Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ADMINISTRAÇÃO É CIÊNCIA? REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS A PARTIR DE UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA

Autores e infomación del artículo

Clarissa Figueredo Rocha*

André da Silva Zembo**

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

kaclaia@gmail.com

Resumo
A partir de uma análise e discussão sobre a cientificidade da Administração, tendo como ponto de partida uma revisão sistemática em publicações que abordaram esta temática, este artigo objetiva apresentar abordagens e desafios epistemológicos do campo da Administração, para que seja discutido se e como este campo pode ser considerado científico. Para isso, foi realizada uma revisão sistemática de literatura em duas bases de dados de periódicos e de um congresso brasileiro, explorando publicações do período de 2005-2015, com o intuito de localizar e categorizar diferentes posicionamentos e seus respectivos argumentos sobre a cientificidade da Administração. Os achados mostraram que ainda não há consenso sobre a cientificidade deste campo. Metade das publicações analisadas na revisão sistemática, ao se embasarem em abordagens mais amplas, críticas, subjetivas, histórica e ideológica, de cunho social e “pluralista”, defendem que este campo precisa se beneficiar de uma integração e diversidade teórica, metodológica e paradigmática para que seja elevado e maturado seu status de ciência que atenda e explique a dinamicidade e complexidade das relações sociais. Já a outra metade das publicações conclui que a Administração ainda não é Ciência, pois ainda é um campo que apresenta fragilidades, por não ter: (i) uma teoria própria, fazendo aplicações de outras ciências; (ii) uma metodologia coerente e robusta; e (iii) melhor clareza e delimitação em seu objeto de estudo em suas pesquisas. Ao refletir e superar os desafios deste campo, fazendo alguns necessários ajustes, acredita-se que a Administração pode consolidar seu status de ciência; algo tão necessário pela importância deste campo, cujo desenvolvimento ocorre a partir da evolução das organizações e suas relações sociais, onde a Administração também interfere, ao buscar, de forma contínua, novas explicações, conhecimentos e aplicações.
Palavras Chave: Epistemologia, Cientificidade, Ciências Sociais, Ciência na Administração, Revisão Sistemática.

Abstract
From an analysis and discussion of scientific of management, taking the systematic review as a starting point of many publications that have addressed this issue, this paper aims to present epistemological approaches and challenges of this knowledge field, so as to discuss whether and how this field can be considered scientific. A systematic review in two periodicals databases and a Brazilian Congress was held, from 2005 to 2015, in order to locate and categorize different positions and their respective arguments on the Administration scientificity. The findings showed that there is still no consensus on the scientificity of this field. Half of the publications, based on social, critical, subjective, historical and ideological approaches, argue that this field needs to benefit from a theoretical, methodological and paradigmatic integration and diversity, so that its science status can be raised and matured. The other half of the publications concludes that this field is not yet a Science, since presents weaknesses, for not having: (i) a theory of its own, making applications of other sciences; (ii) a coherent and robust methodology; and (iii) better clarity and delimitation in its research study object. These papers argues that this field is still in gestation and must face various epistemological challenges to achieve the status of a mature applied social science. In making a critical analysis, the present research highlights the challenges of this field. By reflecting these challenges, making some necessary adjustments, it is believed that the Administration can consolidate its science status; something so necessary for the importance of this field, whose development occurs from the evolution of the organizations and their social relations, where the Administration also interferes, seeking continuously, new explanations, knowledge and applications.
Key Words: Epistemology, Scientificity, Science in Management, Systematic Review.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Clarissa Figueredo Rocha y André da Silva Zembo (2017): “Administração é ciência? reflexões sobre os desafios epistemológicos a partir de uma revisão sistemática de literatura ”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/reflexoes-desafios-literatura.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703reflexoes-desafios-literatura


1. INTRODUÇÃO
Uma discussão frequente entre pesquisadores das escolas de Administração é sobre a cientificidade da Administração. Há, de um lado, autores que afirmam que a Administração é muito mais uma prática do que ciência: não é conhecimento, mas sim meios para obter mais “eficiência e eficácia” para que seja atingido seu desempenho almejado. Essa inclinação em assumir a Administração como uma prática organizacional, em detrimento da ciência se deve, em grande parte, à sua visão funcionalista, em que a ciência se refere a leis, fórmulas e modelos, pautados na objetividade e criticidade. Uma aplicação literal da “ciência administrativa” na prática se torna ineficaz, uma vez que a prática da Administração está condicionada culturalmente e sujeita a valores, às tradições, aos hábitos e costumes de uma sociedade, sendo assim uma prática singularizada. Para Catapan e Bonfim (2016), a administração pode ser uma ciência ainda em desenvolvimento que, com a consolidação, robustez e validação de pesquisas e teorias, pode vir a ser considerada uma ciência no futuro. Para Damke et. al. (2010), algumas comunidades consideram que a Administração “pega emprestado” e “mistura”, no intuito de compreender a complexidade das organizações, as contribuições de outros campos do conhecimento que tangem a pesquisa em estudos organizacionais, como a: Psicologia, Sociologia, Economia, Engenharia e biologia. Há, em contrapartida, uma corrente de autores que defendem que a Administração é uma ciência, social e aplicada, pois por meio de combinação e uso de técnicas consegue produzir um conhecimento próprio e busca observar e explicar algo exclusivo: relações sociais existentes na(s) organização(ões) e estuda problemas singulares e próprios no seu objeto de estudo, as organizações. Problemas estes que estão (in) diretamente relacionados em explicar como estas organizações podem atingir “eficiência e eficácia” que, para esta corrente de autores, é mantida como um “paradigma dominante”.
É valido destacar que a produção acadêmica em Administração no Brasil e no mundo está em constante crescimento, aumentando, consequentemente, o número de pesquisadores dedicados à pesquisa em Administração (DAMKE, et. al., 2010). É inegável a relevância desse campo (CATAPAN e BONFIM, 2016). O aumento das pesquisas neste campo levaram acadêmicos, filósofos e adeptos a estudarem os fundamentos epistemológicos da Administração, para discutir a sua cientificidade para que possa chegar num consenso se a mesma é uma ciência. No entanto, esse crescimento quantitativo não é acompanhado por questões qualitativas (BERTERO et. al., 1999; TONELLI et. al., 2003), abrangendo questões de consistência, coerência, robustez teórica e metodológica, relevância e confiabilidade nos resultados de pesquisa. O campo da Administração gera pesquisa e conhecimento científico, mas este achado não leva, necessariamente, a crer que este campo pode ser considerado Ciência. O campo da Administração ainda precisa aprimorar a sua coerência epistemológica com o complexo escopo do seu objeto de estudo e seu rigor metodológico para apresentar contribuições relevantes para a prática organizacional e também para a(s) teoria(s), no sentido de, por meio do uso de ferramentas metodológicas robustas e rigorosas, seja possível corroborar ou refutar uma dada teoria ou hipótese.
Existe uma multidisciplinaridade no campo da Administração que não pode, de forma alguma, cair na armadilha de levar a uma “indisciplinariedade” neste campo. O uso de um caráter multidisciplinar nas pesquisas organizacionais é necessário para que se possa compreender a complexidade das organizações e suas relações sociais e a diversidade de objetivos de pesquisa deste campo. Tal multidisciplinaridade pode constituir como aspecto vantajoso para este campo, contando que existam objetivos de pesquisas materializadas em programas de investigação que procurem garantir o teste e validez das teorias construídas e confiança nos métodos executados, e consequentemente nos achados de pesquisa, neste campo.
Como se pode afirmar que o campo da Administração é ciência se o mesmo (ainda) não possui uma robusta e consensual base epistemológica, teórica e metodológica que a sustente como tal? (MARÍN-IDÁRRAGA, 2012; SANTOS e SANTANA, 2010; MARTINS et. al., 2011; CARDOSO, 2014). O questionamento de ser ou não ciência, implicitamente, envolve critérios de demarcação, posicionamentos ou abordagens epistemológicas, por vezes, antagônicos. Essa diversidade de questionamentos tão díspares será apresentada e depois analisada criticamente nesta pesquisa.
Diante dessa contextualização, o objetivo desta pesquisa repousará na discussão e reflexão sobre a cientificidade da Administração a partir do posicionamento de um conjunto de obras identificadas e categorizadas pela Revisão Sistemática de literatura. Essa revisão tem base nos Anais do EnANPAD – Encontro da ANPAD, conhecida pela sua importância e qualidade em congresso em Administração no Brasil, e nos periódicos da base de dados internacional “SCOPUS” e na base de dados brasileira “Periódicos CAPES”, que também são reconhecidos pela sua qualidade nas publicações. Foi feito um filtro em relação ao período de extração de dados, escolhidos como as mais recentes, abrangendo 10 anos – de 2005 a 2015. O objetivo de pesquisa, neste artigo, não é a Revisão Sistemática em si, que irá ser um instrumento de robustez para a identificação e categorização dos artigos pertinentes ao tema. Essa revisão é a ferramenta para auxiliar no agrupamento do perfil das publicações em termos da cientificidade da Administração. O resultado preliminar dessa revisão é a montagem de um Quadro sobre os diferentes posicionamentos sobre a cientificidade da Administração, com base nas abordagens epistemológicas ou nos autores da filosofia da Ciência e demais autores pertinentes e com base nas recomendações e críticas que estes estudos fazem. Com o resultado da Revisão Sistemática, esta pesquisa aponta suas análises críticas sobre as abordagens epistemológicas recentemente usadas para justificar se Administração é (ou não) ciência.
Administração é uma Ciência, uma prática, ou uma combinação das duas? É mera aplicação de outras Ciências, descaracterizando o campo Administração como científica? Ela deve ser tratada e refletida de forma objetiva ou subjetiva, ou as duas? Essas são perguntas que perpassam a trajetória da Administração. Apesar de aplicar conhecimentos de outros campos, a Administração trata de problemas específicos que não são abordadas em nenhuma das áreas com a qual ela mantem relação. Existem habilitações administrativas próprias da Administração e não de outra matéria qualquer. Sendo um assunto específico, a Administração tem seus próprios questionamentos e “lentes”, interesses e problemas básicos, seus próprios tipos de abordagem e escopo de análise exclusivo, embora o seu objeto de análise, as organizações, não seja exclusividade deste campo. Em virtude da relevância e urgência deste questionamento, este artigo visa, a partir das reflexões na revisão de literatura e na Revisão Sistemática, responder se pode ser gerado um consenso sobre a cientificidade da administração, destacando e opinando os principais argumentos destas revisões. A relevância desta pesquisa é justificada no sentido de que autores já trabalharam com o tema (MARQUES e LANA; 2004; AUGUSTO e WALTER; 2008, DAMKE, et. al.; 2010; SENFF et. al., 2015; CATAPAN e BONFIM, 2016), porém sem apresentar um consenso ou sem apresentar uma reflexão da diversidade de abordagens epistemológicas mais atuais sobre esta temática. Este estudo promove um esforço para contribuir para a discussão relativa a este questionamento epistemológico necessário do campo da Administração.

