Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ABORDAGEM BIBLIOGRÁFICA SOBRE O CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO E REPUBLICANO

Autores e infomación del artículo

Ivan César Félix Rodrigues *

Rickardo Léo Ramos Gomes**

Luciana Mandelli***

Universidade Federal do Ceará, Brasil

rickardolrg@yahoo.com.br

RESUMO
A importância da pesquisa sobre o tema “O Constitucionalismo Democrático e Republicano” funda-se na vontade de debater a importância da Constituição para a sociedade brasileira e tentar entender a razão da volatilidade da Constituição diante dos problemas reais que se apresentam no cotidiano da vida institucional do país. Busca-se, analisar o conceito de Constituição, Democracia e República identificando a efetividade constitucional e o constitucionalismo democrático. Conclui-se que a educação cívica é uma das medidas a ser adotada para fazer brotar no povo o “Constitucionalismo Democrático e Republicano” vivificando assim o instituto da Constituição.
Palavras-chave: Constitucional. Constitucionalismo. Democracia. República. Educação Cívica.
RESUMEN
 La importancia de la investigación sobre el tema "El Constitucionalismo Democrático y Republicano" se funda en la voluntad de debatir la importancia de la Constitución para la sociedad brasileña y tratar de entender la razón de la volatilidad de la Constitución ante los problemas reales que se presentan en el cotidiano de la vida institucional del país. Se Busca analizar el concepto de Constitución, la Democracia y la República identificando la efectividad constitucional y el constitucionalismo democrático. Se concluye que la educación cívica es una de las medidas a adoptarse para hacer brotar en el pueblo el "Constitucionalismo Democrático y Republicano" vivificando así el instituto de la Constitución.

Palabras clave: Constitucional. Constitucionalismo. Democracia. República. Educación Cívica.
ABSTRACT
The importance of research on the theme "Democratic and Republican Constitutionalism" is based on the desire to debate the importance of the Constitution for Brazilian society and try to understand the reason for the volatility of the Constitution in the face of the real problems that are present in the daily life of institutional life from the country. It seeks to analyze the concept of Constitution, Democracy and Republic, identifying constitutional effectiveness and democratic constitutionalism. It is concluded that civic education is one of the measures to be adopted to bring forth in the people the "Democratic and Republican Constitutionalism" thus vivifying the institute of the Constitution.

Subject Descriptor (The Virtual Library of Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO): Democracy; Popular Participation; Political Representation.

Keywords: Constitutional. Constitutionalism. Democracy. Republic. Civic Education.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Ivan César Félix Rodrigues y Rickardo Léo Ramos Gomes (2017): “Abordagem bibliográfica sobre o Constitucionalismo Democrático e Republicano”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/constitucionalismo-democratico.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704constitucionalismo-democratico


1 INTRODUÇÃO

Ao se estudar o constitucionalismo democrático e republicano mister se faz que se vislumbre, ainda que superficialmente, o que representaria ou significaria “constitucionalismo”, “democracia” e “república”. Cada um desses termos traz em si um mundo com origem própria, que se consolidou ao longo da história e que, postos um ao lado do outro, dão significado a um Estado, onde os três termos se completam e se harmonizam.

Para Rosah Russomano (1992, p. 357), o constitucionalismo simboliza um movimento ideológico que “[...] significa a luta contra o despotismo, em favor da responsabilidade governamental, da liberdade individual, da divisão e harmonia dos poderes estatais”. Segundo J. J. Gomes Canotilho (2003, p. 51): “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. (grifo original). Segundo Celso Ribeiro Bastos (1988, p. 201): “[...], a democracia significa participação ou governo da maioria”. Para Walber de Moura Agra (2005, p. 17) República é: “[...] um modelo de estruturação política da sociedade que permite aos seus cidadãos, com plena liberdade, desenvolver as suas vidas com a finalidade de obter o maior nível possível de satisfação de suas necessidades”.

O objeto principal deste artigo foi investigar o lugar do constitucionalismo inclusivo no cenário em que se encontra o Brasil. Já os objetivos específicos são os seguintes: discorrer sobre o constitucionalismo enfatizando suas acepções e suas modernidades; Demonstrar a efetividade constitucional e constitucionalismo democrático; Comentar sobre o republicanismo e a construção do senso de responsabilidade pública; Discutir a construção de uma “Vontade de Constituição” no Brasil, ressaltando perspectivas e pressupostos. Além disso, defende-se, neste artigo, que a importância desta investigação ultrapassa o plano restrito daquilo que é estritamente teórico, já que considera-se que, efetivamente, existe um efeito colateral problemático resultante da discussão abordada, ou seja, algumas leis são elaboradas para serem obedecidas e outras não...? Já no início desta discussão é possível perceber que a separação ou conexão conceitual entre o Direito e a Moral tem influência inquestionável sobre o comportamento da sociedade como um todo, inclusive com repercussão direta nas tomadas de decisões jurídicas da sociedade brasileira.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Constitucionalismo Acepções e Modernidades

O termo constitucionalismo pode ter várias acepções que, segundo André Ramos Tavares (2003, p. 01) são:
Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado.

A despeito de possuir várias acepções, não existe uma definição precisa. "Muito embora, de há muito, quase todo Estado Ocidental possuía seu sistema constitucional, escrito ou não, o termo carece de um desenvolvimento que lhe dê solidez (Tavares, 2003, p. 01)". De maneira mais clara André Ramos Tavares (2003, p. 02) destaca:

[...], a apresentação do constitucionalismo como movimento que, embora de grande alcance jurídico, apresenta feições sociológicas inegáveis. O aspecto jurídico revela-se pela pregação de um sistema dotado de um corpo normativo máximo, que se encontra acima dos próprios governantes – a Constituição. O aspecto sociológico está na movimentação social que confere a base de sustentação dessa limitação do poder, impedindo que os governantes passem a fazer valer seus próprios interesses e regras na condução do Estado.

