Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A AVALIAÇÃO DE PROJETOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA PRIORIZA A CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL?

Autores e infomación del artículo

Marcelo Scarpa Rennó *

Ediméia Maria Ribeiro de Mello **

Centro Universitário UNA.

profa.edimeiamaria@gmail.com

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que meta-avaliou dois projetos sociais da responsabilidade social corporativa (RSC) de duas empresas mineradoras de ferro implantadas no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Adotou-se nas análises os princípios e métodos da gestão social, pilares da sustentabilidade dos projetos sociais. Essa meta-avaliação foi somativa e realizada por meio de levantamento de dados, análise documental e de entrevistas semiestruturadas individuais com representantes dos públicos envolvidos. Verificou-se, nas avaliações, indicadores mais afinados aos objetivos operacionais das mineradoras, e não outros capazes de aferir a efetividade na contribuição para o desenvolvimento local. A partir das análises realizadas, esse artigo oferece um conjunto de indicadores para a avaliação de projetos sociais, com base na gestão social, para aferir a presença de intersetorialidade e de medidas que contribuam para incrementar o capital social, a participação e o protagonismo comunitário na condução das intervenções realizadas. 

Palavras-chave: Responsabilidade Social Corporativa, Investimentos Sociais Empresariais, Gestão social, Meta-avaliação de projetos sociais, Desenvolvimento Local.

 

Abstract

This paper presents the results of a research to meta-evaluate two iron mining corporate social responsibility (CSR) projects developed in the Iron Quadrangle in Minas Gerais. For the purposes of meta-evaluation was adopted as conceptual basis aspects of social management understood as pillars of sustainability of projects and their developments. Research has shown that assessments are based on indicators more attuned to the needs of mining companies, not the other, capable of measuring the effectiveness of initiatives in promoting local development. For this, it suggests an analysis that goes beyond the look on the economic results of the projects and incorporating aspects related to social management. This article presents a set of indicators to assess the social management of social projects, based on aspects such as the increase of social capital, community participation and community role in the conduct of proceedings.

Keywords: Corporate Social Responsibility, Corporate Social Investment, Social Management, Meta-evaluation of Social Projects, Local Development.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Marcelo Scarpa Rennó y Ediméia Maria Ribeiro de Mello (2017): “A Avaliação de Projetos da Responsabilidade Social Corporativa Prioriza a Contribuição para o Desenvolvimento Local? ”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/responsabilidade-social-corporativa.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703responsabilidade-social-corporativa


 

1 Introdução

Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada para meta-avaliar o processo avaliativo de dois projetos da responsabilidade social corporativa (RSC), que compõem programas de geração de emprego e renda, estabelecidos por duas empresas de mineração de ferro no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. A análise das metodologias de avaliação adotadas pelas empresas baseou-se nos princípios e métodos da gestão social, considerados presenças indispensáveis nos projetos sociais para o alcance de autossustentabilidade no tempo e no local, contribuindo, assim, para o desenvolvimento local.
A escolha da temática dessa pesquisa decorreu da experiência profissional do primeiro autor, cujo objetivo era criar um instrumento de avaliação que influenciasse os projetos sociais da responsabilidade social corporativa na direção de virem a contribuir, com mais efetividade, para o desenvolvimento local das comunidades impactadas pelos investimentos operacionais de empresas privadas.
Por outro lado, esse trabalho enquadra-se na área de atuação da segunda autora, qual seja e economia social, dedicada ao debate sobre a incapacidade de a economia capitalista sustentar uma sociedade inclusiva e sobre a sua responsabilidade pela produção de degradação ambiental e humana. Esse debate visa propor ações responsáveis no sentido de corrigir as falhas do mercado, decorrentes de uma racionalidade comprometida exclusivamente com a maximização dos lucros privados. 
Portanto, a questão que orientou essa pesquisa foi: como perceber se os projetos sociais da responsabilidade social corporativa estão contribuindo para o desenvolvimento local, por meio de promover autonomia e processos sustentáveis nos grupos comunitários envolvidos, para que sobrevivam à retirada dos seus agentes financiadores e apoiadores, no caso específico, as empresas de mineração de ferro? Entende-se que apesar do interesse das empresas financiadoras/ apoiadoras de que seja alcançada a “maturidade” dos grupos beneficiados para a autogestão dos projetos, pergunta-se: os modelos avaliativos aplicados por elas conseguem avaliar/ mensurar essa “maturidade comunitária”?
Esses questionamentos sugerem uma análise avaliativa que transcenda a perspectiva de justificação dos investimentos destinados à responsabilidade social frente aos interesses corporativos e incorpore os aspectos da gestão social dos processos desencadeados junto às comunidades de modo a torna-las autônomas frente aos projetos dos quais participam e, consequentemente, perante a processos endógenos de desenvolvimento.
Em relação aos modelos avaliativos, o que se pretende nesse trabalho é investigar a sua capacidade de aferir a presença de métodos da gestão social nas avaliações e, a partir da crítica às metodologias, enfatizar e reconhecer a importância de se estabelecer, na perspectiva de resultados, indicadores dessa gestão, o que as tornaria capazes de aferir aspectos como: maturação de redes de relacionamento internas aos grupos; a comunicação e a informação interna atrelada aos projetos, o que também inclui a avaliação e os seus indicadores; o grau de conhecimento, convergência, interesse e confiança das comunidades impactadas nos objetivos dos projetos e no alcance desses; o fortalecimento das estruturas de apoio e solidariedade entre os membros participantes; a intersetorialidade pela vinculação dos projetos com outras instituições e políticas públicas locais de desenvolvimento; a capacidade técnica e sociopolítica dos grupos em protagonizarem a condução dos projetos e seus desdobramentos.