2. REVISÃO DE LITERATURA
Neste capítulo é apresentado uma visão geral dos conceitos e da importância da Epistemologia e da Ciência. O campo da Administração é caracterizado e é definido qual o seu objeto e seu escopo de análise. É também abordado o tipo de problema de pesquisa que a Administração atende. Mediante os aspectos que delimitam este campo é discutido se a Administração é um campo científico. Por fim, é apresentado os principais critérios de demarcação, sobre o que é (ou não) Ciência, comumente usados para este campo.

2.1 Conceituando Epistemologia, Ciência e Conhecimento Científico
Para a melhor compreensão sobre o questionamento da cientificidade da Administração é necessário primeiramente entender o que é epistemologia e ciência. Epistemologia significa o estudo da ciência; é a crítica do conhecimento científico, o exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões das diferentes ciências, buscando determinar seu alcance e seu valor objetivo. Abrange também o conhecimento filosófico sobre as ciências (CHAUI, 2004) e a história do desenvolvimento científico (BRAVO, 2003). Complementando, Santos (2004) aponta que o termo epistemologia não possui um sentido único, consistindo em um conceito flexível que varia conforme os pressupostos filosóficos e ideológicos dos críticos de diferentes países e culturas. Para Faria (2012), a epistemologia seria um campo de pesquisa da filosofia que estuda os fundamentos, pressupostos e implicações filosóficas da ciência, estando diretamente relacionado à ontologia ao tentar explicar a natureza das afirmações e conceitos científicos e a forma como são produzidos: (i) os meios para determinar a validade da informação; (ii) a formulação e uso do método científico; (iii) os tipos de argumentos usados para chegar a conclusões; (iv) as implicações dos métodos e modelos científicos para as ciências. Este conceito parte do princípio de que todas as ciências possuem uma filosofia subjacente.
Quanto a definição de Ciência, Freire-Maia (1991) a define como conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, modelos, visando ao conhecimento de uma parcela da realidade, em contínua ampliação e renovação, que resulta da aplicação deliberada de uma metodologia. Corbi (1998) aponta que a finalidade da ciência é ampliar os conhecimentos em torno da natureza, objetos ou de entidades. Quanto a sua tipologia, a ciência natural, mais tradicional e discutida pela filosofia, busca a compreensão pelas leis da natureza, enquanto a segunda tem por objetivo conhecer e compreender o comportamento humano. Tanto as naturais quanto as sociais se subdividem em ciência básica, que se interessa pela compreensão dos fenômenos investigados, cujo cerne é a busca do conhecimento e ciência aplicada, que trata de compreender e modificar a realidade, tomando como base os conhecimentos da ciência básica. Corbi (1998) relata que se a administração for considerada ciência, está é do tipo social aplicada: ciência social pelo fato de que os problemas que analisa procedem de ações humanas; e ciência aplicada, pois além de buscar conhecimento, ela os aplica a fim de explicar ou interferir no ambiente, seja na resolução de um problema organizacional, em meio à sociedade, ou na execução de alguma estratégia na organização, baseando-se nas premissas das ciências básicas. A administração também pode ser caracterizada como ciência aplicada, pois dispõe de instrumentos metodológicos para resolver os problemas das organizações. Santos (1999, p. 49) faz uma crítica à ciência moderna, afirmando que “[...] a ciência pós-moderna não segue um estilo unidimensional, facilmente identificável; o seu estilo é uma configuração de estilos construída segundo o critério e a imaginação pessoal do pesquisador [...].” A ciência é intrínseca, histórica, sociológica e eticamente, complexa. É essa complexidade específica que é preciso analisar e reconhecer. A ciência faz surgir dados novos, tornando obsoleta a teoria estabelecida (MORIN, 2003). A ciência tem necessidade de um pensamento apto a considerar a complexidade do real das questões que ela levanta para a sociedade e a humanidade (MORIN, 2003). Há uma discussão quanto as ciências sociais que repousa nos seres humanos e na sociedade que não podem ser observados cientificamente, pois, ao contrário do homem, a ciência envolve objetividade, clareza, complexidade, análise: “Como transformá-la [a ciência social] em objetividade, sem destruir sua principal característica, a subjetividade? ” (CHAUÍ, 1995, p. 272).
Quanto a definição do conhecimento científico, Chauí (1995, p. 250) diz que “os fatos ou objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana, mas são construídos pelo trabalho da investigação científica. Logo, o senso comum não pode ser tratado como conhecimento científico, já que não necessita de métodos para explicar os fenômenos. De acordo Chalmers (1993, p. 23), “as teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento [...] o conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente.” A racionalidade crítica requerida pela ciência é obtida por meio de um rigoroso caminho que só é possível de ser alcançado com uma metodologia rigorosa e estruturada de acordo com os objetivos da pesquisa. A metodologia por si não garante a desejada racionalidade, mas é um instrumento seguro em busca da sua consecução: ela não exclui a preocupação crítica, mas facilita os instrumentos para o desenvolvimento da ciência e precisa estar presente nos processos de descobrimento (CORBI, 1998).
A produção acadêmica de pesquisas em Administração, tanto no Brasil como no mundo está em grande crescimento (BERTERO et. al., 1999; WALTER e AUGUSTO, 2008 DAMKE et. al., 2010; CATAPAN e BONFIM, 2016), pelo aumento da quantidade de estudos submetidos e publicados em eventos e periódicos da área, bem como no número de dissertações e teses desenvolvidas. Essa crescente quantidade de trabalhos produzidos e publicados no campo não, necessariamente, está acompanhado por um aumento da qualidade produzida. Bertero et. al. (1999) indicam que, não se pode confundir, no campo da Administração, uma posição de defesa da pluralidade de abordagens epistemológicas e metodológicas com a tolerância por trabalhos publicados de baixa qualidade. Moreira (2000) defende que os critérios de julgamento do conhecimento administrativo ainda precisam se aprimorar, regendo-se não só pela coerência epistemológica, pela definição clara do objeto de estudo e pelo rigor do método científico, mas também pela relevância, contribuição e utilidade importante que esse conhecimento possa apresentar na(s) prática(s) das organizações.
Ainda se percebe, de forma geral, uma carência de estruturação, de clareza no objetivo de pesquisa e principalmente carência de robustez e rigor metodológica nestes estudos. Esta falta pode “colocar em xeque” à validez dos resultados ou achados destes estudos. Este fato é corroborado no estudo de Walter e Augusto (2008). Para eles, uma razão para a dúvida de alguns membros da academia em relação à conceituação da Administração como ciência refere-se à validade, confiança e relevância nos resultados obtidos pelos estudos em Administração, fazendo com que estes necessitem aperfeiçoar aspectos metodológicos. É destacado a importância de adotar procedimentos metodológicos rigorosos, possibilitando pesquisas de qualidade, independente do tipo de estudo realizado ou da posição epistemológica adotada (WALTER e AUGUSTO, 2008). Este fato é fortificado na pesquisa de Cardoso (2014): identificar quais os critérios de qualidade deve ser utilizado em cada estudo dependerá da abordagem utilizada, porém a coerência epistemológica e os requisitos de rigor metodológico devem estar presentes em todas as pesquisas científicas. Há de se ter respeito aos padrões e rigor metodológico para frutificar um campo científico. A postura do pesquisador, na busca pelo seu contínuo desenvolvimento, durante todas as etapas de sua investigação deve assegurar rigor no método científico. Essa postura deve estar aliada aos atributos de qualidade e ética que precisam permear todo o seu trabalho científico (CARDOSO, 2014).

