutamente necessários, para o verdadeiro saber. (ANDERY et al, 2012)
Platão (427-347 a.C), discípulo de Sócrates, tinha uma vasta obra escrita, da qual boa parte se conservou. Platão supunha a existência de dois mundos: o mundo das ideias (invisíveis, eternas, incorpóreas) e o mundo das coisas sensíveis (objetos e corpos).  A essência é universal, imutável e necessária. Essas formas ou ideias pré existem as experiências e ao mundo real. A síntese idealista de Platão não é material como os atomistas, mas idealista porque está nas ideias. As coisas deixam de existir, as coisas nunca são idênticas a elas mesmas. A logos se encontra a unidade, mas não encontra empíricas e sensíveis. (ANDERY et al, 2012). O mundo sensível é um mundo considerado enganador, que não traz um ser, uma forma pura, mas traz a corrupção, vendo apenas através dos sentidos, e uma matéria que sempre se transforma. O conceito de inatismo platônico baseia-se que há conhecimentos inatos, que são originais do ser, não dependendo de experiências sensoriais para adquiri-los. O conhecimento pode ser inteligível – pelo intelecto – ou das formas sensíveis – pelos sentidos. Para ilustrar seu pensamento, Platão apresentou o que se tornaria conhecido como a “teoria da caverna”. (ANDERY et al, 2012)
Para Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de Platão, a verdade está no universal, é ali que está o verdadeiro conhecimento. Mas, ao contrário dos outros pensadores, há a possibilidade de extrair essa verdade do mundo sensível. Haviam duas ideias centrais no pensamento aristotélico: a questão da unidade ou multiplicidades do universo, e a questão do seu movimento ou não.  A ideia de Aristóteles é que existe um lugar natural para todas as coisas, e que existe uma hierarquia, que tem coisas superiores e inferiores. É nesta relação que o modelo aristotélico de explicação das coisas serve para o feudalismo para definir as posições naturais, inclusive dentro da sociedade.
Ao mesmo tempo que os filósofos acreditavam que o conhecimento era apenas para uma parcela da população, haviam os sofistas, que “vendiam” o conhecimento, o que era inaceitável para os pensadores. Os sofistas preocupavam-se com a moral, conforme Andery et al (2012, p.60) e neste meio de participação política da polis, a filosofia torna-se um instrumento de educação nas mãos de um grupo de ‘sábios’. Os sofistas tinham a prática de ir em cidade em cidade, com o fim de transmitir aos filhos dos cidadãos, por um preço estipulado, uma educação que lhe garantisse a participação e o sucesso na vida pública e na política. (...). Eles valorizavam e ensinavam a retórica e a arte de argumentar, que consideravam indispensável a tal formação.

4 MUNDO GRECO-MEDIEVAL: A INFLUÊNCIA DO CRISTIANISMO

Os gregos e os medievais elaboravam concepções nas quais o mundo tinha uma estrutura e uma ordem hierárquica definidas e essencialmente imutáveis. Os modos de produção implicavam em uma profunda separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e um estágio bastante limitado de acumulação de conhecimentos. Neste capítulo, será abordado a influência do domínio cristão na construção do conhecimento.
A sociedade feudal era essencialmente agrária, e a riqueza era medida pela quantidade de terras que o senhor feudal possuía, e as cidades não representavam grande importância na época. (ANDERY et al, 2012). Nesta   época, a construção do conhecimento tinha uma conexão profunda com o domínio do Cristianismo na Europa. O pensamento aristotélico permanecia, porém com uma roupagem teológica. Os principais pensadores da época tinham ligação com a Igreja Católica.
Para Agostinho de Hipona (354-430 é uma espécie de síntese entre Platão e cristianismo, diz que o universal está na mente de Deus. Ele crê que o Deus judaico-cristão tem uma mente considerada o Universal, e os homens não a possuem. Neste mundo, o Universal está presente de uma forma velada.
Tomás de Aquino (1225-1274) disserta que a figura central do pensamento de Tomás de Aquino é Aristóteles. Entretanto, ele não aceitava a ideia de que o universo é eterno, porque a fé cristã diz o contrário. Tomás de Aquino queria mostrar que o universo teve um início, mas que Aristóteles não falhou em seu raciocínio, descrevendo que o homem adquire conhecimento através dos sentidos. (BUCKINGHAM et al, 2011)

