Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


HISTÓRIAS DE FOZ DO IGUAÇU: AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS ALÉM-FRONTEIRA

Autores e infomación del artículo

Paola Stefanutti *

Viviane da Silva Welter **

Valdir Gregory ***

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

paola.stefanutti@ifpr.edu.br

RESUMO: Neste artigo sobre histórias de Foz do Iguaçu, objetiva-se registrar e discutir a aquisição de alimentos além-fronteira, por meio de narrativas de pescadores de Foz do Iguaçu. Foram analisadas entrevistas de três pescadores, sendo a metodologia utilizada para esta pesquisa a história oral temática. O recorte temporal leva em consideração o período da chegada dos entrevistados à Foz do Iguaçu entre as décadas de 1950 e 1970, anterior à construção da Usina de Itaipu, ao qual retrata memórias de um período com muitas dificuldades, que provocou interferências nas dinâmicas fronteiriças, como a aquisição de alimentos além-fronteira. Ademais das entrevistas, este estudo ampara-se em material bibliográfico para refletir sobre a alimentação (Santos,1995; Cascudo, 2004), histórico de Foz do Iguaçu (Colodel, 1992; Lima, 2010; Myskiw 2011) e fronteiras (Grimson, 2002, Albuquerque, 2011; Cardin, 2016). A partir das narrativas e bibliografias utilizadas aspira-se contribuir com reflexões sobre a história da alimentação de Foz do Iguaçu e sobre as fronteiras materiais e simbólicas envoltas às práticas alimentares.
PALAVRAS-CHAVE: Alimentação, Fronteira, Pescadores.
ABSTRACT: In this article about history of Foz do Iguaçu, it aims to discuss the food acquisition beyond frontier through fishermen narratives who live in Foz do Iguaçu. It were analysed enterviews from three fishermen and the methodology used for this study was the thematic oral history. The temporal cut consider the arriving period of enterviews in Foz do Iguaçu, between the decades of 1950 and 1970, before the construction of Itaipu Dam, which represents memories from a time whith many difficulties that caused changes in the frontier dynamics such as the acquisition of food beyond frontier. Further the enterviews, this study used bibliographies in order to reflect about feeding (Santos, 1995; Cascudo, 2004), history of Foz do Iguaçu (Colodel, 1992; Lima, 2010; Myskiw 2011) and frontier (Grimson, 2002, Albuquerque, 2011; Cardin, 2016). Based on bibliographies and the narratives this paper aims to contribute with reflections about Foz do Iguaçu feeding history and about the material and symbolic frontiers wrapped the food practices.
KEYWORDS: Feeding, Frontier, Fishermen.
RESUMEN: Este artículo sobre historias de Foz do Iguaçu tiene el objetivo de registrar y discutir la adquisición de alimentos más allá de la frontera a través de narraciones de pescadores de Foz do Iguaçu. Se analizaron entrevistas de três pescadores y la metodología utilizada para esta búsqueda fu ela historia oral tematica. El recorte temporal toma en consideración el período de la llegada de los entrevistados a Foz do Iguaçu entre las décadas de 1950 e 1970, antes de la construcción de Usina de Itaipú, al que retrata memorias de un período con muchas dificultades, que provocó interferencias en las dinámicas fronterizas, como la adquisición de alimentos más allá de la frontera. Además de las entrevistas, este estudio se basa em bibliografias para reflexionar sobre la alimentación (Santos,1995; Cascudo, 2004), histórico de Foz do Iguaçu (Colodel, 1992; Lima, 2010; Myskiw 2011) y fronteras (Grimson, 2002, Albuquerque, 2011; Cardin, 2016). A partir de las narrativas y bibliografías utilizadas se aspira a contribuir con reflexiones sobre la historia de la alimentación de Foz do Iguaçu y sobre las fronteras materiales y simbólicas envueltas en las prácticas alimentarias.
PALABRAS CLAVE: Alimentación, Frontera, Pescadores.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Paola Stefanutti, Viviane da Silva Welter y Valdir Gregory (2017): “Histórias de Foz do Iguaçu: aquisição de alimentos além-fronteira”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/aquisicao-alimentos.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704aquisicao-alimentos


