Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


MINERAÇÃO E DESLOCAMENTO NA AMAZÔNIA: RESIGNAÇÃO E RESISTÊNCIA RIBEIRINHA E SEUS REPERTÓRIOS DE LUTA

Autores e infomación del artículo

Marcos Carmo de Almeida *

Universidade Federal do Pará, Brasil

mcaipixuna@gmail.com

RESUMEN
El desarrollo es una palavra, es ideología y práctica de las sociedades modernas. Es el modelo para la elevación moral, política, económica y social para cualquier nación: este es el contenido del discurso del desarrollo independiente de la forma y del tiempo en que se presenta. La Amazonia probó y prueba de este sabor. El desarrollo llega para quedarse, y quedarse hasta cuando es conveniente a los individuos y grupos que lo personifican. Las empresas levantan sus aparatos y estructuras que simbolizan y realizan una fuerza inevitable. El artículo aquí presentado apunta a una consecuencia de este desarrollo: el desplazamiento obligatorio. Por lo tanto, se busca en el trabajo desvelar, conocer y comprender ese proceso dando nombre a los lugares de la Amazonia que aparecen en las literaturas, en la gran mayoría de las publicaciones, de forma genérica y superficial, así como dando nombres y voces a las personas que sufren dentro del proceso . Desvelar, conocer y comprender cuáles son esos sufrimientos por parte de la población afectada, de qué forma reaccionan, cuál es su comprensión, cuáles son sus estrategias y cómo se dan las formas de enfrentamiento.
Palabras clave: Amazonia. Desarrollo. Desplazamiento obligatorio. Comunidades.

Abstract
Development it the words of order, it is the ideology and practice in modern societies. This is the model for moral, politic, economic and social ascension in every nation: this is the content of the speech of development, which does not depends on time and way in which it occurs. Amazon has had the taste of development. The development comes to stay, and stays until it is convenient to the individuals and groups that represent it. Companies build their apparatus and structure, which is a symbol of their inevitable power. This article presents one of the consequences of this model of development, which is the compulsory dislocation of the local populations. This work aims to unveil, to know and to understand this process, giving examples of places in the Amazon where this process took place, according to the literature. At the same time, this work aims to present the perspective of those who are victim of this model of development. The sufferings on the part of the affected population, how they react, what their understanding, what their strategies and the forms of confrontation are given in this paper.
Keywords: Amazon; Development; compulsory dislocation; communities.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Marcos Carmo de Almeida (2017): “Mineração e deslocamento na Amazônia: resignação e resistência ribeirinha e seus repertórios de luta”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/mineracao-deslocamento-amazonia.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703mineracao-deslocamento-amazonia


 

1. O QUE É INVESTIGADO NESTE TRABALHO: DESCRIÇÃO TÉCNICA DOS OBJETIVOS
O desenvolvimento do presente tema tem como objetivo investigar o processo de deslocamento compulsório das comunidades ribeirinhas do Rio Capim no município de Ipixuna do Pará em virtude da exploração do caulim. Visa analisar o processo de deslocamento compulsório das comunidades Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio, Cajueiro Foz, Apuiteua e Cajueirinho, localizadas todas à margem esquerda do Rio Capim, na cidade de Ipixuna do Pará, frente a exploração do caulim, bem como discutir a desestruturação do modo de vida dessas comunidades a partir dos impactos causados pelo desenvolvimento do projeto minerário. 
O trabalho busca ainda: a) compreender as maneiras com que se desencadeou o processo do deslocamento compulsório das comunidades ribeirinhas; b) verificar de que forma se deu a resistência ribeirinha frente ao deslocamento compulsório; c) Identificar os modos em que se deram os arranjos e negociações entre comunidade, Estado e empresa para que os ribeirinhos saíssem das terras de suas posses para dar lugar ao projeto de mineração; d) comparar-identificar semelhanças e diferenças nas duas fases do processo do deslocamento compulsório sendo compreendida como primeira fase: o deslocamento das famílias das comunidades de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz e a segunda: o deslocamento das famílias das comunidades Apuiteua e Cajueirinho.

2. CONTESTUALIZAÇÃO: PESQUISA E EXPLORAÇÃO MINERAL NA BACIA DO CAPIM
As pesquisas minerais começaram na Bacia do Capim no ano de 1972 através de algumas empresas terceirizadas vinculadas a Companhia Vale do Rio Doce e de subsidiárias da empresa brasileira Mendes Júnior. Elas se estendem até meados da década de 1990 quando ocorreu a identificação e localização definitiva das primeiras minas de caulim que hoje se encontram em processo de exploração. No entanto, o processo de pesquisa mineral continua até os presentes dias pelo capital do Grupo francês Imerys, que comprou os direitos de pesquisa e exploração pertencentes à empresa Mendes Júnior no ano de 1996. Estas pesquisas se dão no intuito de descobrir novas jazidas, estudar a viabilidade técnica e econômica da exploração e assegurá-las diante do DNPM (Departamento Nacional de Prospecção Mineral).

A região do Rio Capim, sobretudo nos limites do município de Ipixuna do Pará no trecho do médio Capim, apresenta uma formação geológica de caulim com 40 metros de espessura a qual produz matéria-prima de excelente qualidade, despertando o interesse do mercado mundial (MONTEIRO, 2009).
É diversificada a aplicação do caulim. Dentre as principais: na indústria da borracha, polímeros, tintas, cerâmicas, fertilizantes e na construção civil, além da aplicação na indústria de celulose, onde é usada como material de enchimento e como material de cobertura e acabamento sendo esta última a maior demanda no mercado (QUEIROZ, 2004).
No período das primeiras pesquisas geológicas, as empresas, ao se depararem com as populações ribeirinhas – concentradas ou dispersadas geograficamente – elaboraram uma metodologia de aproximação que facilitasse o acesso às terras onde estas mesmas populações habitavam, trabalhavam e desenvolviam sua cultura.  
Segundo nos relata o Sr. Batista, dono de uma das empresas prestadoras de serviço à CVRD, e que atuou na pesquisa mineral na região do Capim no ano de 1982, para se ter acesso as áreas de pesquisa era feito um contato prévio com os ribeirinhos através de profissionais especializados da área das ciências humanas para pedir autorização para pesquisa. Afirma ainda que não havia pagamento de indenizações referentes a perfuração de poços nas terras dos ribeirinhos, porém era utilizada uma política de assistencialismo 1 e de boa amizade para obtenção da aprovação dos comunitários. O Sr. Dejarino Liberato, que trabalhou como topógrafo nas primeiras pesquisas, confirma tal situação. (ALMEIDA, C., 2008).
Depois de duas décadas do início das pesquisas na bacia do Capim, foi constatado pelas empresas pesquisadoras a existência de dois grandes depósitos minerários de caulim de alta qualidade, sendo viável economicamente a exploração. Portanto, entre 1993 e 1996, anos do exercício do 1° governo municipal de Ipixuna do Pará2 , iniciou-se o processo de instalação das empresas mineradoras Pará Pigmentos S/A (no distrito de Canaã, fronteira com Paragominas) e Imerys Rio Capim Caulim (nas comunidades de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz).
Por mais que a entrada do capital na Amazônia estivesse quase que consolidada, as empresas foram obrigadas a seguir critérios exigidos pelo novo conjunto de leis3 ratificado e complementado a partir da constituinte instalada pós-ditadura.
Mudanças na legislação ambiental, iniciadas no fim do regime militar, incorporadas à Constituição de 1988 e a afirmação crescente de uma legislação mais rigorosa também tiveram repercussões sobre os parâmetros que envolvem a valorização dos recursos minerais, uma vez que ganharam obrigatoriedade à realização de estudo de impacto e o licenciamento ambiental prévios e a recomposição do meio ambiente degradado pela mineração. (MONTEIRO, 2005, p. 194).
As empresas, por força da lei estavam obrigadas a apresentar ao governo estadual e municipal os Estudos de Impactos Ambientais (EIA)4 e o Relatório de Impactos Ambientais (RIMA) 5, submetendo-os à aprovação das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e do poder legislativo municipal. De acordo com a nova legislação, as empresas e o poder público foram obrigados a realizarem também audiências públicas6 para que a população pudesse buscar esclarecimentos e fazer questionamento a respeito das consequências sociais, ambientais e econômicas.
3. FORMAÇÃO E MODOS DE VIDA DAS COMUNIDADES: SANTA MARIA DO BACURI, SANTO ANTÔNIO E CAJUEIRO
De acordo com as informações da Sr.ª Nazaré, e confirmada por outros ribeirinhos entrevistados, foi a sua família que fundou a comunidade de Santa Maria do Bacuri, vinda de comunidades mais abaixo do Rio Capim, em meados da década de 60. Afirma a entrevistada que sua família ocupou uma área pública, mas que apresentava sinais de que outras famílias já haviam morado ali. Sinais estes: áreas de roças abandonadas e caminhos que já estavam se fechando. Logo em seguida outras famílias vindas da próxima comunidade Pontinha7 chegaram para se estabelecerem às margens do igarapé Santo Antônio, se tornando desta forma confinantes da área de sua família.
A partir da entrevista realizada com o Sr. Emílio, no ano de 1957 sua família chegou à foz do Cajueiro, a convite de parentes que lá já moravam. Vieram da comunidade Pirajauara, no baixo Capim. Por volta do ano de 1970 um fazendeiro autoentitulando-se dono daquelas terras, expulsou as famílias que ali residiam e trabalhavam. A família de seu Emílio procurou outra área para morar e trabalhar às margens do Rio Capim, abaixo do afluente Cajueiro. Alguns anos depois, por volta de 1982, antigos e novos posseiros entraram novamente nas terras do Cajueiro em detrimento do fazendeiro que se dizia proprietário, mas que teve que se retirar por não ter legitimação.
A comunidade de Santa Maria do Bacuri estava situada de frente para o Rio Capim, sendo os limites, de um lado, o Igarapé Cajueiro e, de outro, o Igarapé Santo Antônio. As famílias ribeirinhas produziam arroz, milho, açaí, banana e prioritariamente a mandioca para a produção de farinha. A família da Dona Nazaré criava algumas dezenas de gado e tinha também um plantio de cana de açúcar. As áreas de terra de cada família tinham tamanhos que variavam de 25 a 100 hectares8 .
A produção dos gêneros agrícolas era usada para o consumo e o excedente era vendido ou trocado por outros gêneros como óleo de soja, sal, sabão, querosene e outros produtos que os ribeirinhos necessitavam e não produziam. Essas trocas ocorriam no próprio Rio Capim entre os ribeirinhos e marreteiros9 vindos de São Domingos do Capim e Belém. Ao mesmo tempo em que havia este tipo de transação, algumas poucas famílias viajavam pelo rio até Belém para vender os seus produtos, principalmente a farinha.
A Srª. Nazaré informou que os ribeirinhos criaram uma cooperativa, na qual cada associado colaborava com uma mensalidade. Construíram um barracão em Santa Maria do Bacuri que servia para armazenar a produção da farinha para vender para os marreteiros. A partir desta organização, já não trocavam mais farinha por outras mercadorias, a não ser por dinheiro. No primeiro momento a ação da cooperativa libertou os ribeirinhos daquela situação de dependência aos marreteiros, pois esta relação desvalorizava a produção dos trabalhadores. Com a continuidade da organização os associados passaram a obter dividendos significativos da cooperativa.
Além da prioritária atividade agrícola, seguida da criação de animais em pequena escala, as famílias também faziam uso da mata para a caça, coleta de frutas, ervas medicinais e extração de madeira para construção de embarcações, retiros10 , casas particulares e prédios comunitários. Os igarapés eram usados para pesca, geralmente para o consumo familiar, e também como vias de transporte para escoamento da produção até o Rio Capim.
Em Santa Maria do Bacuri foi criado um centro comunitário que tinha uma igreja católica, um campo de futebol, um galpão de reuniões e algumas casas. Havia também plantação de açaí, castanheiras e outras árvores nativas com o principal objetivo de embelezar o centro.
Nas comunidades de Cajueiro Foz e Santo Antônio as moradias eram dispersas ao longo do igarapé, ou para mais longe dele junto à roça. Em ambas não havia um centro comunitário como em Santa Maria, porém se reuniam em local comum para realizarem celebração católica.