O constitucionalismo moderno se dá com os fatos políticos das elaborações das Constituições dos Estados Americanos e da Constituição dos Estados Unidos da América, tendo ainda, como fato marcante, a Revolução Francesa de 1789. A partir daí, as Constituições passam a ser escritas, de modo a dar publicidade, clareza e segurança, pois todos poderiam examinar seu conteúdo, vigiar, numa vigília cívica, sua observância, onde o "povo poderia ter a certeza que seus direitos e as limitações do Estado estariam resguardados num documento acessível (Tavares, 2003, p. 10-11)".

Após estes fatos, o constitucionalismo espalhou-se por outros países da Europa e da América, ou seja, por todo o Ocidente, tendo os países periféricos se inspirado, na elaboração de suas Constituições, nos modelos inglês, francês e americano, sempre elaborando Constituições escritas (Tavares, 2003, p. 12).

Ao se falar em “democracia”, logo vem à ideia daquilo que é a todos afeito, atinente ao povo, à coletividade. É uma palavra que se poderia dizer vulgarizada, sem, no entanto, atingir a plenitude de seu real significado. A democracia surgiu pela superação da autocracia, que é o governo exercido monocraticamente, onde só uma vontade se fazia valer e que com muita facilidade fazia surgir a arbitrariedade e o despotismo. Ocorre que para que se exerça plenamente este princípio, relativo à superação, mister a participação ativa do cidadão, com uma consciência cívica acurada e uma sociedade civicamente ativa.

A noção básica de democracia acontece muito mais com a participação popular (onde se verifica a existência de “maiorias” e “minorias”) do que com a ideia de governo da maioria. Neste caso, pode-se ter uma “ditadura da maioria” em frontal desrespeito ao princípio democrático. Neste, a participação popular é que se identifica com o télos de princípio democrático. "Há de existir a consciência coletiva da sociedade para a participação e responsabilidade de todos na vida pública (Bastos, 1988, p. 207)". O ideal democrático de Abraham Lincoln é “o governo do povo, pelo povo e para o povo” (1991, p. 104). Apesar dessa máxima, que fez o princípio democrático se disseminar pelo mundo, na realidade, nunca chegou a ser implantado em sua plenitude em lugar nenhum. Uns mais outros menos, mas nunca na plenitude. (Bastos, 1988, p. 208). Democracia é a convivência pacífica do dissenso de opiniões e ideias, sendo respeitadas todas através do debate e de ampla participação popular, formando-se consensos em torno das divergências (ou, pelo menos, soluções de compromisso).

Os valores basilares da democracia são a liberdade e a igualdade, não apenas a formal, mas também a substancial, na qual todos têm as mesmas chances e oportunidades, onde o critério de escolha seja o do mérito pessoal sobrepondo-se a qualquer outro que possa surgir ou já exista no seio da sociedade (Bastos, 1988, p. 208-10).

De outro modo, para José Afonso da Silva (2008, p. 131):

A democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais ou primários, que lhe dão a essência conceitual: (a) o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo; (b) a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular; nos casos em que a participação é indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação. (grifos originais).

"A democracia tende a realizar os direitos políticos, os quais dão base para a implementação dos direitos econômicos e sociais e pressupõe ao mesmo tempo que garante a realização dos direitos individuais, dos quais se sobressai a liberdade (Silva, 2008, p. 132)".

Por sua vez o termo “República” (res publica, ou a coisa pública, do povo) apresenta uma forma de governar de maneira que o povo, direta ou indiretamente (quando se faz representado) exerça e dirija o governo, guiando seus destinos e sempre participando, de modo a tornar efetivos os seus anseios e sejam satisfeitas suas necessidades, mas, principalmente, legitimando o governo. A República surgiu com o regime político que se opunha à Monarquia. Esta possuía o caráter vitalício e de potestade divinal, com o monarca governando de forma absoluta, como se Deus na terra fosse, posto que recebia dele seus poderes. Já a República era o governo de muitos, quando não do próprio povo, diretamente ou através de seus representantes, de forma responsável e por período certo. "Ela tem seu esteio nos princípios da soberania popular, da representatividade, da igualdade e da temporariedade dos mandatos (Bastos, 1988, p. 413)".

A soberania popular apoia-se no fato de que todo o poder vem do povo e é ele que com seu senso comum e sabedoria, advinda da experiência que lhe propicia a sobrevivência, detém todo o poder, o qual é capaz de transformar, aniquilar ou construir um sistema. A representatividade acontece pelo fato de, com o crescimento das Cidades-Estado, o número de cidadãos ter aumentado de um modo que não se faz possível ouvir todos ao mesmo tempo, em um dado instante, para que sejam tomadas as decisões que um governo requer. Desse modo, são escolhidas pessoas do povo para representá-lo no governo. O princípio da igualdade, (ainda que apenas formal) traz uma ordem legal que submete igualmente todos ao império das leis, legitimamente elaboradas pelo povo através de seus representantes. A eletividade dos representantes do povo para governá-los está baseada no princípio da temporariedade dos mandatos. "Esta característica fornece certa fidedignidade ao mandato e ao mandatário, pois caso este não exerça suas funções, conforme os anseios do povo que o elegeu, certamente será lhe tolhido novo mandato (Ataliba, 2007, p. 13)". Resumindo, Geraldo Ataliba (2007, p. 13) define que: “República é o regime político em que os exercentes de funções políticas (executivas e legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente” (grifo original).