INTRODUÇÃO

De onde vem o alimento? A compreensão do percurso do campo à mesa, da origem, de onde veio, por quem foi produzido, plantado ou pescado, juntamente com incentivos ao consumo de alimentos orgânicos, artesanais, que venham de produtores regionais e/ou rurais são provocações que têm se intensificado e ganhado espaços em discussões sobre o assunto. Seja por questões ambientais, éticas, morais ou de saúde, repensar o ato alimentar no início do processo pode representar muito sobre um determinado grupo. A aquisição de alimentos provoca vivências sociais, que são potencializadas dependendo do tempo ou espaço. No caso deste estudo, o território se trata de uma tríplice fronteira: Brasil, Paraguai e Argentina e o tempo antes da construção de pontes que pudessem ligar os países por “concreto”.
Para o historiador Carlos Antunes dos Santos (1995) a história da alimentação depende de consultas a fontes primárias e fontes da história oral, realizadas a nível local e regional. Este tipo de dado costuma receber pouca atenção em pesquisas acadêmicas, como também em outros escritos e abordagens, como no jornalismo e em acervos de memórias. Porém, como falar de uma alimentação típica ou nativa, da gastronomia local, sem fazer levantamentos pontuais sobre os alimentos que eram cultivados, criados, pescados, consumidos e sobre os pratos que eram preparados? Como falar sobre o Pirá de Foz1 , sem antes falar sobre quem de fato pescava e preparava o pirá (peixe em guarani) e pode acrescentar sobre memórias da alimentação da cidade? Registra-se, portanto, pratos e memórias às margens.
Atualmente o fluxo do comércio de alimentos, nesta fronteira, tem uma lógica diferente da do comércio. Enquanto a cidade paraguaia Ciudad del Este está interligada à cidade brasileira de Foz do Iguaçu por meio do turismo por conta das compras de eletrônicos, perfumes, maquiagens, materiais de pesca, entre inúmeros outros, a “venda” da comida paraguaia ou de ingredientes e produtos alimentícios do Paraguai não aparece, não é registrado. Já em relação à cidade argentina de Puerto Iguazú,  o fator gastronômico é reforçado no imaginário desta tríplice fronteira. O turista que vem para Foz do Iguaçu possui quase a “obrigação” de jantar na Argentina para apreciar uma carne bovina com uma massa, acompanhado de um bom vinho argentino ou passar em algum empório, adega ou na própria Feirinha da Argentina para comprar produtos como azeitonas, molhos prontos, vinhos, geleias, alfajores e doce de leite. Nas rodas de conversa de moradores de Foz do Iguaçu é comum os relatos sobre compra nos supermercados argentinos de produtos alimentícios incluindo perecíveis como pescado, carne bovina, queijos e embutidos. A Argentina sabe comer versus a não-comida paraguaia. Mas será que sempre foi assim?
Neste sentido, objetiva-se registrar e discutir a aquisição de alimentos além-fronteira, através de narrativas de pescadores de Foz do Iguaçu, em um dado momento histórico: antes da construção da Usina de Itaipu e antes da existência das pontes Amizade e Fraternidade, que ligam respectivamente Paraguai e Brasil e Argentina e Brasil.
Ressalta-se as adversidades enfrentadas pelos moradores deste território fronteiriço no final do século XIX e início do século XX, que perdurou nas décadas seguintes e que envolveu a dificuldade de obtenção de produtos em Foz do Iguaçu, surgindo a prática de troca e escambo em territórios paraguaios e argentinos. Estas práticas ocorreram com vistas à sobrevivência em um território pouco habitado e que foi responsável por moldar as dinâmicas fronteiriças locais.
O texto a seguir concerne-se a um fragmento de estudo no qual se analisa memórias de pescadores de Foz do Iguaçu, através de suas narrativas sobre vivências e alimentação. A metodologia utilizada foi a história oral temática. Foram dezenove pessoas envolvidas com a atividade pesqueira que concederam entrevistas ou diálogos entre pescadores, seus familiares, agricultores e donos de peixarias. Para este artigo serão tratadas especificamente três entrevistas. Este recorte ocorreu em virtude do período da chegada dos entrevistados à Foz do Iguaçu e a riqueza de detalhes e vivências que estes acrescentam para a memória alimentar da localidade.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas no decorrer desta escrita. Como o objetivo deste estudo não era a análise linguística da fala destes pescadores, optou-se pela transcrição das narrativas ajustando erros de português gramatical, vícios de linguagem, formas coloquiais, porém procurando manter os sentidos das falas. Durante a escrita deste trabalho, optou-se pela utilização dos nomes dos entrevistados, como estes se autodenominam, e são conhecidos nas imediações e em relações sociais. Justifica-se, portanto, a utilização do apelido e da palavra “Seu”, sendo uma alteração fonética do pronome de tratamento “senhor”. Assim, os entrevistados foram Popeye, Iracema e Seu Valdemar. O olhar a essas fontes, esses personagens da história de Foz do Iguaçu, fará este, ser memórias e fonte.
Aspira-se, ademais, contribuir com reflexões sobre a história da alimentação de Foz do Iguaçu e as fronteiras materiais e simbólicas envoltas às práticas alimentares, por meio da apresentação e reflexão das narrativas alimentares dos pescadores entrevistados, encontradas a seguir.

