Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


MARCOS INSTITUCIONAIS E DEBATES SOBRE O CONCEITO DE FRONTEIRAS: UM MOSAICO DE INTERPRETAÇÕES

Autores e infomación del artículo

Aurilene dos Santos Ferreira*

Universidade Federal do Pará, Brasil

aurileneferreira@gmail.com

RESUMO

O artigo tem como objetivo analisar as diferentes abordagens disciplinares sobre os conceitos de fronteira, faixa de fronteira, zona e limite de fronteira. Para este fim, metodologicamente lançou-se mão das concepções dominantes na geografia, geopolítica, sociologia, antropologia, relações internacionais e ciência política, relacionando-as com as especificidades da fronteira amazônica. Os resultados revelam que não existe um consenso em torno desses conceitos, mas o conhecimento de seu significado em diferentes disciplinas é indispensável para entender a complexidade da construção e definição das fronteiras e de políticas públicas para esse espaço tão diverso.

RESUMEN

El artículo pretende analizar los diferentes enfoques de la disciplina en los conceptos de frontera, la frontera de Gaza, y el límite de la zona de frontera. Con este fin, metodológicamente cayó mano de concepciones dominantes en la geografía, geopolítica, sociología, antropología, relaciones internacionales y ciencias políticas, relacionando - las con las características de la frontera amazónica. Los resultados muestran que existe un consenso en torno a estos conceptos, pero el conocimiento de su significado en diferentes disciplinas es esencial para comprender la complejidad de la construcción y la definición de las fronteras y de las políticas públicas para este espacio tan diverso.

ABSTRACT

The article aims to analyze the different approaches of discipline on the concepts of border, border strip, zone and limit of border. To this end, methodologically fell hand of dominant conceptions in geography, geopolitics, sociology, anthropology, international relations and political science, relating them with the specifics of the Amazon frontier. The results show that there is a consensus around these concepts, but knowledge of its significance in different disciplines is essential to understand the complexity of the construction and definition of boundaries and of public policies for this space so diverse



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Aurilene dos Santos Ferreira (2017): “Marcos Institucionais e debates sobre o conceito de Fronteiras: um mosaico de interpretações”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/fronteira.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702fronteira


Introdução

Na formação do Estado-nação, a delimitação das fronteiras nacionais destaca-se como um elemento imprescindível e influenciou na construção de diferentes concepções sobre o que se poderia considerar como fronteira. Levando em consideração que a Amazônia, na condição de fronteira, sempre foi alvo de diferentes movimentos e frentes de ocupação de seu território vê-se a importância de conhecer e refletir sobe os conceitos de fronteira, indispensáveis para analisar criticamente as políticas de intervenção do estado brasileiro nesse espaço, com base nos marcos institucionais criados. Visando contribuir com esse debate, este artigo discutirá a influência dos conceitos de Estado nos conceitos de fronteira, bem como, explicitará as diferentes abordagens disciplinares sobre tais conceitos, inserindo também as definições sobre faixa de fronteira, zona e limite de fronteira.  

Estado e Fronteira no Brasil

A origem do estado em qualquer lugar do mundo pressupõe a criação e delimitação de suas fronteiras. Elas são necessárias para assegurar a soberania e a defesa do país.  Assim, cada Estado estabelece um marco regulatório com essas definições.
No caso das fronteiras brasileiras, um dos marcos mais importantes, foi o Tratado de Madri, em 1750, que previu o direito à posse a ocupante de um território. Entretanto, de acordo com Borba (2013, p.63), antes, disso, o Tratado de Utrecht, assinado em 1713 com a França, estabeleceu critérios para que, em 1900, o Barão de Rio Branco defendesse a questão do Amapá, abrindo precedentes para que o Barão assinasse a maior parte dos tratados referentes aos limites com os países vizinhos, na tentativa de resolver problemas existentes, sobre o domínio de alguns territórios, considerados estratégicos para a defesa do país.
Machado (2000, p.12-13) argumenta que a revogação do Tratado de Madri em 1761 produziu diversas inovações no processo histórico de legitimação das fronteiras brasileiras tais como:  “o reconhecimento da superação da linha de Tordesilhas; a tentativa de estabelecer os limites entre as possessões lusas e castelhanas num sentido continental”;  a separação entre os conflitos que pudessem ocorrer na Europa e os conflitos americanos, além da substituição do princípio romano do utt possidetis para o direito público.
A evolução das fronteiras terrestres no Brasil, de se deu a partir de quatro fases histórico-políticas:

(1ª) fase de expansão, no período colonial, caracterizada pelo deslocamento dos limites do Tratado de Tordesilhas, para o norte, oeste e sul; (2ª) fase de regularização ou de legalização, no período monárquico, das ocupações territoriais para além dos limites do Tratado de Tordesilhas; (3ª) fase de demarcação, durante a República, quando foram realizados os trabalhos das Comissões de Limites; e, (4ª) fase de vivificação ou de povoamento, com a construção de fortes, instalação de colônias militares e organização de unidades militares de fronteiras. (BORBA, 2013, p. 63).

A divisão clássica das fronteiras as define como fronteiras naturais e fronteiras artificiais. Já a Faixa de Fronteira no Brasil é caracterizada conforme dispõe a Constituição Federal, § 2º “A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei” (BRASIL, 1988). Este entendimento acerca da função estratégica da faixa de fronteira vai de encontro à premissa federalista segundo a qual

A peculiaridade da federação reside exatamente na existência de direitos originários pertencentes aos pactuantes subnacionais – sejam estados, províncias, cantões ou até municípios, como no Brasil. Tais direitos não podem ser arbitrariamente retirados pela União e são, além do mais, garantidos por uma Constituição escrita, o principal contrato fiador do pacto político-territorial (ABRÚCIO, 2005, p. 43)

Ressalta-se que a mesma Constituinte, determina o pacto entre as unidades subnacionais, que resultaria numa ação governamental fundamentada na coordenação de políticas e restringe esse direito ao se tratar de áreas de fronteira, onde cabe legitimamente à União legislar e planejar intervenção por meio de políticas públicas.
Embora nestas políticas, esteja presente a heterogeneidade, típica do federalismo, ela também se encontra nas regiões que compõem a Faixa de Fronteira  e que contribuiu para sua divisão em três arcos pelo Governo Federal, no âmbito do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), quais sejam: os arcos norte (Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Acre), sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e arco central (Mato Grosso, Rondônia e Mato Grosso do Sul). (BRASIL, 2010).
Dada a importância que as fronteiras representam para seus países, não se pode ocultar que elas, historicamente, não apenas no Brasil, como no mundo todo, foram demarcadas, principalmente, sob influência das doutrinas de segurança nacional e/ou de defesa. O quadro abaixo demonstra essa influência conceitual  nos países que fazem fronteira com o Brasil:

Essa delimitação do tamanho da faixa de fronteira, bem como o aspecto conceitual que a influencia depende do contexto geopolítico vivenciado num dado período histórico. No caso do Brasil, com a mudança da Constituinte em 1988, a definição conceitual acompanhou as mudanças que culminaram com a Constituição democrática que substituiu o conceito de segurança nacional pela noção de defesa e desenvolvimento socioeconômico.

