Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


OS DIREITOS HUMANOS LABORAIS NO BRASIL E A FIXAÇÃO DE DIREITOS MÍNIMOS CORRESPONDENTES AO TRABALHO DECENTE CONFORME DEFINIÇÃO DA OIT: UM CONTRAPONTO AO CASO DA FAZENDA BRASIL VERDE

Autores e infomación del artículo

Anne Gabriele Alves Guimarães*

Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo **

Juliana de Barros Ferreira ***

UPE, Brasil

belebm@hotmail.com

 RESUMO
A presente pesquisa apresenta, a partir da casuística da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os pressupostos do trabalho decente e das condições mínimas de trabalho frente ao ultraliberalismo global. Também faz uma distinção, de cunho didático, entre as dimensões semânticas referentes aos direitos humanos e fundamentais e como ambos são importantes na seara trabalhista para estabelecer um referencial teórico e normativo sobre condições de subordinação e (in)dignidade da pessoa humana. Analisamos o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (Convenção, Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos) no sentido de evidenciar as atribuições destes órgãos nos processos de democratização e alcance da plena realização dos direitos humanos nas Américas. O caso da Fazenda Brasil Verde, um dos mais emblemáticos da atualidade no qual a República Federativa do Brasil é condenada, trouxe a oportunidade no âmbito da Corte de se fazer jurisprudência no que tange às formas contemporâneas de escravidão. A pesquisa, para além da mera subordinação trabalhista, reúne os desafios enfrentados para posicionar o trabalho digno e decente como requisito das relações laborais saudáveis, efetivamente comprometidas com a emancipação do trabalhador. 
Palavras-chave: Escravidão contemporânea. Trabalho decente. Subordinação. Dignidade humana. Direitos humanos.

ABSTRACT
This research presents, starting from the study of an Inter-american Court of Human Rights case, the requirements for decent work and minimum work conditions facing the global ultra-liberalism. It also makes a didactic distinction between the semantic dimensions pertaining the human and fundamental rights and their importance on the labor law field to stablish theoretical and legal references about the conditions of subordination and human (in)dignity. We analyze the Inter-american Human Rights System (Convention, Commission and Inter-american Court of Human Rights) to highlight the attributions of these organs on the processes of democratization and accomplishment of a full achievement of human rights in America. The Case of the Hacienda Brasil Verde Workers v. Brazil, where the Brazilian state was convicted, brought the Court the opportunity to make jurisprudence on the contemporary forms of slavery. The research, going beyond the mere labor subordination, gathers the challenges faced to pose the worthy and decent labor as a requirement for healthy labor relations, truly compromised to the worker’s emancipation.

Key words: Contemporary slavery. Decent work. Subordination. Human dignity. Human rights.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Anne Gabriele Alves Guimarães, Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo y Juliana de Barros Ferreira (2017): “Os Direitos Humanos Laborais no Brasil e a fixação de Direitos mínimos correspondentes ao Trabalho decente conforme definição da oit: um contraponto ao caso da fazenda Brasil verde”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/direitos-laborais-brasil.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703direitos-laborais-brasil