5 A IDADE DA RAZÃO: A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO

A transição do feudalismo para o capitalismo significou uma ruptura decisiva tanto no plano material quanto no plano espiritual. A riqueza toma forma de capital, e inicia a possibilidade do acúmulo sem limites. Agora, é o mercado e não mais o Estado quem ditará as regras do processo de produção e distribuição da riqueza.  Neste capítulo, a construção do conhecimento será abordada sob a ótica da transição de dois modelos de sociedade e do início do pensamento capitalista.
A emergência de uma nova forma de sociedade de um novo mundo, para Tonet (2013) e Andery et al (2012), impunha também a estruturação de uma nova forma de produzir conhecimento. Neste período histórico a síntese aristotélica foi destruída e levou a um período de misticismo cego, superstições grosseiras e crença irracional na magia. A nova visão de mundo veio para substituir a visão medieval, e as relações Deus-Homem, que eram enfatizadas pelo teocentrismo – mostrando o poder que a Igreja mantinha naquela época – foram substituídas pela relação homem-natureza, e a valorização da capacidade de o homem conhecer e transformar a natureza.
Quando a burguesia – uma nova classe criada com o início do capitalismo – cria novas formas de pensamento, ela cria novas formas ver e transformar o mundo. O rompimento dos dogmas e da hegemonia da Igreja Católica com a criação do protestantismo, uma revolução da burguesia, impacta a vida e a individualidade das pessoas. É por isso que se tende a interpretar esse início da compreensão da ciência como separação das disciplinas. A produção do conhecimento começa a ser em favor do capital, conforme Tonet (2013):

A ciência moderna nasce sob o impulso de uma nova forma de sociabilidade, cuja matriz fundamental é o capital, nas suas mais variadas formas, que imprimirão o impulso fundamental para a elaboração desse novo padrão de conhecimento científico. (...) esse novo padrão tem como finalidade ser um instrumento para dominar a natureza e coloca-la a serviço da humanidade. (TONET, 2013, p.44)

Segundo os modernos, aquela forma de produzir conhecimento não poderia, de fato, produzir conhecimento verdadeiro, uma vez que seus resultados não eram passíveis de verificação. Um conhecimento não passível de verificação empírica carece de critério para determinar o que é verdadeiro e o que é falso, e não tem nenhuma serventia para a transformação da natureza. Experimentação e verificação empírica são duas características essenciais desta nova forma de cientificidade. A razão é uma marca forte dos pensadores desta época de transição.
A razão traz necessidade da neutralidade científica, e se põe como uma exigência inescapável. O argumento central de Augusto Comte, é que as teorias deveriam ser sustentadas em fatos. Ele fez uma análise detalhada das ciências naturais e de sua metodologia e, depois, propôs que todos os ramos do conhecimento deveriam adotar os princípios científicos e basear na teoria da observação. (THORPE et al, 2015)
Andery et al (2012) e Andrade (1979) expõem e analisam que Bacon (1561-1626) propôs uma nova forma para se chegar a novas teorias, um método que possibilitaria a construção de um conhecimento correto dos fenômenos. Ele entendia que o bem-estar do homem dependia do controle científico obtido por este sobre a natureza, e é imprescindível este domínio, a partir do conhecimento de suas leis. ‘Saber é poder’, afirma Bacon, e repete constantemente essa máxima em todas as suas obras. O saber, para Bacon, é apenas um meio mais vigoroso e seguro para conquistar o poder sobre a natureza e não tem valor apenas em si mesmo. Cada vez mais, no capitalismo, a ciência vai servir como um instrumento de exploração, ela consegue ser uma ciência que se converte em tecnologia e começa a ter uma relação com as forças produtivas, que revolucionam as estruturas sociais.
René Descartes que vive em 1596-1650, situa-se na França, onde o desenvolvimento capitalista ainda não é tão avançado e onde a influência da concepção de mundo medieval ainda é muito forte. Tonet, (2013) e Buckingham et al (2011) analisam que Descartes tentou demonstrar a possibilidade do conhecimento mesmo a partir das posições mais céticas e, a partir disso, estabelecer um alicerce firme para as ciências. A consciência pensante não precisa ter contato com o mundo. Se fosse encontrado alguma coisa sólida o suficiente, eu poderia erguer um edifício teórico que pode perdurar por séculos. Para isso, eu tenho que duvidar das coisas. “Eu tenho a obrigação de duvidar das coisas”. (BUCKINGHAM et al, 2011)
De acordo com as ideias de John Locke (1632-1704) todas as ideias que há na nossa consciência derivam da experiência. Os indivíduos são como tábulas rasas (folhas em branco) e que as folhas serão gravadas de acordo com as experiências. Inclusive, a impressão do objeto promove são tão fortes que não conseguem ser determinados por eles. A impressão primária é a que fica.
A existência de Immanuel Kant, por sua vez, atravessa o século XVIII (1724-1804), se passa na Alemanha, onde o desenvolvimento capitalista ainda é bastante incipiente, mas em um momento bastante posterior a Bacon e Descartes e, portanto, quando as influências do processo capitalista já se espalhavam por toda a Europa. Goldmann (1967) explica que Kant tinha como premissa a defesa da liberdade individual e da igualdade dos homens racionais. O indivíduo em Kant é mantido numa dignidade igual à da comunidade e que em seu desenvolvimento constitui um fim essencial à esta última; a ideia de comunidade em Kant envolve a humanidade inteira, e o mundo é uma tarefa a realizar. O fundamental é a tarefa de criar um mundo.
A visão de mundo de Kant já constituía em seu tempo o mais representativo sistema filosófico da burguesia alemã, baseado em um conceito fundamental: a liberdade. Kant nos parece ser o primeiro pensador moderno que de novo reconheceu a importância da totalidade como categoria fundamental da existência. Seu pensamento exprime da maneira mais clara as concepções do mundo individualistas e atomistas recebidas de seus predecessores e levadas por ele até as suas últimas consequências. (GOLDMANN, 1967)
Galileu Galilei (1564-1642) põe em prática do que Bacon faz na filosofia. Andery et al (2012) disserta sobre a ciência de Galileu e como ela destruiu a ideia de cosmos de Aristóteles, que deixa de fazer parte das noções cientificas, e a geometrização do espaço ou substituição do espaço cósmico qualitativamente diferenciado e concreto pelo espaço homogêneo e abstrato da geometria euclidiana. O empirismo na ciência moderna repousa na experimentação. A estreita ligação existente entre a experimentação e a elaboração de uma teoria: são indeterminadas, e o desenvolvimento da precisão e o aperfeiçoamento da teoria aumentam a precisão e o aperfeiçoamento das experiências científicas.