2.2 A Administração e seu Campo de Conhecimento
É percebido uma conjuntura de teorias (como: a “Teoria Clássica da Administração” criada com o auxilio dos engenheiros Taylor e Fayol; a Teoria da Burocracia enunciada pelo sociólogo Weber; a Teoria das Relações Humanas motivada pelo o cientista social George Mayo; a Teoria Neoclássica da Administração contribuída por Willian Newman, Ernest Dale, George Terry e entre outros; a Teoria dos Sistemas inspirada pelo biólogo Karl Ludwig von Bertalanffy; a Teoria Contingencial enfatizada por Alfred Chandler e Burns e Stalker e a Teoria Institucional inicialmente postulada por Meyer e Rowan, para citar apenas alguns) existentes no campo da Administração, fazendo com que este campo seja permeado por uma multiplicidade de contribuições vindas de outros campos do saber, como a economia, engenharia, sociologia, psicologia, antropologia e biologia, corroborando para a formação de uma base teórica que não existe isoladamente na área de origem com a finalidade aplicada em Administração. O campo de estudos da Administração é uma convergência de várias disciplinas no intuito de explicar e compreender o complexo escopo do objeto de estudos da Administração, que são as organizações.
Para Bernardes e Marcondes (2006) e Maciel e Silva (2011), o campo Administração apresenta um objeto de análise definido, as organizações, como mostra a própria história da evolução do pensamento administrativo. No entanto, um dos elementos que permeia a complexidade do campo da Administração é que neste campo, o seu objeto de estudo “mescla”, ou muitas vezes se confunde, com o sujeito(s) ou participante(s) deste objeto. Para Marques e Lana (2004), sob um enfoque exclusivamente social, a finalidade última da Administração não é o conhecimento pelo conhecimento nem explicações de fenômenos e sim as realizações concretas que buscam satisfazer necessidades sociais. Tais necessidades permeiam em torno de um elemento: a organização.
O objeto de pesquisa em Administração são as organizações, porém estas não constituem em objeto que dá status de ciência (SANTOS, 2004). Santos e Santana (2010), afirmam que pelo fato da atenção estar na organização, no trabalho, na gestão e/ou relação dos agentes, ainda não se chegou a uma definição clara quanto ao seu contexto e escopo (delimitação), caracterizado como algo subjetivo, complexo e em constante questionamento. A Administração se ocupa no estudo das organizações como fenômeno social, voltando-se para preocupações mais abrangentes do que apenas em explicar como estas maximizam sua “eficiência e eficácia”. A organização não é instituição, mas uma atividade regeneradora permanente em todos os níveis, e que se baseia na (re) elaboração e execução das estratégias, na comunicação, no diálogo e no conflito entre os participantes (MORIN, 2003).
A Administração precisa analisar as organizações como fenômeno social, já que elas são entidades socialmente construídas, tendo uma preocupação de caráter amplo, multidimensional, complexo, dinâmico e intangível. Existe, neste campo, uma complexidade ao “olhar” e analisar sobre como os problemas de gestão são percebidos (ULRICH, 1990). Vale ressaltar que o objeto de estudos da Administração, as organizações, não é exclusivo deste campo, visto que ciências como a sociologia, engenharia e economia também podem ter o mesmo objeto em seus estudos (CHAUÍ, 1995). A pesquisa em Administração, diferente da pesquisa em Economia, trata de atividades econômicas de elementos individuais (KOSIOL, 1961). Diferente da psicologia, o interesse da Administração não é descobrir princípios abstratos do comportamento, mas, aplicar esses princípios para compreender e predizer os comportamentos que correspondem a uma disciplina específica.
O “laboratório” de pesquisa ou o ambiente de estudos da Administração se dá nas organizações e suas relações com o ambiente interno e externo à elas, mesclando elementos abstratos e concretos. São as práticas nas organizações, servidas para explicar as relações e contradições sociais e/ou para compreender como elas podem obter “eficiência e eficácia”, que proporcionam à Administração um objeto de estudo exclusivo, que nenhuma outra disciplina atende de forma integral, satisfatória ou conveniente.
Hatch (1997), afirma que considerando as diferentes abordagens teóricas empregadas para o estudo da Administração é percebido que elas não são exclusivas ou concorrentes entre si, mas sim complementares, tornando o seu escopo de estudo ainda mais complexo, peculiar e plural. Para Bertero et. al. (1999) e Damke et. al. (2010), o campo de estudo em Administração ainda carece de qualidade e de ferramentas metodológicas rigorosas e robustas que possam garantir a validez dos achados destes estudos. Mesmo que ainda controverso, é percebido que a Administração possui um objeto de estudo, muito embora seu escopo seja complexo para ser delimitado, restando equacionar sobre se pode considerá-la uma ciência mediante aos critérios de demarcações a serem usados.
2.3 Os filósofos da Ciência Kuhn, Popper e Lakatos e seus critérios de Demarcação
Os esforços de Kuhn (1975) no seu livro Estrutura das Revoluções Científicas não estavam relacionados na construção de um critério que pudesse determinar se um campo do conhecimento é ciência ou não, mas sim em descrever o comportamento de um campo do conhecimento científico forte ou maduro. Nesta obra, Kuhn apresenta sua compreensão sobre o desenvolvimento da ciência e expõe o que considera os principais constituintes da sua teoria: ciência normal, paradigma e revolução científica. Os paradigmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, oferecem problemas e soluções para uma comunidade de praticantes de uma ciência (KUHN, 1975). Já uma revolução científica ocorre quando um novo paradigma substitui o outro existente. Para a compreensão do processo por onde ocorre esta revolução, Kuhn organizou uma estrutura lógica construída pelo amadurecimento do conhecimento, logo, uma evolução longitudinal.
Parece existir um consenso entre os pesquisadores do campo da Administração de que ainda não existe um paradigma dominante neste campo, e um dos motivos para isto pode ser o caráter multidisciplinar deste campo. Para Damke et. al. (2010) e Maciel e Silva (2011) ainda não é possível determinar se a Administração é uma ciência com base na noção paradigmática de Kuhn. A impossibilidade da determinação da Administração como ciência do ponto de vista de Kuhn se justifica no fato de não ter sido identificado ainda um paradigma claro, exclusivo e vigente no campo em questão.
Inicialmente na fase pré-paradigmática, segundo Kuhn, ocorrem divergências entre os pesquisadores, princípios teóricos são desenvolvidos e estabelecidos, é questionado o escopo do que deve ser explicado, definem-se regras e métodos apropriados, há uma descrição detalhada do objeto de estudo, além da busca de compreensão das inter-relações existentes entre as variáveis conhecidas. Diante dessa caracterização, o campo da administração pode ainda está inserida na fase pré-paradigmática, já que é uma fase onde o campo do saber está tentando atingir a sua maturidade e robustez metodológica de pesquisa e buscar delimitação do seu objeto de estudo. Pelo o status atual deste campo, relativamente jovem, acredita-se que este ainda não pode ser considerado Ciência.
Quando há uma maturidade da fase pré-paradigmática, é conduzida a fase científica. Nesta fase de ciência normal é instaurado os paradigmas, e há um conjunto de atributos aceitos em um dado campo do saber incluindo conceitos, teorias, métodos, técnicas dominantes, discurso de justificação comum, métodos consagrados de fazer pesquisa e estilo de comunicação e linguagem própria. Nesta fase há consenso em uma determinada comunidade científica que está de acordo com estes atributos adotados durante a realização da pesquisa, bem como com os resultados alcançados. Nesta caracterização, se percebe que a Administração é um campo onde faltam consensos, não podendo ser alocada na fase de ciência normal de Kuhn.
O objetivo da ciência normal não consiste em trazer à tona novas espécies de fenômenos, mas sim articular aquelas teorias e fenômenos já institucionalizados como paradigmas (KUHN, 1975). Realizar descobertas científicas não constitui objetivo da ciência normal, mas sim o fortalecimento e detalhamento de teorias ou ideias já estabelecidas. Diante desta caracterização da ciência normal, o campo da Administração pode estar inserido nesta fase. A preocupação dos pesquisadores em Administração, por exemplo, os da linha de pesquisa em marketing, finanças comportamentais, sustentabilidade e etc., não reside em testar as teorias no sentido de lançar fortes críticas à elas, mas sim em explicar fenômenos organizacionais tomando as teorias vigentes como satisfatoriamente úteis para explicar tais fenômenos.
De um lado, existem pesquisas (SENFF et. al., 2015) que concluem que o campo de estudos em Administração já encontrou o seu paradigma e, portanto, é Ciência. Essa conclusão se dá, entre outros motivos, por conta da quantidade dos estudos crescente em função das mudanças tanto no ambiente interno das organizações quanto na instabilidade do cenário socioeconômico. Devido a complexidade, este campo se caracteriza em ter um quebra-cabeças constante. Esses quebra-cabeças são identificados como problemas a serem pesquisados de acordo com o paradigma vigente. Damke et. al. (2010) apontam para a possibilidade da existência de um paradigma aceito pela comunidade científica em Administração: o da "eficiência e eficácia". Em contraste, há outra corrente que conclui que este campo ainda se encontra em sua fase pré-paradigmática, não estando inserido na fase normal, pois ainda carece de consenso, por exemplo, quanto a metodologia(s) a ser usada(s) e quanto a ausência (ou não) de um paradigma. Maciel e Silva (2011) apontam que qualquer tentativa de afirmar a existência de um paradigma em Administração seria arbitrário e não veem como apontá-la como ciência a partir da perspectiva de paradigma.
Não há consenso em se determinar um paradigma dominante para este campo. A Administração não atende ainda o requisito de ser uma ciência normal. Complementando, para Martins et. al. (2011), não se pode dizer que há uma teoria do conhecimento administrativo, no sentido paradigmático de Kuhn ou do núcleo rígido de Lakatos. Para Pfeffer (1993), estudos organizacionais são paradigmaticamente não bem desenvolvidos, em parte pela ênfase na representatividade, inclusão e diversidade teórica e metodológica. A falta de consenso limita a capacidade do campo em alcançar o progresso científico. É sugerido a formação de uma rede especializada de pesquisadores e uma unificação da visão para o consequente desenvolvimento do campo, uma visão de ciência normal conceituada por Kuhn (1975) ou de programas de pesquisa apresentado por Lakatos (1979) (CARDOSO, 2014). Os estudos organizacionais parecem estar “atolados” em um período pré-paradigmático de estagnação. Ainda para Pfeffer (1982), a Administração enfrenta uma multiplicidade discursiva, implicando em um campo ainda difuso, vago e confuso.
 A preocupação em estabelecer um critério que distinguisse uma teoria como científica ou não pode ser considerada o maior empreendimento desenvolvido pelo filósofo Karl Popper. A falseabilidade é o critério de demarcação proposto por Popper e consiste em que toda proposição, hipótese ou teoria que possa ser refutada ou falseada por experiência empiricamente observável é científica (SCHMIDT e SANTOS, 2007). Por serem a priori consideradas especulações, as teorias devem ser expostas à um rigoroso teste. Toma-se o momento da crítica da teoria como a possibilidade de flagrá-la como científica ou não, isto é, se no âmbito do teste de uma teoria ela se revelar impenetrável ou “não fornecer os meios para um possível falseamento empírico, se não houver experiências capazes de falseá-la, ela deve ser reconhecida como um mito, explicação pseudocientífica do real” (MACHADO, 2012, p. 51). Adicionalmente, para Popper a objetividade da ciência repousa na objetividade do método crítico. Pelo fato das pesquisas em Administração, de forma geral, ainda carecer de rigor ao método usado, comprometendo nos seus resultados e achados (BERTERO et. al., 1999; AUGUSTO e WALTER, 2008), prejudica ou enfraquece estas pesquisas como objetivas. Para Popper, sem objetividade no método, não há ciência.
A proposta da utilização do critério de demarcação de Popper, a falseabilidade de teorias científicas, parece sugerir que a soma de teorias que atendam a esse critério resulta na determinação de um campo de conhecimento, como um todo, como Ciência. Dessa forma, cabe a pergunta: o aumento do número de teorias no campo da administração com probabilidades de serem falseadas significa corroborar que a Administração é uma ciência? O fato do campo da Administração ter teorias falseáveis, e logo científicas, não significa, necessariamente que este campo deva ser considerado como Ciência. É necessário fazer uma distinção, e não misturar equivocadamente, entre o adjetivo “científico” e o substantivo “ciência”. Complementando, de acordo com Bunge (1999), o fato da Administração utilizar teorias científicas e/ou métodos científicos, não quer dizer que ela seja uma ciência: a Administração é científica sem (ainda) constituir uma Ciência.