INTRODUÇÃO
O artigo se propõe a investigar a relação entre os direitos humanos e fundamentais notadamente aplicáveis à seara trabalhista e as violações destes nas relações laborais, estabelecendo um contraponto com a necessidade de se garantir direitos mínimos ao trabalhador. Prescinde de uma análise semântica sobre o que seja o campo de estudo de ambos: tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais são posições jurídicas que afirmam e fazem prospecções da pessoa humana na vida em sociedade, seja no âmbito internacional ou no ordenamento jurídico pátrio.
Ainda que não haja uniformidade quanto à existência de diferenças semânticas entre eles, a correlação entre um e outro é o topos aqui utilizado para esclarecer a necessidade de garantia e reconhecimento da dignidade humana notadamente na seara trabalhista, estabelecendo limitações aos cidadãos e Estados.
Torna-se claro que o estudo da noção de trabalho decente – apresentada pela Organização Internacional do Trabalho - faz da problemática uma ponte para uma possível elevação autônoma e paradigmática da figura do trabalhador enquanto agente social frente à dignidade da pessoa humana.
A crítica elaborada pela teoria trabalista crítica é válida, neste ponto, justamente para fornecer os pressupostos teórico-filosóficos de que a pesquisa precisa para desmistificar o conceito de trabalho subordinado e todas as misérias perpetradas pelo ultraliberalismo global até chegarmos ao conceito de trabalho escravo. 
Através da comparação de fatos e legislações à luz de um caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, delineia-se a urgência em balizar medidas de inclusão social e fomento aos direitos humanos e fundamentais do trabalhador. No bojo das discussões, a reivindicação por uma participação justa na riqueza produzida e o desenvolvimento do potencial humano.
O caso da Fazenda Brasil Verde é, neste sentido, o reflexo claro e escancarado de uma política econômica avassaladora que, à mercê dos direitos trabalhistas, sejam humanos ou fundamentais, não reconhece a dignidade do trabalhador nem os seus potenciais laborais.
A pesquisa também se compromete em analisar as declarações proferidas no âmbito da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho para embasar os pressupostos concernentes ao trabalho decente, principalmente no que tange à liberdade sindical, reconhecimento da negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado e obrigatório, abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
É a partir da noção de dignidade é que se pode fixar direitos mínimos correspondentes ao trabalho decente. Novamente deve-se recorrer à legislação internacional, notadamente o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas.
Urge, em tempos de desemprego estrutural e ultraliberalismo global, trazer à tona conceitos-base de um Estado Democrático de Direito, entre eles, o da verdadeira decência do trabalho que possa se constituir um caminho para o respeito à figura do trabalhador.
Desta forma, o presente artigo encontra-se estruturado em cinco tópicos: no primeiro, estabeleceremos questões afins a partir do binômio direitos humanos e direitos fundamentais, trazendo conceitos histórico-filosóficos e a contribuição de Hannah Arendt para as noções de escravidão; no segundo tópico, há um breve contorno doutrinário clássico acerca do que é o trabalho decente para, em um terceiro momento, vir à tona a problemática do “paradigma do trabalho subordinado” sob a ótica da teoria trabalhista crítica.
Tendo em vista a interdisciplinaridade do tema, torna-se evidente tratar também sobre o sistema interamericano de direitos humanos, ressaltando o contexto no qual surgiu o caso da Fazenda Brasil Verde e, logo após, a histórica decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos na qual o Brasil é responsabilizado internacionalmente pelas condições indignas e desumanas de 85 trabalhadores, submetidos a formas de escravidão contemporânea, e de outros 43, que não tiveram o acesso à justiça garantido.
A partir da análise da doutrina clássica, facilmente se constata que o conceito de trabalho decente se apresenta a partir de concepções reducionistas e degradantes desenvolvidas para fundamentar a ideologia da época. Refuta-se aqui trabalho degradante e, mais ainda, a dogmática, hoje mais do que nunca, insuficiente para proteger os direitos fundamentais e humanos das relações trabalhistas.
Sob uma noção extensiva, temos que trabalho decente envolve não somente proteção de direitos tipicamente trabalhistas, como remuneração justa, preservação de saúde e segurança, liberdade de trabalho, igualdade, liberdade sindical e proteção contra riscos sociais, mas também realização dos direitos humanos no que tange aos direitos de personalidade (privacidade, honra, imagem, intimidade). Direitos humanos esses que ousamos chamar, enquanto ínsitos nas relações trabalhistas, de laborais.
É óbvio que os desafios presentes e futuros contextualizados frente à tarefa de efetivação destes direitos nos fazem questionar o bloco de constitucionalidade nacional e também as decisões judiciais, que, por sua vez, não dão a devida importância às normas internacionais sobre o assunto. São estes mesmos desafios que acabam resultando em atrocidades do tamanho do acontecido na Fazenda Brasil Verde, agravadas pela conivência estatal em punir os culpados.
Assim sendo, manejar a dignidade (princípio, necessidade e fundamento de validade do Direito) em conformidade com o trabalho decente significa assegurar segurança básica ao trabalhador, emprego, tratar a retribuição adequada à contribuição do mesmo para a formação de riqueza. Trabalho digno é trabalho decente!
Em sua tese de doutorado, Thereza Cristina Gosdal (2006, p.156) preconiza:
A proteção à dignidade deve dizer respeito tanto a aspectos ligados à esfera moral do trabalhador, como sua intimidade, ou a proteção contra agressões verbais, quanto a seu aspecto físico-corporal, como condições de saúde e segurança no trabalho.
A categoria jurídica da dignidade (do trabalhador) precisa ser lastreada sob o paradigma da Proteção, princípio fundamental do Direito do Trabalho e responsável por sua própria existência, vinculando crescimento econômico ao progresso social e medidas de inclusão. É inadmissível que, sob os postulados de um Estado Democrático de Direito, as políticas público-organizacionais não consigam conceber o trabalho enquanto projeto emancipatório capaz de expressar a humanidade e a liberdade e continuem insistindo na concepção liberalista de trabalho alienado, sistemático, vendido, comprado e separado da vida, à serviço da produção capitalista, reflexo do ultraliberalismo global – numa exploração sem limites - que espalha miséria e desigualdades pelo mundo.

1 Direitos humanos versus Direitos Fundamentais: Um panorama da proteção normativa ao trabalho digno

No âmbito do reconhecimento e proteção de direitos direcionados à figura humana, por diversas vezes somos confrontados com um debate acerca da terminologia mais adequada a ser utilizada. Diversas expressões como “direitos humanos”, “direitos fundamentais”, “direitos do homem” e “liberdades fundamentais”, dentre outras, têm seu significado difuso e por vezes são tomadas como sinônimos.
Será utilizado aqui o binômio Direitos Humanos/Direitos Fundamentais, conforme a classificação proposta por Ingo Wolfgang Sarlet que assevera:
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados n a esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (SARLET, 2012, p. 18)
A partir dessa classificação, passemos a elencar quais as normas de Direitos Humanos – positivadas no âmbito internacional – e de Direitos Fundamentais que tratam da proteção ao trabalho digno.