OS ENTREVISTADOS
Popeye ou Moacir Zimerman, de pele queimada do sol, corpo esguio, e um sorriso maroto, que toma a atenção dos presentes com sua fala envolvente. Parece um contador de histórias, possui eloquência na voz, tem o poder da palavra, do discurso, da situação. Popeye mora na beira do Rio Paraná, na barranca do Rio, atrás da Marinha, onde entre o bar e a casa do pescador, tem uma rampa de acesso ao Rio. Para falar da entrevista do Popeye é essencial contemplar o cenário em que esta ocorreu: um modesto bar estrategicamente montado para atender os pescadores amadores, que “invadem” a propriedade nos fins de semana; que é rodeada pela mata nativa, que presenteia aos que ali estão com um frescor e com cheiro característico da mata; os pássaros, que estavam presentes durante a entrevista, em um acompanhamento-participativo; os gansos criados soltos na propriedade; a esposa e a filha do casal, que ficaram distantes, mas prestando atenção na conversa; e é claro uma vista surpreendente do Rio Paraná, com suas águas calmas e profundas, encoberto pela fumaça do cigarro do Popeye.
O pescador chegou a Foz do Iguaçu quando tinha cinco anos, em 1959, na área do Remanso Grande. Natural de Chopinzinho, Paraná, é descendente de alemão, polonês e caboclo, e orgulhosamente conta que fala alemão. Começou a entrevista com a seguinte frase: “Eu sou do tempo que a Avenida Brasil2 era rua de chão3 ”. Essa frase expressa, além de um discreto saudosismo, uma representação de pioneirismo e pertencimento ao local, como se tivesse mais direito do que os demais, por estar ali, desde que a Avenida Brasil era rua de chão, pioneirismo também sentido na próxima entrevista. Ele foi o pescador mais antigo de Foz do Iguaçu levantado por essa pesquisa e sendo referenciado com respeito por outros pescadores como um dos primeiros do Rio Paraná. Alguns não o conhecem pessoalmente, mas a figura do Popeye, de pioneiro do rio, torna-o quase uma lenda entre os pescadores locais. Popeye voltará a aparecer mais tarde.
Iracema Berlanda de Andrade, viúva do pescador Aristeu Matos de Andrade, com seus cabelos curtos, olhos claros, gestos delicados, com falar suave e amável, trouxe sua paz de espírito e sua agitação da vida rural para a conversa. Iracema mora em um sítio, no bairro do Arroio Dourado, local onde ocorreu a entrevista. Acomodou os visitantes em uma bela e comprida mesa de madeira maciça, na área externa da cozinha, próximo à churrasqueira, cuja visão era a mata, o campo e a natureza. O som dos pássaros era perceptível a todos, além dos cachorros que marcaram o território durante a entrevista. Ao longo da conversa, pessoas foram chegando perto, interagindo até sentarem na grande mesa e compartilharem além do chá mate com bolachas artesanais, suas histórias, sendo estes os dois netos Ney e Thiago, a esposa deste último, e a ajudante da dona da casa.
Hoje, Iracema é agricultora familiar e grande parte da sua renda vem do fornecimento de seus produtos para as merendas escolares do município, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de participar de feiras específicas da agricultura familiar. Gaúcha de Veranópolis, Iracema veio do Rio Grande do Sul com dez anos com destino a Matelândia, onde morou até os dezesseis anos. Sua história particular se funde com a de outras famílias que migraram para esta área, no mesmo período. Iracema conta que Matelândia estava sendo colonizada e que seu pai trouxe muitas famílias gaúchas para a localidade de caminhonete, pois era corretor de terra. E foi nesta época que conheceu seu marido Aristeu, natural de Anita Garibaldi, do estado de Santa Catarina, que se mudou para a mesma vila: “Aí minha irmã começou a namorar um, eu comecei a namorar o outro, e a outra começou a namorar com o outro, três casaram, três irmãs com três irmãos [ela abriu um sorriso leve, gostoso]. Eu casei já velha, com dezesseis anos”. 4 Apesar de ter falecido há dezessete anos, as histórias de Aristeu, permanecem nas memórias de Iracema. Na fala acima se constata dois costumes da união entre famílias próximas, formando estruturas sociais baseadas no matrimônio entre elas, fortalecendo as relações de poder entre grupos próximos. Outra prática é a realização do casamento em uma faixa etária ideal diferente dos dias atuais. Assim, chegaram casados a Foz do Iguaçu um ano depois, em 1961, quando Iracema tinha dezessete anos. E desde então moravam às margens do Rio Paraná, até saírem de lá, por conta da desapropriação da Itaipu, em 1979.
Valdemar Tozzi, senhor de cabelos brancos, olhos claros e lacrimejantes, de setenta e quatro anos, idade que suas rugas não deixam esconder. Rosto sereno, um rosto tranquilo de paz, um falar calmo, mas acanhado a responder as perguntas, como deixou bem claro no começo da entrevista, dizendo que iria responder, mas não sabia se iria ajudar, pois não tinha estudo: “Também a gente vai estudar o que, né? A gente já está com setenta e cacetadas” 5. Nascido em Pompeia, no estado de São Paulo, em 1941, mudou-se para o estado do Paraná ainda criança, o que gerou um sentimento de pertencimento, chegando a dizer que pode ser chamado de paranaense. Chegou a Foz do Iguaçu em 1978, para trabalhar no canteiro de obras da Itaipu. Não tinha, porém, interesse em falar sobre a obra, ou sobre a Itaipu, e só disse sobre o trabalho na obra depois de ser questionado diretamente sobre o fato. Hoje Seu Valdemar é aposentado da pesca profissional.