A diversidade de conceitos sobre as fronteiras

A discussão em torno do conceito de fronteira envolve um longo debate entre diferentes disciplinas do conhecimento. A geografia, entretanto, destaca-se entre um dos ramos do conhecimento que mais tem se dedicado a esse debate, especialmente a geopolítica. Dentre um de seus mais importantes expoentes, pode-se citar Foucher (1991, p.38), para quem as fronteiras inserem-se na formação territorial do Estado moderno e seu surgimento se deu a partir de estruturas espaciais, de modo linear, que se constituem de duas partes: uma interna e outra externa e visam manter a soberania nacional em ambas as partes.
Na geopolítica também surgiu uma grande dúvida relacionada ao conceito de fronteira e se este se refere à noção de linha ou de zona. Para o geógrafo alemão Ratzel (1988;  APUD CATAIA, 2008) o conceito de fronteira se aproxima mais uma zona do que de uma linha e representam a periferia do Estado e, consequentemente não possuem autonomia própria, pois estão inseridas dentro de um Estado, devendo submeter-se às regras nele vigentes.
Cataia (2008) apresenta uma análise sobre a gênese dos conceitos acerca das fronteiras, do ponto de vista da geografia política, partindo de uma tipologia a partir de autores clássicos conforme ilustra o Quadro a baixo:
Estas abordagens mostram conceitos tradicionais sobre fronteira, do ponto de vista geográfico e da geopolítica, porém ressaltam o fato de que muitos deles encontram-se presentes atualmente, mas com uma nova roupagem. No entendimento de Cataia (2008) o conceito de fronteiras internas é um exemplo disso, uma vez que é usado para designar os limites políticos administrativos, em países de organização federativa como o Brasil, pois trata-se de fronteiras que circunscrevem unidades políticas com certo grau de autonomia, uma vez que todos estão subordinados à Constituição Federal. (Op.Cit. p. 16)
Assim, uma perspectiva interdisciplinar, deve aproveitar não somente os pressuposto historia e da geografia, mas também da ciência política, da sociologia, da economia, da antropologia, da informática e outras disciplinas.
Becker, (1988, P. 60, 61) situando o conceito de fronteira na Amazônia, a partir de pesquisas realizadas, propôs um novo conceito geopolítico de fronteira.  Sua reinterpretação, ultrapassa à ideia de fronteira como sinônimo de terras devolutas, apropriadas por pioneiros e/ou reduzida à colonização agrícola. Sua diferenciação reside na importância dada ao espaço social e político e não somente à ênfase ao espaço físico, que se incorpora a um espaço global fragmentado.
Becker (Op. Cit.) arremata que diante desses processos físicos, sociais, econômicos e geopolíticos que constituem a fronteira, esta pode ser também conceituada como:
 o espaço da expectativa de reprodução ampliada para praticamente todos os atores em jogo, mas onde há incerteza quanto a essa reprodução, na medida em que as ações sociais respondem a orientações políticas e valorativas e não só aos constrangimentos econômicos, condição que lhe atribui valor dinâmico e estratégico. Questões atinentes à fronteira podem, assim, ser investigadas em espaços muito distintos das franjas de pioneiros em matas longínquas. (Op.Cit. p. 67)

Esta é uma afirmação que se aplica a todo o espaço entendido como fronteira para Becker (1988). Entretanto, na fronteira amazônica, esse valor estratégico é excepcional em razão de suas riquezas reserva energética mundial que se contradizem com a baixa institucionalização de organizações regionais e locais, necessárias para se impor, frente às novas formas de apropriação da fronteira pelo mercado capitalista global. Trata-se de, portanto, de um espaço onde é possível controlar os meios de produção, desde matérias primas, mão-de-obra barata e terras, e, “de um espaço onde há facilidade para implantar novas estruturas abrindo mercados para a alta-tecnologia; um espaço onde é possível estender o controle do mercado financeiro mundial” (BECKER, 1988, p. 67).
Machado define fronteira com base da teoria de redes associada à noção de circuitos de transação legal e ilegal, que, na sua interpretação são mais dinâmicos que a fronteira no sentido de linha-limite. Entretanto, Machado (1998, p.42) ressalta a necessidade de fazer a diferenciação entre fronteira e limite, para ela:
a fronteira pode ser um fator de integração, na medida que for uma zona de interpenetração mútua e de constante manipulação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite é um fator de separação, pois separa unidades políticas soberanas e permanece como um obstáculo fixo, não importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais.

A criação de zonas francas e zonas de livre-comércio são exemplos de que a fronteira pensada pelo Estado brasileiro é flexível e vai além da rigidez presente na concepção de linha-limite. Desse modo, torna-se imprescindível inserir essa dinâmica que é típica dos fluxos econômicos das zonas francas na política de base territorial pensada especialmente para a região amazônica.
Diante desse potencial econômico, político e social e geográfica, a fronteira amazônica tornou-se o espaço mais relevante e estratégico para o Estado, que por esta razão, historicamente tem se dedicado à construção de políticas públicas de controle e de integração da Amazônia ao espaço global.
Isso tem relação direta com a própria formação do Estado brasileiro, pois o legado colonial e as modificações ocorridas na estrutura social afetaram o curso da mudança na fronteira Amazônica, entre os anos de 1964 e 1985. Isto se deve ao papel central que a Amazônia teve no plano geral de desenvolvimento do regime militar, pois 
os critérios geopolíticos, que figuraram com tanta proeminência na visão dos militares, determinaram a necessidade urgente de povoar áreas vulneráveis ao longo das fronteiras internacionais localizadas ao norte do Brasil. (...) Tomar o controle das mãos das elites amazônicas tradicionais (...) foi fator central a viabilizar esse plano de modernização (...). Em crescentes incrementos, a investida federal na autonomia estadual modernizou toda a estrutura  burocrática que gerenciava a obtenção de terras e minerais na fronteira. (SCHMINK &WOOD, 2012).