 

4. ENTRE A RESISTÊNCIA E A NEGOCIAÇÃO
       Quando as pesquisas minerais começaram na bacia do Capim, em 1972, as comunidades de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz, além de muitas outras, rio abaixo e rio acima, ali já estavam estabelecidas.
      Segundo depoimento da Srª. Nazaré, inicialmente os moradores das três comunidades não permitiram que as equipes de sondagem montassem o acampamento na comunidade de Santa Maria do Bacuri. O motivo, segundo a entrevistada era a desconfiança que os ribeirinhos destas comunidades tinham em conviverem com pessoas estranhas. Sentiam-se ameaçados e temiam terem suas terras tomadas. Resistiram ao ponto de não permitirem que as equipes de sondagem adentrassem em suas terras para fazer as perfurações necessárias à pesquisa, nem tampouco montarem o alojamento. Portanto as equipes tiveram que começar a fazer as pesquisas mais abaixo do Rio Capim na comunidade da Pontinha e lá montaram o acampamento.
      Com o passar do tempo o pai de Dona Nazaré, fundador e coordenador da comunidade Santa Maria do Bacuri e influente liderança na região, permitiu a entrada da equipe de sondagem em suas terras. Diante da observação desaprovadora das outras famílias e temendo hostilidades para com os funcionários da pesquisa, o coordenador comunitário e seus familiares os acompanhavam para garantir proteção.
  O pai da Sr.ª Nazaré tentava convencer o povo a permitir a sondagem nos demais terrenos das comunidades. Começou pelo exemplo de acolher a equipe de pesquisa, mas também, na condição de coordenador comunitário e de interessado nas boas perspectivas que enxergava, argumentava:
Deixa o pessoal entrarem, ficar aí com a gente... de repente dá um trabalho aí pra gente e a gente vai melhorando. Né? Folgando mais da roça. Ele dizia assim pro pessoal. E aí até que escutaram ele e deixaram eles ficar. Eles começaram a cortar pico, fazer aquelas picadas pra fazer a pesquisa do caulim... depois começaram já a cavar, fazer cavada. O pessoal daqui começaram a se empregar (Srª. Nazaré).
A Sr.ª. Nazaré relata que o trabalho da pesquisa do caulim era esporádico. Trabalhavam alguns meses, se retiravam por alguns anos e retornavam. Esta era a dinâmica. Abriam a mata, perfuravam o solo, colhiam amostras, demarcavam, e nisso avançavam por duas décadas.
      A partir da oferta de vagas à mão-de-obra local para o trabalho de sondagem, construção de relação com a comunidade por meio de lideranças comunitárias e também a partir da criação de momentos de lazer e festivos entre os funcionários das empresas pesquisadoras e os ribeirinhos, passou a haver a aceitação do processo de pesquisa na região.
    No ano de 1996 a empresa Imerys RCC chega para se instalar em Santa Maria do Bacuri para o início da exploração das primeiras minas. É a partir daí que se inicia o processo de deslocamento das famílias. 
        A comunidade mais afetada neste processo foi Santa Maria do Bacuri. A Sr.ª Nazaré relembra que a proposta inicial da empresa era indenizar a sua família pelas benfeitorias construídas no terreno como: Roça, pasto, canavial, casa de farinha, etc. Assim foi definido. Porém houve mudança nos planos como ela mesma relata:
Nós dissemos assim... que nós não ía vender o terreno porque nós...nós gostava de tá aqui. Nós ía pra São Domingos. Eu já tava casada, tava com todos meus filhos. Aí eu disse que eu não ia. Eu disse eu não vou. Porque com esse monte de filho pra rua, o que eles vão virar lá? Vão virar tudo marginal... não tem onde trabalhar (risos). Quando a gente resolveu não ir pra São Domingos nós tava até com a madeira dentro do barco pra levar pra fazer a casa pra lá (...). Quando foi de noite (às vésperas da viagem) eu não dormi quase a noite inteira sabendo que indo pra São Domingos eu não ia me acostumar, não ia dar certo. Quando foi de manhã eu disse pro Preto... que eu não queria mais ir. Era pra ele jogar a madeira n’ água que eu ia lá na firma falar pra eles se eles não abriam um lugar pra cá... pra gente vir morar pra cá (Srª Nazaré).
       Dois irmãos de Dona Nazaré (com suas famílias) saíram da comunidade. Foram para Castanhal e para Belém. Mas ela e outro irmão seu permaneceram.
       A empresa Imerys e as empresas terceirizadas montaram suas estruturas exatamente onde estava localizado o centro comunitário e quase toda a área de terras do conjunto de famílias da mesma parentela do pai da Srª Nazaré. O espaço que era o núcleo do centro comunitário deu lugar ao alojamento dos funcionários das empresas. Onde ficavam as casas foi instalado o porto para desembarque do caulim nas balsas; o canavial deu lugar à quadra de esportes para o lazer dos funcionários. Faz parte também da estrutura da empresa que foi montada: o escritório, tanques de água para o beneficiamento do caulim, sistema de máquinas fixas, garagens, estradas além das minas e bacias de rejeito. Toda essa estrutura abrange as comunidades: Santa Maria e Cajueiro Foz.