DAS MARGENS À CIDADE
Estes relatos de memórias alimentares se encontram em uma determinada localidade geográfica, uma tríplice fronteira, em que aquilo que é esporádico em outros territórios aqui se torna rotina. E o cotidiano desses outros territórios se torna exceção. Por isso os relatos de aquisição de alimentos além-fronteira é algo a não ser negligenciado e possui destaque nesta abordagem.
Iracema compartilha que ela e a família moravam na beira do Rio Paraná, lá dentro da barragem. Dava uma distância de vinte quilômetros até o centro da cidade, dificultando o acesso à compra de produtos frequentemente. Ela lembra que, quando acabavam os produtos tinham que esperar alguém ir à cidade, que seria a cavalo, a pé ou de bicicleta. Segundo Iracema, essa foi uma das razões de seu esposo começar a pescar para o sustento da família. Era por uma questão de facilidade frente ao produto, pois era mais viável buscar um peixe no rio do que ir até o centro da cidade para comprar carne.
Popeye, que chegou em 1959 a Foz do Iguaçu, conta que a família ia uma vez por mês para o comércio fazer compras, pois o peixeiro passava para apanhar o peixe, mas não pagava no dia, marcando em um registro, que Popeye chama de nota fiscal. E, no final do mês, a família vinha receber do peixeiro e fazer suas compras. Sobre a alimentação, Popeye diz que era baseada na farinha e no feijão. Leia-se que são alimentos que dão sustância, alimentos considerados fortes, além de reforçar que naquela época eles tinham peixe à vontade. Popeye ainda salienta a relação entre a pesca e a agricultura de subsistência:
Naquela época todas as pessoas que pescavam também plantavam uma coisinha para sobreviver. Criavam uns porquinhos, criavam galinha caipira, todo mundo tinha. Todo mundo se interessa em ter, porque assim você nem precisava vir para o centro. Se você matava o porco, você tinha a banha, claro. E você tinha mandioca. Milho e mandioca, na roça, eram o principal. Para comer e sobreviver, você tinha o peixe. Matava o porquinho, tinha carne, tinha banha, entendeu?6
Desse modo Popeye e sua família garantiam a sobrevivência com os alimentos básicos: porco (carne e banha), galinha, peixe e mandioca. Com a pesca, cultivo e criação de animais para o consumo da família, os pescadores acabavam gerando pouca dependência do comércio local. Compreende-se, então, que o homem do rio também é o homem do campo.
A dificuldade de acesso à obtenção de produtos de diversos gêneros, inclusive alimentícios é um fato presente na história de Foz do Iguaçu antes da sua emancipação e durante o período da instituição da Colônia Militar em 1888. Lima (2010) ressalta que grande parte da mercadoria consumida na cidade era proveniente da Argentina. Alimentos, bebidas, vestuário e outros eram trazidos por navios argentinos que atracavam em Foz do Iguaçu. Como a cidade não tinha ligação terrestre com as cidades brasileiras mais desenvolvidas, como o núcleo urbano mais próximo (Guarapuava), os moradores deste território ficavam dependentes da oferta de produtos argentinos, que muitas vezes tinham baixa qualidade e preços superfaturados.
A este fato soma-se uma série de dificuldades enfrentadas pelos militares incumbidos de materializar o projeto de ocupação do território paranaense para cumprir o ideal de soberania nacional, que foi a instituição da Colônia Militar. Myskiw (2011) ressalta que tanto os militares quanto os colonos matriculados defrontaram-se com muitas adversidades, que resultou em uma vida instável e difícil diante de doenças e ferimentos por insetos e outros animais, falta de recursos financeiros para prover suprimentos básicos de higiene pessoal, alimentação e pagamento de salários dos militares. Este cenário desumano e degradante resultou em deserções, pedidos de demissão e abandono do desenvolvimento da atividade agrária e pastoril pelos colonos, o que refletiu negativamente no projeto colonial, pois os colonos e os militares envolveram-se com as práticas de extração predatória de madeira e erva-mate, que, paradoxalmente, deveriam combater.
Esta passagem histórica reverbera que as dificuldades de locomoção para obtenção de produtos de primeira necessidade, como alimentos, estão presentes em um passado mais distante e nas narrativas de Iracema quase um século depois. As relações de poder podem ser visualizadas em diversos níveis, no planejamento do Estado-nacional brasileiro ao instituir as colônias militares para salvaguardar a segurança nacional e proteger suas fronteiras, mas que se mostraram incapazes de prover a subsistência e frear o abandono dos colonos e militares, ou seja, uma total negligência com os objetivos iniciais.
De outro lado, ocorreu uma adaptação dos colonos e militares com vistas à sua própria subsistência, ao olharem como uma oportunidade o envolvimento com as práticas de extração ilegal e predatória dos recursos naturais explorados pelas colonizadoras estrangeiras. A adaptação a estas práticas criou novas territorialidades, pois as relações entre os sujeitos e destes com o território foram ressignificada s. Para Albuquerque (2011) o Estado cria leis, impõe limites, mas os agentes locais criam novos usos a partir dos limites impostos no cotidiano. Isso ocorre porque as fronteiras são criações humanas resultantes de processos moldados ao longo do tempo, de acordo com ocupações militares, processos políticos, econômicos e culturais. Estes processos perpassam fronteiras materiais e simbólicas, de acordo com as dinâmicas de cada fronteira, como o caso da aquisição de alimentos em territórios fronteiriços.