A avaliação crítica das teorias científicas, que deve ocorrer pelo método hipotético-dedutivo, não visa buscar a aprovação para a cientificidade de um campo do conhecimento, mas somente a validez da teoria (POPPER, 2004; 2013). A existência ou não da possibilidade de falsear uma teoria só pode dizer se essa teoria é válida e científica ou não, mas não que, baseando nesse resultado, um campo do conhecimento é Ciência. Como a preocupação é determinar a cientificidade do campo da Administração e não a validez de sua(s) teoria(s), não parece coerente usar o critério popperiano para executar tal tarefa.
Adicionalmente, se a falseabilidade for adotada para buscar a validez de uma teoria, ela é útil e necessária, mas se for para determinar se um campo do conhecimento é ciência, então será preciso elementos neutros. É sugerido, então, que a cientificidade da Administração precisa ser determinada por critérios neutros, sem viés em correntes de pensamentos concorrentes como, por exemplo, entre o indutivismo, com seu critério de demarcação calcado na verificabilidade, e o racionalismo crítico, com seu critério de demarcação calcado na falseabilidade, sob pena de a cientificidade de um campo, como a Administração, ser determinada por um critério enviesado por uma única corrente de pensamento.
Lakatos (1979), influenciado pelas ideias de Popper e de Kuhn, propôs os programas de pesquisa como condição para determinação de uma teoria como científica ou não. Lakatos argumenta que o progresso da ciência é viabilizado dentro de uma estrutura autêntica de programa de pesquisa, que é orienta a pesquisa utilizando-se de um processo constituído de uma heurística negativa e positiva em torno de um núcleo de pesquisa, protegido por um cinturão protetor, considerado irredutível, irrefutável e infalsificável por uma decisão metodológica de seus defensores (CHALMERS, 1993). O programa de pesquisa deve ser constituído por uma hipótese geral a partir do qual pesquisas serão feitas para fortificar as premissas dessa hipótese. Para tal, enquanto são elaborados engenhos para fortificar a hipótese, constrói-se um cinturão protetor ou hipóteses auxiliares ao núcleo irredutível.
Damke et. al. (2010) apontaram que a Administração se adéqua aos moldes dos programas de pesquisa de Lakatos. Outros estudos nessa direção têm chegado aos mesmos resultados, concluindo que efetivamente existe, na Administração, teorias como estruturas organizadas, com base nos quais são construídos programas de pesquisa, que constituem um refinamento ou em uma sofisticação da falseabilidade de Popper. Apesar de seus desdobramentos poderem viabilizar a cientificidade de um campo do conhecimento, o seu objetivo essencial consiste na busca do progresso de uma teoria científica visto como um programa de pesquisa. Programas específicos de pesquisa também podem ser criados, de acordo com a sua própria definição, o que é o caso das “ciências administrativas” (MACIEL e SILVA, 2011). Senff et. al. (2015) também concluíram algo semelhante: na prática da Administração, os pesquisadores usam as teorias calcadas em pressupostos e hipóteses para resolver os problemas da prática profissional, fortalecendo o núcleo direcionador, validando dentro do critério de demarcação de Lakatos, a Administração como ciência.
No entanto, a proposta de Lakatos (1979) parece não poder resolver o problema da pluralidade de interesses e objetivos e o problema da complexidade de se estabelecer o escopo ao fazer pesquisas nas organizações no campo da Administração. Como sua finalidade é garantir o progresso da ciência do ponto de vista da comunidade que participa do programa de pesquisa, a proposta de Lakatos parece levar de volta a questão da ciência normal, o que só se aplica em casos de existência de um paradigma. Como dito anteriormente, ainda não há um consenso sobre se há paradigmas no campo da Administração. Acredita-se que a proposta de Lakatos é o resultado do que se pode considerar o falseacionismo sofisticado de Popper. O problema deste falseacionismo é que não determina a conduta necessária entre os pesquisadores caso uma teoria é refutada. Pode-se dizer que os programas de pesquisa deste autor constituem um critério que pode determinar se uma teoria tem progressos ou não, mas não para afirmar que progressos adquiridos por engenhos desenvolvidos “a gosto” do pesquisador ou da comunidade científica, pela articulação retórica do método de pesquisa, podem levar a consideração de um campo do conhecimento como Ciência.
Em suma, nos critérios de Popper, pode ser observado que no campo da Administração é usado algumas teorias que são passíveis de falseamento empírico, conforme o falseacionismo sofisticado, assim essas teorias ou hipóteses, por serem falseadas ou criticadas, são consideradas, por Popper, como científicas. Porém não há um consenso claro de que uma vez tendo (algumas) teorias científicas, este campo seja considerado ciência. Não há consenso se a Administração atende aos pressupostos da ciência paradigmática de Kuhn, já que não se sabe se este campo está ainda na fase pré-paradigmática, se caracterizando por um campo relativamente jovem, ou se já se chegou à fase de ciência normal, com um paradigma claramente estabelecido. Não possuindo um paradigma administrativo dominante, a construção de um núcleo rígido e consequente cinturão protetor de Lakatos fica deteriorado, pois não existe um paradigma, quanto mais um conjunto de leis para formarem o programa de pesquisa. Ou seja, não existe consenso sobre em que etapa a Administração se encontra. Embora algumas pesquisas afirmem que estes critérios de demarcação sejam suficientes e adequados para concluir sobre a cientificidade da Administração, o presente estudo acredita que estes critérios não são suficientes ou coerentes para concluir se este campo é ciência. Diante desta falta de convergência sobre o tema em questão, a presente pesquisa promove, via o método da Revisão Sistemática cujas etapas estão apresentadas no capítulo seguinte, uma tentativa de a partir da reflexão das abordagens epistemológicas apresentadas nos trabalhos selecionados desta revisão, ilustrar (uma possível) tendência atual das publicações sobre considerações de cientificidade da administração e tentar chegar num consenso sobre isso.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método de pesquisa que visa contribuir para o alcance do objetivo desta pesquisa é a Revisão Sistemática, RS, qualitativa, visto que se buscou um conhecimento a partir das contribuições do que foi produzido sobre o tema cientificidade da Administração. Uma RS torna mais fácil para acadêmicos a compreensão da evolução e do status da pesquisa no campo por meio de relatórios que sintetizam os trabalhos de pesquisa efetuada (CASTRO, 2001).
A RS parte de uma pergunta clara - Administração é Ciência?- com caminhos estruturados, claros e transparentes para a busca ou recuperação de estudos anteriores em base de dados e com adequação de critérios de inclusão e exclusão de estudos feito do tema sob análise. Neste trabalho, a RS é o meio para que esta pesquisa desenvolva reflexões ou análises criticas dos artigos recuperados que tem como foco questionar a cientificidade da Administração. Esses artigos, que contemplam um período previamente definido, foram categorizados em função das suas abordagens epistemológicas e dos suas conclusões. A recuperação dos trabalhos anteriores sobre o tema desta pesquisa e o tratamento destes trabalhos seguiram as seguintes etapas da RS:
(i) Escolhas das Bases de Dados para o corpus do trabalho - Primeiramente, esta pesquisa visou contemplar, na sua RS, apenas a recuperação de publicações em bases de dados internacionais reconhecidos pela sua relevância e qualidade na pesquisa. Porém, na base da Elsevier não foi encontrado, de forma substancial e satisfatória, publicações com foco em discutir se o campo Administração é ciência. Essa base foi desconsiderada por não contribuir direta e claramente sobre essa discussão. Na base SCOPUS foi encontrado uma quantidade, porém pequena, de pesquisas com foco neste tema. Nas bases SCOPUS e Elsevier foram encontradasuma diversidade grande de publicações sobre epistemologia na administração, no entanto tinham como objetivo pesquisar a adequação epistemológica adotada nos estudos de administração ou discutir sobre as contribuições epistemológicas para a pesquisa nas ciências sociais, como a administração. Foi percebido nestas bases de dados que não há, aparentemente, interesse ou preocupação internacional em aprofundar na questão sobre a cientificidade da Administração. Ao pesquisar bases de dados, conhecidos pela sua relevância e representatividade, de revistas eletrônicas brasileiras classificadas no portal de Periódicos CAPES e de um dos principais eventos brasileiros em Administração, EnANPAD, mais precisamente da Divisão de Pesquisa EPQ – Ensino e Pesquisa em Administração, foi encontrado uma quantidade mínima satisfatória de publicações que focam sobre a discussão central desta pesquisa. Adicionalmente, a base SCOPUS possui aspectos específicos que foram relevantes para sua seleção: possui mais de 16.500 títulos de mais de 4.000 editores internacionais; 315 séries de livros; 3,6 milhões de papers de conferências e 37 milhões de registros.
(ii) Escolha do Período de Análise- estudo objetivou apenas recuperar artigos publicados recentemente, contemplando 10 anos – de 2005 a 2015. Vale ressaltar que na primeira metade deste período (2005-2010) foram encontradas nas bases de dados supracitadas apenas seis artigos do total de 36 que compreendeu a análise. Nos cinco primeiros anos foram encontrados em demasia artigos que apenas versam a epistemologia na Administração, contemplando: bases epistemológicas em apoio ao método; a importância da epistemologia para a pesquisa em administração; “qual epistemologia mais coerente para estudos em administração”; contribuições epistemológicas para o ensino e pesquisa em administração; discussões paradigmáticas no campo científico da administração. Na segunda metade do período, 2010 -2015, foi encontrada uma quantidade maior de artigos, 30, que ao ler seu título, resumos e palavras-chave, tinham, à principio, discutir o foco do tema em questão. Diante do exposto, é observado que o interesse em pesquisar e publicar sobre o questionamento da cientificidade da Administração, principalmente no Brasil, vem aumentando nos últimos anos.
(iii) Definições das Expressões ou palavras-chaves usadas nos mecanismos de busca - fizeram parte desta amostra, expressões: “ciência”; “cientificidade”, “epistemologia”, “Administração”, “Negócios” sendo pesquisadas no título, resumo e palavras-chave dos artigos recuperados nas bases de dados supracitadas. A recuperação dos artigos ocorreu no período de 29 de junho a 20 de julho de 2016.
(iv) Análise dos Periódicos (apenas artigos completos disponíveis) – foram indexados 36 artigos que apresentaram resultado positivo para a filtragem adotada. Porém, ao ler na íntegra os 36 artigos, 12 foram desconsiderados na fase de depuração. Logo, 24 foram considerados os, de fato, integralmente válidos, adequados e que obedeceram o foco desta pesquisa de forma aprofundada, possibilitando o preenchimento do Quadro 1. Estes 24 foram os artigos que esta pesquisa estudou em profundidade e que constituem o corpus desta pesquisa, compreendendo a amostra final recuperada e tratada.
É esperado que este estudo possibilite uma visão do que vem sendo produzido atualmente, principalmente no Brasil, sobre se Administração pode ser considerada ciência e uma visão geral sobre quais são as abordagens epistemológicas mais usadas nessa produção para chegar a conclusão se Administração é ciência. Este estudo promove um esforço de se chegar num (possível) consenso sobre como e por que o campo da Administração pode (ou não) ser ciência. Após registro e leitura na íntegra dos 24 artigos foram criadas categorias ou agrupamentos com base nos tipos de abordagens epistemológicas – o que inclui os autores da filosofia da Ciência e/ou demais autores pertinentes - que foram apresentadas no decorrer das leituras dos 24 artigos. Todos os achados foram organizados e sintetizados em quadros, cujo quadro “sintetizador” é apresentado no Capítulo 4 deste estudo. Finalmente, foi feito uma leitura analítica das informações contidas neste quadro possibilitando redação, inferências, interpretações, reflexões da autora deste trabalho e considerações finais.