1. Rio Capim.
2. Vila para onde o núcleo comunitário de Santa Maria do Bacuri foi transferido pela empresa.
3. Vila de Santo Antônio.
4. Porto de embarque de caulim que era levado por balsas para o porto de Barcarena, desativado no ano de 2000 com o início do funcionamento do mineroduto.
5. Alojamento dos funcionários da empresa Imerys e terceirizadas. Este é o exato local do centro comunitário de Santa Maria do Bacuri que foi transferido pela empresa para o local identificado no ponto número 2.
      A Sr.ª. Nazaré se destacou nesse processo de deslocamento. Ela afirma que a empresa se dizia dona das terras e que as famílias não poderiam ficar mais ali, mas respondia que quando a empresa chegou sua família já estava lá e que não iria abandonar o seu lugar.
“Eu passava na frente do papai (...) e dizia que a gente não ia, não ia, não ia mesmo... eu não me acostumo em outro lugar. Eles têm que dar um jeito, pois nós tem que ficar aqui. Eu disse assim: quando o caulim acabar o que vocês vão fazer aqui na terra? Nada. Pois então, vocês tirem o caulim de vocês e deixa nós na nossa terra”. (Sr.ª Nazaré).
Observando os depoimentos é percebido que não houve um movimento de resistência clássica: uma organização coletiva sólida, um discurso político articulado, um lema, uma bandeira e um confronto aprofundado. Mas de todo modo houve resistência. Isto se evidencia com mais força na declarada não permissão da entrada dos pesquisadores nas comunidades, décadas antes da vinda definitiva da empresa, e na postura de Dona Nazaré, e da família de seu irmão, em não sair de suas terras, mesmo que para isso tenham se submetido a perder a total autonomia que tinham sobre suas áreas e a liberdade sobre o território. Permaneceram na terra mesmo vendo sua área e território reduzido e modificado (natureza e “sociedade”) à revelia de sua família e das comunidades.

  1. Rio Capim.
  2. Vila Cajueiro Foz.
  3. Vila de Santa Maria do Bacuri.
  4. Vila de Santo Antônio.
  5. Alojamento da empresa Imerys e terceirizadas.
  6. Área da mina e do escritório da empresa Imerys.

O que marca a resistência em permanecer na área particular e no território é o sentimento e a convicção do pertencimento ao lugar: pela integração ao território, natureza e pelas marcas deixadas pelas famílias, sua produção econômica, suas relações sociais, sua cultura e o tempo que registra tudo que forjaram naquele lugar.
Eles (o pai de dona Nazaré e um fazendeiro da região) abriram essa estrada lá na marra (...) pra eles levarem essa cana que ia pra Bragança de caminhão. Aquela primeira ponte que tinha no Maracaxí foi o papai e o Ademir que fizeram... o Ademir se interessando pro gado dele vir pra cá e o papai se interessando pela cana, aí se juntaram e fizeram. Eles (a empresa Imerys) querem dizer que a gente não pode andar nessa estrada. Não pode? Não senhor! A estrada, quando eles chegaram aqui já tava feita... eles só acabaram de fazer. Mas essa estrada já tinha. Podia até ser um caminho de rato, mas já tava aberta (Srª Nazaré).
Fica claro que não houve um processo de negociação em que empresa e comunidades dialogassem sistematicamente com demonstração de respeito aos comunitários e a tudo que construíram dentro daquele espaço natural e social. Houve, no entanto, como produto do esforço de resistência e do esboço de negociação: um cômodo arranjo. E como ele se deu? Os poucos que não “optaram” por receber a indenização (pelas benfeitorias de suas áreas) foram morar em outro local designado pela empresa, local este para onde foi transferido o centro comunitário, como descrito acima. A família da Sr.ª Nazaré permaneceu com uma pequena faixa de terra, onde cultiva a mandioca, faz a farinha, cria galinhas e tem alguns pés de árvores frutíferas. O resultado de todo trabalho ali é exclusivo para o consumo da família. Do núcleo familiar da Sr.ª Nazaré trabalham nas empresas de mineração e serviços o seu esposo e dois filhos.