2 A Responsabilidade Social Corporativa (RSC), a Gestão Social e o Desenvolvimento Local

São muitas as discussões e críticas, no campo acadêmico, sobre o significado da RSC, sobretudo, com respeito ao propósito do desenvolvimento de projetos sociais por empresas nas localidades onde atuam efetivos do ponto de vista da contribuição para o desenvolvimento local. A despeito disso, uma breve leitura histórica da evolução dessa função empresarial, mostra uma tendência ao aumento do envolvimento do setor privado com as questões sociais, entretanto ainda distante de vir a contribuir para a autonomia comunitária.
O responsabilidade social corporativa foi introduzido na publicação de Bowen, em seu livro “Social Responsibilities of the Businessmen”, em 1953 (BASSEN, JASTRAM, MEYER, 2005, apud THEUER, 2013), apontando a necessidade de se estabelecer no mundo empresarial, a preocupação com questões sociais. No início da década de 1970, os trabalhos de Milton Friedman e seus seguidores da escola neoclássica, ao contrário, restringiram a ideia da RSC, única e exclusivamente, à geração de lucro para assegurar os ganhos dos acionistas, num contexto em que a empresa privada já cumpre a sua função social ao gerar as ofertas dos bens demandados pela sociedade (THEUER, 2013). Nessa mesma década, as discussões sobre o tema introduziram questionamentos sobre o pensamento de Friedman e seus pares (VASCONCELOS, ALVES & PESQUEX, 2012).
Mas, foi na década seguinte, em função da nova agenda de discussões globais sobre meio ambiente e desenvolvimento, que esse conceito incorporou novas perspectivas relacionadas ao propósito da sustentabilidade, ao incluir as responsabilidades com a qualidade de vida das comunidades onde as empresas estão inseridas (THEUER, 2013). Desde então, novas premissas conceituais começaram a ser adotadas para a RSC, pela associação direta do conceito com o desenvolvimento sustentável (VASCONCELOS, ALVES & PESQUEX, 2012). Um exemplo dessa orientação é a definição do Instituto Ethos de Empresas e de Responsabilidade Empresarial que descreve a RSC como...

[...] a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais (INSTITUTO ETHOS, 2013, p.16).

Entretanto, Barbosa Lacerda e Ferrarini (2013) discordando de Theuer (2013) e de Vasconcelos, Alves e Pesquex (2012) e consideram a definição do Instituto Ethos um ideal de difícil alcance, visto atribuírem à RSC uma função, tão somente, de compensação social. Aqueles autores consideram incompatíveis com os objetivos das empresas privadas, movidas pela lógica de mercado, as finalidades de contribuírem para a promoção de desenvolvimento local, conceito associado à introdução de práticas colaborativas de governança e de democracia deliberativa. Barbosa Lacerda e Ferrarini (2013) sugerem que o fato de a RSC se constituir em um departamento especializado das empresas privadas o torna incapaz de implementar “práticas sociais efetivas e emancipatórias” (BARBOSA LACERDA & FERRARINI, 2013, p.9). Os projetos sociais levados à cabo sob tais gestões apesar de contribuírem “[...] para a realização de ações voltadas à melhoria de condições sociais internas e externas às empresas, [compõem] em muitos casos [...] mera estratégia de marketing empresarial” (BARBOSA LACERDA & FERRARINI, 2013, p.2).
Mas, os prejuízos cada vez maiores e diversificados, decorrentes das relações conflituosas com as comunidades sob impacto dos investimentos empresariais, vêm provocando mudanças estratégicas nas relações com elas. As situações críticas que as envolvem vêm tornando as empresas mais receptivas a formas de intervenção mais efetivas do ponto de vista da contribuição para o desenvolvimento local, mesmo que suas intenções sejam, tão somente, de estabelecer uma relação pacificada no sentido de seguirem com suas operações, tentando minimizar custos imprevisíveis.
Nesse sentido, Barbosa Lacerda & Ferrarini (2013, p. 367) enfatizaram a inovação social como o objetivo a ser perseguido nas intervenções junto às comunidades, desde que seja legítima a intenção de contribuir para o seu desenvolvimento. Segundo os autores, a inovação social visa gerar valor social e nesse empenho o sujeito da ação é a comunidade.  

[...] a inovação social busca [o] valor social - tendo a própria comunidade como protagonista e os atores sociais como centrais no processo de inovação, vale-se de conhecimentos originados no ambiente comunitário e sempre deve imprimir a lógica de compartilhamento das informações e de cooperação das ações. As estratégias devem possibilitar a substituição do imperativo da competição por práticas colaborativas de governança[, adotando como] locais de suas intervenções [...] as comunidades e não mais as empresas.