DAS MARGENS BRASILEIRAS ÀS OUTRAS MARGENS
Popeye relata sobre a aquisição de alimentos e a troca de produtos além-fronteira (Argentina), que ocorria de forma frequente e, portanto, fazia parte do cotidiano de sua família:
Na época nós criávamos uns porquinhos. E o que nós fazíamos, trocávamos por farinha, azeite, galleta7 , alho, entendeu? Fazia troca, galinha caipira, porco, o que você levava você vendia, na hora. Era só chegar e entregar. E lá mesmo já pegava os produtos. Nós chamávamos de provista, vamos trazer a provisão. A provista era o rancho na época. Trazer a provista [Essa frase repetida, ele falou com um sorriso no rosto, como se estivesse vendo, sentindo aquela sensação novamente, sensação de felicidade, de encher a despensa, e garantir a sobrevivência da família]. Aí, todo mundo vinha carregado, com latas de banha, farinha, banha da Argentina, grasa 8 de gado na época”9 .
Segundo Cascudo (2004, p.418): “A provisão alimentar é um hábito decorrente do inverno. Os animais guardadores de reservas pertencem aos países frios”. Tem-se então o entendimento de que esse hábito não foi herdado dos indígenas, pois eles tinham a concepção de caça e pesca para o sustento diário, não necessitando armazenar e fazer estoque alimentar. Provista, denominação referida por Popeye, possivelmente foi um neologismo criado para essa prática, não sendo encontrada em nenhuma bibliografia específica da área.
Mais adiante Popeye conta que essa grasa vinda da Argentina era muito utilizada para fazer o “reviro”, que, na realidade, é uma comida paraguaia.
E o reviro é uma comida substanciosa, se comer ela hoje cedo, por exemplo, você vai varar o dia e não vai ter fome. Ela é feita de farinha de trigo. É o reviro de farinha de trigo, ela vai ovos, e vai essa grasa, então ela fica firme, dá uma sustância. Não é o reviro de feijão.10
Segundo Almendra et al. (2016) o reviro é um prato robusto, que possui ingredientes calóricos, inclusive substitui o café da manhã. Ele aparece em narrativas que se referem aos mensus11 das companhias colonizadoras que exploravam a extração de madeira e erva-mate no oeste-paranaense no começo do século XX. Colodel (1992) ressalta que os mensus trabalhavam em jornadas superiores a dez horas diárias nas matas, o que causava relevante desgaste físico, necessitando que estes trabalhadores  tivessem uma dieta alimentar rica e variada, mas isso não ocorria em nenhuma obrage. A alimentação não era provida pelos obrageros e os peões cozinhavam os alimentos da forma mais simples possível, como o reviro, que consistia na mistura de farinha branca, ovos (se tivesse) e água. Ressalta-se que o reviro sempre aparece em relatos e bibliografias com banha, mas neste autor, encontrou-se uma descrição do preparo sem o mesmo. Era adaptado também com mandioca ralada ou farinha de milho ou adicionado leite. Outro prato que fazia parte da alimentação dos mensus era o jupará, também conhecido como prato de resistência e consistia em milho preparado para a canjica ou milho pindocado, grão-de-bico, feijão e carne seca picada.
Percebe-se que a alimentação era muito precária. Algumas vezes o pão caseiro era utilizado como complemento alimentar, apesar da dificuldade de assá-lo. A carne de caça só era acessível quando um dos encarregados ou capatazes as abatiam, pois eram apenas estes que podiam portar arma de fogo. Havia diversos alimentos e víveres para serem adquiridos, mas isto aumentaria consideravelmente as despesas dos mensus com seus contratantes.
Fazer compras além-fronteira envolve diversas dinâmicas que vão desde o enfrentamento de dificuldades de deslocamento, a intervenção do Estado ao dificultar a travessia ao país vizinho, a economia familiar e o acesso a produtos diversificados não encontrados na vida cotidiana.
Tal como Popeye, Iracema lembra que fazia compras e escambo na Argentina. Eles levavam ovo e galinha e trocavam por farinha, azeite, conservas, azeitona, doces, picles, “[...] aqueles doces marrom-glacê, aquelas latonas assim, era tudo muito fácil, as coisas lá”12 . Ela conta da prática de como ir até lá, lembrando que a Ponte Internacional da Fraternidade ou Ponte Tancredo Neves13 é de 1985.
Tinha um porto, que vai pelo Porto Meira. No final da Avenida General Meira, tinha o Porto Meira, que era o porto de travessia da balsa. Era tudo de balsa, era um sofrimento tão grande, meu Deus do céu. Eles revistavam naquela época já, era meio reservado as coisas. De lá pra cá [Da Argentina para o Brasil] principalmente, aqui não revistavam, aqui não tinha nada. Agora de lá, sempre foi um pouquinho mais seguro, eles olhavam, o que a gente trazia, mas nunca tomaram nada, era livre. Também a gente trazia tanta coisa nas costas, eu não trazia farinha, porque farinha tinha que trazer bastante, porque a gente gastava bastante, mas eu trazia latas de conserva, de tudo que era porcariada, porque era muito barato. Então a gente trazia tudo o que era tipo de coisa, né, mas aquilo pesa, né? Não dava para trazer muita coisa, eu era magrinha.14
Sobre as compras na Argentina, enquanto Popeye limitava-se às compras de subsistência, ela conta sobre compras de doces e “porcariadas”15 . Confirmando essa situação financeira, pode-se reparar que os quatro irmãos [o marido e os irmãos] dividiam juntos uma área de cento e sessenta alqueires, e lá eles tinham uma área de plantação de arroz, milho, feijão. No que tange a situação financeira, ficou evidente que Iracema possuía o maior poder de compra dentre as narrativas coletadas.
