Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O CONSUMO DE MODA EM BRECHÓS NO CONTEXTO DA INDÚSTRIA CRIATIVA

Autores e infomación del artículo

Raquel Denise Salvalaio*

Mary Sandra Guerra Ashton**

Universidade Feevale, Brasil

raquel.rach@gmail.com

RESUMO

O presente artigo aborda o emergente crescimento no ramo dos brechós e a modificação da mentalidade do consumidor brasileiro com relação a compra de roupas de segunda mão, nos últimos cinco anos. Para delinear a investigação, o principal objetivo proposto foi o de investigar a relevância da moda second hand no contexto da indústria criativa, além de analisar as motivações dos consumidores de brechó. A seguinte pesquisa foi conduzida a partir do método exploratório descritivo, com abordagem qualitativa complementado por uma pesquisa de campo com aplicação de um questionário via redes sociais por intermédio da plataforma Google Forms, seguido de uma análise qualitativa dos dados coletados. Entre os resultados observou-se que o crescimento da moda de segunda mão está profundamente associado ao benefício financeiro oferecido pelos brechós, além da busca por exclusividade de itens de moda, e a prática do consumo consciente.

Palavras-chave: Brechós. Indústria Criativa. Redes Sociais.  Moda de segunda mão. Consumo.

            ABSTRACT
This article discusses the emerging growth in branch of the thrift stores and the modification of the Brazilian consumer mentality regarding the purchase of second hand clothes in the past five years. To outlining the research, the main objective was to investigate the relevance of fashion second hand in the context of the creative industry, as well as analyze the motivations of consumers of thrift store. The following research was conducted from the exploratory descriptive method, with a qualitative approach complemented by a field research with application of a questionnaire via social networks by means of Google Forms platform, followed by a qualitative analysis of the data collected. The results showed that the growth of second hand fashion is deeply associated with the financial benefit offered by the thrift stores, in addition to the quest for uniqueness of fashion items, and the practice of conscientious consumption.

Keywords: Thrift shops. Creative Industry. Social Networks.  Second-hand fashion. Consumption.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Raquel Denise Salvalaio y Mary Sandra Guerra Ashton (2017): “O consumo de moda em brechós no contexto da indústria criativa”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/industria-criativa.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703industria-criativa


INTRODUÇÃO

Durante décadas criou-se no imaginário do consumidor brasileiro o conceito da moda de brechós como algo de menor valor, sendo uma prática pouco usual ao grande público. A ideia da compra de itens de moda de segunda mão em brechós costumava soar como algo a ser feito apenas em casos de necessidade financeira, já que os produtos oferecidos usualmente detinham baixo valor agregado e não satisfaziam em termos de qualidade (KRÜGER, 2011). Porém, tal cenário tem sofrido uma ruptura nos últimos anos, por conta da nova mentalidade do consumidor, que tem se preocupado em consumir moda de maneira consciente e não mais baseada no consumismo e acúmulo, valorizando com isso a prática de consumo de artigos de moda segunda mão. Ratificando o presente artigo, uma pesquisa realizada pelo SEBRAE registrou um crescimento de 210% em cinco anos no setor dos brechós (INNOVARE PESQUISA, 2015).

Amato (2015) destaca que a sociedade atual na qual vivemos necessita de um novo paradigma de produção-consumo-descarte. Concomitantemente, Carvalhal (2015) afirma que a atual sociedade de consumo e desperdício está com os dias contados, iniciando um novo momento social, em que passará a existir um capitalismo baseado no consumo consciente. Levando em consideração tais transformações sociais, os brechós e grupos de trocas de roupas de segunda mão tem naturalmente, se sobressaído desde o advento da indústria criativa, principalmente por fazerem jus às aspirações desses novos consumidores.
Nesta conjuntura, a indústria criativa é definida como uma economia baseada em recursos intangíveis, já que sua principal matéria-prima é a ideia (PINHEIRO e BARTH, 2014 apud DEHEINZELIN, 2011). Ou seja, nessa indústria onde o trabalho intelectual e a criatividade emergem como as grandes forças da economia, dá-se o cenário para a mudança da mentalidade de consumo (PINHEIRO e BARTH, 2014 apud HOWKINS, 2005). Com efeito, o consumidor inserido na indústria criativa passa a adquirir novos hábitos, desvencilhando-se dos velhos preconceitos para com o consumo de moda de segunda mão.
Tendo isso em vista, o objetivo do presente artigo é investigar a relevância da moda second hand no contexto da indústria criativa, e analisar as motivações dos consumidores de brechó.