4. PRINCIPAIS RESULTADOS E CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS PRECEDENTES
Após a leitura na íntegra dos artigos “concluídos” como apropriados para o interesse desta Revisão Sistemática - RS, cujo achado principal está esquematizado no Quadro 1, são feitas reflexões e análises críticas sobre a tipologia das abordagens epistemológicas usadas nos 24 estudos selecionados e considerações sobre se, como e por que, dado estas abordagens, a Administração pode ser considerada ciência. No Quadro 1, é observado, que mediante RS, não foi encontrado um consenso sobre a cientificidade da Administração. Respeitando as ponderações e conclusões das abordagens de cada artigo, para a metade das pesquisas desta RS, 12, Administração é, de fato, ciência. Para a outra metade, este campo ainda não atingiu seu status de ciência.
4.1 Principais Reflexões e Análise Crítica da Presente Pesquisa
Os artigos que concluem Administração como ciência usaram como fundamentação e justificação, em sua maioria, sociólogos, como Morin, Bourdieu, Audet, Déry, Foucault, que defendem, entre outros aspectos, o uso do Paradigma da Complexidade nos estudos organizacionais. Esse paradigma é apresentado como necessário e urgente neste campo.
O pluralismo metodológico, teórico e também epistemológico são sustentados pela Abordagem da Complexidade, que por sua vez se sustenta na transdisciplinariedade, que emerge da confrontação das disciplinas, sem procurar o domínio sobre elas. Para estes sociólogos, a influência e a abertura das mais diversas disciplinas que perpassam o campo da Administração se tornam bem-vindas, enriquecendo este campo e trazendo melhores análises, insights e perspectivas ao analisar as organizações e suas relações sociais. Esses artigos argumentam que esta abordagem plural e integracionista já está presente nas pesquisas em Administração. Esses artigos que usam (em demasia) autores e/ou filósofos da ciência e sociólogos utilizam uma abordagem de extrema abrangência, liberal, flexível, afirmando que todo o campo científico, essencialmente, é um campo social, e desta forma, conseguem concluir que Administração é ciência. Para estes artigos da RS, este campo é cientifico, pois é permeado pela diversidade dos atores-produtores e suas relações e é a partir destes atores que se dá as transformações sociais. Para estes artigos, o caráter multi ou interdisciplinar (onde há diálogo entre as diferentes disciplinas e onde é considerado os participantes destes diálogos como atores importantes) da Administração é vista como algo positivo e necessário e é defendido que a abordagem multi-teórica e multiparadigmática não fragiliza este campo, revelando-se como potencialidade de ciência que atende à dinamicidade e complexidade das relações sociais.
Neste mesmo grupo de artigos da RS usam também fundamentações mais divergente, plural e abrangente pautando-se em Burrell e Morgan (1979) para explicar a possibilidade da existência de quatro paradigmas no campo da Administração e para explicar se há e, se sim, qual a abordagem metodológica “mais apropriada” para este campo. Para cada problema organizacional existe uma correspondente e diferente opção epistemológica, sugerindo que o campo abrange múltiplas perspectivas e paradigmas que devem se adequar para cada tipo de contexto e problema de pesquisa. Mediante aos quatro tipos de paradigmas estabelecidos por estes autores (Humanismo radical, Estruturalismo radical, Interpretativismo e Funcionalismo) para a análise de fenômenos sociais, não há um acordo sobre o método mais adequado para a validação do conhecimento na Administração, uma vez que a escolha da abordagem paradigmática precisa estar alinhada com a metodologia e consistente com a realidade de seu objeto e escopo de estudo, respeitando compreender aquela realidade, levando à múltiplos olhares.
O uso de uma abordagem mais plural defendido para ser usado no campo da Administração apresenta (des) vantagens: pode indicar tanto a análise necessária de uma complexidade para compreender o fenômeno social e a riqueza do campo da Administração, quanto, se não for usada pelo pesquisador social de forma coerente, consistente, responsável e com reflexões, falta de coesão interna. A postura do pesquisador é crucial para o amadurecimento da Administração como ciência, permitindo que este campo possa alçar altos voos futuros no universo científico. Cabe a indagação: para que a Administração se consolide como ciência, como esta diversidade e integração teórica, metodológica e paradigmática deveriam ser tratadas?