A facilidade, e/ou não, de ir e vir, daquele tempo, traz boas recordações à entrevistada, como as compras no Paraguai. As compras não eram feitas em Ciudad del Este, cidade conhecida nas últimas décadas como centro de compras, mas, sim, em Hernandarias, passando o rio de canoa. Ela nomeia dois produtos principais comprados em terras paraguaias - a carne bovina e a galleta. Ela recorda do momento do nascimento do primeiro filho em solo iguaçuense, em que existia a recomendação de que, durante a dieta da quarentena 16, a mulher não poderia comer peixe.
Aquele dia, quando meu filho nasceu, e nós não tínhamos pão, não tínhamos nada. Tínhamos dinheiro, mas não tínhamos onde comprar. Ele [Aristeu, o esposo] foi lá em Hernandarias, era oito quilômetro dali até o rio. Atravessou o rio de canoa, e foi lá em Hernandarias buscar galleta, aqueles pãezinhos duros, sabe? E nasceu o nenê de manhã cedo e esperei até de tarde para comer, porque não podia comer outra coisa [ela soltou uma deliciosa gargalhada]. Era a quarentena, era um suplício.17
Quando Iracema exprime a falta de comércio, ela dá a entender que tinha dinheiro, mas não tinha onde gastar. Ela conta que demorou um tempo até comprarem a primeira vaca leiteira, que ocorreu quando já tinham quatro crianças entre seus filhos e de suas irmãs:
Tinha que buscar uma vaca pra tratar de todas essas crianças. Foram lá no Paraguai, compraram uma vaca e trouxeram a nado no Rio Paraná. Ela passou nadando, sim senhora. A vaca, eu queria ter foto, para registrar essas coisas. O nome dela era Princesa ou Mansinha, uma coisa assim. Eram duas que nós tínhamos depois. Mas daí essa vaca é que nem a história da Santa Genoveva. Alimentou todos os filhos, nunca parava de ter leite [risos, lembrando dos tempos antigos]. 18
Sobre lembranças alimentares, Iracema diz ainda que:
Quando meu sogro morava em Santa Catarina, meu sogro é velho já, ele morava em Santa Catarina e vinha passear para Foz. Quando ele vinha, tinha que ir ao Paraguai buscar um pardo pra ele, ou aqui um veado, pra eles comerem o pastel de carne de veado. Não tem coisa melhor, guria[risos]. Pegava o pernil do veado, do pardo, moía aquela carne, a gente tinha uma maquininha de moer assim, moía aquela carne e fazia o pastel. Que delícia, menina. Mas a gente fazia a massa, fazia tudo em casa, né? Era muito bom aquilo. Eu não sei se era porque era uma carne magrinha, o que era. E a gente colocava bastante tempero, né?19
Outra questão é levantada pela entrevistada, ou seja, a carne trazida do Paraguai para Foz do Iguaçu, sendo que esse ato era um ato ilegal. Cabe questionar, porém: ─ O que torna um ato assim ilegal? Ser carne de animal abatido em um país e ser consumida em outro? Evidencia-se como a fronteira nacional pode influenciar na alimentação, seja por mudanças de leis que permitam ou não a caça, o abate e a comercialização de determinado animal, ou pela sensação de estar consumindo um produto que veio de outro país. Parece que o pardo do vizinho é sempre mais saboroso. Então, eis que surge mais uma face da fronteira, agora como divisor de práticas alimentares, que pode ser transpassada e consumida, uma fronteira comestível, uma fronteira simbólica. Conforme completa Martins (1997, p. 12):
É na fronteira que se pode observar melhor como as sociedades se formam, se desorganizam ou se reproduzem. É lá que melhor se vê quais são as concepções que asseguram esses processos e lhe dão sentido. Na fronteira, o Homem se encontra – se desencontra.
Se na fronteira observa-se com maior clareza as dinâmicas sociais e os processos de uma sociedade, sendo ela um entre-lugar onde o homem se encontra e se desencontra com ele mesmo frente ao Outro, pode-se ainda analisar como Iracema relatou com tamanha naturalidade e sem culpa o consumo, nas ocasiões especiais, do pardo paraguaio como recheio para o pastel. Essa busca do pardo paraguaio, que se transforma em um veado brasileiro após atravessar as fronteiras nacionais, poderia ser considerado um ato de contrabando? Se sim, cabe lembrar-nos de Aparecida Darc de Souza, que diz:
Neste sentido, parece válido afirmar que a prática desse contrabando foi vivida sem culpa, pois foi realizada por esses trabalhadores como uma atividade legítima e justa. Estes relataram suas experiências como estratégias legítimas de trabalho, que foram sendo transformadas em crime pela ação repressiva do Estado (SOUZA, 2009, p.171).
A autora discorre sobre trabalhadores contrabandistas, mas será que não poderíamos incluir os moradores contrabandistas? A movimentação do pardo, da vaca leiteira, da galleta, da farinha, das “porcariadas” e das conservas, do lado de lá vindo para o lado de cá, é atividade normal e corriqueira nas narrativas destes pescadores.
Para Cardin (2016) as dinâmicas fronteiriças podem variar de acordo com fatores econômicos e políticos dos países vizinhos, se há maior ou menor controle das fronteiras e como os agentes locais reagem aos limites e leis impostas pelo Estado.
Neste sentido, ressalta-se que as fronteiras são fluídas, moldadas de acordo com as trocas dos atores sociais em processos contextuais específicos. Albuquerque (2011) salienta que as fronteiras são complexas e não podem ser simplificadas como o lugar do narcotráfico e do contrabando.
Em nenhum momento das entrevistas, foi percebido certa confidencialidade nesses relatos, não sendo percebidos pelos entrevistados como atos ilícitos ou proibitivos. É natural, é fronteiriço, é cotidiano (STEFANUTTI, 2015).