2.2 Efetividade Constitucional e Constitucionalismo Democrático

Geraldo Ataliba (2007, p. 16-7), em sua obra “República e Constituição”, aborda de maneira clara e contundente a eficácia constitucional. Para o autor não existe outra maneira de se dar efetividade a uma Constituição senão pela criação de uma cultura jurídica, onde o povo - aqui a ideia de povo deve ser entendida como todos os habitantes de um Estado-Nação, sem privilégios ou exceções – deve conhecer, entender, discutir, aceitar e exercer no dia a dia a cultura normativa da Constituição.

Desse modo, arremata Geraldo Ataliba (2007, p. 25): “Só conhecendo a Constituição poderemos estimá-la. Ninguém pode estimar o que desconhece. E, estimando-a, façamo-la eficaz, para benefício do seu povo”. O que se observa no Brasil, desde o Império, é uma dissociação entre o povo - de onde emana o poder, para também elaborar a Constituição e as leis dela decorrentes - e o mundo jurídico. Analisando a crise da eficácia constitucional, Geraldo Ataliba (2007, p. 16) assinala:

A presente preocupação geral com os problemas institucionais culmina, necessariamente, com a grave questão – mais sociológica que jurídica– da eficácia constitucional. Não temos encontrado, ao longo do tempo, generalizada adesão intelectual e afetiva às nossas instituições, em grau que leve à sustentação sólida das mesmas. Se é verdade que os princípios fundamentais têm da comunidade nacional razoável adesão – embora não explícita, nem consciente -, como é o caso da república, federação, autonomia municipal, tripartição do poder e legalidade, as regras, entretanto, que lhes asseguram a eficácia são ignoradas, desprezadas, mal cumpridas. E isto com a aquiescência de uns, a indiferença de outros, a complacência de muitos; com a acomodação dos órgãos de promoção do Direito e a preocupação de poucos.

Segundo Gisele Cittadino (2002, p. 24)

O constitucionalismo democrático ressurgiu no país com os movimentos de defesa dos direitos humanos, nos anos 70 do século XX, posto tratar-se de um período obscuro da política e da vida democrática brasileira, no qual se lutou por prerrogativas mínimas de cidadania, como a integridade física, de modo a preservar a vida de quem se opunha ao regime ditatorial de então. Nos anos 80 do século passado, lutou-se pela reconquista da participação plena do povo na política brasileira. Foi o movimento das “Diretas Já” que desejava o governo do povo pelo povo. Este movimento não obteve sucesso, mas ganhou uma Constituição que nasceu sendo batizada de “Constituição Cidadã”, tão fortes e tão amplos os direitos nela garantidos.

A partir de então, nos anos 90 do século XX, surgem os movimentos de denúncia de violação dos direitos fundamentais das camadas populares, que, antes da “Constituição Cidadã”, não encontravam amparo no ordenamento constitucional. “com a promulgação da nova constituição revitalizou-se a linguagem dos direitos fundamentais do homem que ficaram definitivamente incorporados ao debate político e ao ordenamento jurídico brasileiro (Cittadino, 2002, p. 24)”. De modo a efetivar o constitucionalismo democrático, a nova Carta trouxe mecanismos processuais constitucionais que, postos à disposição do povo, democratizam a participação e facilitam a consecução dos tão almejados direitos fundamentais nela incrustados. De maneira objetiva e clara, a Carta Política de 1988, já em seu preâmbulo, institui

[...] um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...].

Para que não pairassem dúvidas quanto à importância dos direitos fundamentais, o povo, através de seus representantes na constituinte, estabeleceu no artigo 1º os fundamentos da jovem Nação democrática, que ressurgia como um Estado Democrático de Direito assentado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa – princípios que se tornaram orientadores de todo o ordenamento jurídico – nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político, “este não como a faculdade da criação de partidos políticos, mas como impulsionador e garantidor da diversidade de ideias políticas que vivifique a democracia no Brasil (Cittadino, 2002, p. 25)”. Com base nestes fundamentos, se estabeleceram em seu artigo 3º os objetivos da Carta Política de 1988:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III -erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esse conjunto de normas constitucionais vai além, aliás, muito além, de garantir somente os direitos individuais do cidadão por meio de uma “prestação negativa” do Estado. Esta situação era a pretendida nos anos 70 e 80 do século passado, mas não hoje. "O que se busca agora são direitos e garantias econômicas e sociais de uma concepção participativa, criando um constitucionalismo societário e comunitário estribados nos princípios da igualdade e dignidade humana (Cittadino, 2002, p. 28)".

Desse modo, criou-se a Constituição Cidadã, uma “Constituição Dirigente”, que exige do Estado uma ação positiva com o objetivo de garantir os direitos sociais. São os direitos de segunda dimensão como classifica Paulo Bonavides (2004, p. 564), quais sejam, os “Direitos Sociais, Culturais e Econômicos”. Corroborando a ideia de uma Constituição Dirigente, José Afonso da Silva (2008, p. 6) expõe:

O constituinte fez uma opção muito clara por uma Constituição abrangente. Rejeitou a chamada constituição sintética, que é constituição negativa, porque construtora apenas de liberdade-negativa ou liberdade-impedimento, oposta à autoridade, modelo de constituição que, às vezes, se chama de constituição-garantia (ou constituição-quadro). A função garantia não só foi preservada como até ampliada na Constituição, não como mera garantia do existente ou como simples garantia das liberdades negativas ou liberdades-limite. Assumiu ela a característica de constituição-dirigente, enquanto define fins e programa de ação futura, [...] (grifos originais).