    1. Direitos Humanos e a escravidão: uma breve digressão histórico-filosófica

Após a Segunda Grande Guerra, o mundo se viu confrontado com os horrores do totalitarismo e da ameaça nuclear. Como consequência de um século conturbado, uma grande massa da população mundial viu-se destituída de direitos e de qualquer proteção; eram os refugiados e apátridas que, nas palavras da filósofa alemã Hannah Arendt, compunham o “refugo da terra”. (2012, p. 372).1
A formação dos estados totalitários e o extermínio sistemático de alguns de seus indivíduos esfacelaram a tradição jurídica ocidental criada pelos ideais iluministas de direitos naturais do homem – positivados pela primeira vez no século XVIII – e expuseram uma grave ocorrência: os Direitos Humanos eram indissociáveis da nacionalidade (LAFER, 1997, pp. 57-58).
Embora reconhecidos em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e em diversas constituições nacionais, os Direitos Humanos – no último caso transformados em direitos fundamentais, seguindo a denominação de Ingo Wolfgang Sarlet – dependiam da tutela de um Estado Nacional. Sendo assim, as massivas migrações decorrentes das guerras e a retirada da cidadania de grupos indesejáveis – como os judeus – deixaram populações inteiras destituídas de proteção legal e vulneráveis aos arbítrios de seus próprios Estados.
Nas palavras de Hannah Arendt:
A desnacionalização tornou-se uma poderosa arma da política totalitária, e a incapacidade constitucional dos Estados-nações europeus de proteger os direitos humanos dos que haviam perdido seus direitos nacionais permitiu aos governos opressores impor a sua escala de valores até mesmo sobre os países oponentes. Aqueles a quem haviam escolhido como refugo da terra – judeus, trotskistas etc. – eram recebidos como refugo da terra em toda parte; aqueles a quem a perseguição havia chamado de indesejáveis tornavam-se de fato os indésirables da Europa. (ARENDT, 2012, p. 372)

Esses indesejáveis, sem lugar no mundo, acabaram “encontrando o seu destino e lugar natural nos campos de concentração”. (LAFER, 1997, p.58)
            Tal desprezo dos Estados totalitários pela noção da pessoa humana como valor-fonte do Direito criou uma chocante realidade onde os seres humanos são supérfluos e descartáveis, pois, vigendo a ideologia do terror, a qualquer momento poderiam ser classificados como inimigos do Estado e sumariamente destituídos de direitos e/ou executados (LAFER, 1997, p. 57).
            Diante de tal desprezo pela condição humana e da grande massa de pessoas sem direitos, torna-se necessário um esforço na direção da reconstrução da noção e da proteção dos Direitos Humanos. Nos dizeres de Flávia Piovesan:
No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que é cruelmente abolido o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. (PIOVESAN, 2015, p.45)

É assim que se propõe a formação de um sistema internacional de proteção aos direitos humanos, capaz de tutelar os direitos daqueles que não possuem vinculação a um Estado ou que têm seu próprio Estado como perpetrador das violações. Com esse novo paradigma “fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve reduzir-se ao do\mínio reservado do Estado, porque revela tema de interesse internacional” (PIOVESAN, 2015, p.48).
O novo sistema formado conta com órgãos responsáveis por punir as violações de direitos humanos tanto na seara cível quanto penal, responsabilizando tanto Estados quando indivíduos perpetradores dessas violações. Destacaremos aqui o Sistema Regional Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte, pois nele encontraremos diretrizes normativas direcionadas ao combate ao trabalho escravo e um precedente a ser analisado oportunamente.
No que diz respeito ao trabalho escravo, a comunidade internacional é unânime em reconhecê-lo como afronta à dignidade humana. Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece em seus artigos I, III e XXIII que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” e que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Nesse sentido destacamos também o artigo 8º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 6º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais.
Já no âmbito do sistema interamericano, diz a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário:
Artigo 6.  Proibição da escravidão e da servidão
 1.         Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.
 2.         Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.  Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente.  O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso.
 3.        Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:
 a.       os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente.  Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;
b.       o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;
c.       o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e
d.       o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.
(Pacto de San José da Costa Rica, 1969)

1.2 Direitos Fundamentais: entre as dimensões históricas e a categorização da dignidade da pessoa humana como cânone balizador de direitos e DEVERES