VIVER NA FRONTEIRA SEM VIVER A FRONTEIRA
Outra narrativa que discute a fronteira física envolvendo os três países que dividem fronteiras e águas é a do Seu Valdemar, cuja moradia fica ao lado do Espaço das Américas, abaixo do Marco das Três Fronteiras, tendo uma visão privilegiada do caos cultural simbólico. Apesar de morar na barranca do rio abaixo do Marco das Três Fronteiras por mais de trinta anos, surpreende: “Na Argentina, nem no barranco do outro lado eu nunca fui. Eu tinha medo dos argentinos nos pegarem [riso envergonhado]. Então, nunca fui para o lado de lá e nunca comprei nada lá”20 . Ao contrário do que se pode supor, morar e viver em uma zona de fronteira não é sinônimo de acesso às relações fronteiriças e circulação livre pelos países vizinhos. Nesse contexto, pode-se dialogar com Myskiw (2005, p.227): “A visão daqueles que dela [fronteira] vivem próximo é muito diferente daqueles que vivem longe da mesma”. Tendo uma relação direta com o imaginário simbólico de que todo morador usufrui da fronteira da mesma maneira: aproveitando os produtos com preços sem impostos no Paraguai e jantares com carne suculenta, acompanhadas de vinho na Argentina.
Analisando a fala de Seu Valdemar, ele demonstra que, quando a sensação de medo do Outro se torna mais forte do que a curiosidade do que possa existir do outro lado da fronteira e/ou do rio, esse morador não se torna parte da fronteira como espaço multi, como se tem no imaginário comum, mas se torna parte da fronteira à sua maneira, ou fortalece suas próprias fronteiras. E a margem Argentina, que está logo à sua frente, visualmente possível durante trinta anos, não é o seu lugar, mas o espaço do Outro.
Para Grimson (2002) o fato de muitos habitantes não atravessarem a fronteira, tanto a física quanto a metafórica, revela o limitado contato e envolvimento com o Outro e isto poder estar relacionado com a efetividade do aparato estatal existente em uma fronteira jurídico-política que contribui para a produção de uma multiplicidade de fronteiras simbólicas.
Apesar do autor discutir sobre a fronteira entre Uruguaiana e Paso de los Libres (Brasil e Argentina), algumas discussões são pertinentes a este cenário de Foz do Iguaçu.  O autor lembra que nas décadas de 1950 e 1960 houve períodos em que produtos têxteis e alimentícios na Argentina eram mais baratos, como couro, farinha de trigo, doce de leite, bebidas e diversos produtos industrializados. Além do preço, os brasileiros eram atraídos por esses artigos pois não os encontravam no mercado nacional. O Brasil se desenvolveu economicamente após a década de 1990, tendo sua moeda fortalecida, bem como a entrada de uma diversidade de produtos industrializados. Estes fatos econômicos contribuíram para que a travessia da fronteira deixasse de ser necessária, principalmente levando em consideração os inconvenientes como entraves alfandegários, descortesia ou excesso de exigências legais impostas. O deixar de atravessar é uma opção radical, mas generalizada que “[...] implica viver na fronteira sem viver a fronteira” (GRIMSON, 2002, p. 184).
A superação dos entraves que impedem que os sujeitos fronteiriços cruzem as fronteiras físicas e metafóricas podem ocorrer por meio do intercâmbio entre as sociedades civis. O Estado moderno é uma construção humana que interfere nas relações sociais e estão presentes nas narrativas deste estudo e age como divisor de práticas alimentares. Anterior à sua criação, as relações entre os povos não se resumiam a acordos bilaterais e tratados internacionais, que segundo Canclini (2004) são incapazes de prover tratamento adequado às diferenças, desigualdades e integração dos povos, pois são centrados em fluxos financeiros e mercadorias. Os acordos bilaterais como o MERCOSUL reduzem-se no que as reuniões de cúpulas empresariais e goveridntais acertam entre si e são propensos a produzir mais fragmentação e rivalidades do que benefícios compartilhados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar esses relatos de pescadores, de moradores de Foz do Iguaçu, sem pontes, sem estradas e em um período sem energia elétrica, é entender a própria cidade e como ela e seus símbolos se constituem, além de contribuir para discussões sobre a história da alimentação neste território. As negociações, as entrelinhas, as tensões e as naturalidades.
Tal como Popeye, Iracema lembra que fazia compras e escambo na Argentina. Eles levavam ovo e galinha e trocavam por farinha, azeite, conservas, azeitona, doces, picles, doce marrom-glacê, e “porcariadas” e a descrição da prática de como ir até lá através da balsa. Já em terras paraguaias, há relatos da aquisição da carne bovina, a vaca leiteira, o pardo e a galleta, lembrando que o pardo do vizinho é mais gostoso - memória gustativa do pastel de carne de veado.
Dentre outras discussões, faz-se a hipótese da não existência de carne bovina nesta região do oeste do Paraná, afinal se existisse, seria mais fácil do que atravessar o rio com o animal. Se está no imaginário atual a tradição da carne bovina nesta localidade, ela não encontra raízes sólidas nestes relatos, pois as carnes citadas, como visto anteriormente, foram porco, frango, peixe e veado.
Destaca-se ainda o reviro como representação tanto identitária como fronteiriça, sendo um exemplo peculiar dessa fronteira. O reviro feito com grasa argentina e farinha de trigo, preparada em território brasileiro, sendo uma comida paraguaia. Trata-se de comida pesada, comida que sustenta, conforme a fala de entrevistados. O reviro consiste em farinha de trigo, banha de porco e fogo. Dois ingredientes cozidos, unidos, em um ato de sobrevivência, em um ato cultural e ao mesmo tempo simbólico. O reviro também pode ser uma representação simbólica da comida transfronteiriça.
Estas representações, tal qual as fronteiras, são construções humanas decorrentes do relacioidnto do homem com o território e entre os sujeitos, que podem ser compreendidas por meio das narrativas expressas em um local e em uma temporalidade, neste caso das memórias dos pescadores entrevistados neste estudo. As narrativas sobres as vivências e a alimentação contam a história de um tempo em que havia dificuldades, mas o controle de fronteiras não era rigoroso como atualmente, com a chegada de infraestrutura que viabilizou a fiscalização de entrada e saída de produtos e pessoas entre os países, como as pontes internacionais, estrutura física imigratória e recursos humanos.
Estes pontos levam a refletir que as dinâmicas fronteiriças são fluídas e se moldam de acordo com relações sociais e de poder, não são prontas ou acabadas. Apesar das tentativas dos Estados modernos de homogeneização (Canclini, 2004), nas bordas é que se podem observar as diferenças, as desigualdades e a falta de integração, que paradoxalmente, é um dos objetivos dos acordos bilaterais como o MERCOSUL.
Pensar a integração além dos resultados econômicos e preocupar-se com a facilitação do deslocamento para ir para ‘o lado de lá’ e proporcionar a travessia para ‘o lado de cá’ é admitir a interdependência entre cidades irmãs, como a tríplice fronteira, expressa neste estudo por meio da necessidade de aquisição de alimentos além-fronteira, uma necessidade mais acentuada em tempos de dificuldades, antes da industrialização brasileira. No presente a integração se faz necessária tanto para o desenvolvimento turístico das três cidades deste território fronteiriço, quanto para propiciar as trocas  sociais e culturais entre os moradores que convivem nesta tríplice fronteira. Cardin (2009, p. 170) ressalta que “[...] não é possível entender Foz do Iguaçu sem analisar Ciudad del Este e Puerto Iguazú”. Além de, como vimos pelos relatos de Seu Valdemar, nem todos vivem a fronteira da mesma maneira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ZIMERMAN, Moacir. Entrevista concedida em 19/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.