A INDÚSTRIA CRIATIVA E O NOVO CONSUMIDOR DE MODA

Nos últimos cinco anos observou-se a ascensão de um modelo específico de negócios no ramo da moda, mas que ainda gera poucos estudos na comunidade acadêmica: os brechós físicos e online. Lugares onde o principal objetivo é a venda de peças de moda second hand, e em alguns casos, vendas e escambos de peças por parte do próprio público consumidor (a exemplo do site Enjoei1 onde o público pode comercializar suas próprias peças). De acordo com os dados do SEBRAE (2012) “o número de brechós com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões cresceu 210% em cinco anos no Brasil.” Comprovando que o consumo de moda de segunda mão, vem se tornando uma forte tendência no mercado brasileiro.
Howkings (2013) afirma que a moda, é um dos setores de maior destaque na economia criativa pelo seu alto faturamento. Sobre a indústria criativa o autor destaca que “existem fortes razões para a economia criativa vir a ser a forma econômica dominante do século XXI. A primeira delas e a mais convincente é a maneira como evoluímos como seres físicos e sociais” (HOWKINS, 2013, p. 18). Levando em consideração que os brechós são modelos de negócio diretamente ligados ao setor criativo da moda, e que obtiveram seu maior crescimento nos últimos anos, deu-se a relevância do presente estudo.
A transformação na forma como o consumidor pensa nos brechós, é o resultado de uma nova mentalidade de consumo. Aos poucos a sociedade capitalista, definida por Lipovetsky (1989) como “[...] uma formidável máquina comandada pela lei da renovação acelerada, do sucesso efêmero [...] (LIPOVETSKY, 1989, p. 205) toma outra forma. O consumo acelerado, o acúmulo e o descarte frenético dos artigos de moda já não é mais considerado um símbolo de status social,em contrapartida o consumo consciente torna-se um hábito cada vez mais presente na mentalidade coletiva.
observa-se particularmente no consumo ecológico e responsável, mas também no “consumo colaborativo” baseado na cooperativa e no escambo, na troca e na doação, no aluguel, no empréstimo e na revenda entre particulares. Todas são práticas novas que não ignoram o prazer e o lazer, mas privilegiam sobretudo o melhor preço (LIPOVETSKY, 2016, p.62).

            Baseado em tal afirmação, é possível notar que ao comprar peças de segunda mão o consumidor não só pensa em praticar de maneira criativa a sustentabilidade, mas também encontra a grande vantagem de uma compra com melhor preço. Sendo assim, percebe-se claramente, que esse novo consumidor pertence a uma classe de indivíduos criativos, que segundo Florida (2011) é a característica determinante para essa grande transformação social já em curso.
            Nesse ponto, é primordial definir o que se entende por indústria criativa já que essa pode ser considerada uma das forças motrizes para a ascensão da moda second hand. Levando em conta que a criatividade se tornou o bem mais precioso da economia atual (FLORIDA, 2011), a indústria criativa pode ser entendida como “uma indústria onde o trabalho intelectual é preponderante e onde o resultado alcançado é a propriedade intelectual.” (PINHEIRO; BARTH, 2014 apud HOWKINGS, 2005, p.119)
Para Florida (2011, p. xiii) “a classe criativa produziu e continuará a produzir mudanças profundas em nosso modo de trabalhar, em nossos valores, em nossos desejos e na própria configuração do cotidiano”. Considerando o presente cenário de economia criativa, percebe-se que os brechós e espaços de compartilhamento de moda second hand, tendem a ter cada vez mais relevância para os novos consumidores.
Não é preciso muito esforço para perceber a importância que esse modelo de negócio tem tomado nos últimos anos. Em uma breve pesquisa pela web é possível achar desde sites com o foco na compra venda de moda second hand, até comunidades em redes sociais onde os usuários têm como objetivo principal o escambo de roupas e acessórios. Percebe-se assim que os novos modelos de negócios, gerados no contexto de uma indústria criativa tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos, impulsionados pela classe criativa brasileira, que segundo Florida (2011) soma 18 milhões de pessoas, um pouco menos de 20% da força de trabalho total.
De acordo com Douglas (2004) “o desfrute do consumo físico é só uma parte do serviço prestado pelos bens: a outra parte é o desfrute do compartilhamento” (DOUGLAS, 2004, p. 124). Ou seja, o consumo frívolo, por si só não cumpre o papel de satisfazer totalmente o indivíduo, mas o compartilhamento de uma peça de vestuário traz consigo uma satisfação potencializada para esse neoconsumidor, nem sempre gerada pelo valor do objeto, mas pela história que este carrega consigo.
roupas são coisas que possuem história e significado e, além disso, objetos em geral têm o poder de estruturar e transformar relacionamentos/relações sociais. [...] roupas usadas passam por um processo de destaque ou de valorização no Ocidente a partir dos anos 1990, quando looks retrô ou vintage passam a ser valorizados.” (CORRÊA E DUBEUX 2015, p. 36, apud HANSEN, 1994)