4.1. Intermediadores do processo de deslocamento: lideranças locais, sindicato e o peculiar personagem de hibridas representações.
Em meio ao processo de deslocamento das famílias de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz destacam-se três tipos de personagens: os coordenadores locais das comunidades, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e um tipo em especial de múltipla representação que será descrito a seguir.
O sindicato, por meio de seu presidente na época, Raimundo Abade, fez intervenção no “diálogo” entre empresa e agricultores ribeirinhos devido a procura de alguns destes que buscavam orientação. Porém o nível da intervenção do sindicato não alcançou a reflexão mais profunda que levasse a uma organização de resistência coletiva de permanência no território. Portanto se deu ao nível da discussão dos valores a serem pagos aos ribeirinhos à título de indenização pelas benfeitorias.
O presidente do sindicato afirmou que não havia como construir um movimento de resistência, pois o ribeirinho, no ponto de vista do entrevistado, enxergava a invasão da empresa como algo inevitável. Afirmou ainda que os ribeirinhos careciam de conhecimento de seus direitos e que vendo o tamanho da estrutura e força, da postura e argumentos da empresa, se resignavam ao deslocamento. O argumento da empresa era de que o subsolo é da União, que obtiveram legalmente a concessão, que os ribeirinhos não tinham documentação da área e que se não aceitassem a indenização seriam obrigados a sair de qualquer forma. Esta informação aparece na fala de Raimundo Abade, da Sr.ª Nazaré e de vários outros entrevistados que foram deslocados, sendo que alguns serão também citados no decorrer do artigo.
O presidente do sindicato relatou que a estratégia utilizada pela empresa para obter a aprovação da comunidade e para obter domínio do território, foi a cooptação de coordenadores locais. Esta relação se dava, e se mantém, fundamentalmente tendo como elo a garantia de emprego permanente para os membros das famílias destes coordenadores.
Durante o processo de deslocamento eram realizadas algumas reuniões entre a empresa e as comunidades, e nelas o presidente do sindicato procurava intervir no sentido de questionar os baixos valores das indenizações e em cima disso fazer proposta de elevação destes valores, porém, usando de muita habilidade os representantes da empresa respondiam que era importante ouvir os ribeirinhos, que influenciados pelos coordenadores locais se mostravam ávidos a receberem a quantia determinada pela empresa, contanto que fosse feito logo a transação. O presidente do sindicato relata também que muitos ribeirinhos acharam interessante receber a indenização por terem uma expectativa de fazerem um bom uso do dinheiro.
O presidente do sindicato avalia que mesmo que a atuação desta entidade não tenha sido de grandes proporções, ajudou no processo. Afirma que com a pressão do sindicato as indenizações se elevaram, sendo a menor no valor de R$ 5.000,00, mas sendo que outras foram de R$ 12.000,00. Afirmou ainda que em um ou dois casos, o valor chegou a R$ 22.000,00.
Chama atenção neste processo um personagem conhecido em todas as comunidades chamado Sebastião Oliveira. Ele chegou na região do capim ainda jovem, no ano de 1988, vindo da cidade de Castanhal. Filho de uma família numerosa foi para o campo na ocasião da reocupação da área do Cajueiro após conflito com fazendeiros, conforme descrito páginas atrás. Ele afirma que a empresa se instalou definitivamente na região em 1996 e que
Assim que a empresa chegou, ela teve contato com a gente direto... inclusive nós éramos os últimos moradores da colônia e o progresso veio pro nosso lado... então fomos os mais favorecidos porque nós estávamos mais na proximidade da empresa. Com isso a gente se empregou... nós cinco. Nós éramos cinco... todos se empregaram. Na época em que a empresa veio, em 96, a gente estava disposto a ir embora... que era inviável, não tinha como tu viver (...). Teve vez de a gente produzir 300 sacos de arroz e apodrecer dentro de um paiol porque não tinha pra quem vender (Sebastião Oliveira).
Este personagem participou do processo do deslocamento das famílias com híbridas representações, pois era agricultor, delegado sindical com forte influência entre as famílias e ao mesmo tempo empregado das empresas terceirizadas (e posteriormente da mineradora). Com o decorrer dos anos passou a estabelecer uma relação de confiança com a empresa Imerys. Este interessante e intrigante personagem, em seus relatos, expôs com clareza suas lembranças do processo, sua compreensão e sua auto-definição enquanto representação social:
Eu era assim: um representante neutro. Naquela época eu não entrava como aquele impacto do sindicato. Eu represento um povo... com determinados valores e (procurando o) acordo entre o povo e a empresa. Por que? (...) Se tu for andar por aqui tu vê que nós (da região do médio capim) fomos as pessoas mais beneficiadas do município. Nós recebemos escola de qualidade, nós recebemos estrada, nós recebemos atendimento médico, tínhamos uma ambulância muito antes do prefeito dar uma assistência. Então toda nossa assistência de educação, transporte, de saúde, tudo era dado pela empresa. Eu tenho um caderninho de 96, quando eu comecei a trabalhar aqui, a gente teve um surto de malária aqui no Cajueiro em 98, 99 por aí...e o povo ía embora daqui porque tava morrendo de malária. Eu fui com a empresa e me deram suporte (...) e a gente conseguiu controlar isso graças a empresa que dava todo esse apoio! Então a gente teve muita coisa da empresa, não era pra mim, era pra comunidade (...). Eu acho assim: ‘dai a Cesar o que é de César...  a Deus o que é de Deus’. Poxa... quem ajudou, quem deu apoio e dá até hoje... a gente tem que ajudar...pelo menos ser grato. Não é porque eu trabalho na Imerys que eu te digo isso. Até hoje: queima uma bomba da (comunidade) Aparecida, a empresa vai lá e troca, se der um problema na rede elétrica a empresa vai lá e conserta... se não tiver ambulância a empresa vai lá e atende! (Sebastião Oliveira).
Percebe-se um hibridismo de representações no tocante às suas intervenções no cotidiano das comunidades e no processo de deslocamento, porém, percebe-se também certa contradição e tendenciosidade, apesar do esforço de colocar-se em situação de neutralidade, pois afirmava que quando era delegado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais buscava orientação do presidente, porém nas suas intervenções disse que “não entrava com aquele impacto do sindicato”; diz-se representante do povo, mas neutro, o que já revela uma clara controvérsia, uma vez que a representação de alguém por uma causa, ou identificação social, deve logicamente ter um lado definido e não ser neutro (a não ser que interpretemos a palavra neutralidade como estratégia de ação, diplomacia). Contudo este personagem demostra profundo conhecimento do processo do deslocamento compulsório das comunidades como podemos observar no relato abaixo:
A empresa pra se estabilizar, ela teve que demarcar uma área, acho que de, dois mil e quinhentos hectares (...) ela tinha de ter um documento em cima dessa área. Só que essa área aqui era cheio de posseiro como eu e outros: Baixinho, Seu Manoel, Chiquinho... esse povo tudo era o dono da área. A empresa tinha que ter uma área para ser aceitada como área de preservação. Então com isso foi entrado em contato com o ITERPA. O ITERPA deslocou uma pessoa pra cá pra fazer um levantamento do que tinha dentro da área e a gente fez colono por colono. Mapeamos toda a área dos dois mil e quinhentos hectares... todinha, com tudo que tinha dentro. O valor dessa área foi dado pelo ITERPA. A terra ‘nua’ pro Estado não vale nada, mas aí era avaliado pelo o que tinha na terra. Então foi feito esse trabalho com todo mundo. Quando veio a tabela do ITERPA (...) eu peguei a tabela que eu olhei os valores... Por exemplo tinha indenizações que dava R$ 2.000,00... o cara morava lá há dez anos, apesar de ele não ter nada, né. Mas o valor era muito baixo (...).Aí quando eu peguei (era o Dr. Shalke na época que era o responsável) eu disse não, por esse valor aqui eu nem vou levar pro cara porque eu tenho vergonha, agora... se você mexer nisso aqui eu vou levar. Ele levou. Na primeira reunião que a gente fez eu nem aceitei ele apresentar os valores porque era muito inferior ao que a gente pensava, né. E nesse intervalo... aí ele foi pra lá, mexeu e trouxe os valores melhor. Por exemplo: ele dobrou esses valores ou até mais que dobrou esses valores. Aí a gente reuniu, fizemos uma reunião ali no escritório da empresa e... nessa reunião foi decidido por todo mundo os valores. (...) Foi negociado com todo mundo direitinho, foi reunido, conversado e eu acompanhei toda a negociação (Sebastião Oliveira).
  Sebastião Oliveira afirma ainda que a maioria dos posseiros indenizados permaneceu nas comunidades, pois a empresa precisou apenas de uma parte de cada lote para poder demarcá-la como área de reserva como um dos importantes critérios para obter licença ambiental e poder se instalar e desenvolver suas atividades minerárias. Em suas palavras percebe-se que ele enxerga a empresa como generosa por indenizar os ribeirinhos com valores de R$ 5.000,00 a R$ 12.000,00 por pedaços de “terra nua”.
O entrevistado afirma que a maioria dos ribeirinhos passou a morar nas vilas propostas e construídas pela empresa. Segundo ele o motivo da proposição das vilas por parte da empresa se deu pela necessidade de organização e assim facilitar a providência de água encanada, energia elétrica, escola, etc. Afirmou ainda que quem ficou nas vilas permaneceu trabalhando no pedaço de terra que lhe restou ou passou a ser empregado da empresa.
O jovem Manoel da comunidade Cajueiro Foz e que permanece até hoje na Vila, relatou que as terras de sua família, 50 hectares, estavam sobre uma jazida de caulim, portando sendo eles obrigados a saírem da área e receberem a indenização. Com o valor da indenização compraram uma casa na vila e um pedaço de terra que ficou fora da cerca da empresa, antes pertencente ao Sr. Henrique que se mudou para a sede do município de Ipixuna. A área de terras da qual a família de Manoel foi deslocada passou a dar lugar a uma das minas da empresa e à garagem de uma das prestadoras de serviço.
Segundo ele apenas três pessoas da comunidade Cajueiro Foz trabalham na empresa em contraste com a Vila Oliveira, onde quase todos, adultos e jovens, lá trabalham, ou diretamente nela ou nas terceirizadas. Afirma ainda que os valores das indenizações foram baixos e que as lideranças locais não se empenhavam em questionar a empresa devido ao fato de terem forte ligação com a empresa por meio dos empregos.
Em relação a este último aspecto é o que afirma também o Sr. Laureano (que foi deslocado do Cajueiro Foz e hoje mora no residencial do Programa Minha Casa Minha Vida do governo federal na área urbana de Ipixuna) e o Sr. Agripino, vindo também deslocado do Cajueiro Foz - que mora em um bairro afastado do centro chamado Sítio Novo e que apresenta vários problemas como dificuldades para o acesso à água potável, falta de eletricidade, alagamento de ruas etc.