Este artigo discute os aspectos afins e os componentes da gestão social indispensáveis para os projetos sociais cooperarem para o desenvolvimento local, visto que o potencial de inovação na RSC, somente a transformaria em produtora de avanços em direção a objetivos sociais autênticos, se viesse a adotar dos métodos da gestão social, em todos as fases associadas ao projeto, quais sejam: planejamento, implementação, monitoramento e avaliação dos projetos sociais sob sua iniciativa. Dessa forma, é possível incorporar meios de contribuir para o desenvolvimento local. Em seguida, discutem-se alguns conceitos que deveriam ser respeitados na definição de tais projetos.
Considerando que “a vida em sociedade é a expressão do axioma de que a vida está tecida em conjunto [e, ainda, que] as necessidades e expectativas das pessoas e dos grupos sociais referentes à qualidade de vida são integradas” (INOJOSA, 2001, p.103), pensar em desenvolvimento local requer o reconhecimento, acolhimento e entendimento da complexidade das localidades.
Isso impõe a necessidade de articulação dos diversos setores na composição de uma proposta integrada e intersetorial. Assim, no desenvolvimento dos projetos da RSC, a intersetorialidade deve ser posta como base, contemplando “a articulação de saberes e experiências para a solução sinérgica de problemas complexos” (INOJOSA, 2001, p.102) e assumindo, dessa forma e legitimamente, um papel estratégico na dinamização dos processos locais.
Não basta o desenvolvimento de ações sociais pelas empresas dentro de uma perspectiva unilateral, como muitas vezes se percebe em iniciativas dessa natureza. Acredita-se, que o diálogo intersetorial e o entendimento integrado, legitimado e alinhado dos processos sejam prerrogativas indispensáveis para a apropriação das iniciativas pelas comunidades beneficiadas e também instrumentos da promoção sinérgica de esforços setoriais para a contribuição para a dinamização do desenvolvimento endógeno.
Assim, acredita-se que a emancipação comunitária para a condução do desenvolvimento local seja um dos principais desafios para a sustentabilidade nos processos, conforme enfatizam Cattani e Ferrarini (2010). Esses autores destacam a sustentabilidade como objetivo de políticas emancipatórias de programas sociais, sustentabilidade essa entendida como “a necessidade de aquisição de condições de autonomia da população ao término do programa, permitindo-lhe prescindir dos recursos materiais e técnicos” (CATTANI & FERRARINI, 2010, p. 166).
Nessa perspectiva, a sustentabilidade das ações e projetos de RSC está condicionada à capacidade dos grupos sociais beneficiados se apropriarem dos processos, de forma a se estabelecerem como protagonistas e condutores das ações em prol do desenvolvimento local. Se essa fosse uma meta assumida pela RSC, seria possível adequar seus projetos aos princípios e aos objetivos da gestão social. Tenório (2005) associa a gestão social à transformação dos processos de gestão, cujas características envolvem, entre outras, o diálogo e a participação deliberativa.

[...] o processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação. O adjetivo social qualificando o substantivo gestão é percebido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (TENÓRIO, 2005, p.102).

França Filho (2008), assim como Dowbor (1999) e Tenório (2005), considera a gestão social tanto como uma finalidade – busca de soluções e atendimento às necessidades e demandas sociais e coletivas –, quanto como uma modalidade organizacional específica de gestão, na qual a participação social é determinante no contexto das ações operacionais, administrativas e gerenciais de um projeto específico. Dowbor (2008) percebe “gestão social” em contextos gerenciais, nos quais as relações de poder, em escala e hierarquização das tomadas de decisão, sejam estabelecidas pela ótica da descentralização, do maior poder às localidades e da participação popular.  
Lück (2011) explica a participação popular sob a ótica do envolvimento, da mobilização e da organização coletiva consciente dos indivíduos em uma “unidade social comum”, em que esses “[...] assumem seu poder de influência na determinação da dinâmica desta unidade” (LÜCK, 2011, p. 29). Detalha-se a seguir os aspectos associados à participação popular, visto serem esses de extrema relevância para a autogestão dos projetos sociais. A autora discrimina os níveis de participação em cinco, a partir da abrangência e do poder de influência exercido. O quinto nível de participação, referente ao engajamento, se traduz em envolvimento e comprometimento dinâmico em todos os aspectos do processo social, caracterizando o tipo de participação popular com maior potencial de desencadear desenvolvimento local.
A Figura 1, a seguir, apresenta uma associação dos níveis de participação popular nos projetos e o grau de gestão social adotado nos processos de elaboração e avaliação de projetos sociais implementados em comunidades.

 

Diante do exposto, a gestão social de projetos sociais pode ser traduzida no modo de gestão em que o processo decisório pressuponha a presença dominante de elementos como o diálogo, a atitude solidária, a participação dos beneficiários, a adoção de soluções coletivas e o protagonismo comunitário. Associada à gestão compartilhada, por meio de ações integradas e intersetoriais, amplia-se o potencial de fomentar processos emancipatórios comunitários e de promover a sustentabilidade dos projetos e, como via de consequência, contribuir para o desenvolvimento local.
Um recurso estratégico para o desencadeamento do desenvolvimento local é denominado capital social, valor gestado da autonomia comunitária, compatível com a promoção da gestão social para o desenvolvimento local. Esse é um conceito, ainda, em formação, com diferentes abordagens sobre sua construção, utilidade, aferição e formas de ser fomentado (FERREIRA & PESSÔA, 2012).
Para Putnam (2006), capital social está associado às “características da organização social como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando ações coordenadas” (PUTNAM, 2006, p. 177). Altos “estoques” de capital social podem ser entendidos, segundo Putnam (2006), como o engajamento cívico de uma comunidade, exercitando o quinto nível de participação proposto por Lück (2011), o que se reflete de forma direta na capacidade de desenvolvimento e também na capacidade de governança local.
Já, Coleman (1990) conceitua capital social sob uma perspectiva mais funcional:

[...] capital social não é apenas uma única entidade, mas também uma variedade de diferentes entidades que possuem duas características em comum: todas consistem de alguns aspectos de uma estrutura social e elas facilitam ações dos indivíduos que pertencem a esta estrutura (COLEMAN, 1990, p. 302) .