Sendo assim, o consumidor de moda vintage ou retrô que surge nas últimas décadas, traz consigo uma motivação de compra ligada a antropologia do consumo à qual busca acentuar a dimensão cultural das práticas de consumo, sendo esse entendido como um processo sociocultural, o qual não envolve apenas o uso do produto, mas também a troca (CORRÊA E DUBEUX, 2015).   

 

O NOVO LUXO E AS MOTIVAÇÕES DE CONSUMO

De acordo com a visão de Passarelli (2010) o luxo pode ser entendido como “modo de vida caracterizado por grandes despesas supérfluas e pelo gosto da ostentação e do prazer” (PASSARELLI, p. 18, 2010), em outras palavras algo intimamente ligado ao desejo, e não a necessidades básicas. No tocante aos brechós o conceito de luxo, passou a ser associado há poucos anos, quando celebridades como Julia Roberts e Angelina Jolie tiveram aparições registradas em grandes eventos vestidas com artigos de segunda mão. O fato de grandes celebridades e influenciadores de moda aprovarem e praticarem o consumo de moda second hand dá início a desmistificação dos brechós, vistos até então como lojas voltadas apenas a caridade. Como consequência, vestidos de gala, roupas de grife e artigos de luxo de segunda mão começam a ser desejados pela população consumidora, já despida de seus antigos preconceitos.  
Por outro lado, é preciso ressaltar que esse tipo de comportamento de consumo passa a acontecer concomitantemente ao enfraquecimento da sociedade de consumo. Levando em conta que a Revolução Industrial no século XIX deu início a uma era do hiperconsumismo e o desejo pelo supérfluo. Com os produtos produzidos em série estocados e sem perspectiva de venda, surge a necessidade de plantar a semente do consumismo como a satisfação dos desejos pelo consumo de bens.
Pode-se caracterizar empiricamente a “sociedade de consumo” por diferentes traços: elevação do nível de vida, abundância das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista, etc. (...) A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação (...). (LIPOVETSKY, p.159, 1989).

Sobre a sociedade de consumo criada nos últimos séculos, Bauman (2008, p. 45) diz que:  “novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo augura uma era de obsolescência embutida”. Em outras palavras, o desejo pelo consumo desenfreado foi um comportamento criado pela própria indústria, que ao longo dos anos, se utilizou da obsolescência programada induzindo um comportamento de consumo frenético. Ao lançar frequentemente novas propostas de tendências, as marcas de moda induzem o descarte de mercadorias, gerando um infinito desejo pelo novo. No entanto, é inegável que tal ritmo de consumo traz consigo um sentimento de frustração, já que o consumidor por si, nunca se sente realizado por muito tempo com os produtos que adquire, especialmente se tratando de artigos de vestuário, pois a indústria da moda acaba por criar continuamente novas tendências de cores, modelagens e estilos.
À medida que a mentalidade capitalista coloniza as experiências vividas, multiplicam-se as insatisfações e as decepções, criando obstáculos à leveza de ser. Ao que se acrescentam novas formas de culpabilidade entre os consumidores que se acusam de ser incapazes de resistir aos seus impulsos de compra. (LIPOVETSKY, p.59, 2016)
           