Outra família deslocada da comunidade Cajueiro Foz e que foi para a área urbana de Ipixuna foi a do Sr. Januário. Em entrevista o seu filho Aldair relatou que passaram a morar naquela comunidade em 1985, que possuíam 50 hectares onde trabalhavam 5 unidades familiares da mesma parentela, que produziam na roça para consumo próprio e para comercialização. Porém, no ano de 2005, tiveram que sair da comunidade em virtude do projeto minerário da empresa. Nos primeiros diálogos entre a empresa e seu pai, tinha-se estabelecido a indenização no valor de R$ 20.000,00, porém a empresa pagou apenas R$ 10.000,00. Todos foram para a cidade. O Sr. Januário comprou sua casa no valor de R$ 8.000,00 e pouco ou quase nada sobrou para dividir para seus filhos que já tinham também suas famílias. Quando chegou à cidade conseguiu ser contratado como vigia pela prefeitura por dois anos. Logo depois conseguiu se aposentar como agricultor. Hoje ele vende bombons e doces em um carro ambulante para complementar a sua renda. O seu filho Aldair é comerciante: tem um mercado na periferia e um ponto de venda de farinha na feira municipal no centro da cidade. Aldair afirma que conquistou estabilidade financeira, não pela indenização da empresa que de nada lhe serviu, mas pelo investimento que fez com a venda de seu barco.
Em 2009 a última família moradora da comunidade Santo Antônio é deslocada pela empresa Imerys. Segundo os relatos do Sr. Adonias Silva e sua esposa, houve tensão no diálogo entre a família e a empresa. A família possuía uma área de 25 hectares às margens do igarapé Santo Antônio e lá estava há quase 30 anos. O Sr. Adonias Silva disse que só aceitava a indenização pelo valor de R$ 100.000,00, mas a empresa disse que poderia pagar apenas R$ 30.000,00, até porque ela alegava que já havia indenizado famílias que viviam em lotes maiores pelo valor de R$ 50.000,00 na comunidade do Maracaxí. A Srª Nara Silva, sua esposa, se recusou a sair da área.
Eu disse: eu não vendo minha terra! Eu não vendo mesmo. Eu criei meus filhos todos... Então ele disse (a empresa): qual é a prova que tu tem da terra? Aí eu falei assim: É meus filhos, meus filhos que eu criei tudinho lá, eu tenho prova que é minha a terra. Aí depois ele (a empresa) disse que não, que a terra não era minha não, a terra era do governo... e se nós não vendesse por esse preço nós ia sair de lá sem nada! Tá entendendo?... sem nada, ele falou (...). Aí disseram que se nós não vendesse a terra nós ía perder. Nós ia perder por causa que nós não tinha como provar que a terra era nossa (Srª Nara Silva).
O Sr. Adonias Silva e sua família depois de saírem de sua área foram morar na Vila Aparecida, que foi se formando a partir das famílias deslocadas e por famílias vindas de outras regiões. Apesar de serem obrigados a saírem de seu lote, continuou a usar 3 tarefas, o equivalente a menos de 5% da área total, para plantar mandioca a e fazer farinha. Tomou essa iniciativa sem comunicar a empresa e até hoje ela não interviu. Ao final da entrevista o Sr. Adonias Silva expressa o que pensa do deslocamento e da empresa:
Até hoje eu fico pensando... a terra da gente, trabalhamos tanto, criamos nossos filhos... e a empresa hoje chega, mete a mão e toma... e fica por isso. Se a pessoa vai lá atrás de um emprego... bota a maior dificuldade. Tem que botar currículo e esperar um ano, dois anos (Sr. Adonias Silva).
Nas entrevistas, entre os ribeirinhos que foram deslocados e os que observam, alguns afirmam que Sebastião Oliveira foi muito importante no diálogo entre comunidades e a empresa e que intervinha em defesa do povo durante o processo de deslocamento e também nas reivindicações de apoio às comunidades. Outros afirmam que ele intervinha aparentando estar do lado do povo, porém com o objetivo de beneficiar a empresa para adquirir vantagens como empregos para a família, prioridade para a sua comunidade (Vila Oliveira) e promoções, tendo seu prestígio sempre em ascensão dentro da empresa. Há quem afirme também que no começo do processo Sebastião defendia o povo e que com o passar do tempo foi se mostrando um defensor dos interesses da empresa em detrimento daqueles.
Segundo informações do próprio Sebastião Oliveira, já no ano de 1996, ano de início dos trabalhos da exploração mineral, começou trabalhando nas empresas terceirizadas. Iniciou respectivamente como pedreiro, carpinteiro e encarregado de reflorestamento. Em 2003 ingressou na empresa Imerys como auxiliar de produção 1 e operador de produção 2. No ano de 2008 foi convidado a participar de um processo seletivo para concorrer a uma vaga de supervisor de produção, obteve êxito e desenvolve esta função atualmente. Ele afirma ainda que quando começou a trabalhar nas empresas terceirizadas tinha apenas a quarta série primária. Completou o ensino fundamental e estudou o médio pelo SESI (Serviço Social da Indústria), cursos oferecidos pela empresa para funcionários.
4.2. Expansão da exploração, expansão do deslocamento, novos conflitos: Apuiteua e Cajueirinho
O Sr. Ernandes chegou à região do Capim com sua família no ano de 1983 quando da reocupação, por trabalhadores rurais, da região do Cajueiro. Se instalou nas proximidades do igarapé Apuiteua, braço do igarapé Cajueiro, que por sua vez deságua no Rio Capim. Começou a produzir em um lote de 25 hectares e com o passar do tempo ampliou para 75 hectares devido a intervenção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais que reorganizou a área redistribuindo lotes ociosos. Em suas terras praticava fundamentalmente a cultura do arroz, da mandioca e do gado.
O Sr. Ernandes era uma liderança destacada na região do Capim, primeira referência de organização comunitária no Apuiteua e tinha papel de grande importância na condução das celebrações, festividades e campanhas católicas. Viviam na comunidade sete famílias, sendo que cinco tinham relação de parentesco com o Sr. Ernandes.
A partir do ano de 2005 deu-se início ao diálogo entre empresa Imerys e comunidade Apuiteua com vistas a discutir o deslocamento das famílias que ali viviam. O Sr. Ernandes relata que
... eles (a empresa) deram em cima de nós lá, né. E a gente disse que não ia sair. Eu (dizia) não quero sair, eu não tô aqui pra sair, eu tô pra trabalhar porque eu sou colono... eu não quero sair de maneira nenhuma. (A empresa dizia) Mas vocês tem que sair, vocês tem que negociar, porque isso aqui vocês sabem, é do governo. Tinha vez que eles diziam assim: Se vocês não quiser sair daqui... isso é do governo, a gente joga na mão do governo e o governo joga vocês fora. Até que um dia eu falei assim: O governo não faz isso com ninguém, principalmente com o homem que trabalha (Sr. Ernandes).
O Sr. Ernandes, devido a sua notória liderança regional e local, foi o primeiro a ser procurado pela empresa para iniciar um diálogo visando convencer as famílias do Apuiteua a aceitarem indenizações para que a comunidade, se desfazendo, passasse a dar lugar a expansão das minas de caulim. Portanto observamos que
O que está em jogo nas relações internacionais e, ao mesmo tempo, nas relações locais é a expansão da infraestrutura produtiva pesada a qual somente se concretiza dentro da lógica do circuito global. Assim, essa expansão da infraestrutura e do capital fixo sempre se faz à custa dos recursos naturais locais (...). A cada implantação de uma indústria pesada, energética, mineral, metalúrgica ou petroquímica, decorre que todos os outros projetos e usos possíveis para os mesmos locais são tornados indesejáveis, inviáveis, até impossíveis (SEVÁ FILHO, 2010, p. 15-16).
Os comunitários resistiam não apenas como forma de forçar uma negociação mais justa e respeitosa, mas também porque nutriam um forte sentimento de pertencimento de lugar. Moravam lá há quase 30 anos, desbravaram, fizeram suas roças, abriram os primeiros caminhos e estradas, desciam e subiam igarapés e rios para vender sua produção, para negociar. Construíram uma comunidade, construíram relações diversas com as comunidades vizinhas expressas nas trocas econômicas e culturais. Celebravam a vida e buscavam inspiração para vencer as dificuldades nos cultos religiosos comunitários e intercomunitários. Militavam politicamente e como cidadãos conscientes de seus direitos reivindicavam do poder público local abertura e melhoria de estradas, transporte escolar e escola de qualidade. Tanto que conquistaram uma escola de boa qualidade, feita pelo governo municipal no ano de 2005. Porém, considerando o forte assédio da empresa, o ponto principal do diálogo se dava quanto ao valor das indenizações. A respeito disto o Sr. Ernandes nos informa que:
Ela (a empresa) sempre oferecia o valor e a gente dizia que não... tava baixo porque a gente ia fazer o balanço do que a gente tirava de lá: o arroz, a farinha, quantos sacos por ano e toda vida o valor deles dava abaixo. E a gente em cima deles, olha: Eu não posso sair daqui porque o meu valor aqui tá saindo mais do que o que vocês tão dando... então pra mim sair daqui pra passar fome, eu não vou sair de maneira nenhuma. Então eles chegaram até o ponto de a gente negociar ” (Sr. Ernandes).
Comparando a primeira fase do deslocamento envolvendo as comunidades Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz, com a segunda fase envolvendo Apuiteua e Cajueirinho, percebe-se uma diferença no grau e na forma de resistência.
Como o Sr. Ernandes transitava em toda aquela região, em especial nas três primeiras comunidades que sofreram o impacto do deslocamento, tinha total clareza de como se deu este processo em sua primeira fase. Já havia observado os prejuízos que as comunidades haviam sofrido e as estratégias da empresa, portanto esta observação lhe dava condições de alertar a si próprio e à comunidade que dirigia.
E toda vida... no nosso local lá que eu era coordenador naquela época... Os meus da minha comunidade... quando eles (a empresa) ia fazer um reunião comigo, eu reunia os meus primeiro e falava como era pra eles falar. Quando eles vinham na reunião, o que eles (empresa) perguntavam, eles (as famílias) diziam só uma palavra. E assim eles (a empresa) nunca tiveram muita força. Com nós, toda vida, eles tiveram muita calma... Graças a Deus. Até hoje a gente considera eles e eles considera a gente (Sr. Ernandes).
Tanta foi esta calma, de ambas as partes, que a negociação se iniciou em 2005 e o deslocamento só começou a ser realizado a partir do ano de 2011.
É notório na região o fato de que as famílias que foram deslocadas do Apuiteua receberam indenizações, em média, que correspondem de 20 a 30 vezes mais do que o menor valor pago às famílias das comunidades de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz.
Procurando pela resposta do porquê de tamanha disparidade de valores das indenizações de uma e de outra fase do deslocamento, ouvi do Sr. Sebastião Oliveira um importante relato que nos ajuda a entender bem o que colaborou para a elevação destas indenizações. No primeiro caso envolvendo as comunidades Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz
A empresa indenizou o povo e teve que comprar do Estado (as mesmas áreas das famílias as quais indenizou). Ela indenizou porque o Estado só ia vender pra ela (empresa) quando não tivesse mais nenhum posseiro dentro. Então o que é que ela fez? Ela indenizou e foi lá e comprou do Estado. E o que que ela fez no Apuiteua? Ela pegou o cara, levou lá, titulou a terra no nome do cara e comprou a posse. Ela não precisou ir comprar do Estado. Ela levou de um por um, titularam a terra... então se ela ia pagar R$ 1.000,00 por hectare pro colono e depois ia pagar R$ 2.000,00 lá pro governo, ela pagou R$ 2.500,00 pro colono (Sebastião Oliveira).
A nova tática de buscar a regularização das terras do ribeirinho a fim de convergir o recurso financeiro todo na indenização aumentando o seu valor, foi uma criativa solução técnica. Porém esta medida só foi tomada devido à resistência e organização dos comunitários do Apuiteua que diante das estratégias da empresa, também apresentava as suas no processo de negociação. Mais uma vez recorremos ao Sr. Ernandes que a relata:
A empresa nunca chamou todos os colonos (juntos) lá pra dentro do escritório. Sempre ela chamava de um por um. E quando eu saí de casa na última hora, no último cartucho... eu falei pra eles (comunitários do Apuiteua): Com certeza quem vai entrar lá primeiro sou eu... e quando eu sair de lá eu dou sinal pra vocês... se for um sinal bom vocês pode negociar, mas negocia mesmo (Sr. Ernandes).
Esta transcrição descreve o ápice da negociação que durou seis anos. A comunidade Apuiteua obteve uma vitória significativa dentro do processo de negociação de como se daria o deslocamento. Melhor dizendo a negociação em si foi a própria vitória, considerando que na primeira fase do deslocamento envolvendo as comunidades de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz, não houve uma negociação e sim arranjos. Houve uma vitória por parte dos comunitários do Apuiteua, porém ocorreu a expansão do chamado desenvolvimento. Veio implacável, pagando o preço da paciência, da diplomacia e do maior custo da “desobstrução”. Foi uma vitória parcial quando se observa que o povo do Apuiteua mesmo havido negociado com êxito as condições de sua saída da terra, este deslocamento, ainda assim, foi compulsório como podemos observar no conclusivo relato do Sr. Ernandes:
O resultado da negociação foi bom. Não foi mal porque a gente saiu de lá e se colocou. Não se colocou como a gente tava lá, que a gente era aclimatado, acostumado, gostava muito da região, a terra era muito boa... (Sr. Ernandes).
Quando eu saí de Mãe do Rio eu fretei um barco cheguei sete horas da noite na (comunidade) Deus Por Nós. Dormi. No outro dia eu saí com a minha família seis horas da manhã, cheguei meio-dia no Apuiteua, por dentro de um pico... um pico que nós tinha feito lá, né. Subindo pau e descendo, passando por debaixo de serragem... cheguei meio-dia. Quando eu cheguei lá já tinha o arroz... tava começando a madurar (Descrição da sua chegada na região na década de 80). Eu sofri muito ali, trabalhei muito ali, me esforcei muito ali... Saí, mas até hoje a mulher se lembra de lá (...) porque nós tinha amor! Nós trabalhava com gosto... (Sr. Ernandes).
Neste relato do Sr. Ernandes, carregado de subjetividade podemos observar também que:
“A relação dos sujeitos com o território desvela sentimentos, valores e preferências transmitidos através de gerações que construíram sua própria cultura, seu modo de vida, e atribuíram para além do valor material, um valor simbólico à terra, à mata, ao rio, elementos formadores de identidades e alteridades” (PEREIRA; PENIDO, 2010, p. 258).
Cajueirinho é uma comunidade que se estabeleceu mais próximo à nascente do Igarapé Cajueiro. É uma área que também foi ocupada a partir do desfecho do embate entre trabalhadores rurais e fazendeiros ocorrido na década de 1980. Contudo, no início da década de 2000, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipixuna do Pará tomou a iniciativa de reorganizar a distribuição dos lotes, uma vez que avaliara que muitos lotes estavam ociosos. Esta reorganização conduzida pelo sindicato consistiu em anular o direito de uso da terra por parte daqueles que lá não produziam nem permaneciam, em benefício de novas famílias, do Rio Capim ou de outras regiões, que estivessem dispostas a se fixar e trabalhar naquelas terras. Paralelo à condução do sindicato, havia também negociações de compra e venda de terrenos entre os próprios trabalhadores rurais.
Foi em meio a este processo que chegou à comunidade do Cajueirinho o Sr. Manoel dos Reis Silva, conhecido como Bit. Ele relatou que o antigo dono da área tinha dois lotes e tendo o sindicato dialogado com este antigo dono que não produzia na terra, o mesmo lhe cedeu um dos lotes. Logo em seguida o Sr. Manoel dos Reis comprou o outro lote do antigo dono. Com o passar do tempo o entrevistado comprou mais um lote do seu confinante somando um total de 75 hectares. O Sr. Manoel dos Reis veio da cidade de Irituia e lá não possuía terra, mas trabalhava no lote de sua mãe.
O entrevistado afirmou (2014) que hoje produzia em sua terra: maniva, arroz, milho, feijão, macaxeira, abóbora, melancia, além de criação de galinha e porcos. Tem plantado 300 pés de pimenta, 34 tarefas de mandioca (sendo a produtividade em média de 40 sacas de mandioca por tarefa), 150 pés de cacau e 300 pés de açaí.
A empresa fez a pesquisa na área do entrevistado para averiguar a existência do caulim no subsolo, porém foi constatado que não havia. Da mesma forma aconteceu com todos os lotes das famílias da comunidade Cajueirinho, diferente do que ocorreu na vizinha comunidade Apuiteua, onde foi constatado o minério no subsolo dos lotes de todas as famílias que compunham a comunidade. Portanto, segundo a empresa, não haveria a necessidade de deslocar e indenizar as famílias da comunidade Cajueirinho. Somente algumas poucas famílias receberam indenização da empresa referente a abertura da estrada que tinha que cortar esses lotes para que fosse possível o transporte do minério da mina do Apuiteua até as bases de processamento da empresa para transformar o caulim em forma de polpa, condição necessária para enviá-lo até Barcarena via mineroduto.
Em contrapartida a este impacto, com o empenho do já referido personagem Sr. Sebastião Oliveira, a empresa propôs a criação da Vila do Cajueirinho. Construiu uma escola, se propôs a colocar energia elétrica, água encanada e construir um retiro comunitário. A proposta seria de que as famílias continuassem a trabalhar em seus lotes, mas que suas moradias fossem construídas na vila. Inicialmente houve uma mobilização da comunidade neste sentido, porém foi refreada devido a um grave problema: A degradação do Igarapé Cajueiro em virtude da exploração da mina do Apuiteua iniciada em 2013. Até antes do início da exploração desta mina, o Igarapé Cajueiro, na altura da comunidade Cajueirinho não tinha sido afetado.
O Sr. Manoel dos Reis e outros entrevistados afirmaram de forma incisiva o quanto o igarapé estava sendo degradado e o quanto esta degradação prejudicava as famílias, pois era do igarapé que usavam a água para beber, preparar os alimentos, tomar banho e produzir a farinha d’ água.
Portanto, dentro desta nova fase de deslocamento, surge um fato novo: ao invés de as famílias receberem proposta da empresa para saírem de suas terras, as próprias famílias chegaram até à empresa para exigirem o pagamento de indenização para saírem da área. Segundo o entrevistado a oferta da empresa de construir uma vila e fornecer estrutura como água encanada e energia, dentre outras, seria uma estratégia da empresa para “prender” as famílias na comunidade para, com isso, não se ver obrigada a ter que pagar indenizações.
A gente reuniu e foi lá no escritório e falamos com eles (...) e colocamos pra eles que a água não tava prestando mais e aí eles tinham que dar um jeito de tirar a gente daqui... indenizar o que a gente tem aqui (Sr. Manoel dos Reis).
A partir daí foi iniciado um processo de negociação. Negociações estas que ocorriam em conversas individuais entre a empresa e cada família, mas também com reuniões entre a empresa e a comunidade. Depois das primeiras conversas foi acertada uma reunião para que o gerente da empresa ouvisse as famílias e levasse suas propostas aos superiores da empresa. Chegada a data da reunião e a empresa não comparecendo, no dia seguinte, dez das dezessete famílias da comunidade decidiram tomar uma medida mais enérgica para chamar atenção para uma negociação mais séria e consequente, como descreve o Sr. Manoel dos Reis
Fomos pra lá... deixamos as caçambas passar pra mina... quando passou a última... antes de a primeira voltar nós bloqueamos a estrada... mas também pacificamente. Chegou a primeira caçamba e nós dissemos: aqui tá parado hoje! Vocês não vão passar nenhum aqui! Vieram as caçambas todas, encostaram... agora vocês tem rádio aí... pode passar pro patrão de vocês, pro chefe e ninguém passa aqui até o Seu Nilmã (gerente da empresa) vir aqui se explicar e dizer por que não aconteceu a reunião que era pra ter acontecido com nós (...) porque nós temos um combinado e o combinado é trabalhar em cima dessa indenização, em cima do problema dessa água aí (Sr. Manoel dos Reis).
Feita esta ação, o gerente da empresa chegou até o local, deu as devidas explicações e marcou outra data para a reunião. Segundo o entrevistado, a partir desta iniciativa a empresa passou a tratá-los com mais seriedade no processo de negociação. Com o acontecimento da reunião que foi remarcada, as famílias levaram um representante da empresa até o Igarapé Cajueiro para que ele constatasse a degradação. Em seguida definiram a proposta a ser levada a instâncias superiores da empresa.
Na continuidade do processo a empresa realizou medições dos lotes e fez um cadastro no qual constam as benfeitorias de cada família. A partir deste levantamento a empresa criou tabelas para as indenizações que variam de R$ 2.700,00 a R$ 4.000,00 por hectare em média. Porém, muitos detalhes permeiam as negociações, pois, a título de exemplo, a empresa não queria indenizar o Sr. Manoel dos Reis tendo como base os seus três lotes que totalizam 75 hectares, alegando que a sua produção se concentra em apenas um. Porém ele resiste alegando à empresa que ela não considera, com isto, a perspectiva de expansão da sua produção, uma vez que no primeiro cadastro que a empresa fez ele tinha 25 tarefas de mandioca plantada e que seis meses depois sua roça já cobria uma área de 34 tarefas. Afirma ainda que pensa no espaço de trabalho enquanto futuro para seus filhos. Sair dali significa interromper um processo de fixação que implicou muito trabalho, tempo e esforço. Portanto, se estabelecer em outro lugar implicaria no reinício da estruturação da vida no sentido do trabalho e até no aspecto social quando se tem a necessidade de construir uma outra relação de vizinhança.
O processo de negociação do deslocamento das famílias da comunidade Cajueirinho continua em andamento. Os comunitários resistem firmemente quanto às condições da negociação e quanto ao valor das indenizações. Porém, se por um lado cultivam a perspectiva de receberem uma indenização justa que os possibilite comprar novas terras e se reestabelecerem no fazer de suas atividades da agricultura, por outro, vivem a tensão de não chegarem brevemente a um consenso, o que significa conviver por mais tempo com os problemas gerados pela degradação do igarapé. Preocupam-se também com a situação da insegurança de ampliarem sua área de produção sem ter a certeza de que isto agregará mais valor às suas indenizações. Além de tudo isso temem o desgaste da unificação das famílias no propósito de negociarem coletivamente com a empresa, uma vez que algumas famílias já aceitaram proposta de indenização. Portanto alguns temem ficarem isolados no processo de negociação sendo a consequência disto: ou a convivência permanente com o problema da água ou ainda de serem obrigados a aceitarem uma proposta bem inferior ao que almejavam.
O entrevistado afirma que, nas reuniões, a empresa se valia do discurso de que não há desenvolvimento sem algumas consequências negativas, mas que, por outro lado, o desenvolvimento traz benefícios às comunidades como estrada, melhor acesso à saúde e à educação. No entanto o Sr. Manoel dos Reis afirma que a estrada vem, mas as melhores são para a passagem do minério e que os moradores das comunidades têm diversas restrições para transitá-las. A possibilidade de acesso a outros benefícios aparece, mas a que preço?