Os direitos e garantias fundamentais englobam os direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, de nacionalidade, políticos e sobre partidos políticos. Assevera a Constituição de 1988 que os mesmos não se restringem. Muito se fala nas suas dimensões e nos marcos históricos que os inspiraram e os impulsionaram.2
Desde a passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito, com o surgimento das primeiras constituições escritas, temos os direitos políticos e civis. Dos direitos fundamentais de primeira geração até a Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX, a fixação dos direitos sociais, culturais e econômicos marca a noção de igualdade substancial. Dos direitos fundamentais de terceira geração (direitos de solidariedade e fraternidade) até a chamada globalização política (democracia, informação e pluralismo), dá-se início a novas reivindicações, chegando-se a se cogitar do direito à paz.
Em que pese a breve apresentação seja útil para fins gerais de conhecimento, é com GOSDAL que se estabelece a semântica dos direitos fundamentais em contraponto aos direitos humanos:
A gênese dos conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais é distinta, estando os direitos humanos vinculados ao Direito anglo-saxão, os direitos fundamentais ao Direito alemão e os direitos do homem e liberdades fundamentais ao Direito francês. Não há distinção essencial entre os conceitos, quanto a sua gênese e desenvolvimento histórico; a distinção está vinculada a opções filosóficas de cada autor.  (GOSDAL, 2006, p. 29)
Sob um critério mais processual e legislativo, conclui-se que os direitos fundamentais provenientes de tratativas internacionais acabam por se aglutinar à Constituição material e gozam de status equivalente.
Sobre os direitos materialmente fundamentais, nota-se que a dignidade da pessoa humana é o cânone balizador na medida em que a partir dela se justifica a exigibilidade de prestações e a intangibilidade de direitos pelo poder reformador. Deste pensamento, desenvolveu-se, vale salientar, o conceito de mínimo existencial. 3
Sob outra perspectiva, infere-se que os direitos fundamentais são reconhecidos pela ordem interna estatal como aptos a assegurar a dignidade da pessoa humana. O fato é que nem sempre haverá coincidência entre ambos, afinal, e aqui cabe a pertinente análise de José Cláudio Monteiro de Brito Filho, “no plano interno dos Estados, nem todos os Direitos Humanos consagrados no plano internacional sejam reconhecidos, é comum também que alguns direitos só sejam reconhecidos como fundamentais em algum, ou alguns Estados.” (BRITO FILHO, 2004, p.35-36)

2 A Organização Internacional do Trabalho e o Conceito de Trabalho Decente – A versão da doutrina clássica

A partir de Declaração da Filadélfia, em 1944, ampliaram-se as perspectivas no âmbito normativo com relação a ampliação das atribuições da OIT, após a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho de 1998, que sistematiza os direitos fundamentais do trabalho em quatro grandes grupos.
Para Luciane Cardoso, a partir da Declaração de 1998, os direitos humanos dos trabalhadores refletem uma concepção de princípios que apontam objetivos e o modo de agir através de políticas públicas, considerando que são necessidades do ser humano trabalhador e que constituem um consenso para implementar o trabalho decente no mundo. (CARDOSO, 2015)
A significação do trabalho decente a partir da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998) o entende como trabalho produtivo e adequadamente remunerado, desempenhado em condições de liberdade, eqüidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminações e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem do seu trabalho.
Tal idéia está fundada nas preocupações tradicionais e permanentes da OIT. Para Ghai (2003), a noção de trabalho decente, expressa vários assuntos relacionados com o trabalho e “os resume em palavras que todos poderiam reconhecer” (GHAI, 2003).
Segundo Romita, a expressão “trabalho decente” foi referida pela primeira vez no relatório da OIT do ano de 2000, pelo Diretor Geral da Repartição Internacional do Trabalho. (ROMITA, 2005, p. 214) No Memorial, foram destacados quatro elementos: o emprego, a proteção social, os direitos dos trabalhadores e o diálogo social.
A dimensão do trabalho decente de acordo com a doutrina clássica remete a uma contextualização sobre promover a democracia e o diálogo social em geral, como também no âmbito do mercado de trabalho em particular. De acordo com tal entendimento, não é possível promover a democracia quando não se associa o diálogo social a processos de participação 4 dos cidadãos que a consolidam e fortalecem. A participação cidadã deve, por conseguinte ser capaz de ultrapassar o conceito de exercício de direito ao voto e requerer processos de participação que necessitem de um diálogo aberto e de um compromisso da sociedade e de seus atores que devem ter voz ativa para opinar sobre as decisões que os afetam tanto no âmbito nacional, local e, é claro, ambiente de trabalho.
A OIT, ao tratar do assunto nas Américas, enfrenta a questão do trabalho adequadamente remunerado em duas dimensões. A primeira refere-se à recuperação do salário mínimo como instrumento de política salarial e, a segunda, consiste na vinculação progressiva das remunerações às mudanças de produtividade e do aumento do custo de vida. Assim, salário mínimo possui a finalidade de ser o piso de escala de salários do setor privado, devendo por esta razão ser avaliado com regularidade.
Assim trabalho digno 5 seria aquele trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de segurança, liberdade e sem quaisquer formas de discriminação. Um trabalho realizado em condições de eqüidade, permeado pelo princípio moral que, na linguagem filosófica, conceberia o ser humano como um fim e não como um meio.
O professor Italiano Giancarlo Perone em sua obra OIT: funcionamento e independência assevera que: “trabalhador não pode nunca significar escravo.” (PERONE, 2005, p. 90) Desta forma, a noção de trabalho decente exige um labor em condições de liberdade. Nos padrões da OIT, tais condições se traduziriam em efetivar direitos fundamentais no trabalho, nos seguintes sentidos:

  1. Liberdade Sindical; 6
  2. Negociação Coletiva; 7
  3. Combate a qualquer forma de trabalho forçado 8 e (Grifo nosso)
  4. Erradicação do trabalho infantil 9, inserido nas Convenções nº. 138 de (1973)53 sobre a idade mínima para admissão a emprego e n. 182 (1999) sobre as piores formas de trabalho infantil e de ação imediata para sua eliminação.