6 A TOTALIDADE E A INTERDISCIPLINARIDADE: UM OLHAR SOBRE A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ATUAL

O conhecimento não é contemplação. A contemplação do mundo se baseia nos resultados da práxis humana. O homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como um ser prático. Goldmann (1967) conceitua que todo o pensamento filosófico parte do postulado de que há na existência humana alguma coisa de eterno e de imutável, cuja pesquisa constitui justamente a principal tarefa da filosofia, a existência de uma verdade objetiva. Neste capítulo, a construção do conhecimento ganha uma nova perspectiva e há uma crítica à fragmentação do conhecimento, imposto pela forma de fazer ciência no pensamento capitalista.
A dialética trata da coisa em si. Kosik (1976) descreve que o pensamento dialético distingue entre representação e conceito de coisa. O esforço direto para descobrir a estrutura da coisa em si é uma tarefa da filosofia. O princípio metodológico da investigação dialética da realidade social é o ponto de vista da totalidade concreta, que antes de tudo significa que cada fenômeno pode ser compreendido como um momento do todo. Ela consegue ser um método para acompanhar o movimento do real e seu processo, lidando com o processo de substancia contraditória. Entretanto, a Totalidade  como categoria (fluxo constante deste real) não é fixo, é uma síntese de vários momentos. A totalidade é uma operação epistemológica, parciais neste sentido.
A totalidade como categoria de reflexão, para Fazenda (1994) e Kosik (1976), entende-se por orientar as ciências humanas a trabalhar pela unidade humana. A posição de totalidade, que compreende a realidade nas suas intimas leis e revela, sob a superfície e a casualidade dos fenômenos, as conexões internas. Do ponto de vista da totalidade, compreende-se a dialética da lei e da casualidade dos fenômenos, da essência interna e dos aspectos fenomênicos da realidade, das partes e do todo, do produto e da produção, e assim por diante.
A visão fragmentada do mundo deriva de um mundo fragmentado, da fragmentação do real. Bianchetti e Jantsch (1995) criticam o método de pensar fragmentado, linear, produzindo conhecimentos que, transformados em ação, trazem inúmeros problemas concretos ao conjunto da humanidade, como relações predatórias de produção e a exclusão social crescente, e atingem a própria burguesia. A fragmentação do conhecimento leva o homem a não ter domínio sobre o próprio conhecimento produzido, o que se supõe perigoso pelo fato de que o sujeito não consegue ser mais ordenador do caos que é o mundo. A fragmentação do conhecimento ou a especialização passa a ser assumido como uma doença que fatalmente compromete a produção do conhecimento.