Quadro 1 – Resultado Final da Revisão Sistemática quanto a Cientificidade da Administração.
Fonte – Desenvolvido pela a autora.



Essa diversidade é necessária para ter, na pesquisa, uma melhor compreensão e explicação das organizações, suas práticas gerenciais e os relacionamentos com seus atores ou participantes envolvidos que influenciam e são influenciados por estas práticas. No entanto, essa diversidade precisa ser usada com responsabilidade, cautela, de forma crítica pelo pesquisador para não haver inconsistência e “confusão”. Essa multiplicidade pode oferecer condições para que um mesmo fenômeno social possa ser visto de outra(s) forma(s), já que na medida em que o pesquisador utiliza várias lentes para observar o fenômeno, diferentes matizes poderão ser percebidas. A presente pesquisa também defende que saber pesquisar a realidade social não é um “processo positivista ou interpretativista”, pois é necessário criar espaços, instigar discussões críticas pelos pesquisadores e fortalecer propostas alternativas de pesquisa que permitam conhecer a realidade social corretamente, usando abordagens paradigmáticas para além da escolha positivista ou interpretativista.
Os artigos que defendem a Administração como ciência usando como respaldo, por exemplo, o paradigma da complexidade cabe outra pergunta crítica: será que a “transdisciplinariedade” no campo da Administração faz com que este se caracterize como científico? Deve-se tomar cautela para que o conceito e as implicações da “transdisciplinariedade” não estejam associados à indisciplina ou confusão, se afastando, assim, da conceituação de ciência. Adicionalmente, de forma geral, este paradigma tem sido ainda notadamente pouco explorado cientificamente no campo da Administração, estabelecendo ainda uma lacuna nos estudos organizacionais. O Paradigma da Complexidade tem sido colocado como uma abordagem que consegue compreender melhor a realidade da dinâmica social e complexa das organizações e suas relações. A presente pesquisa defende que as abordagens críticas ou complexas podem ampliar a análise dos estudos organizacionais, trazendo novos e interessantes insights, variáveis e/ou categorias de análise novas para o debate, contribuindo para a prática organizacional, para que num futuro próximo a Administração se torne uma ciência, de forma consolidada e as suas pesquisas se tornem mais coerentes, livre de conflitos ou brigas epistemológicas, marcada ainda pela dicotomia do positivismo vs. interpretativismo, livre de laços ideológicos.
Adicionalmente, pela a linha do construtivismo e levando em consideração toda a trajetória histórica do campo da Administração, defendidos, por Foucault (1972) e Pêcheux (1984), vide Quadro 1, desde a “Teoria Geral da Administração” construída por Taylor e Fayol até as teorias mais recentes usadas para compreender os fenômenos sociais, o passado histórico, que leva em consideração a cultura e a construção social, e que contempla a trajetória deste campo não só pode mas como, de fato, reflete o presente dos estudos organizacionais. Assim, é defendido, por estes autores, a valorização da evolução da história deste campo. No entanto, a presente pesquisa argumenta que Administração ainda não chegou num nível de maturidade para incluir e contemplar todo esse seu histórico, influenciado pelas ciências sociais, exatas e até as naturais, com o intuito de se criar uma ciência única, exclusiva e independente ou própria do campo administrativo.
A outra metade dos estudos que contemplaram essa RS, vide Quadro 1, defende que a Administração ainda não pode ser considerada ciência, mas tem potencial de se tornar precisando se conscientizar de vários desafios e superar (alguns) obstáculos para alcançar status de ciência. Nestes estudos, é afirmado que a Administração, por ser em um campo relativamente novo do saber, ainda não atingiu um estado de maturidade teórica e nem maturidade da postura do pesquisador que precisa ser mais crítico e reflexivo ao fazer pesquisa social, não atingiu robustez metodológica nas suas pesquisas, faltando consistência de propósito e método e faltando corpo teórico próprio. Essas carências, para citar apenas algumas, não permite reconhecer este campo como ciência (social) em toda a sua manifestação. Ainda falta aspectos e etapas para que este campo se torne uma ciência.
É percebido, nestes estudos de forma geral, que a Administração não se beneficiou de um período de gestação, assim como outras ciências sociais. Ainda, é necessário moldar ou aperfeiçoar a postura do pesquisador que precisa usar metodologia(s) de forma rigorosa, coerente e clara em suas pesquisas, possibilitando a publicação de pesquisas acadêmicas com contribuições teóricas e práticas confiáveis, pertinentes e relevantes, promovendo desenvolvimento para as organizações e para a academia. Esses estudos também criticam a falta de um consenso sobre qual é o escopo do objeto de estudo, que ainda está sob debate: seriam as práticas gerenciais? Se sim, quais práticas? Seriam os participantes que interferem e são moldados por estas práticas? Seriam os conflitos e disputas de poder entre estes participantes? Ou seria a pesquisa voltada para responder todas estas perguntas num mesmo estudo? Diante destas indefinições, o campo da Administração se torna ainda fraco para a qualificação como ciência social. Estes estudos também afirmam, de forma geral, que o uso “truncado” ou indevidamente “misturado” de várias teorias desenvolvidas ou motivadas em outras ciências para explicar fenômenos da Administração pode levar a uma fragmentação disciplinar ou de discursos neste campo. A Administração precisa atender um projeto global, coeso, lógico e estruturado em torno de uma problemática coerente. No entanto, este campo ainda não apresenta condições para alcançar tal necessário projeto, precisando superar algumas limitações.
O presente estudo defende que um dos pontos necessários para fazer com que a Administração se torne ciência (social aplicada) é fazer pesquisas que sejam dotadas de um conhecimento emancipatório, necessitando de um deslocamento da dicotomia paradigmática para integração epistemológica, paradigmática, e consequentemente, para a pluralidade coerente de teorias e métodos. Os estudos da gestão das organizações não podem ficar “presos” à uma única forma de produção do conhecimento ainda dominante no positivismo/funcionalismo. Por essa concepção, por meio de uma visão integrativa, sistêmica e ampla do conceito de “ciência em Administração” que se pode avançar nas complexidades de um mundo dinâmico, conflituoso, social e (ir) racional que permeia as organizações atuais.
É percebido que pesquisadores em Administração foram chamados a analisar e solucionar problemas organizacionais, sem que houvesse tempo ou importância da criação de um espaço metodológico robusto e coerente e espaço teórico reflexivo, sem uma base epistemológica crítica e sem um preparo adequado para a prática do refletir. Em suma, os estudos em Administração precisam ser (re) construídos à luz de uma problemática teórica administrativa específica e sob a transparência e detalhamento sobre o que se quer estudar e explicar nas organizações, ou seja detalhar o escopo do objeto de análise, para que seja considerada ciência. A Administração precisa superar os obstáculos supracitados para desenvolver instrumentos de análises corretos, adequados e robustos. Este campo ainda está em desenvolvimento, necessitando de maturação para ser considerada ciência.
Para a presente pesquisa, o campo da Administração apresenta limitações epistemológicas, teóricas e metodológicas que, de alguma forma, prejudicam o desenvolvimento e a consolidação deste como ciência. A dificuldade do tipo: (i) teórica está relacionada com a carência deste campo para refletir sobre suas próprias e independentes fontes de conhecimento e relacionada com existência de teorias advindas de outras ciências, podendo acarretar, caso não houver uma postura adequada do pesquisador, numa coleção de temas vagamente relacionados. Esse aspecto pode fazer com que a Administração enfrente uma multiplicidade discursiva, sendo um campo ainda difuso e vago. A Administração, na tentativa de condição de campo científico, se expressa como um saber interdisciplinar ou multi-teórico, criados ou motivados em outras ciências, que ainda necessita de reconhecimento e legitimação da comunidade científica; (ii) metodológica está relativo, em ainda muitas pesquisas deste campo, à falta de robustez o que compromete a confiabilidade nos achados de pesquisa, à falta de coerência do método com a epistemologia e/ou com o problema de pesquisa que se pretender responder; e está relativo à aplicação das mais recentes técnicas de gestão que não respondem a um programa sistemático de investigação em longo prazo; (iii) incoerência epistemológica devida, principalmente, ao uso excessivo e muita das vezes injustificável de uma abordagem positivista que é tomada como referência. Ao se libertar destas amarras tradicionalmente positivistas, a pesquisa em Administração pode caminhar rumo a sua realidade social. O uso da lógica positivista, ainda dominante, em muito dos estudos organizacionais faz com que o campo da Administração seja (ainda) descontextualizado, fragmentado e prescritivo.
Ainda quanto à dificuldade teórica deste campo, o presente estudo observa, de um lado, a necessidade do campo em criar uma teoria própria do conhecimento administrativo. Por outro lado,  este estudo também defende, pelo o fato da Administração analisar e explicar um fenômeno social, e logo, subjetivo e complexo, este campo precisa utilizar e testar teorias vindas das mais diversas ciências sociais – economia, sociologia, psicologia, e também das exatas, caso haja necessidade do problema de pesquisa, como a engenharia. Para analisar este fenômeno social de forma completa e rica é necessário fazer uso de diversas teorias, que devem ser aplicadas e avaliadas de forma coerente, estando alinhadas com o escopo do objeto de pesquisa e com o problema de pesquisa em questão.