Reforça-se a partir do entendimento conceitual de Coleman que quanto maior o “capital social” de uma comunidade, maior a possibilidade de construção de processos sociais exitosos. Isso de certa forma também reflete a maior possibilidade de desenvolvimento e controle social das ações de interesse coletivo em uma estrutura social comum.
Assim como Coleman, Nahapiet e Ghoshal (1998) também compreendem capital social dentro da ótica de recursos, derivados e ofertados pela rede de relacionamentos estabelecida pelos indivíduos ou grupos sociais. Esses autores classificam capital social a partir de três dimensões, quais sejam:

  • A dimensão estrutural: constituída pela análise da existência ou não de relações entre os atores de um grupo social, a caracterização da rede dessas relações em termos de densidade, conectividade e hierarquia e a avaliação funcional da rede (se ela está sendo “usada” com o objetivo preposto ou para outra finalidade).
  • A dimensão relacional: focada na perspectiva de aspectos comportamentais dos indivíduos que afetam o estabelecimento de suas relações sociais.
  • A dimensão cognitiva: focada na análise de aspectos que viabilizam a convergência de visões, interpretações como códigos de linguagem e narrativas compartilhados.

Outra abordagem conceitual é proposta nos trabalhos do Banco Mundial (2014), nos quais o capital social é formado pelo conjunto de instituições, relações e normas que definem a qualidade e a quantidade de interações sociais de uma comunidade específica.
Testemunhar desenvolvimento local é presenciar processos enriquecidos pela intersetorialidade com dilogicidade, pela participação popular deliberativa, enfim, pelos objetivos, princípios e métodos da gestão social, que potencializam a formação de capital social local.
Para Paula (2008, p. 6) “o sentido do desenvolvimento deve ser o de melhorar a qualidade de vida das pessoas (desenvolvimento humano), todas as pessoas (desenvolvimento social), as pessoas que estão vivas hoje e as que viverão no futuro (desenvolvimento sustentável)”. Porém, a ideia de desenvolvimento local perpassa a noção de endogenia e autonomia e se sintetiza na polissemia apresentada por Oliveira (2001), que “[...] necessariamente comporta tantas quantas sejam as dimensões em que se exerce a cidadania [...]” (OLIVEIRA, 2001, p.13). Essa reflexão esclarece o desenvolvimento local como decorrente da criação de “[...] um locus interativo de cidadãos, [onde é recuperada] a iniciativa e a autonomia na gestão do bem comum”. Com esse entendimento, Oliveira (2001) devolve a responsabilidade e a liberdade de autogoverno aos cidadãos.
O compartilhamento desse empenho por empresas parceiras de suas comunidades, no âmbito da RSC, amplia o potencial de seus projetos se tornarem autossustentáveis e contribuírem efetivamente para melhores relações, em redes diversificadas de ação, em favor dos territórios compartilhados com justiça social.   

3 Metodologia

A pesquisa realizada consistiu, na sua primeira parte, em uma busca e análise na literatura sobre metodologias de avaliação de projetos de RSC sob a perspectiva da gestão social e dos conceitos associados ao tema. Na segunda parte da pesquisa (a empírica), realizou-se a meta-avaliação somativa dos projetos, a partir do levantamento de dados e análise documental, e também entrevistas semiestruturadas individuais com públicos envolvidos nos projetos.
Nos casos específicos contemplados pela pesquisa, buscou-se realizar uma meta-avaliação somativa empírica das propostas de avaliação adotadas em dois projetos de RSC de duas empresas de mineração de ferro localizadas em um município do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Entende-se meta-avaliação somativa como sendo uma prática direcionada a evidenciar, de forma qualitativa, o que ocorreu em um processo avaliativo já realizado, considerando padrões metodológicos para busca e análise de resultados (HELDLER & GIBRAM, 2009).
Foram avaliadas as propostas de avaliação e verificado se incorporaram entre os seus indicadores de avaliação de resultados e de efetividade, os ganhos obtidos (ou não), associados à gestão social. Como produto deste trabalho é apresentado um conjunto de indicadores afinados com conceitos associados à gestão social, sendo essa uma proposta, em caráter preliminar, de base metodológica para avaliação da gestão social de projetos de RSC.
Para a meta-avaliação foram organizadas cinco categorias de análise elaboradas a partir de aspectos metodológicos adaptados da “Lista chave de verificação de avaliação” proposta por Scriven (2007), dos “Critérios fundamentais de avaliação” propostos por Davidson (2005, apud Elliot, 2011), dos “Padrões de avaliação”, organizados pelo “Joint Committee on Standards forEducational Evaluations” (2011, apud ELLIOt, 2011), e, também, por objetivos e princípios implícitos da gestão social. Foram elas:

  • a validade do processo avaliativo perante os públicos, considerando a legitimação do processo avaliativo realizado; ii.
  •  a utilidade do processo avaliativo no desenvolvimento do projeto, sobretudo, para a construção de ferramentas estratégicas de desenvolvimento dos projetos sob a perspectiva da gestão social;
  • a adequação do processo avaliativo às expectativas dos públicos em relação aos projetos;
  • a comunicação e a informação do processo avaliativo, considerando a lógica da transparência e da possibilidade de envolvimento qualificado dos públicos com os projetos;
  • a qualificação da avaliação sob a perspectiva da gestão social, com a adoção de indicadores relacionados à possibilidade de gerar e fortalecer a participação dos beneficiários no processo decisório, o trato intersetorial interno do grupo e com outras instituições locais (parcerias), o interesse e a confiança no alcance dos objetivos, e, sobretudo, a autonomia do grupo na condução das ações do projeto.