Portanto, têm-se uma Constituição onde os valores que a sociedade aspirava, como primordiais, foram nela plasmados e impostos a todos de modo a garantir não somente a defesa da autonomia dos indivíduos contra o Poder Público, mas os valores do ambiente sociocultural da comunidade, ou seja, as instituições das “liberdades positivas” ou, como querem os constitucionalistas democráticos, os direitos fundamentais. Gisele Cittadino (2002, p. 30), sintetiza este posicionamento sobre as “liberdades positivas”:

Uma visão democrática da liberdade positiva limita e condiciona em prol do coletivo a esfera da autonomia individual. Em outras palavras, os direitos fundamentais não mais podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares.

Os direitos fundamentais são metas e objetivos de um Estado Democrático de Direito, posto que são o núcleo básico do ordenamento constitucional, servindo, obrigatoriamente, como critério de interpretação para os cultores do direito, notadamente, o Poder Judiciário, e ainda conformam o Poder Legislativo a criar leis dentro de seus limites e em consonância com os mesmos.

Como o povo (e, claro, o indivíduo enquanto parte deste) é o legitimador do direito, sendo por ele criado, referendado e para ele objetivado, mister se faz que sua autonomia seja completa, com o povo participando do controle das normas através das instituições democráticas, como partidos políticos, associações, de modo a alargar o círculo de intérpretes da Constituição, dando, assim, efetividade ao constitucionalismo democrático (Cittadino, 2002, p. 31).

A efetivação dos direitos fundamentais ocorre através da participação plena do cidadão na interpretação da Constituição, o que Peter Häberle (2002, p. 55) chamou de “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” – através de instrumentos processuais procedimentais como o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, posto que os direitos fundamentais são, geralmente, programas de ação, afirmação de princípios que são vagos e pouco precisos, necessitando, desta forma, para sua efetivação, da utilização dos referidos instrumentos pelos intérpretes da Constituição, dentre eles o povo (Cittadino, 2002).

Diante de tão grande e relevante tarefa cívica, o judiciário, como intérprete último dos ditames constitucionais, deve-se desincumbir de maneira eficaz, com presteza, de modo a não frustrar a comunidade, porém de maneira altaneira, fazendo valer a principiologia constitucional (Cittadino, 2002, p. 37-9).

Diante de tudo o que foi até agora abordado, interessante se faz que se minudencie a República e seu movimento, o Republicanismo, que se faz cada vez mais presente na contemporaneidade, o que se passa a fazer no próximo tópico.

2.3 Republicanismo e a Construção do Senso de Responsabilidade Pública

A partir de um breve relato sobre a história do surgimento e evolução do instituto da República, verifica-se que ele não teve uma única matriz histórica, vindo de várias experiências acontecidas ao longo do tempo em diversos povos. Pode-se dizer que Roma, algumas cidades italianas, a Inglaterra de fim do século XVII, a influente Revolução Francesa e finalmente a peculiar independência dos Estados Unidos da América do Norte pontificaram com participação decisiva para o surgimento e florescimento do princípio republicano (Agra, 2005).

Em Roma, a República surgiu em 509 a.C., consolidando-se e dando forma ao governo romano até o aparecimento do Império dos Césares. Nesse período, destaca-se a pessoa do republicano Cícero que chegou até os dias de hoje por seus importantes escritos que permitem analisar o instituto da República de então. Nesse período, o princípio basilar era o da liberdade, que servia de apanágio para os homens livres, embora o status de homem livre fosse dado a poucos, sendo essa liberdade limitadora do poder do Estado (AGRA, 2005). Nas cidades italianas de Florença, Veneza, Gênova, Lucca e Siena, entre o século XIV e o início do século XVI, dá-se o renascimento do republicanismo com características bem marcantes como a inexistência de escravos, todos detendo o poder de votar, portanto, de participar na escolha de seu governo e governantes. Os cargos públicos eram escolhidos sem distinção ou privilégios a qualquer classe, sendo o poder efetivamente do povo que obedecia às leis por eles criadas (Agra, 2005).

Na Inglaterra, o instituto republicano foi mais um arroubo – o qual intercalou a Monarquia naquele país - que um movimento com convicções republicanas firmes e conscientes. Já na França, a história foi mais benevolente com o republicanismo, pois o instituiu de maneira consciente e politicamente correto tornando importante não só para a própria França como para todo o mundo. "Este instituto veio com a Revolução Francesa, a qual possuía seu lema fundado em princípios republicanos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade (Agra, 2005, p. 27-8)". Tal como nas cidades italianas, na França da Revolução, o voto universal e um legislativo preponderante, onde as leis são feitas pelo povo, foram pontos marcantes do republicanismo. Este republicanismo foi marcadamente humanista, uma vez que não pensava só no cidadão francês, mas no homem como gênero (Agra, 2005).

Nos Estados Unidos da América, o republicanismo teve peculiaridades que o favoreceram, tais como a opressão e a tirania dos dominadores ingleses contra os dominados, os americanos. O sentimento de liberdade instalou-se no embrionário povo americano de modo tão profundo que, ainda hoje, é o sonho de quantos lá vivem e/ou desejam lá viver. As colônias vitoriosas e independentes entre si, uniram-se e também criaram uma República Federal, instituindo um conjunto de privilégios para todos os cidadãos diante do Estado ou qualquer opressor, o que hoje se chama de “liberdades negativas”, à vista das quais o Estado deve intervir o mínimo na vida privada do indivíduo (Agra, 2005, p. 30).

Em toda a trajetória do republicanismo o que se observa é que seu fracasso é imputado, invariavelmente, à perda do princípio da liberdade, à invasão do Estado nas liberdades individuais, na prevalência do interesse privado em detrimento do público que tem como sintoma clássico a apatia cívica do cidadão e à derrocada da República com a corrupção, a tirania e o arbítrio (Agra, 2005).