No entanto, é possível observar que o resultado de décadas de um ritmo acelerado de consumo, é o cansaço, acompanhado de uma queda no ritmo de compra (CARVALHAL, 2015). Um dos melhores exemplos para ilustrar tal mudança de comportamento por parte dos consumidores foi a criação dos chamados ‘armários cápsula’. Amplamente aderidos por grandes bloggers e celebridades do mundo fashion, o armário cápsula trouxe consigo a ideia de um novo luxo, atrelado a qualidade das roupas e não mais a quantidade.
O sistema de moda vai precisar mudar por um simples fato: ele está se destruindo. [...] a moda tem matado o desejo pela moda, acelerando demais, banalizando suas coleções e seus produtos, com campanhas e ações sem relevância a todo momento. O volume e a rapidez talvez sejam as piores drogas para o sistema da moda, que parece estar descontrolado, viciado, incapaz de responder às suas próprias vontades (CARVALHAL, p. 54, 2015).

            Nessa perspectiva, é possível traçar um comparativo do atual cenário de consumo com o que Bauman (2008) afirmava ser um hábito característico da sociedade anterior a modernidade líquida, “a sociedade dos produtores os bens deveriam trazer em primeiro lugar segurança. [...] os bens adquiridos não se destinavam ao consumo imediato – pelo contrário, deveriam ser protegidos da depreciação” (BAUMAN, p.43, 2008). Ou seja, de certa forma, o desgaste tem conduzido os novos consumidores de moda a remontarem práticas vistas anteriormente à sociedade do hiperconsumo. Isto é: valendo-se de mercadorias de alta qualidade, com o objetivo de fazer com que esses bens durem o máximo de tempo possível. Portanto, nota-se que ao procurar artigos de marcas consagradas em brechós de luxo, os consumidores veem a oportunidade de juntar as vantagens de um produto com alto valor agregado, porém por um preço muito mais acessível do que os encontrados nas lojas de varejo.

SIGNIFICADOS E IMAGINÁRIOS DO CONSUMO DE MODA
Para que se compreenda o valor do vestuário de segunda mão faz-se necessário nesse ponto da pesquisa uma fundamentação sobre o significado do consumo de moda. Levando em consideração que a moda é vista como um meio de expressão do indivíduo Garcia e Miranda (2010, p. 22) ressaltam que:
Moda é o conjunto atualizável dos modos de visibilidade que os seres humanos assumem em seu vestir com o intuito de gerenciar a aparência, mantendo-a ou alterando-a por meio de seus próprios corpos, dos adornos adicionados a eles e da atitude que integra ambos pela gestualidade, de forma a produzir sentido e, assim interagir com o outro.  
           
Sendo assim, os bens carregam consigo além das funcionalidades físicas, o poder social de diferenciar o indivíduo. Principalmente, se tratando de moda é possível afirmar que os bens tem o poder de comunicar, o que explica em partes o motivo pelo qual consumimos. “As pessoas compram produtos para verem refletidas neles a si mesmas, seus valores e seus gostos pessoais” (GARCIA; MIRANDA, p. 22, 2010).
Ainda sobre a relação consumidor-consumo Bauman (2008) faz uma importante afirmação quando diz: “a característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias (BAUMAN, p.20, 2008). Entende-se, portanto que o consumo do vestuário por si, tem o poder de distinguir, unir, identificar e até mesmo separar as pessoas, influenciando não apenas a economia, mas também a cultura. (GODART, 2010). 
Na definição de Godart (2010) a moda além de ser um importante setor da indústria criativa no aspecto econômico, também é uma atividade artística, pois é responsável por gerar símbolos. Para o autor “a moda não se contenta, portanto, em transformar tecidos em roupas ela cria objetos portadores de significado” (GODART, p.14, 2010).
            Em se tratando especificamente da moda de brechó, é possível identificar um apreço do consumidor por peças diferenciadas e exclusivas, visto que, tais lojas não trazem coleções em larga escala, mas apenas peças únicas. Em entrevista, a Krüger (2011) uma proprietária de brechó localizado no Rio de Janeiro, afirma que os consumidores: 
[...] vêm atrás de uma coisa diferente. É, porque às vezes a massificação da moda, a tendência se torna uma coisa muito óbvia. Então elas querem fugir um pouco disso. Elas querem chegar numa festa ou num evento e estar diferentes. Então, basicamente, eu acho que elas vêm procurar uma coisa diferente. (KRÜGER, p.9, 2011).

De acordo com Krüger (2011), é possível concluir que a ideia de roupa de segunda mão, vista até alguns anos atrás com certo preconceito pelo público, tem aos poucos tomado outra conotação na cultura dos novos consumidores de moda.