7 A CRÍTICA DA INTERDISCIPLINARIDADE NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

A interdisciplinaridade na produção do conhecimento, conforme Bianchetti e Jantsch (1995) e Fazenda (1994) nos é uma necessidade imperativa, mas nos é também um problema que está lotado na materialidade das relações capitalistas de produção e existência. É impossível a construção de uma única, absoluta e geral teoria da interdisciplinaridade, mas é necessária a busca ou o desvelamento do percurso teórico pessoal de cada pesquisador que se aventurou a tratar de questões desse tema. A necessidade da interdisciplinaridade na produção do conhecimento funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa na natureza intersubjetiva de sua apreensão.
O caráter necessário do trabalho interdisciplinar na produção e na socialização do conhecimento no campo das ciências sociais e no campo educativo que se desenvolve no seu bojo decorre da própria forma de o homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto do conhecimento social. (BIANCHETTI; JANTSCH, 1995)

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção do conhecimento passou por várias etapas na história da humanidade, desde a explicação através dos mitos na humanidade primitiva até a investigação científica moderna. Antes de existir quaisquer correntes de pensamento e tentativas de explicação do universo, os mitos e os deuses eram a resposta para todas as transformações da natureza e do homem.
Antes da filosofia era através da poesia que os gregos transmitiam seus ensinamentos e sua cultura para seus descendentes, buscando a formação educacional e espiritual dos jovens. A filosofia veio como uma forma de explicar o homem e sua relação com a natureza que o cerca, tentando encontrar o universal, o elemento primário da physis, mas utilizando a razão. A filosofia grega, mais precisamente Platão e Aristóteles, foram utilizados para o mundo medieval e seus sistemas político e social.
O cristianismo se consolidou na Europa, e a Igreja detinha o poder entre os cidadãos e na produção do conhecimento. Os doutores da Igreja Católica Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino usaram bases da filosofia grega para descreverem suas teorias religiosas. Agostino de Hipona fez uma síntese entre Platão e o Cristianismo, e Tomás de Aquino se baseou em Aristóteles, dissertando que o conhecimento é adquirido pelos sentidos humanos, e que a essência é imutável, porém não eterno.
O nascimento do Protestantismo com o rompimento da hegemonia Católica, e a ascensão de uma nova classe – a burguesia – foram responsáveis pela transição do feudalismo para o capitalismo. O poder político saiu das mãos de quem tinha mais terras e foi transferido para quem detinha maior quantidade de dinheiro. Com a nova forma de organização social, fez-se necessária uma nova metodologia de construção do conhecimento, colocando o conhecimento a serviço do homem.
A Idade da Razão traz consigo o positivismo e necessidade de rever as formas de conhecimento impostas até o momento. A dialética trata da coisa em si, e através dela, pretende-se entender a realidade social através da totalidade, do fenômeno como um todo. O conhecimento, para a dialética, é a compreensão da realidade do objeto em si, olhar este sob a sua totalidade. A totalidade, para as ciências humanas, trabalha pela unidade humana.
A interdisciplinaridade é um movimento considerado recente, iniciado na Europa na década de 60, buscando romper com a fragmentação do conhecimento que o capitalismo produziu, com das especializações, fazendo a ciência se submeter ao capital. Esta fragmentação compromete a construção do conhecimento, mantém a alienação social do trabalho e desumaniza o homem. A interdisciplinaridade busca encontrar respostas para os problemas da sociedade atual, que é considerada uma sociedade complexa, causados pelo excesso de fragmentação do conhecimento em disciplinas específicas. Ela busca como ponto de partida e de chegada o próprio homem como ser social, e vem com um novo olhar para a construção do conhecimento no mundo contemporâneo.

9 REFERÊNCIAS

 

Andery, M. (2012). Para Compreender a Ciência. Rio de Janeiro: Garamond.
Andrade, J. (1979). Bacon: vida e obra (2 ed.). São Paulo: Abril.
Bianchetti, L., & Jantsch, A. (1995). Interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: Vozes.
Buckingham, W. (2011). O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo.
Fazenda, I. (19941). Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. (15 ed.). Campinas: Papirus.
Goldman, L. (1967). Origens da Dialética: a comunidade humana e o universo em Kant. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Kosik, K. (1976). Dialética do Concreto (2 ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Reale, G., & Antiseri, D. (1990). História da Filosofia - Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus.
Thorpe, C. (2015). O Livro da Sociologia. São Paulo: Globo.
Tonet, I. (2013). Método Científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Lukács.
Notas

³ Refere-se a gêneses dos Deus e sobre a origem do mundo. É um conjunto de deidades (conjunto de forças ou intenções que materializam a divindade), que formam a mitologia (estudo das lendas / história de uma cultura em particular), de um povo.

4 Apeiron significa indefinido, em grego.

* Aluna do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Culturas e Fronteiras – Nível Mestrado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu. E-mail: cividinifatima@hotmail.com
** Doutor em Sociologia. Docente da disciplina de Interdisciplinaridade e Totalidade, do PPG Sociedade, Culturas e Fronteiras – Mestrado e Doutorado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Foz do Iguaçu. E-mail: mgsociais@yahoo.com.br


Recibido: 21/11/2017 Aceptado: 27/11/2017 Publicado: Noviembre de 2017

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