Segundo Walber de Moura Agra (2005, p. 11-4), "vive-se hoje uma crise de valores, onde os princípios que erigiram a sociedade e por séculos guiaram os destinos da sociedade civilizada do Ocidente desmoronaram". Este fato é facilmente percebível quando se observa, mesmo que superficialmente, como os valores, quer morais, quer jurídicos, vêm perdendo densidade, com alguns transmutando-se em outros de menor envergadura e outros simplesmente sucumbindo aos novos tempos, costumes e necessidades da nova sociedade, que se transforma continuamente. O que se observa é um povo anêmico de civismo, descrente dos seus representantes e, por via de consequência, dos institutos políticos que foram tão caros para ser erigidos pelas sociedades no passado. Explicitamente Walber de Moura Agra (2005, p. 11) salienta:

Entretanto, esses dados não configuram somente a crise de um tipo determinado de organização política, evidenciam problemas muito mais profundos, que atingem por completo as mais variadas sociedades, alheias à sua filiação ideológica ou ao seu modo de produção econômica. Existe uma crise do regime democrático, uma crise do conceito de soberania, uma crise do Estado Social Democrático de Direito, uma crise do esquema funcional de separação dos três Poderes, em suma, evidencia-se uma intensificação dos acirramentos sociais nas sociedades de forma geral que se agrava com a chegada da Pós-Modernidade, colocando em dúvida os antigos valores que a estruturavam.

Esta crise resta evidente ao se observar o cenário que em todos os estados do Brasil se descortina, nalguns mais noutros menos, mas em todos vendo-se os princípios republicanos e democráticos de direito aviltados, onde estruturas ilegais, como a do crime organizado, conseguem impor seus falsos princípios, atuando como se Estados fossem. Para a maioria dos brasileiros, o instituto da República democrática é uma retórica usada e abusada, nas palavras dos candidatos aos vários cargos no legislativo e no executivo. Mister se faz que o povo, juntamente com seus legítimos representantes, revitalizem os inquebrantáveis ideais republicanos de modo a trazer novo alento para a sociedade brasileira, desmotivada por ver tão nefastos problemas consumirem todas as lutas de anos por uma sociedade livre, justa e democrática (Agra, 2005). Apesar da palavra República (res publica, coisa do povo) ser uma palavra fácil de ser compreendida, seu conteúdo é deveras pouco assimilado pelo povo. A República apresenta, ainda, segundo Walber de Moura Agra (2005, p. 16), as seguintes características:

a) Negação de qualquer tipo de dominação, seja através de relações de escravidão, de relações feudais ou assalariado; b) defesa e difusão das virtudes cívicas; c) estabelecimento de um Estado de direito; d) construção de uma democracia participativa; e) incentivo ao autogoverno dos cidadãos; f) implementação de políticas que atenuem a desigualdade social, através de efetivação da isonomia substancial.

Como se vê, a República não admite nenhum tipo de dominação, abominando-as, principalmente, a mais hedionda de todas, que é a escravidão em todas as suas formas. Embora seja esta uma das importantes características da República, o que se observa hoje é uma desigualdade abissal entre o topo da pirâmide social, onde se encontra uma quantidade mínima da população, que usa e abusa de todos os privilégios que o poder, em todas os seus matizes, pode oferecer, e uma imensa massa de descurados que lutam por uma cidadania mínima com vistas a alcançar seus direitos de liberdade, econômicos e sociais.

É preciso que se difundam as virtudes cívicas de modo a remodelar as relações sociais. Tudo isto deve se operar dentro de um Estado Democrático de Direito, com uma democracia participativa, lutando-se por diminuir as desigualdades de todos os matizes, seja econômico, social ou político, fazendo prevalecer os interesses coletivos sobre os individuais e a isonomia substancial entre os indivíduos (Agra, 2005, p. 19-22).

Deste movimento cívico de luta contra a exploração do homem mais forte (em todos os sentidos) sobre o homem mais fraco e a consequente luta pela redução das desigualdades é que deve surgir o homem livre, autodeterminado, cônscio de seus direitos e plenamente esclarecido de suas obrigações. A esse respeito Walber de Moura Agra (2005, p. 20) observa que o homem livre apresenta grande relevo para os republicanos e assim o descreve:
[...], aquele que não está submetido à escravidão, liberto das amarras do domínio, guiado apenas por sua autodeterminação. É um homem que pode escolher seus caminhos e os caminhos da sociedade, que tem responsabilidade não apenas por seu futuro, mas se preocupa com o coletivo porque está inserido na polis e com ela mantém fortes relações simbióticas (grifo original).

Diante de tais fatos, deve-se observar que para se conseguir uma república plena, é preciso que se desenvolva uma cidadania ativa, onde cada cidadão é partícipe e ao mesmo tempo destinatário das ações do Estado. Partícipe, pois ele deve ater-se às decisões políticas; destinatário, pois as referidas decisões políticas servirão de base para conformar suas aspirações que, no entanto, não poderão prevalecer sobre os anseios da coletividade. Walber de Moura Agra (2005, p. 60) enfatiza a importância das virtudes cívicas para os cidadãos, destacando:
As virtudes cívicas devem formar nos cidadãos um éthos comum, sensus communis, que reflita uma comunidade naturalmente integrada, com a missão de incutir nos cidadãos os valores de respeito à res publica, entendida como uma prerrogativa da sociedade, com uma ideia própria de bem-comum, protegida pela participação ativa da população nas decisões políticas. Elas podem ser condensadas em um denominador, que seria a construção de uma sociedade livre, um Estado democrático de bem-estar, cimentando as relações sociais através de ‘forte nexo vital ético’, o que garante a harmonia social, fazendo com que todos se sintam parte integrante da comunidade (grifos originais).