Nas entrevistas foram abordados três públicos distintos:

  • os gestores das empresas promotoras dos projetos (um gestor da área responsável na empresa e dois membros da equipe técnica de cada projeto);
  • os grupos comunitários beneficiados pelo projeto (cinco membros de cada projeto); e
  • os representantes do poder público local (dois representantes).

A escolha dos entrevistados baseou-se na técnica de amostragem não-probabilística “snowball sampling”, que consiste na indicação, pelos entrevistados selecionados inicialmente, dos novos participantes, que por sua vez indicam outros, e assim sucessivamente, até a ocorrência da saturação das informações obtidas (WHA, 1994).

4 Discussão e Análise dos Dados

A busca, por meio de palavras-chave, de trabalhos que abordassem o termo “indicadores de gestão social”, associados a projetos de RSC de empresas, com o foco no entendimento da gestão social tratado neste artigo, encontrou apenas o trabalho de Rangel e Saíz (2011). Como referencial metodológico utilizado para a proposição de indicadores, os autores consideraram aspectos associados ao capital social das comunidades, a partir da perspectiva de Putnam (2006), que associa capital social às “características da organização social como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando ações coordenadas” (PUTNAM, 2006, p. 177).
Rangel e Saiz (2011) estabeleceram quatro categorias específicas de avaliação, quais sejam:

  • confiança: grau de segurança de se obter um conjunto de expectativas de maneira exitosa, em um contexto específico e em um determinado período de tempo;
  • apoio: cooperação voluntária e o intercâmbio de recursos na busca de um benefício comum;
  • interesse: busca de informações sobre a empresa; e
  • participação: presença em eventos da empresa.

Destaca-se no trabalho de Rangel e Saíz (2011) a inexistência da preocupação de se avaliar um projeto social específico da empresa e a sua respectiva gestão social, mas sim, uma tentativa de se avaliar o “capital social” da empresa em comparação com outras instituições locais. Outras discussões sobre metodologias de avaliação de projetos de RSC de empresas foram encontrados em alguns estudos acadêmicos como os de Coelho e Gonçalves (2011) e Macke e Carrion (2006).
Coelho e Gonçalves (2011) estabeleceram uma proposta de avaliação de projetos de RSC sob a ótica das comunidades envolvidas, considerando uma perspectiva quanti-qualitativa de análise dos processos e de resultados. Na análise da metodologia, percebe-se a existência de elementos característicos de gestão social na proposta da avaliação como participação e interesse comunitário nos projetos. Porém, esses aspectos estão tratados dentro de uma perspectiva de processo e não de resultados ou objetivos dos projetos, impossibilitando perceber avanços locais na gestão social das iniciativas. 
Macke e Carrion (2006) apresentaram nos seus estudos a proposta metodológica de avaliação de projetos de RSC pela mensuração do capital social, entendendo esse como base para o desenvolvimento local. Ressalte-se, porém, que apesar de capital social ser uma referência importante para a identificação de aspectos da gestão social nos projetos, não há no trabalho uma definição objetiva e mais ampla de indicadores de gestão social que permitam aferir, de acordo com as premissas da pesquisa, a sustentabilidade dos projetos e de seus desdobramentos pela ótica da gestão social.
Além dessas metodologias apresentadas, outros autores vêm trabalhando com a proposta de valoração de capital social como o índice de comunidade cívica (ICC) do já citado Putnam (2006) e o QI-MCS do Banco Mundial (GROOTAERT et al., 2003).
Porém, essas metodologias não se restringem à avaliação de projetos sociais específicos, conforme o interesse desta pesquisa, que pretende propor indicadores para a avaliação de projetos de RSC, com impacto positivo sobre o desenvolvimento local. Entretanto, o conjunto das propostas analisadas ofereceu subsídios metodológicos importantes para a composição de indicadores da presença da gestão social em tais projetos, produto técnico a ser apresentado nas conclusões deste trabalho.
Apresenta-se a seguir os resultados da pesquisa empírica de meta-avaliação realizada nos dois projetos de RSC. Em respeito aos preceitos éticos 1 de resguardar a identidade das empresas, optou-se pela designação delas como “empresa A” e “empresa B”.