O NOVO CONSUMIDOR DE BRECHÓ
Contrariando a lógica da sociedade de consumo, o perfil de consumidores de moda second hand, emergente na segunda década do século XXI, busca através dos brechós, consumir moda reaproveitando itens de estações passadas (e até mesmo de décadas passadas) para comporem seus guarda-roupas. Tal modificação no comportamento dos consumidores muda completamente o conceito dos brechós (que até então eram vistos como locais onde se encontravam apenas itens ultrapassados, e sem valor agregado) fazendo com que o modelo de negócios de moda second hand tenha um crescimento acelerado nos últimos cinco anos.
            Para Douglas (2007, p. 23) “O consumidor é inerentemente um animal social, o consumidor não quer objetos para ele mesmo, mas para dividir, dar, e não só dentro da família”. A partir dessa afirmação, é possível compreender que o cerne do modelo de negócios dos brechós está no compartilhamento, já que as lojas abastecem suas mercadorias por meio de doações, trocas ou venda de roupas de segunda mão.
Olhando pela ótica da indústria da moda, os brechós e feiras de trocas de produtos surgem como uma opção ao consumo de massa das fast fashions. Remodelados muitas vezes em forma de boutiques, os novos brechós trazem consigo desde peças de marcas de luxo até opções de vestuário vintage, e itens que não podem ser encontrados no mercado tradicional. Sobre as novas relações estabelecidas com o vestuário de segunda mão Krüger (2011, p. 2) diz: “hoje, percebo que este mercado começa a penetrar nas altas sociedades, ‘se despindo’ do caráter social, até a década de 1980 predominante, e ‘vestindo-se’ de novos significados diferentes daqueles de sua origem.” Corroborando com esse pensando, nota-se que o tradicional conceito de roupas de segunda mão, já não está necessariamente atrelado a caridade e a necessidade, mas sim ao exclusivo, ao moderno e até mesmo ao luxuoso.

            SOBRE MODA E SUSTENTABILIDADE
Diante do contexto mundial, em que passamos pelo “acúmulo de riquezas, a má distribuição de renda, o aumento da taxa de crescimento populacional, a elevada produção em massa e o consumo desenfreado” (FREITAS, 2015, p.3) torna-se indispensável um novo posicionamento por parte da sociedade quanto à preservação de recursos ambientais. Levando em consideração que o tema da sustentabilidade é discutido desde o início dos anos 1970 (CARLI e VENZON, 2012), percebe-se que atualmente, tanto empresas quanto consumidores têm buscado se adaptar de forma a reduzir os impactos ao meio ambiente. Para Carli e Venzon (2012, p. 160):
As empresas estão cientes de que cada vez mais os problemas ambientais e sociais estão sendo colocados em evidência e os consumidores se tornam, cada dia, mais conscientes. Em função disso, elas são obrigadas a reagir, trabalhando para que o consumidor perceba a mudança e se identifique com o produto e com as formas de produção.

Portanto, alguns dos motivos pelos quais a moda second hand apresenta destaque na sociedade do consumo sustentável são os seguintes: possibilidade de prolongamento do ciclo de vida dos produtos, redução do descarte de peças e por consequência o menor acúmulo de resíduos têxteis. Para Lee (2009, p. 98) “a eco fashion deixou de ser apenas uma tendência e se tornou um movimento. Os consumidores tiveram um papel-chave na criação desse movimento e foi graças às suas demandas que a indústria reagiu”.
Consequentemente, cada vez mais movimentos a favor da reutilização e reaproveitamento de peças são criados e mais brechós passam a existir. Com base nisso, pode-se dizer que o consumo de moda second hand, surge como uma nova tendência que busca atender à demanda por uma moda mais sustentável. Para Amato (2015, p.14):
Pode-se constatar um conjunto de grandes transformações econômicas, sociais, políticas, tecnológicas e culturais na sociedade contemporânea que apontam para a emergência de novos paradigmas que deverão nortear o comportamento e a conduta de cidadãos e consumidores.
           