           
            Na prática, a perspectiva do trabalho decente conforme abordagem da OIT, embora necessária ao contexto latino-americano, encontra-se respaldada por critérios insuficientes. Conforme o raciocínio desenvolvido a concepção de “trabalho decente” nada mais é do que um contraponto direto à concepção de “trabalho precário”.
            Desta forma, apesar das idéias divulgadas pela Organização Internacional do Trabalho serem interessantes e aceitas por uma expressiva parcela das nações do mundo, as autoras deste artigo entendem que as mesmas já não são mais atuais, uma vez que tem como seu foco principal o trabalho subordinado. Conforme se explanará no próximo item, considerando as profundas transformações sociais vividas nos últimos anos as quais trouxeram conseqüências como o desemprego estrutural e o ultraliberalismo global, as propostas da OIT caem por terra, pois desprotegem a maior parte da população de trabalhadores do mundo na atualidade.

3 O PARADIGMA DO TRABALHO SUBORDINADO E O DESEMPREGO ESTRUTURAL – A TEORIA TRABALHISTA CRÍTICA

O Direito do Trabalho é um conjunto de normas e princípios destinados à proteção do trabalho subordinado ou por conta alheia. Desta forma, conforme já explicitado acima, o seu objeto, para a doutrina clássica, continua sendo essa modalidade de trabalho.
O Estado do Bem-Estar Social e Pleno Emprego passaram a ditar, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, as relações políticas, econômicas e sociais do mundo moderno e que já vinham sendo forjadas nas primeiras décadas do Século XX, com a chamada Era Fordista.
O Direito do Trabalho se fortaleceu e se impôs como ramo do conhecimento jurídico, sobretudo, com a ampliação do seu campo protetivo, em termos de produção de normas jurídicas que respeitavam o seu princípio nuclear – o princípio da proteção – e de outros dele derivados em que prevalecia o pleno emprego e um sistema de previdência e de seguridade social mantido por meio das contribuições dos sujeitos dessa mesma relação jurídica, quais sejam: empregado e empregador.
No mesmo passo, a Organização Internacional do Trabalho protagonizou relevante papel na construção de regras universalmente aceitas pelos sistemas jurídicos dos países membros dessa instituição, através das inúmeras Convenções e na produção de uma vasta literatura que legou ao mundo acadêmico uma notável contribuição ao desenvolvimento dos sistemas jurídicos voltados para a proteção do trabalho subordinado.
Contudo, a partir da década de 90 do século passado passou-se a observar uma queda dos dados estatísticos sobre o trabalho de larga duração. As novas tecnologias começam a provocar uma verdadeira metamorfose do mundo do trabalho. As novas teorias organizacionais apresentam formas mais sofisticadas para a administração e a gestão empresariais consubstanciadas naquilo que os economistas e administradores de empresas passaram a chamar de reestruturação produtiva.
O sociólogo Ricardo Antunes (2006) apresenta em sua obra dados no sentido de que, no período de 1982 a 1988, deu-se, na França, uma redução de 501.000 empregos por tempo completo, e houve um aumento de 111.000 de empregos em tempo parcial; já na França, Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra aproximadamente 35% a 50% da população ativa encontravam-se desempregada ou desenvolvendo trabalhos precários, parciais.
O novo cenário do trabalho passará a experimentar as chamadas administrações flexíveis e a reengenharia – enxugamento de custos, cortes radicais da mão-de-obra.
Neste novo cenário laboral atual nenhum setor do trabalho está distante do fantasma do desemprego, do trabalho temporário, da precarização e terceirização.
O trabalho subordinado era a referência da vida e da sociabilidade. Até finais do século XIX ele se encontrava concentrado no setor agrícola (primeiro setor). No apogeu do industrialismo – começo de século XX até a década se setenta, no segundo setor (indústria e comércio). No ocaso desse período, a maioria da população economicamente ativa estava no terceiro setor (serviços). Como todos esses setores foram atingidos pelas novas tecnologias, não existe outro setor para substituí-los. Daí falar-se, em termos de macroeconomia, em desemprego estrutural. Pior: desemprego estrutural convivendo com sub-emprego e sub-proletarização. Esse é o quadro irreversível. 10
Uma abordagem ampliativa e inclusiva melhor posicionaria o trabalhador enquanto agente emancipador, construtor de sua dignidade no tempo e espaço. Pensar diferente é reduzir a relação trabalhista a um mero contrato entre empregado e empregador que culmina no pagamento de salário. Tendo em vista o dinamismo e as diversas transformações sociais havidas que causam impactos e reflexos no Direito do Trabalho, hoje se percebe que é muito mais apropriada a este Direito a tutela de todas as formas de trabalho e renda compatíveis com a dignidade humana.11
A partir das idéias desenvolvidas neste item, que explica toda a construção desenvolvida na teoria tradicional do Direito do Trabalho interno e internacional (OIT) voltada para a proteção das situações de trabalho subordinado, as autoras deste artigo, ao mesmo tempo que, tecem críticas às legislações trabalhistas atuais que desprotegem a maior parte dos trabalhadores do mundo entendem – por estas mesmas razões - ser praticamente impossível a aplicação do conceito de trabalho decente conforme proposto pela OIT.