4.1 Caracterização dos Projetos e das Avaliações

O projeto organizado pela “empresa A”, desenvolvido entre 2010 e 2013, tinha como proposta a geração de emprego e renda pelo aprimoramento da atividade turística regional. O incremento na geração de renda seria uma consequência do fortalecimento da atividade turística local, assim como um dos seus efeitos de encadeamento, induzidos pela formação de uma rede de produtores locais associados ao turismo.
A análise do processo avaliativo do projeto demonstrou que esse não teve uma base metodológica definida e fechada desde a concepção do projeto, tendo sido organizada ao longo do seu desenvolvimento. Os indicadores “surgiam” na medida em que eram feitas leituras de demandas, seja do próprio projeto, seja no contexto interno da empresa. Esses fatos indicam a ausência de um processo metodológico sistematizado, com indicadores de avaliação de resultados pré-estabelecidos com base num marco zero, dificultando assim a análise comparativa de resultados. Os indicadores, portanto, foram sendo construídos dentro de uma perspectiva de análise de status pontual do projeto, sobretudo, de resultados obtidos com as atividades e encontros realizados ao longo da implementação do projeto.
De toda forma, eram feitos acompanhamentos periódicos pela empresa, por meio de encontros semanais para o monitoramento do projeto, além de momentos avaliativos específicos de “prestação de contas” a cada seis meses, com base em informações de caráter quantitativo tais como: o dimensionamento de gastos realizados no projeto, os retornos gerados, e uma estimativa dos ganhos em termos de imagem institucional.
Destaque-se que, dentro desses esforços de quantificação, foi desenvolvida uma pesquisa junto aos membros participantes, para avaliação final do projeto. Nessa oportunidade, foram elencados indicadores que abordaram a perspectiva de capital social dentro da ótica de impacto e desempenho do projeto. Itens como o nível de articulação da cadeia produtiva, a proximidade de relacionamento entre os membros do grupo, a confiança no projeto, assim como a participação, a corresponsabilidade e o envolvimento do grupo em processos decisórios fizeram parte desse conjunto de indicadores organizados. Caso o projeto não tivesse sido descontinuado, entende-se que esses indicadores poderiam contribuir para uma avaliação futura da presença da gestão social no projeto e em sua avaliação.
Já o projeto da empresa “B”, desenvolvido entre 2010 e 2014, consistiu no desenvolvimento de uma ação, financiada por meio de leis de incentivo fiscal, que tinha como objetivos centrais a capacitação e o estabelecimento de processos produtivos comunitários de artesanato, e, posteriormente, um processo de incubação de grupos produtivos autônomos, em formato de rede, para a comercialização da produção.
A pesquisa não teve acesso às informações sobre o processo avaliativo realizado e nem a dados em documentos e registros, em virtude da perda de arquivos dos relatos e instrumentos utilizados pela empresa gestora. Porém, com base nas informações obtidas com os públicos entrevistados, especialmente junto à equipe técnica, percebeu-se que não houve uma estrutura “complexa” de avaliação, ou de monitoramento do desempenho, nem mesmo com respeito aos resultados no projeto.
As avaliações realizadas, segundo os relatos, tiveram como foco a obtenção de registros das ações do projeto, evidenciando a existência de ações de relacionamento e engajamento comunitário da empresa. Não se detiveram no acompanhamento sistematizado de resultados e do alcance dos objetivos do projeto. Relatórios eram elaborados periodicamente, contemplando os objetivos implícitos das ações realizadas, número de participantes e alguns resultados do processo produtivo como o volume de itens produzidos e comercializados e a renda gerada. Além disso, ocorriam reuniões de avaliação esporádicas do projeto em razão de percepções contingenciais e específicas de demanda do andamento dos trabalhos. Porém, as reuniões não estavam inseridas dentro de um contexto planejado e sistematizado de avaliação do projeto por parte da empresa.
Mesmo sem a sistematização de processos avaliativos, durante o desenvolvimento técnico dos trabalhos foram estabelecidos momentos avaliativos junto aos beneficiários, em caráter espontâneo, por meio de “rodas de conversa”. Nesses momentos eram feitas avaliações conjuntas com os beneficiários sobre o status do projeto, que, de certa forma, produziam subsídios para a reorientação de ações, organização dos trabalhos, resolução de conflitos, possibilitando o estabelecimento de processos participativos na tomada de decisões do projeto. O principal aspecto crítico desse modo de monitoramento implementado se encontra no fato de não se verificar um processo sistematizado de avaliação com o estabelecimento e acompanhamento de indicadores específicos relacionados à gestão social propriamente dita.

4.2 Meta-avaliação dos Projetos

A meta-avaliação foi orientada por cinco categorias de análise, relativas à validade, utilidade, adequação, comunicação e informação e à qualificação da avaliação sob a perspectiva da gestão social. Essas categorias estão descritas a seguir.

4.2.1 Validade do Processo Avaliativo

Em relação ao projeto da empresa “A”, segundo a percepção dos beneficiários do projeto, não houve a legitimação da avaliação perante o grupo, em virtude da ausência de processos participativos e dialogados na definição do que seria alvo de avaliação, assim como quais seriam os indicadores utilizados. Ressalte-se que os participantes identificaram a realização de avaliações durante o desenvolvimento do projeto e de apresentação de resultados dos eventos, mas esse trabalho, aparentemente, não foi articulado dentro da perspectiva de validação do processo com o grupo.
Por parte da empresa, foi clara a preocupação de retorno aos participantes dos resultados do projeto, inclusive sendo esse retorno parte da estratégia de mobilização e engajamento do grupo ao projeto. Porém, esses retornos se deram na perspectiva de análise de resultados de eventos e encontros realizados e não dos objetivos propostos, quais sejam: a formação e a institucionalização da rede. A empresa destacou a realização de um processo auto-avaliativo dos participantes sobre o status de seus empreendimentos e produção.
No que se refere ao poder público, diante da ausência de participação e envolvimento no projeto e também do desconhecimento da existência de um processo avaliativo, pode-se constatar que não houve validação do processo. Segundo a fala de um representante, não havia informações sobre avaliação do projeto.
No caso da empresa “B”, constatou-se a ausência de processo avaliativo sistematizado, com disposições metodológicas específicas de formatação, frequência e de indicadores para análise de resultados. Isso fez com que a avaliação do projeto fosse percebida pelos beneficiários como um aspecto “fluido” no desenvolvimento do projeto, sem uma caracterização objetiva que pudesse ser alvo de discussões e reflexões pelos próprios públicos envolvidos.
De acordo com o poder público, o projeto foi desenvolvido e conduzido de forma “independente” pela empresa. Essa ideia de “independência” pautou uma postura de falta de interesse das autoridades locais, em termos de envolvimento e compromisso com o projeto, e por consequência, com o processo avaliativo estabelecido.