A cidadania ativa, acima citada, acontece com a formação de um cidadão politicamente ativo, humanisticamente respeitado, erigido em sua dignidade humana e no pleno gozo de sua liberdade, princípio basilar do republicanismo. Para que se tenha um cidadão politicamente ativo é necessário desenvolver nele e na sociedade as virtudes cívicas, como a igualdade, a simplicidade, a prudência, a honestidade, a benevolência, a sobriedade, a abnegação, o apego ao trabalho e a justiça, a generosidade, a nobreza de caráter, o ativismo político, a solidariedade e os demais valores humanos positivos para a formação de uma sociedade justa e igualitária, onde o interesse coletivo se sobreponha ao individual, onde todos vejam em primeiro lugar os reflexos de suas ações sobre os outros, ensejando que todos se vejam como importantes para sua sociedade (Agra, 2005).

Para que um Estado incremente o desenvolvimento e divulgação das virtudes cívicas, é imprescindível que ele possua estruturas que propiciem este desenvolvimento. Estas estruturas, que não são virtudes em si, mas vetor indispensável à sua disseminação são: um regime democrático, um Estado que propicie bem-estar social (o Welfare State de que fala Luiz Werneck Vianna), mecanismos eficientes de fiscalização da coisa pública (res publica), a criação e desenvolvimento dos mecanismos de democracia participativa (plebiscito, referendo e iniciativa popular entre outros), a efetiva implantação, acompanhamento e/ou estabelecimento do princípio da igualdade substancial e demais princípios já encontrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Com esta estrutura forte e plenamente ativa, as virtudes civis encontram terreno fértil para o seu desenvolvimento e, consequentemente, obtenção de frutos significativos do ser humano (Agra, 2005).
Diante deste cenário de estruturas democráticas e implementação de virtudes cívicas, outra não poderá ser a ação dos entes e agentes públicos que não de extrema responsabilidade para com a coisa pública, com suas ações, visando única e exclusivamente ao bem-estar do cidadão e da cidade. "Ademais, esta ação se faz mais forte, pois presente está a consciência da co-participação do cidadão tanto na administração como na vida política da polis (Agra, 2005, p. 17)".

Críticas há ao republicanismo, mas estas, muitas vezes, são feitas mais para se manter o status quo do que para se discutir os seus fundamentos. Claro que a implementação de políticas que disseminem as virtudes cívicas não é tarefa fácil; no entanto, com a ampliação da participação popular na vida pública e com a renovação das vontades políticas, a sociedade se afirmará como livre e democrática, pois é inegável que grandes avanços já ocorreram e, ainda, continuam ocorrendo, uma vez que os valores são princípios programáticos que se amoldam às circunstâncias da época vigente sem perderem o seu comando vivificador. Mister se faz que políticas sociais sejam implementadas com o objetivo de reduzir as desigualdades reinantes no Brasil, as quais, diga-se, já foram maiores. "Portanto, apesar das críticas, o republicanismo apresenta-se como instrumento para construção de uma sociedade igualitária e justa (Agra, 2005, p. 103-4)".

Ocorre que, com o desenvolvimento da prática democrática no país, o povo passou a exigir mais direitos do Estado. Este fato é observado pelo aumento vertiginoso da utilização do Poder Judiciário pelo povo, em busca de direitos ou consolidação destes. Luiz Werneck Vianna et al (1999, p. 11) destaca este fato quando diz:

De uma outra perspectiva, a judicialização das relações sociais, processo também universal e com ampla fixação nas democracias consolidadas, chegou a nós pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, de recente e ainda progressiva institucionalização, responsáveis pela exposição do Poder Judiciário, sem qualquer tipo de mediação social ou política, às expectativas por direito e cidadania de setores socialmente emergentes. De fato, são esses os segmentos sociais que estão presentes na explosão da demanda por jurisdição, que passou dos 350 mil processos novos, em 1988, para cerca de 8,5 milhões em 1998.

Observa-se nesse processo que o Poder Judiciário assumiu novas tarefas na tripartição das funções do Estado, principalmente criando novas perspectivas para todo o povo que viu neste poder um instrumento de concretização de suas necessidades sociais com “[...] uma crescente institucionalização do direito na vida social, invadindo espaços até há pouco inacessíveis a ele, como certas dimensões da esfera privada” (Vianna et al, 1999, p. 15).

Com as novas condições sociais, o povo passou a se organizar, ressurgindo as instituições de organização civil, as associações, exigindo além de um Estado social, um Estado de bem-estar social (welfare state), no qual o Estado passa da passividade para uma posição ativa, disponibilizando prestações de caráter social diretamente ao povo, instituindo leis e mecanismos de ação, de modo a melhor atender às necessidades sociais da coletividade, igualando os desiguais e atuando para efetivamente compartilhar o bem-estar social com o máximo possível de membros da sociedade. São os direitos de segunda dimensão que buscam atender aos direitos individuais do homem, não como indivíduo, mas como gênero da pessoa humana. "Para tanto, os direitos coletivos são pensados, em primeiro lugar e mesmo que conflitem com alguns direitos de certos indivíduos, aqueles prevalecerão em uma ponderação proporcional (Vianna et al, 1999, p. 18)".