4 O Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: entre a democratização e a universalização dos direitos e liberdades

A análise do caso posto como objeto do artigo prescinde simultaneamente da compreensão da sistemática de funcionamento do sistema interamericano de Direitos Humanos. Ora, sabe-se que esta região é marcada pelas desigualdades sociais somadas a uma cultura de violência e impunidade, onde a democracia se encontra em fase de consolidação e os direitos humanos são pifiamente respeitados.
Entretanto, vale salientar que o desrespeito aos direitos humanos não pode ser tolerado ainda que nessas condições específicas, pois, nos dizeres de Alves (2015, p. 45):
Se, por um lado, as condições estruturais têm reflexos óbvios na situação dos direitos econômicos e sociais, afetando também os direitos civis, pessoais e judiciais mais elementares – e nisto o caso brasileiro é tragicamente eloquente -, por outro, a ausência de níveis satisfatórios de desenvolvimento econômico-social não é mais aceita como escusa para a inobservância dos direitos.
De antemão, já se depreende que dois desafios são considerados relevantes no contexto interamericano: conviver com as reminiscências do sistema autoritário ao passo que direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais exigem plena realização.
A Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica, a partir de um rol de direitos civis e políticos, determina que os Estados-membros adotem medidas legislativas para o alcance pleno dos mesmos. A Convenção é integrada pela Comissão Interamericana e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Conforme Piovesan (2015, pág. 143), “promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América é a principal função da Comissão Interamericana.” Faz parte de suas atribuições à recomendação aos governos dos Estados-partes para que efetuem medidas adequadas com o fito de proteger direitos e liberdades.
Para peticionar neste órgão, deve haver o prévio esgotamento dos recursos na jurisdição interna ou demora processual no sentido de julgamento com dilações indevidas. Entendendo pela procedência do pedido, dá-se espaço para soluções amistosasentre as partes. Caso contrário, um relatório com recomendações será enviado ao Estado-parte, que tem o prazo de 3 (três) meses para cumpri-lo. Se, ainda assim, não for solucionada a lide, o caso será encaminhado à Corte Interamericana de Direitos Humanos. 12
     A Corte, por sua vez, com competência consultiva e contenciosa, é o órgão jurisdicional do sistema regional. Emite pareceres que são verdadeiras contribuições no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas também tem atribuição para julgar casos em que tenha havido violação de direitos assegurados pela Convenção, determinando medidas ou pagamento de compensação à vítima. 13
Este aparato técnico-jurídico, que visa à universalização dos direitos civis, sociais, econômicos, ambientais e culturais, chamado sistema interamericano de direitos humanos, é um ator fundamental no processo de democratização das Américas e, consequentemente, na jornada para a plena eficácia em matéria de direitos humanos.

4.1 Caso Fazenda Brasil Verde vs. Brasil

Na contramão do trabalho decente e violando gravemente o desenvolvimento saudável do potencial humano no setor laboral, há o destaque para o caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, situada no Estado do Pará. Os fatos descrevem um contexto no qual homens, geralmente entre 15 e 40 anos, afrodescendentes oriundos dos estados mais pobres do país são aliciados por “coiotes” para trabalhar em condições forçadas, de servidão por dívidas e cárcere privado e em jornadas claramente exaustivas, o que configura trabalho em condição análoga à de escravo, uma violação de direitos humanos e não apenas uma violação trabalhista.
Como na casuística supramencionada, o trabalho escravo contemporâneo consubstancia-se na anulação da dignidade e na privação da liberdade. Porém o que choca a consciência moral e ética da sociedade civil no que concerne ao caso é a conivência do Estado brasileiro quanto a estas práticas desde 1989. O sentimento de impunidade, a nível internacional, parte da inércia estatal em adotar medidas razoáveis de prevenção e resposta e do não fornecimento de medidas judiciais eficazes à proteção dos direitos dos trabalhadores. A experiência contemporânea já comprovou que não basta adotar soluções amistosas se não existe a garantia de vida digna ao trabalhador após deixar o local de trabalho degradante.
Faz-se mister assinalar que a Comissão submeteu à Corte as ações e omissões que ocorreram na Fazenda - tendo a República Federativa do Brasil aceitado a competência contenciosa da Corte para examinar e julgar desde o ano de 1998 – e recomendou que se fizessem algumas medidas de reparação, entre elas: reparar as violações de direitos humanos tanto no aspecto material quanto moral, restituindo às vítimas os salários devidos e os montantes ilegalmente subtraídosdeles; providenciar as medidas administrativas, disciplinares ou penais relativas às ações ou omissões dos funcionários estatais que contribuíram para a negação de justiça e impunidade em que se encontram os fatos do caso; criar mecanismos de coordenação entre a jurisdição penal e a jurisdição trabalhista para superar os vazios existentes na investigação, processamento e punição das pessoas responsáveis pelos delitos de servidão e trabalho forçado, o que inclui fiscalizar o cumprimento das normas de jornada de trabalho e pagamento de salários de acordo com o disposto em convenções ou acordos coletivos e CLT.
Por último e não menos importante, compactuando com o objetivo desta pesquisa, a Comissão solicita que o Brasil alerte a população, os funcionários públicos e os operadores do Direito acerca do trabalho forçado e do trabalho em servidão por dívidas.
E aqui está explícita a maldição do viés ultraliberalista de que falamos no início do trabalho, que espalha misérias como essas pelas zonas do globo, atropelando as garantias fundamentais dos trabalhadores e mitigando suas liberdades individuais, aniquilando o direito ao trabalho decente.
Ainda que a Corte tenha a oportunidade de fazer jurisprudência sobre o trabalho forçado e as formas contemporâneas de escravidão, ainda é necessário caminhar para sedimentar o entendimento de que o direito ao trabalho decente é um garantia fundamental, protegida no sistema interamericano de direitos humanos.