4.2.2 Utilidade do Processo Avaliativo

A partir do entendimento de utilidade como sendo a análise do uso de instrumentos avaliativos, na avaliação feita da empresa “A”, para a realização de incrementos no processo de estabelecimento da gestão social na condução do projeto, constatou-se que mesmo com a adoção tardia de procedimentos avaliativos com forte apelo para a gestão social no projeto, o processo avaliativo organizado não foi capaz de contribuir para a construção de ferramentas estratégicas para a gestão social. Ele apenas possibilitou uma análise de status final de aspectos de gestão social, mas essa não pode influenciar em procedimentos estratégicos da gestão social no desenvolvimento do projeto.
No caso do projeto da empresa “B”, o uso de metodologias participativas de avaliação como “rodas de conversa” e a importância desse movimento no direcionamento do projeto poderiam sugerir que o procedimento avaliativo estivesse alinhado com a criação de estratégias voltadas para a gestão social, sobretudo pela participação e pelo acolhimento dos grupos no processo decisório. Porém, o que se percebe é que não houve uma pré-disposição metodológica organizada de indicadores, capazes de conferir ao processo avaliativo procedimentos executivos e analíticos da gestão social do projeto. Aponta-se, por exemplo, a uma avaliação das relações estabelecidas nos grupos e pelos grupos, da intersetorialidade e da autogestão do projeto. Entende-se que a gestão social foi encarada dentro de uma lógica comportamental do grupo e não era objeto de avaliação sistematizada, o que, portanto, no entendimento da pesquisa, limitou a utilidade da avaliação para fins da gestão social do projeto.

4.2.3 Adequação do Processo Avaliativo

No projeto da empresa “A” pode-se afirmar que não houve, “à priori”, uma preocupação na definição conjunta com os públicos envolvidos, de critérios de avaliação, e se esses estariam alinhados com a gestão social. Mesmo com a realização de uma avaliação final do projeto com aspectos que poderiam, na ocasião, retratar um panorama parcial da gestão social do projeto, não se tratou essa perspectiva na adoção de critérios de avaliação junto ao grupo beneficiado como objetivo implícito ao projeto. Percebeu-se na fala de um dos membros participantes que existiam pesquisas avaliativas relacionadas ao desenvolvimento de parcerias, de negócios entre membros do grupo, do interesse na continuidade do projeto, mas que essas tratavam questões de processo e de movimentos entendidos como demandas de resultados a serem apresentados à empresa e não de objetivos estabelecidos pelo projeto e pelo próprio grupo beneficiado.
Em relação ao projeto da empresa “B”, da mesma forma ocorrida no projeto “A”, percebeu-se não ter havido a preocupação com definição conjunta de critérios de avaliação com os públicos envolvidos no projeto, nem de alinhá-los com a perspectiva da gestão social. Conforme dito em relação ao critério utilidade, existia apenas uma leitura de percepção, na perspectiva de analise comportamental do grupo, para identificação de aspectos relacionados à gestão social. Porém, entende-se que a ausência de sistematização e formalização de instrumentos com indicadores específicos caracteriza inadequação da proposta avaliativa do projeto para a avaliação da gestão social. 

4.2.4 Comunicação e Informação do Processo Avaliativo

Nesse quesito, percebeu-se no projeto da empresa “A” que, na perspectiva da empresa, houve a preocupação em se evidenciar resultados para os grupos envolvidos, sendo esse movimento entendido como estratégico para a mobilização e o engajamento do grupo beneficiado. Enfatiza-se que, em termos de resultados gerais do projeto, tanto o grupo beneficiado quanto o poder publico se mostraram alheios ao processo, fato já comentado no primeiro critério de análise.
Segundo o depoimento de membros do grupo beneficiado, os resultados das avaliações realizadas, referentes aos objetivos das avaliações, não eram comunicados. O processo avaliativo era realizado por meio da realização de entrevistas e da aplicação de questionários pela equipe técnica, ao longo da implementação do projeto. Aos avaliados eram apresentados apenas os resultados dos eventos realizados. No caso do poder público, esse desconhecimento é ainda maior, não apenas pela falta de iniciativas de compartilhamento das informações por parte da empresa, mas, também, em razão de uma aparente postura de passividade e, até mesmo, negligência/desinteresse no tratamento de projetos de intervenção nas comunidades locais.
Já no caso do projeto da empresa “B”, pode-se inferir que a informalidade e a ausência de uma sistematização da estrutura avaliativa conduziram ao desconhecimento, sobretudo pelo público beneficiado, do que era o objeto de avaliação no projeto. Pela pesquisa junto aos beneficiários, percebeu-se que a importância maior na avaliação do projeto, em termos de resultados, era atribuída ao número de participantes e beneficiados. Isso foi entendido como a razão para a paralisação das atividades, tendo em vista a diminuição do número de participantes envolvidos ao final do projeto. Mesmo que, em uma análise qualitativa dos trabalhos e do alcance dos objetivos de geração de renda, os resultados tenham sido considerados satisfatórios.
Em relação ao poder público, sobressaiu a ausência de informações sobre o processo avaliativo e os resultados do projeto, reforçando a ideia posta de “independência” do projeto e reafirmando a necessidade de que ações relacionadas ao desenvolvimento da localidade sejam fundamentadas na gestão social. Segundo tal premissa, os projetos deveriam adotar a perspectiva intersetorial, o que irrefutavelmente contempla o envolvimento de agentes públicos e de políticas locais de desenvolvimento, fato este não ocorrido no desenvolvimento do projeto.