No tocante as empresas de moda, essas tem sido cobradas cada vez mais, a produzirem de maneira responsável de forma a diminuir os impactos ambientais provocados pela indústria (CARLI e VENZON, 2012). Os consumidores da nova geração já não veem com bons olhos empresas pouco preocupadas com o conceito de sustentabilidade e responsabilidade social. Portanto, nos últimos anos identifica-se, não apenas os aumento do consumo em brechós, mas também a popularização de uma cultura de ‘consumo responsável’, e o avanço de movimentos com o “Fashion Revolution2 ” que visam conscientizar grandes massas sobre os impactos da cultura do consumismo.
            Impulsionados pelas redes sociais, os movimentos de moda sustentável, vem se fortalecendo e consolidando, sendo responsáveis por disseminar ao grande público um novo conceito de consumo de moda, que inegavelmente modifica toda a lógica de uma indústria.

 

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento desse estudo foi utilizado o método exploratório descritivo, valendo-se ao mesmo tempo de uma pesquisa de campo que segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 59) é “aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos uma resposta”.
Para tanto, foi aplicado um questionário com seis perguntas de múltipla escolha, por intermédio da plataforma Google Forms, lançado nas redes sociais do Facebook e Whatsapp entre os dias 29/04/2017 e 16/06 /2017. Ao longo desse período foram obtidas ao todo 158 respostas,  em uma amostragem por conveniência. Após a coleta dos dados, os resultados da pesquisa foram analisados e interpretados por um viés qualitativo, conforme Minayo (1994) e Gaskel (2002).
O perfil do público ao qual o questionário foi aplicado teve em seu universo como maioria predominante respondentes do sexo feminino. Tendo essas informações como base, deu-se origem a uma pesquisa exploratória, descritiva, de cunho bibliográfico aliado a uma pesquisa de campo com aplicação de questionário com o intuito de obter dados sobre o consumo em brechó.

ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
De acordo com os dados coletados pelo questionário aplicado através de redes sociais (facebook e Whatsapp), foi possível traçar um perfil dos consumidores de moda second hand presentes no ciberespaço. Nesse contexto, nota-se logo no início da pesquisa que a maioria dos respondentes correspondem ao sexo feminino. Em resposta a questão sobre de gênero, 89,9% (142 pesquisados) identificaram-se como sendo do sexo feminino; 9,5% (15) dos respondentes eram do sexo masculino, e 0,6% fazem parte do gênero identificado como ‘outros’. Ressalta-se que de acordo os dados, a supremacia dos consumidores de moda ainda são mulheres, conforme cita Godart (2010, p.13) “a moda feminina predomina tanto em importância econômica como em dinamismo”. Por conta disso, deduziu-se que as mulheres são também as principais consumidoras de moda second hand.
Quanto à faixa etária dos respondentes, identificou-se que a maior parte do público é composto de jovens adultos já que 68,4% (108) afirmam ter entre 19 e 30 anos. 14,6% (23) dos pesquisados tinham entre 31 e 40 anos; 9,5% (15) entre 41 e 50 anos; 3,8% (6) afirmaram ter mais de 50 anos; e por fim 3,8% (6) correspondiam a jovens com menos de 18 anos.
A terceira questão de pesquisa abordou a frequência com que os respondentes consumiam roupas de segunda mão. Como resposta 41 (25,9%) pesquisados afirmaram sempre consumir moda em brechós e 33,5% (53) dizem comprar de vez em quando. 32,3% (51) afirmaram raramente consumir artigos de segunda mão e apenas 8,2% (13) disseram nunca ter comprado moda de brechós. Levando em conta os dados coletados, observa-se que mesmo não sendo uma prática recorrente para maioria do público, o consumo de artigos de segunda mão tem aos poucos ganhado força, sendo que já é um hábito para pelo menos 41 dos respondentes.
Quando questionados a respeito de onde preferem procurar itens de moda de segunda mão; nota-se um favoritismo significativo pelos brechós que possuem loja física, sendo a escolha de 36,1% (57) dos respondentes. Logo em seguida ficam os “brechós e feiras itinerantes” com 28,5% (45) respostas. Já 15,2% (24) respondem que costumam consumir itens de segunda mão através de grupos de troca na rede social do Facebook. Surpreendentemente apenas 13,3% (21) dos questionados priorizam os brechós online, dado um tanto quanto curioso haja visto o expressivo crescimento no número de brechós online.       
            A quinta pergunta do questionário aplicado busca o entendimento das motivações para compra de itens em brechós, nela foi aberto aos respondentes a escolha de mais de uma opção. Sendo assim, em primeiro lugar com 87 respostas (55,1%) a primeira maior motivação citada foi “o preço baixo” usualmente praticado pelos brechós. Em segundo lugar empatadas com o mesmo número de respostas ficaram as opções: “consumir peças diferenciadas que não podem ser encontradas em lojas comuns” e “praticar consumo consciente” citadas por 66 (41,8%) respondentes cada uma. Por fim, 19% (30) dos participantes apontaram a opção “Possibilidade de consumir itens de marcas de luxo sem desembolsar um valor exorbitante” como motivo para compra de moda de segunda mão e 3,8% (6) selecionaram a opção “outros”.
Levando em consideração o grande número de respostas referentes ao preço, levanta-se uma hipótese de que o movimento pela moda de brechós possa ter ganhado força no Brasil por conta da situação financeira que o país atravessa. Não deixando de lado o alto número de citações a respeito da preferência por peças exclusivas e diferenciadas, além da preocupação da prática de consumo consciente, que indicam por si a mudança do comportamento do consumidor com relação a visão dos brechós. Conforme Parode (2014, p.5): “trata-se de produzir, através dos objetos, significados afetivos, ampliando o campo do gosto e produzindo o desejo de preservação: uma estratégia coerente com as atuais necessidades de uma política sustentável para o consumo.”.
Por fim, a última pergunta aplicada questionava “Costuma vender ou trocar itens de moda em brechós?”. Sobre isso 58,9% (93) afirmaram vender seus itens “de vez em quando”. 20,3% (32) pesquisados afirmam que sempre vendem ou trocam suas roupas em brechós e 20,9% (33) dizem nunca terem tal prática. Os dados coletados possibilitam a pesquisa concluir que a prática de comprar itens de segunda mão já é bastante disseminada, porém a venda dos itens pessoais para os brechós ainda não se tornou uma cultura para a maior parte das pessoas.