Ainda quanto à dificuldade metodológica, o presente estudo defende que a Administração não tem nada a ganhar com a disputa sobre qual “é o melhor método” para ser usado. Diante da complexidade das peculiaridades do fenômeno estudado na Administração é necessário e mais enriquecedor para a sua pesquisa fazer uso adequado de métodos mistos. O debate da possibilidade de, num mesmo estudo, combinar diferentes métodos de pesquisa, de forma coerente e articulada, tendo como ponto de partida as perspectivas tradicionais – pesquisa quantitativa e qualitativa - é uma forma de contribuir para a evolução e consolidação, futura, da Administração como ciência. Ainda quanto a questão epistemológica, a complexidade que permeia as organizações não pode ser entendida, a partir de um único enfoque, sendo explicada a partir de um único paradigma. O conhecimento das diferentes abordagens paradigmáticas possibilita o entendimento dos paradigmas não como excludentes e, sim, como complementares. Porém, compete ao pesquisador social analisar qual(is) paradigma(s) é(são) mais cabível na resolução de um dado problema de pesquisa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo tem como objetivo fortificar o necessário debate sobre a cientificidade da Administração, que ainda é visto como uma celeuma que permanece no meio acadêmico necessitando maiores esclarecimentos, convergências e aprofundamentos críticos. Para o cometimento foi necessário, primeiramente, a conceituação de Epistemologia, conhecimento científico e ciência, para que fosse delimitado o campo da Administração e do que consiste o seu objeto de estudo, sua relação com outras ciências e as implicações destas relações. Posteriormente foi apresentado os critérios de demarcação de alguns filósofos renomados da ciência e a análise crítica sobre os critérios destes filósofos, no intuito de debater se, ao usar a demarcação destes, a Administração é ciência. Neste debate não foi possível chegar num consenso mínimo sobre a cientificidade da Administração e nem se estes critérios são suficientes ou coerentes para que seja concluído se a Administração é ciência. Com o intuito de promover mais uma tentativa para obter este consenso e de analisar e explorar as mais diversas abordagens epistemológicas recentes usadas para debater a cientificidade da Administração, esta pesquisa oferece um esforço em elaborar uma Revisão Sistemática. Com base nos resultados da RS, esquematizadas no Quadro 1, esta pesquisa fez suas análises críticas e reflexões.
Na Administração existem consolidadas pesquisas (in) diretamente sobre o seu objeto de estudo, as organizações, porém ainda é percebida uma carência de uma melhor e mais transparente delimitação deste objeto, de uma teoria própria e de uma maior adequação e robustez metodológica. Esta falta pode comprometer ou fragilizar os resultados da pesquisa. O presente estudo destaca a importância de adotar procedimentos metodológicos robustos e rigorosos, independente do tipo de estudo ou da posição epistemológica adotada. Este campo tem alguns dos principais pré-requisitos lógicos à definição de ciência, já que possui objeto específico de estudo e já que possui em suas pesquisas um levantamento de hipóteses ou teorias, provenientes de outros campos do saber, válidas. Porém, muitas pesquisas apontam a carência nos estudos organizacionais com rigor analítico e metodológico. Há ainda aqueles que criticam a falta de uma teoria própria que “nasça” no campo da Administração.
Diante de complexos fenômenos sociais com os quais os pesquisadores em Administração se deparam, a riqueza trazida pela conciliação de elementos objetivos e subjetivos e a coerente consequência de se usar métodos qualitativos e quantitativos, precisa ser considerada uma alternativa, levando a um rompimento com a abordagem de se usar uma única abordagem epistemológica e um único método. Diante das revisões crítica expostas no Capítulo 2 e 4, a Administração, para atingir maturidade com intuito de obter status de ciência, necessita superar obstáculos, se conscientizar em seus desafios atuais, refletindo sobre suas bases epistemológicas, teóricas e metodológicas, desenvolvendo reflexões mais profundas em seus pressupostos. A trajetória para o alcance dessa tarefa tem se mostrado difícil, não obstante ser necessária. Enquanto o debate da existência ou não de paradigma(s) e/ou debate sobre qual paradigma escolher na pesquisa continuar a Administração vai tendendo à “fragmentação” e, por isso, é importante que a discussão sobre essa disputa paradigmática evolua no sentido de sair da polarização entre paradigmas que inibem os pesquisadores de debaterem sobre representações epistemológicas variadas, com o intuito de explorar a pluralidade e o paradoxo social que permeia o contexto das organizações. Adotar uma postura científica diferenciada, mais crítica e reflexiva, menos intransigente, sem colocar um “paradigma acima do outro de forma conflituosa” é algo necessário e desafiador para considerarmos a Administração como ciência. Esta necessidade repousa no fato da importância deste campo, cujo desenvolvimento ocorre a partir da evolução das organizações e suas relações sociais, ou seja, da sociedade, onde a Administração também interfere, ao buscar, de forma contínua, novas explicações, conhecimentos e aplicações.
Este estudo defende que Administração (ainda) não se configura como ciência, no entanto, é frisado que é necessário e urgente, por conta das especificidades do seu objeto de análise, que ela se consolide como ciência. Para tanto, necessita superar alguns obstáculos e limitações: ao se libertar de algumas amarras do pensamento epistemológico moderno, dominado ainda por uma epistemologia positivista, uma vez que esta tenta construir um conceito de ciência que descarta e desqualifica fontes de saberes de caráter social; ao melhor definir ou delimitar de forma transparente o que se pretende analisar e explicar nas organizações; ao construir uma teoria própria do campo do saber administrativo; ao fazer uso de instrumentos metodológicos mais consistentes com o escopo da pesquisa em questão e com a abordagem teórica e epistemológica escolhida e mais robusto, garantindo maior confiabilidade e relevância nos achados da pesquisa.
A Administração não é uma ciência suficientemente madura, mas trabalha para o seu interno melhoramento: ela existe enquanto potência, ainda que não em ato. Levando em consideração o consenso que existe de que a Administração é um campo ainda jovem, ela se encontra em um estado de desenvolvimento onde muito trabalho precisa ser feito para elevar-lhe ao status de um campo cientifico maduro. Quanto as limitações, este estudo analisou apenas trabalhos do EnANPAD e da base de periódicos SCOPUS e Periódicos CAPES. Assim, a sugestão é analisar outros tipos de produção científica: teses e dissertações e abranger a exploração de artigos mantidos em outras bases de dados de prestígio. Outra limitação do trabalho é a restrição do seu período de análise (2005 – 2015). Talvez, se este estudo tivesse uma abrangência maior, explorando artigos mais antigos da RS, poderia ser coletado e analisado outras abordagens epistemológicas que não foram contempladas no Quadro 1. Como sugestão para pesquisas futuras, apesar de tantas evidências da cientificidade da Administração, surge a necessidade de ampliar o escopo dessa discussão via entrevistas com pesquisadores de estudos organizacionais, não só do campo da Administração, mas como de outras disciplinas que tangem estes estudos para analisar os posicionamentos e reflexões destes entrevistados sobre esta discussão e as vertentes ou posições epistemológicas e teóricas nas quais se embasam. É sugerido também que outras discussões possam aprofundar cada linha de pensamento no contexto da Administração, podendo apresentar ideias integradoras, talvez multiparadigmáticas, interdisciplinares ou multi-metodológicas, para tratar e enriquecer estes estudos.
REFERENCIAS
AUGUSTO, P. O. M; WALTER, S. A. O status científico da pesquisa em administração. Revista de Negócios, v. 13, n. 4 p. 56-71, out./dez. 2008.
BERNARDES, C.; MARCONDES, R. Teoria Geral da Administração: gerenciando organizações. Saraiva, São Paulo. 2006.
BERTERO, C. O.; CALDAS, M. P.; WOOD JR, T. Produção científica em administração de empresas: provocações, insinuações e contribuições para um debate local. Revista de Administração Contemporânea, v. 3, n. 1, p. 147-178, jan./abr.1999.
BOAVENTURA, S. S. Um Discurso sobre as Ciências. 5° Edição. São Paulo: Cortez, 2010.
BUNGE, M. Social science under debate: a philosophical perspective. Paperback edition, Toronto: University of Toronto Press, 1999.
BURRELL, G.; MORGAN, G. Sociological Paradigms and Organisational Analysis. Elements of the Sociology of Corporate Life. Vermont: Ashgate, 1979.
BRAVO, I. Gestão de qualidade em tempos de mudanças. São Paulo: Alínea, 2003.
CARDOSO A. L. Discussões sobre o Processo Científico: A Formação do Pesquisador na Área de Administração como Oportunidade de Desenvolvimento da Academia e das Organizações. In: XVII SEMEAD – Seminários em Administração, FEA-USP, São Paulo, Outubro de 2014.
CASTRO A. Revisão sistemática com ou sem metanálise. São Paulo: AAC; 2001.
CATAPAN, A. e BONFIM, B. A Administração é Uma Ciência? Uma Discussão Abordando Aspectos e Fundamentos Epistemológicos, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, 2016.
CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.