Verifica-se inicialmente que se passou a ter um processo de judicialização do social e, ato seguinte, a judicialização da política. O primeiro deu-se quando o Poder Judiciário foi guindado à posição de árbitro dos poderes para garantir os direitos sociais amplamente positivados na Constituição Cidadã e até, principalmente, nos seus princípios fundamentais. O segundo foi ato consequente do primeiro, pois o Poder Judiciário na esteira da assunção das novas funções sociais arvorou-se a mediar diretamente as funções políticas, antes incumbidas às associações e partidos políticos, estes legítimos representantes dos anseios do povo. Luiz Werneck Vianna et al (1999, p. 22) observa que:

Em torno do Poder Judiciário vem-se criando, então, uma nova arena pública, externa ao circuito clássico ‘sociedade civil – partidos – representação – formação da vontade majoritária’, consistindo em ângulo perturbador para a teoria clássica da soberania popular. Nessa nova arena, os procedimentos políticos de mediação cedem lugar aos judiciais, expondo o Poder Judiciário a uma interpelação direta de indivíduos, de grupos sociais e até de partidos – como nos casos de países que admitem o controle abstrato de normas -, em um tipo de comunicação em que prevalece a lógica dos princípios, do direito material, deixando-se para trás as antigas fronteiras que separavam o tempo passado, de onde a lei geral e abstrata hauria seu fundamento, do tempo futuro, aberto à infiltração do imaginário, do ético e do justo (grifos originais).

Desse modo, instituições constitucionais, como a Magistratura e o Ministério Público, assumiram posições de destaque na reestruturação dessa nova sociedade democrática, sendo o Poder Judiciário fiscal e garantidor das promessas dos outros dois Poderes tomando-se, portanto, o:

[...] Poder Judiciário como instituição estratégica nas democracias contemporâneas, não limitada às funções meramente declarativas do direito, impondo-se, entre os demais Poderes, como uma agência indutora de um efetivo checks and balances e da garantia da autonomia individual e cidadã (Vianna et al, 1999, p. 24) (grifos originais).

Com a introdução definitiva do direito na organização social e política da sociedade moderna, o que se observa é uma afirmação explícita da Constituição, sendo visto nesta mesma sociedade uma autêntica “Vontade de Constituição”, para solidificar e plenamente aplicar os princípios fundamentais nela imantados. Aliás, Luiz Werneck Vianna et al (1999, p. 34), com respaldo de Dworkin e Cappelletti, afirma que: “[...] a criação jurisprudencial de direito também encontraria o seu fundamento na primazia da Constituição, [...]”.

2.4 A Construção de uma “Vontade de Constituição” no Brasil: Perspectivas e Pressupostos

Como pode ser observado em tudo que até aqui foi exposto, para qualquer processo que se tente criar, implantar e/ou manter é muito importante que a sociedade seja respeitada, ouvida e, acima de tudo, refletida, de modo a se perquirir sua verdadeira vontade. Partindo desse ponto, devem-se buscar ações que afirmem a “Vontade de Constituição” na sociedade. Um caminho apontado por Walber de Moura Agra é o de desenvolver no cidadão e na sociedade o amor à pátria. Seria como desenvolver no povo sua autoestima, a qual, ao mesmo tempo em que é individual, pode ser unida por uma motivação comum, a pátria, fazendo de cada indivíduo um autêntico cidadão com consciência cívica, renunciando interesses pessoais em função do coletivo, pois ele passa a ter a “Vontade de” ser patriota. A esse respeito, assim se coloca Walber de Moura Agra (2005, p. 62):

Os republicanos utilizam o amor à pátria como fator agregador das virtudes públicas, canalizando-as para a concretização dos ideais dessa forma de governo. Esse sentimento contribui para que as diferenças existentes na população possam ser atenuadas, já que os cidadãos se sentem membros da mesma coletividade. Os dispositivos legais, em razão de sua coercitividade, são aptos a produzir feitos, mas a intensidade da produção dos efeitos pode ser potencializada se a população se sentir motivada a seu cumprimento. O sentimento patriótico pode exercer essa função e até mesmo respaldar o sacrifício de interesses pessoais em razão do bem coletivo.

Neste caminho de edificação de uma “Vontade de Constituição”, identifica-se um pressuposto que é considerado básico para muitos estudiosos, que é a luta para a diminuição das desigualdades sociais que aviltam a cidadania das camadas do povo mais simples e humilde. Urge que se trabalhe firmemente pela efetivação sustentável de um Estado Social, o qual exige do Estado ações afirmativas de modo a garantir os direitos sociais e econômicos a todos os cidadãos de forma plena e satisfatória e não somente um mínimo, formatando o que Guillermo O’Donell (apud Cittadino, 2002, p. 24) classificou como “Cidadania de Baixa Intensidade”.

Para que esta cidadania plena se desenvolva e faça surgir a “Vontade de Constituição” no povo, mister se faz que os três Poderes da República estejam plenamente ativos, munidos da mesma intensidade de poderes e imbuídos plenamente na concretização dos direitos fundamentais, tão almejados pelas sociedades democráticas. Nesta perspectiva, importante se faz que o Poder Judiciário se afirme como um meio democrático legítimo e eficaz de concretização dos direitos econômicos e sociais do povo. Aliás, como afirma Mauro Cappelletti (1999, p. 47), o Poder Judiciário deve “elevar-se” ao nível dos outros Poderes, tornar-se, enfim, o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o leviatanesco administrador. Mais à frente Mauro Cappelletti (1999, p. 49) completa seu raciocínio sobre a afirmação do Judiciário quando diz:

[...] como aconteceu, sempre em linha de princípio e com muita alternância e variantes, em vários sistemas de ‘Common Law’, especialmente nos Estados Unidos – assistir-se-á então ao emergir do judiciário como um ‘terceiro gigante’ na coreografia do estado moderno. Os tribunais judiciários ordinários – o ‘ramo menos perigoso’, segundo a célebre definição de Alexander Hamilton – passaram com audácia a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada. Todos os juízes, e não apenas alguns deles novos juízes especiais (ou ‘quase-judiciais’), tornaram-se, dessa maneira, os controladores não só da atividade (civil e penal) dos cidadãos, como também dos ‘poderes políticos’, nada obstante o enorme crescimento destes no estado moderno, e talvez justamente em virtude desse crescimento.