CONCLUSÕES
O crescente número de brechós acabou por gerar uma inquietação a respeito das motivações dos consumidores de brechó, além de uma busca pela relevância da moda second hand desde o advento da indústria criativa. É evidente que nos últimos anos o conceito de brechós, ligados até então apenas a lojas de caridade, tem se modificado drasticamente, chegando até mesmo aos consumidores do mercado de luxo. Nessa perspectiva, acompanha-se uma forte mudança no comportamento dos consumidores de moda, que passam a tratar os brechós como uma fonte de peças exclusivas, diferenciadas, com a vantagem de esses praticarem preços abaixo do mercado de varejo comum.
De acordo com a pesquisa proposta, o fato de optar pela moda second hand é dado basicamente pelos seguintes fatores: exclusividade, compra facilitada de itens de luxo, prática de consumo consciente, e especialmente o benefício financeiro.
Por fim, dentro da investigação proposta no presente artigo pode-se afirmar que gradativamente a mentalidade do consumidor criado pela sociedade do efêmero e do hiperconsumo vem modificando seus padrões e optando cada vez mais pelo consumo de moda consciente. Consequentemente, os brechós que por tantos anos foram associados a lojas defasadas de itens sem valor, hoje tomam uma nova forma atingindo até mesmo o público consumidor mais exigente.

 

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PINHEIRO, Cristiano Max Pereira; BARTH, Mauricio. Produção científica na base de dados scopus: uma análise sobre a indústria criativa. Pesq. Bras. em Ci. da Inf. e Bib., João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 048-061, 2014.


* Mestranda em Indústria Criativa na Universidade Feevale. Bolsista de Aperfeiçoamento Feevale, na pesquisa: “Cidades Criativas e Turismo: análise das dinâmicas de produção e consumo turístico e seu reflexo no desenvolvimento”. E-mail: raquel.rach@gmail.com


** Doutora em Comunicação Social, PUCRS. Professora Titular e Pesquisadora na Universidade Feevale/RS. Docente no Mestrado em Indústria Criativa. E-mail: marysga@feevale.br


1 www.enjoei.com.br

2 O Fashion Revolution Day é um movimento criado por um conselho global de líderes da indústria da moda sustentável que se uniram depois do desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh no dia 24 de abril de 2013 que deixou 1.133 mortos e 2.500 feridos. 


Recibido: 07/08/2017 Aceptado: 22/09/2017 Publicado: Septiembre de 2017

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