5 A HISTÓRICA DECISÃO DA CIDH: REFLEXOS DO CUSTO DA CONIVÊNCIA BRASILEIRA COM A ESCRAVIDÃO 

            Após um processo que durou cerca de três anos, em 15 de dezembro de 2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tornou pública a decisão de mérito referente ao caso objeto desta pesquisa. 14 Conforme já esperado, a República Federativa do Brasil foi condenada por não assegurar a devida proteção aos trabalhadores, submetidos às mais degradantes formas de trabalho e por violar direitos contidos no Pacto de San José da Costa Rica, como a proibição da escravidão e servidão, garantia à integridade física, psíquica e moral da pessoa humana e direito à liberdade pessoal.
            Na sentença, a Corte estabelece que o país retome as investigações sobre a Fazenda como uma forma de adotar medidas que anulem a escravidão e suas modalidades (servidão por dívidas) através da reabertura de casos já arquivados sobre o assunto no Brasil e na América Latina. 15 Também determina que o Estado tem um ano para indenizar cada uma das 128 vítimas que conseguiram ser resgatadas pelo Ministério Público do Trabalho, entre os anos de 1997 e 2000.
            Outro ponto interessante a ser destacado é a conivência do Poder Público, notadamente o Poder Judiciário, com esta prática de trabalho indecente, o que custará aos cofres da Administração cerca de 5 milhões de dólares, ressalvado o direito de defesa da Advocacia-Geral da União (AGU).
            A sentença é, por estas razões, considerada emblemática, porque é a primeira vez que a proibição do trabalho escravo se aplica a um caso concreto no continente, reconhecendo que esta violação dos direitos laborais e humanos está inserida em um contexto de discriminação estrutural dos trabalhadores pela situação de vulnerabilidade econômica em que se encontram.

CONCLUSÃO

            Está claro que a noção de trabalho decente aqui explicitada contempla, portanto, a liberdade sindical, o reconhecimento da negociação coletiva, a abolição efetiva do trabalho infantil, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e de ocupação e a eliminação de todas as formas de trabalho forçado e obrigatório, extraídos da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Por esta razão, infere-se que o trabalho decente é exercido pela promoção de direitos mínimos laborais, aqueles necessários à preservação da igualdade no trabalho, remuneração justa, preservação da saúde e da segurança e proteção contra os riscos sociais. Sob a perspectiva internacional, os direitos já mencionados seriam direitos humanos laborais justamente pelo fato de tutelarem a dignidade do trabalhador (direitos da personalidade).
O contraponto às garantias mínimas trabalhistas realiza-se quando a situação de trabalho degradante e indigno existente na Fazenda Brasil Verde, no norte do Brasil, é denunciada frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, após a morosidade das investigações dos órgãos internos brasileiros, o que impediu o efetivo acesso à justiça. Por isso, a importância a nível internacional da decisão da CIDH.
A comprovada situação de redução à condição análoga a de escravo naquela fazenda é um reflexo do avanço do ultraliberalismo global, que ao fomentar o lucro, inferioriza a pessoa do trabalhador, visto não mais como agente emancipador, mitigando seus direitos humanos laborais.
Num contexto no qual o homem é um meio ou instrumento e, consequentemente, descartável, sob a ótica de uma política econômica destrutiva e avassaladora, que em muito perdeu o senso de coletividade e responsabilidade, os direitos humanos laborais devem ser “a manifestação da almejada igualdade real [...] como parâmetro na elaboração, interpretação e aplicação das normas, a fim de que seja preservada a constitucionalidade e garantida a dignidade da pessoa humana inerente ao trabalhador.” (SANDIM, pág.105, 1991).
Enquanto não houver o entendimento de que os direitos civis e políticos e aqueles qualificados pela solidariedade apenas possuem máxima efetividade mediante a concretização de posições jurídicas de natureza trabalhista, o trabalhador e o rol de garantias duramente conquistadas continuarão sendo consumidos pela política ultraliberalista, em escala global. A responsabilização brasileira é o idício de que a Abolição de 1888 ainda não se concretizou.  
                       

Referências
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* Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco - UPE - Campus Arcoverde. Pesquisadora do Grupo de pesquisa Direito do Trabalho e os Dilemas da Sociedade Contemporânea. Email: annegabrielebj@hotmail.com. Endereço: Rua Lucídio Tenório de Brito N° 158 C, Bairro São Cristóvão CEP 56512-280, Arcoverde/PE.