NOTAS

*Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) Doutoranda do Programa de Pós-Graduação strictu senso em Sociedade, Cultura e Fronteiras, nível Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/Brasil). Docente da área de Gastronomia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) (UNILA/Brasil). Email: paola.stefanutti@ifpr.edu.br
** Mestranda do Programa de Pós-Graduação strictu senso em Sociedade, Cultura e Fronteiras, nível Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/Brasil). Email: viviitaipu@gmail.com
*** Pós-doutor em História na Universidade Federal do Paraná, doutorado em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Docente do Programa de Pós-Graduação strictu senso em Sociedade, Cultura e Fronteiras, nível Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/Brasil). Email: valdirmacgregory@gmail.com
1 Faz-se alusão ao “prato típico” de Foz do Iguaçu, segundo site da Prefeitura, eleito através de um concurso em que participaram apenas representantes de redes hoteleiras da cidade, sem nenhuma representatividade cultural e alimentar aos seus habitantes.
2 Avenida Brasil: Uma das principais ruas do comércio e dos bancos de Foz do Iguaçu.
3 ZIMERMAN, Moacir. Entrevista concedida em 19/12/2014 à Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
4 ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 01/12/2014 à Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
5 TOZZI, Valdemar. Entrevista concedida em 24/1/2015 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
6 ZIMERMAN, Moacir. Entrevista concedida em 19/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
7Idioma espanhol, que significa bolacha e/ou biscoito.
8 Idioma espanhol que significa gordura ─ é, portanto, gordura bovina.
9 ZIMERMAN, Moacir. Entrevista concedida em 19/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
10 ZIMERMAN, Moacir. Entrevista concedida em 19/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
11 Mensus eram os trabalhadores que se propunham a trabalhar braçalmente em uma obrage, segundo Gregory (2002).
12 ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 1º/12/2014 à Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
13 Ponte que liga as cidades de Foz do Iguaçu-Brasil a Puerto Iguazú-Argentina.
14ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 1º/12/2014 à Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
15ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 1º/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
16 No meio rural era muito comum o resguardo da mulher, com diversas normas, entre proibições e recomendações. Cascudo (2004, p.652) já menciona a prática: “A tradição antiga fazia consistir o resguardo em alimentação exclusiva de galinhas. Era costume português. [...] O resguardo correspondia a uma dieta alimentar fixa, com a obrigatoriedade da observação fiel”.
17 ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 1º/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
18 ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 1º/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
19ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em 1º/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.
20 TOZZI, Valdemar. Entrevista concedida em 24/1/2015 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu.


Recibido: 01/11/2017 Aceptado: 21/12/2017 Publicado: Diciembre de 2017

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