Por mais que no caso do Cajueirinho os próprios comunitários tomem a iniciativa para receberem a indenização, fazem isto pelo fato de sentirem os impactos ambientais, sociais e econômicos da atividade minerária. O cerco do desenvolvimento se fecha sobre sua comunidade. Veem-se obrigados a fugir deste cerco e apesar de buscarem o deslocamento, este ainda se configura como um deslocamento compulsório devido ao implacável evento do desenvolvimento que não lhes dá outra opção. Esta força implacável emana das “organizações modernas (que) são capazes de conectar o global e o local” (GIDDENS, 1991, p. 30). Porém, “a crítica ao global - como força que oprime e explora - só pode ser efetuada a partir do local, onde o conhecimento é possível e as trincheiras da resistência estão em curso” (ZHOURI; OLIVEIRA, 2010, p. 443).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A desestruturação do modo de vida nas comunidades ribeirinhas e o deslocamento compulsório são as marcas mais profundas geradas pelo fulminante e irrefreável processo de desenvolvimento chegado neste lugar da Amazônia, a região do Rio Capim.
A desestruturação é o próprio deslocamento, não apenas para os deslocados que foram obrigados a achar o caminho da cidade, nem apenas para os deslocados que permaneceram na região, mas também para aqueles que não foram deslocados fisicamente, mas que juntamente com os outros perderam autonomia de seu território e viram este ser modificado por instituições exógenas à revelia da vontade das comunidades.
Esta desestruturação consiste no deslocamento; na cerca e nas portarias da empresa que impedem o ribeirinho de transitar nas largas e bem conservadas estradas que estão reservadas ao trânsito do minério e aos agentes do empreendimento; na proibição da caça e da retirada de madeira de áreas que há duas décadas pertenciam, na prática, às famílias ribeirinhas; na degradação dos igarapés que serviam às comunidades para a pesca, para o uso doméstico, produção e como via de transporte intra e inter comunidades.
O processo de deslocamento compulsório se apresentou e se apresenta constante e de formas diversas. Não ocorreu em um só momento, de uma só forma e com uma mesma reação das comunidades. Nem tampouco o deslocamento, em sua quase totalidade, não ocorreu com uma reação uniforme das famílias no seio de uma mesma comunidade.
Na primeira fase do deslocamento que vai de 1996 à 2009, envolvendo as comunidades de Santa Maria do Bacuri, podemos concluir que não houve negociação entre os ribeirinhos e a mineradora. Negociação é uma constante no discurso dos agentes da empresa, porém o que foi observado foi a realização de arranjos entre ela e as famílias.
A expressão destes arranjos se vê na transferência do núcleo comunitário de Santa Maria do Bacuri para um lugar escolhido pela empresa; nas indenizações pagas às famílias referentes apenas à parte de seus terrenos; e na prática da oferta de empregos preferencialmente aos familiares das lideranças comunitárias para refrear qualquer movimento de resistência, se configurando este arranjo também como tática da empresa.
O caso da Sr.ª Nazaré, que desistiu de sair de suas terras e submetendo-se a dividi-la com a empresa, permaneceu na prática do cultivo da roça e na produção da farinha, cultivando a esperança de um dia tê-la de volta em sua integralidade, é uma forma de resistência. Assim como o caso da família do Sr. Adonias Silva, último ribeirinho a ser deslocado da comunidade Santo Antônio no ano de 2009, que inicialmente resiste sair de sua terra pelo valor de indenização oferecido pela empresa e que mesmo depois de sair, cedendo à irredutível proposta da empresa, permaneceu utilizando, para fazer sua roça, uma pequena faixa de terra do que era seu antigo lote sem comunicar à empresa.
Situações de conflito, assim, fazem emergir estratégias e ações para a solução dos impasses, ou seja, para a solução dos problemas que originaram a crise. Não é necessário que as insatisfações resultem em confrontos ou levantes espetaculares, e que os distúrbios sejam marcados por revoltas estrondosas que levem eclosões violentas entre atores de posições opostas [...] (COELHO; CUNHA; WANDERLEY, 2010, p. 281).
A respeito das estratégias criadas pelos atores locais ou, pura e simplesmente, de reações espontâneas diversas para enfrentar a invasão de seu território por parte da empresa, surge o arranjo: como produto do esforço de resistência somado ao esboço de uma negociação entre a empresa e as famílias, considerando que
O arranjo do espaço pode ser concebido como um complexo de territorialidades. Isto é, um complexo recortamento, um múltiplo de áreas configurativas do espaço como uma estrutura corológica, genética e genealogicamente tensa e densa de conflitos (MOREIRA, 2007, p.81).
O momento da chegada da exploração mineral no município de Ipixuna do Pará coincide com o seu surgimento enquanto instituição. E apesar de alguns dos governantes deste novo município terem alguma experiência enquanto agentes públicos quando ainda vinculados ao município de São Domingos do Capim, dirigir um município era algo novo e desafiador. E em meio ao contexto da época, em que o Brasil passava por diversas e profundas crises econômicas, apesar dos receios, receber um empreendimento minerário de tal grandeza na cidade, parecia ser uma grande oportunidade de desenvolvimento esperada no aumento da arrecadação para os cofres públicos, na geração de empregos, nos investimentos na infraestrutura e no auxílio da empresa às comunidades ribeirinhas por meio de sua política social. E neste clima de otimismo que eram realizadas as reuniões e audiências públicas para o debate do tema. Considerando estes elementos foi, portanto, fácil para a empresa se instalar na região. Neste primeiro momento o poder público não se destaca como ator do processo.
A segunda fase do processo de deslocamento envolveu diretamente as comunidades do Apuiteua e Cajueirinho, tendo sido iniciado, para este fim, o diálogo entre elas e a empresa no ano de 2005.
Na primeira fase, como constatamos e justificamos, não houve negociação e sim arranjos. Todavia na segunda fase, a experiência de observação das lideranças e comunitários do Apuiteua aos casos de deslocamento das comunidades de Santa Maria do Bacuri, Santo Antônio e Cajueiro Foz foi essencial para que se posicionassem de maneira segura e com elevado grau de organização. Portanto, a partir desta postura, o que na primeira fase foi um esboço, aqui finalmente surge como negociação.
Se na primeira fase a cooptação de lideranças por meio da oferta de empregos desarticulava a resistência, na segunda fase esta oferta não os iludia. Se na primeira fase a ameaça de que se os comunitários não aceitassem a proposta de indenização da empresa eles iriam ter que sair de qualquer maneira por não possuírem documento da terra impunha o medo, na segunda fase essa ameaça já não surtia mais efeito. Ao mesmo tempo os comunitários criavam suas estratégias como combinarem o ritmo de resistência de cada família, os valores de pedido de indenização, a unificação do discurso e o acerto de que as famílias só sairiam da comunidade quando todas entrassem em acordo com a empresa.
Em 2011 quando em fim a comunidade e a empresa entraram em acordo quanto aos valores das indenizações, ocorreu o deslocamento. As indenizações foram bem mais altas do que as pagas na primeira fase. Isto foi uma vitória, porém a negociação jamais deu perspectivas de permanência na terra e sim serviu para definir as condições da inevitável saída dela. Eis o deslocamento compulsório.
A segunda fase do deslocamento não se esgotou. A comunidade do Cajueirinho, sofrendo os impactos ambientais que refletem na sua produção e em vários aspectos de sua vida, trazendo um elemento novo ao processo, se posiciona no sentido de exigir que a empresa indenize as famílias por sentirem que o cerco estava se fechando para eles. A empresa não tem interesse em indenizá-los devido a ausência do minério no subsolo daquela comunidade. Diante desta situação, famílias do Cajueirinho forjaram maneiras de pressionar a empresa como a realização de reuniões para mostrarem a ela a degradação do Igarapé Cajueiro e por isto a inviabilização da produção da farinha. Se utilizaram também de ameaças de denúncia da degradação ambiental aos órgãos competentes e à imprensa, bem como tomaram de meios mais radicais como interrupção de estradas da empresa, com isso interrompendo a produção do caulim para forçar uma negociação mais rápida e de acordo com os anseios desta comunidade que também busca inspiração na forma de organização dos comunitários do Apuiteua.
A partir de meados da década de 2000 o poder público local passou a ter papel de destaque na região, tanto no sentido de direcionar algumas importantes obras e ações para a região, como para cobrar a empresa e chamá-la como parceira para concretização de projetos que beneficiem a região.
Porém, ainda hoje, dez anos após a emergência desta mudança de postura deste ator na inserção das relações na região do Capim, o poder público encontra seu limite de intervenção ao não se posicionar na questão do deslocamento compulsório, que ocorreu, ocorre e continuará ocorrendo Rio Capim acima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Marcos Carmo de. As consequências da exploração mineral na Amazônia- caso de Ipixuna do Pará / empresa Imerys RCC S/A. TCC. UFPA: 2008.
BERTÉ, Rodrigo. Gestão ambiental e responsabilidade social corporativas nas organizações. Curitiba: Edição do autor, 2007.
FERREIRA, A. B. H. AurélioséculoXXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
GIDDENS, Antony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
MONTEIRO, Maurílio de Abreu. Dossiê Amazônia brasileira I: meio século de mineração industrial na Amazônia e suas implicações para o Desenvolvimento Regional. Disponível em www.scielo.brcielo. Publicado em 2005. Acesso em 20 de janeiro de 2007.
MONTEIRO, Maurílio de Abreu. Atlas socioambiental de Tomé-Açu, Aurora, Ipixuna do Pará, Paragominas e Ulianópolis. Belém: NAEA, 2009.
PEREIRA e PENIDO. Conflitos em empreendimentos hidrelétricos: possibilidades e impossibilidades do (des)envolvimento social. In ZHOURI, A. e LASCHEFESKI, k. Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 250-275.
QUEIROZ, L.J. S de. Estudo de depósitos minerais dos distritos mineiros do Pará. Trabalho de conclusão de curso. Geologia. TCC. UFPA, 2004.
SEVÁ FILHO. Problemas intrínsecos e graves da expansão mineral, metalúrgica, petrolífera e hidrelétrica nas Amazônias. In: ZHOURI, A. e LASCHEFESKI, k. Desenvolvimento e conflitos ambientais, Editora UFMG, Belo Horizonte, 2010, p. 114-147.
ZHOURI, A. e OLIVEIRA, R. Quando o lugar resiste ao espaço: colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: ZHOURI, A. e LASCHEFESKI, k. Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 439-462.