** Mestre e Doutora em Direto pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco. Professora da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professora da UNINASSAU. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho e da Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho - JUTRA. Líder do Grupo de Pesquisa Direito do Trabalho e os Dilemas da Sociedade Contemporânea. Email: belebm@hotmail.com. Endereço: Avenida Dezessete de Agosto, nº 2413, apto. 1101, Casa Forte, Recife-PE. CEP: 52.061-540

*** Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco - UPE - Campus Arcoverde. Pesquisadora do Grupo de pesquisa Direito do Trabalho e os Dilemas da Sociedade Contemporânea. Email: julianabferreira@outlook.com. Endereço: Rua Eurico Pacheco Freire - N° 287, Bairro São Miguel, CEP 56509-150, Arcoverde – PE.

1 Sobre o tema escreve Arendt: “Eles haviam perdido aqueles direitos que até então eram tidos e até definidos como inalienáveis, ou seja, os Direitos do Homem. Os apátridas e as minorias, denominados com razão ‘primos em primeiro grau’, não dispunham de governos que os representassem e protegessem e, por isso, eram forçados a viver sob as leis de exceção dos Tratados das Minorias [...] ou sob condições de absoluta ausência da lei. ” (2015, p. 371)

2 Sobre o tema, v. Norberto Bobbio, A era dos direitos, 1992; Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 2000, p.514 e s.; Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional contemporâneo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 199 e ss.

3 Expressa o conjunto de condições materiais essenciais para uma vida digna. Sobre o tema, ver Ricardo Lobo Torres em A jusfundamentalidade dos direitos sociais, Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. XII, p.356, 2003  e Luiz Edson Fachin em Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

4 Para melhor compreender a acepção de “participação” consultar a obra de STIGLITZ, Joseph. Participation and development: perspectives from the comprehensive development paradigm. Review or Development Economics, New York, U. 6, n2, p. 163-182, 2002, apud Trabalho decente nas Américas: uma agenda hemisférica, 2006-2015. XVI Reunião RegionalAmericana. Brasília, maio de 2006, p. 13.

5 Acerca do conceito de dignidade, conferir em DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, São Paulo: Saraiva.v. 2, 1998, p.133.

6 Sobre a liberdade sindical, a Convenção nº. 87 de 1948 dispõe acerca do direito dos trabalhadores, sem distinção de qualquer espécie de constituírem organizações da sua escolha e de a elas se afiliarem, permanecerem ou se retirarem, sem prévia autorização, e dispõe sobre uma série de garantias para o livre funcionamento dessas organizações, sem ingerência das autoridades públicas. O Brasil, embora não seja signatário da convenção acima referida, adotou a liberdade sindical como princípio tendo-o consagrado no Art. 8º, I, da Constituição Federal de 1988. Ainda sobre o assunto liberdades sindicais recomenda-se a leitura de relevante artigo do professor Everaldo Gaspar a respeito: ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. As antinomias do art. 8º. da Constituição Federal: Um contraponto à doutrina dominante. Revista TRT 8ª. Região. Belém, v. 44, n. 86, p.107-123, jan/jun 2011.

7 Convenção nº. 98 de 1949 que dispõe sobre a proteção das liberdades sindicais contra atos de discriminação.

8 Convenções sobre Trabalho Forçado da OIT nº. 29 de 1930 e nº 105 de 1957 que entendem ser o trabalho forçado e trabalho análogo ao escravo como trabalho realizado sem liberdade, tráfico de trabalhadores, trabalho de imigrantes ilegais. As formas mais comuns desse tipo de trabalho são: servidão por dívida, retenção de documentos do trabalhador, empecilhos ao acesso ao local de trabalho e presença de guardas armados. Essas características são, com freqüência, acompanhadas de condições subumanas de vida, de trabalho e de absoluto desrespeito à dignidade da pessoa.

9 Convenções nº. 138 de 1973 sobre a idade mínima para admissão a emprego e n. 182 de 1999 sobre as piores formas de trabalho infantil e de ação imediata para sua eliminação.

10 A propósito do assunto, consultar: DANGELO, Isabele Bandeira de Moraes. A subordinação no direito do trabalho – para ampliar os cânones da proteção, a partir da economia social e solidária. São Paulo: LTr: 2014.

11 Sobre o tema princípios do direito do trabalho a obra do professor Everaldo Gaspar Princípios de direito do trabalho: fundamentos teórico-filosóficos. São Paulo: LTr, 2008 é referência no que diz respeito à uma releitura necessária dos Princípios do Direito do Trabalho.

12 Pode ser que o caso não seja encaminhado à Corte e a Comissão poderá emitir sua própria opinião e conclusão.

13A atividade jurisdicional da Corte está limitada aoreconhecimento expresso pelos Estados-partes da Convenção Americana (artigo 62).

14 Antes mesmo de ser publicada a sentença da CIDH sobre os trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, já estávamos desenvolvendo estudos acerca do caso e suas implicações no grupo de Pesquisa Direito do Trabalho e os Dilemas da Sociedade Contemporânea, da Universidade de Pernambuco (UPE) campus Arcoverde, coordenado pela professora Dra. Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo.

15 A CIDH considera o crime de trabalho escravo como gravíssimo, logo, a prescrição não pode ser obstáculo para a investigação e responsabilização do mesmo.


Recibido: 18/04/2017 Aceptado: 03/08/2017 Publicado: Agostoo de 2017

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