Como se vê, o equilíbrio perfeito dos três Poderes, independentes e harmônicos, mas com um sistema de controles eficientes entre si, o checks and balances system, faz surgir uma sociedade livre, equilibrada e harmônica, sendo terreno fértil para o desenvolvimento de uma autêntica “Vontade de Constituição”. Já Maria Alice Resende de Carvalho (2002, p. 299-300), abordando a problemática da redemocratização, situação indispensável para o favorecimento de uma “Vontade de Constituição”, aduz que existem duas abordagens para o tema, a racionalista e a culturalista, e assim define:

Assim, as abordagens culturalistas (Eckstein, 1988) mais fiéis ao tronco convencional da sociologia e ao trabalho de Almond e Verba, tenderiam a perceber o problema da consolidação democrática como referido à prévia ‘criação e difusão de uma cultura política que lhe seja afim – em particular o civismo’ (Reis; Castro, 2001, p. 25); enquanto as racionalistas, ancoradas nas teorias de escolha racional ou na teoria dos jogos, destacariam como aspecto relevante à consolidação democrática a ação de elites políticas em situações de incertezas como são as de crise dos regimes autoritários e transição a regimes democratizantes. (Przeworski, 1986, p. 11).

Como se vê, embora existindo duas abordagens sobre o assunto, o que se nota é que elas ao fundo não se excluem, pois em ambas se exige uma cultura cívica capaz de transcender qualquer interesse particular, para se firmar no interesse coletivo. As abordagens são situações que se diferenciam mais pelos meios do que pelos fins a atingir: um Estado Democrático onde se faça presente a “Vontade de Constituição”.

Mais uma vez utilizando-se dos ensinamentos de Walber de Moura Agra (2005, p. 65-6), reforçando a necessidade imperativa da disseminação de uma educação cívica perene e tenaz, de modo a fazer incutir na formação moral e cívica, do povo brasileiro, valores como a igualdade, a simplicidade, a prudência, a honestidade, a benevolência, a frugalidade, o patriotismo, a integridade, a sobriedade, a abnegação, o apego ao trabalho, o amor à pátria, à justiça, a generosidade, a nobreza de caráter, a coragem, a ativismo político, a solidariedade, valores cívicos estes que, plantados em solo fértil do cidadão brasileiro ativo, façam surgir forte, inquebrantável e altaneira uma “Vontade de Constituição”.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desta investigação pode-se concluir que o constitucionalismo democrático e republicano é uma ideologia na qual se elabora um conjunto de normas com a participação popular, de onde é haurido o poder, para a elaboração destas normas, de modo a ordenar a estrutura e os limites do governo, composto por representantes do povo, eleito pelo povo, para que não haja exorbitação de suas funções, ao mesmo tempo em que se garantem direitos individuais fundamentais da pessoa humana como, principalmente, igualdade, dignidade, liberdade, dentre outros, de modo a instituir uma sociedade mais equânime para os seus cidadãos.

A sociedade, como um todo, precisa compreender que uma vez positivados os direitos humanos na Constituição, passam eles a ser direitos fundamentais, entronizando-se como núcleo do sistema constitucional de onde emanam todos os comandos orientadores da formulação, interpretação e aplicação das normas constitucionais. É o que os constitucionalistas chamam de normas-princípio que compõem os preceitos básicos da organização constitucional.

Conclui-se, também, que o brasileiro teve uma formação cívica plástica e que se fazem necessários intensos esforços para a implementação de uma educação cívica, que valorize e estimule o nascimento dos valores cívicos no seio do povo brasileiro, notadamente nos jovens, pois estes são mais fáceis de atingir tal desiderato como também a eles é confiado o destino do Brasil.

REFERÊNCIAS

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Ataliba, Geraldo. (2007). República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros.
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Bonavides, Paulo. (2004). Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros.
Canotilho, José Joaquim Gomes. (2003). Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina.
Cappelletti, Mauro. (1999). Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor.
Carvalho, Maria Alice Rezende de. (2002). Cultura política, capital social e a questão do déficit democrático no Brasil. In: Vianna, Luiz Werneck (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG.
Cittadino, Gisele. (2002). Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de poderes. In: Vianna, Luiz Werneck (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG.
Häberle, Peter. (2002). Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor.
Russomano, Rosah. (1992). Constitucionalismo e Direito Constitucional. In: Saraiva, Paulo Lopo (Org.). Antologia luso-brasileira de direito constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1992.
Silva, José Afonsa da. (2008). Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros.
Tavares, André Ramos. (2003). Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva.
Vianna, Luiz Werneck et al. (1999). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan.

* Bacharel em Engenharia de Pesca (UFC); Licenciatura Plena em Física, Química e Biologia na (UVA); Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Spec. em Prevenção Contra Drogas e AIDS (UECe); Spec. em Gestão Educacional (UVA); Spec. em Gestão e Avaliação da Educação Pública (UFJF); Spec. em Direito Administrativo (ANHANGUERA); Coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria Regional II - PMF. Conselheiro Julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-CE na função de Secretário-Geral.

** Professor da Disciplina de Metodologia do Trabalho Científico (Orientador) – Faculdade Ateneu. Dr. (Tít. Cult.) em Ciências Biológicas pela FICL; M. Sc. em Fitotecnia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Spec. em Metodologia do Ensino de Ciências pela Universidade Estadual do Ceará (UECe); Spec. (Tít. Cult.) em Paleontologia Internacional pela Faculdade Internacional de Cursos Livres (FICL). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Licenciado em Matemática, Biologia, Física e Química pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA); Consultor Internacional do BIRD para Laboratórios Científicos


Recibido: 18/10/2017 Aceptado: 23/10/2017 Publicado: Octubre de 2017

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