* Mestre em Ciências Sociais e Graduado em Sociologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Atualmente trabalha como Professor de Filosofia e Sociologia pela Secretaria de Educação do Estado do Pará. Email: mcaipixuna@gmail.com.

1 Tal política consistia na doação de cesta básica de alimentos e medicamentos oferecidos pelas empresas em questão.

2 No início da década de 90, na região do Capim, surgiu um movimento emancipacionista visando o desmembramento das Vilas de Ipixuna e de Aurora do município de São Domingos do Capim. Este movimento foi articulado, propagado e dirigido por políticos locais tanto de tendências conservadoras, como de tendências progressistas e de esquerda, bem como pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, educadores e comunidade católica. O movimento culminou em um plebiscito que respaldou a criação dos municípios de Ipixuna do Pará e Aurora do Pará.

3 Lei Federal nº 6.938/81 concernente a criação da Política Nacional de Meio Ambiente; Decreto 88.351/83 que regulamenta a lei acima citada, no sentido de promover o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras; dentre outras.

4 Conjunto de atividades científicas e técnicas que incluem: o diagnóstico ambiental, a identificação, previsão e mediação dos impactos, a interpretação e valoração dos impactos, a definição de medidas mitigadoras e programas de monitoramento dos impactos (BERTÉ, 2007 p105).

5 O RIMA consubstancia as conclusões do EIA, devendo conter a discussão dos impactos em linguagem acessível e ser divulgado ao público principalmente para as comunidades afetadas diretamente (BERTÉ, 2007).

6 Os relatórios das audiências públicas, bem como o RIMA de instalação da Imerys RCC, não estão disponíveis em nenhum órgão do executivo nem na câmara municipal de Ipixuna do Pará. Tais documentos também não foram encontrados nos arquivos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente como determina a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA nº 001/86 art. 11º.

7 A comunidade leva este nome por estar situada em frente a uma pequena ilha, ou seja, uma pontinha de terra, que serve aos ribeirinhos como área de criação de porcos.

8 Vinte e cinco hectares é a quantidade de terra que forma um lote agrícola, correspondendo à cinco alqueires ou de forma mais prática duzentos e cinquenta metros de frente e mil metros de fundo.

9 Sinônimo de “Vendedor ambulante ou regatão: Vendedor que percorre os rios de barco, parando de lugar em lugar (...) que levam mercadorias e as vendem à dinheiro ou permutam”; “Intermediário na compra de produtos agrícolas” (FERREIRA, A. B. H, 1999).

10 Barracão onde se produz a farinha.


Recibido: 04/08/2017 Aceptado: 20/09/2017 Publicado: Septiembre de 2017

Nota Importante a Leer:

Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.
Este artículo es editado por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.