CHAUI, M. Convite a Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: África, 2004.

CORBI, M. Qué es y para qué sirve la metodologia, 1998. (não publicado).
DAMKE, E. J.; WALTER, S. A.; SILVA, E. D. A Administração é uma Ciência? Reflexões Epistemológicas acerca de sua Cientificidade. Revista de Ciências da Administração. v. 12, n. 28, p. 105-126, set/dez 2010.
FARIA, J. H. de. Dimensões da Matriz Epistemológica em Estudos em Administração: uma proposição. In: EnANPAD, 2012, Rio de Janeiro. Anais do EnANPAD 2012. Rio de Janeiro: ANPAD, 2012. v. 01. p. 01-01.
FREIRE-MAIA, N. A ciência e o meio social. Petrópolis: Vozes, 1991.
FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris, Gallimard, 1972.
HATCH, M. J. Organization theory: modern symbolic and postmodern perspectives. New York: Oxford University Press, 1997.
LAKATOS, I. O Falseamento e a metodologia dos programas de pesquisa científica. In: LAKATOS, I;
MACHADO, C. A. Popper, a Demarcação da Ciência e a Astrologia. In: OLIVEIRA, P. E (Org). Ensaios sobre o pensamento de Karl Popper. Curitiba: Círculo de Estudos Bandeirantes, 2012.
MACIEL, C. O.; SILVA, E. D. Administração como Ciência: Uma reflexão a partir de diferentes critérios de demarcação. Perspectiva Contemporânea, Campo Mourão, v.6, n.1, p. 80-104, 2011.
MARÍN-IDÁRRAGA, D. A. Consideraciones epistemológicas en torno al carácter científico de la administración. Innovar, Oct 2012, v. 22 (46), p.39-52.
MARQUES, S.; LANA, R. Das técnicas e Valores: Características Epistemológicas da Administração. Gestão e Conhecimento, Poços de Caldas, v.1, Art. 2, 2004.

MARTINS, T,; ROCHA, D.; CRUZ, J. Uma Análise Crítico-Epistemológica da Administração: Construção, Reconstrução e Desconstrução? UNOPAR Científica, Ciências Jurídicas e Empresarias, Londrina, v. 12, n. 2, p. 85-92, 2011.

MOREIRA, D. A. Administração da produção e operações. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 2000.

MORIN, E. Ciência com consciência: trad. de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 7 º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
PÊCHEUX, M. Surlescontextesepitemologiques de L’analyse de discours. Mots, v. 9 (9), p. 7-17, 1984.
PFEFFER, J. Organizations and Organization Theory. Boston: Pitman, 1982.
PFEFFER, J. Barriers to the advance of organizational science: paradigm development as a dependent variable. Academy of Management Review, 18(4), 599-620, 1993.
POPPER, K. R. Lógica das Ciências Sociais. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.
POPPER, K. R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Cultrix, 2013.
SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. 11º ed. Porto: Histórias e Ideias, 1999.
SANTOS, E. L.; SANTANA, W. P. Administração do Desenvolvimento: contexto, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Administração Política, v. 3, n. 2, p. 75-92, 2010.
SANTOS, R. S. A administração política como campo do conhecimento. São Paulo-Salvador: Mandacaru-Hucitec. 2004.
SENFF C.; VEIGA C. P.; BENDLIN L.; EVERS NETO E.; KUDLAWICZ C.; DUCLÓS L. C. Uma contribuição para a celeuma sobre a cientificidade da administração. Espacios. Vol. 36, Nº 24, 2015.

SCHIMIDT, P.; SANTOS, J. O Pensamento Epistemológico de Karl Popper. ConTexto, Porto Alegre,v. 7 (11), 2007.

TONELLI, M.; CALDAS, M.; LACOMBE, B.; TINOCO, T. Produção Acadêmica em Recursos Humanos no Brasil: 1991-2000. RAE- Revista de Administração de Empresas, v. 43, n. 1, p. 105-122, 2003.ULRICH, H. Subject matter of business administration. In: VERLANG, G.B.M.; POESCHEL, C.E. (Eds.). Handbook of German business management. Berlin: Springer, 1990, p. 2291-2298.

KOSIOL, E. Erkenntnisgegenstand und methodologi¬scher Standort der Betriebsvlinschaftslehre. -ln: Zeitschrift fur Betriebswirtschaft; 31: 129 – 136, 1961.
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.

* Doutoranda em Administração de Empresas pela PUC PR Rua Imaculada Conceição, 1155 | Prado Velho - Curitiba, PR - Brasil CEP 80215-901

** Pontifícia Universidade Católica do Paraná andrezemba@gmail.com


Recibido: 30/05/2017 Aceptado: 14/08/2017 Publicado: Agosto de 2017

Nota Importante a Leer:

Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.
Este artículo es editado por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.