4.2.5 Qualificação da Avaliação sob a Perspectiva da Gestão Social

Percebeu-se, em relação ao projeto da empresa “A”, que os conceitos participação, parceria, interesse e confiança, entendidos sob a perspectiva do capital social local, foram objetos de avaliação do projeto. Porém, a construção de indicadores com esse propósito não foi concebida dentro de uma ótica de alcance de objetivos do projeto e para o grupo beneficiado, mas sim, no contexto de monitoramento e de resultados do gerenciamento do projeto por parte da empresa.
Indicadores como níveis de adesão, rotatividade, satisfação, credibilidade, interesse nas iniciativas e na continuidade do projeto, utilizados no monitoramento, são importantes para se averiguar a aceitabilidade local das iniciativas. De certa forma, eles podem atestar a qualidade de projetos promovidos junto aos grupos beneficiados. Porém, destaca-se que esses aspectos não necessariamente traduzem a qualificação no alcance de objetivos centrais como a formação da rede e da autonomia dos grupos comunitários beneficiados na condução do projeto. Acredita-se que o monitoramento desses aspectos deveria ser balizado no contexto dos objetivos centrais do projeto, no caso, a formação da rede de produtores associados ao turismo, objeto apenas na avaliação final do projeto.
De toda forma, destaque-se no conjunto avaliativo e, especialmente, na avaliação final do projeto, o reconhecimento da importância de se medir indicadores associados à presença da gestão social no projeto, tais como: o nível de integração e de relacionamento entre os membros do grupo, a existência de parcerias comerciais e a articulação da cadeia produtiva, o nível de confiança na formação de uma associação, a existência e o reconhecimento de lideranças, o nível de qualidade de participação dos associados nas tomadas de decisão e a disponibilidade para a participação, entre outros.
No que se refere ao projeto da empresa “B”, pode-se inferir que a proposta de avaliação, com exceção do item participação, não teve a preocupação objetiva de acompanhar essas questões, mesmo que pudessem ser inseridas durante o andamento do projeto. Percebeu-se que não havia o interesse com resultados associados à gestão social do projeto. Essas questões, tidas como comportamentais, faziam parte das discussões nas “rodas de conversa”. Porém, a importância relativa a resultados na promoção do capital social do grupo não era sistematizada na avaliação, nem as parcerias internas entre os membros, na averiguação do grau de intersetorialidade do projeto, e, sobretudo, nem a capacidade dos grupos em se estabelecerem como condutores de ações para fins de desenvolvimento local.

5 Conclusões

Verificou-se que, mesmo com a existência de aspectos e momentos avaliativos coletivizados com os grupos beneficiados e com forte caráter de monitoramento, a gestão social ainda não está sistematizada nas metodologias de avaliação dos projetos analisados. Percebeu-se, na avaliação de resultados dos projetos, a priorização, ou a tentativa de priorizar, do desempenho econômico dos processos desencadeados, assim como outros aspectos demandados pelas empresas, tidos aqui como indicadores de “prestação de contas” internos, como registros e evidências do desenvolvimento de atividades corporativas com finalidades sociais.
Mesmo reconhecendo a importância dessas perspectivas avaliativas no contexto empresarial estudado, notou-se que o trato avaliativo ainda é bastante vinculado a uma visão unilateral das empresas, sendo que a gestão social ainda é predominantemente tratada, pelas observações relacionadas ao projeto da empresa “B” pelo enfoque informal de análise de comportamento do grupo beneficiado, não evidenciando assim, resultados de forma sistematizada que são entendidos como fundamentais para a emancipação comunitária na condução dos projetos.
No caso do projeto da empresa “A” reconhece-se a importância de indicadores voltados para aspectos de gestão social no desenvolvimento do projeto. Porém, como a construção desses indicadores se deu apenas no momento final do projeto, foi difícil o estabelecimento de avanços comparativos com o status inicial do grupo.
Portanto, foi possível perceber que o desenvolvimento de capital social local e a governança local não estavam sistematizados como objeto de monitoramento e avaliação dos projetos estudados, o que compromete, sob a perspectiva da gestão social, a avaliação da sustentabilidade das iniciativas promovidas pelos projetos, assim como a sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento local.
Ao final desse esforço, com base nos modelos avaliativos analisados, apresenta-se um conjunto de dezessete indicadores para projetos sociais cuja intenção seja contribuir para o desenvolvimento local (Quadro 1, a seguir), organizados em sete grupos temáticos associados à ideia de gestão social aqui proposta. Esses indicadores são oferecidos em caráter sugestivo e preliminar, reconhecendo-se a necessidade de desdobramentos científicos de pesquisa que poderão permitir ou não uma validação técnica e metodológica de seu uso.
De toda forma, entende-se esse conjunto como um esforço de desenho metodológico de avaliação da presença da gestão social em projetos sociais, haja vista a necessidade de se considerar, entre outros aspectos inerentes ao desenvolvimento de metodologias de avaliação de projetos sociais, os próprios princípios da gestão social nos projetos. Essa afirmativa se reporta ao envolvimento engajado de grupos sociais beneficiados em projetos desta natureza na composição de indicadores e definição de uma proposta metodológica de avaliação específica para cada projeto, ambos os aspectos de absoluta relevância do ponto de vista da gestão social.

 

 

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* Mestre em Gestão Social pelo Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Email: marcelo_renno@yahoo.com.br. . Endereço: Rua dos Guajajaras, 175, Centro. 30180-103. Belo Horizonte. MG


** Professora e pesquisadora, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Email: profa.edimeiamaria@gmail.com. Endereço: Rua dos Guajajaras, 175, Centro. 30180-103. Belo Horizonte. MG Texto original em inglês.


1 Texto original em inglês.

 


Recibido: 03/08/2017 Aceptado: 18/09/2017 Publicado: Septiembre de 2017

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