Com isso, as políticas de desenvolvimento destinadas á faixa de fronteira notadamente associaram-se à doutrina de segurança nacional sob a justificativa da necessidade geopolítica de proteção das regiões de fronteira de uma provável invasão estrangeira. Entretanto, o desvirtuamento das políticas de desenvolvimento para a Amazônia, contribuiu para a intensificação dos conflitos de terra na fronteira paraense, tornando o estado do Pará, o segundo mais violento dos estados do Brasil, no período entre 1985 e 2013, em índices de mortes de trabalhadores Rurais, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2015 1).

O conceito de Fronteira nas Ciências Sociais

Do ponto de vista sociológico segundo Martins (1997, p.13) o conceito de fronteira é de difícil definição uma vez que a palavra fronteira significa “muitas e diferentes coisas: fronteira da civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da História e da historicidade do homem. E, sobretudo, fronteira do humano”.
As peculiaridades presentes na fronteira devem ser levadas em conta na definição de um conceito mais adequado para compreender a fronteira amazônica. Neste sentido, Faulhaber (2001, p.105) ressalta que os aspectos processuais das fronteiras estão relacionados a “instrumentos da política de Estado e efetivados por seus aspectos institucionais que estão associados à demarcação da soberania de Estado e aos direitos dos cidadãos individuais. As terras de fronteira são, antes de tudo, áreas estratégicas que definem as relações entre Estados, nacionalidades, etnias e identidades”.
Ainda no seio das Ciências Sociais, José de Souza Martins (1996, p.25) conceitua a fronteira como “lugar da alteridade e expressão da contemporaneidade dos tempos históricos”, de modo que a história contemporânea da fronteira, no Brasil, confunde-se com a história das lutas étnicas e sociais. Isto porque há uma densa discussão acerca da maneira como foram delimitadas as fronteiras.
Apesar de tecer abordagens conceituais sobre a fronteira no âmbito das Ciências Sociais, não se pode negar que o debate relativo ao conceito de fronteira é puramente interdisciplinar. A definição acima não é um consenso nem mesmo nas ciências sociais, haja vista que a definição de Faulhaber (2001) e de Martins (1996), estão embasadas respectivamente, na antropologia e na sociologia. Logo, percebe-se que os cientistas sociais abordam o conceito de fronteira de diferentes modos, mas cada um conforme sua disciplina. Na visão empreendida pela ciência política, fronteira leva em consideração os aspectos políticos, normativos e institucionais.
Nas Relações Internacionais, de acordo com Sherma (2012), a discussão sobre fronteiras tem sido secundária. As principais teorias das Relações Internacionais (RIs), tanto no realismo quanto no liberalismo, demonstram que o conceito de fronteira tem importância secundária na agenda de pesquisa e nos estudos sobre integração e cooperação regional, fronteira é pensada do ponto do ponto de vista dos Estados nacionais. Para o realismo as fronteiras são vistas a partir de uma perspectiva estadocêntrica; ou seja, elas são relevantes porque representam uma região delicada para o Estado, a importância regional da fronteira para os realistas se reduz a questões de defesa e soberania.
Porém, a teoria construtivista das RIs trabalha com uma definição mais flexível sobre fronteira, mas a noção de regiões de fronteira também é vista como secundária nessa abordagem, haja vista que para os neoliberais a globalização cria redes globais que não respeitam as fronteiras nacionais, e organizam-se por todo o globo com auxílio das tecnologias de comunicação. Essas redes são tanto de atividades lícitas (comércio, finanças) quanto de atividades ilícitas (tráfico de drogas, armas, pessoas, imigração ilegal). Caberia aos Estados, assim, controlar as fronteiras de modo a filtrar os fluxos, facilitando a entrada daqueles tidos como interessantes e cercear as redes de ilícitos. De acordo com esse raciocínio, podemos deduzir que para os neoliberais as fronteiras podem ter um papel importante para o desenvolvimento do Estado. (Op.cit, 2012, p. 11-12).
A autora ressalta ainda que modelos analíticos como a teoria dos jogos, que às vezes são utilizados para explicar os processos de integração enxergam a cooperação e a racionalidade dos atores a partir da visão dos Estados nacionais.
Do lado do construtivismo, Sherma (2012, p.14) associa fronteira com o sistema internacional ao assinalar que a existência deste requer práticas de reconhecimento mútuo de identidade assim como nas fronteiras, ressaltando que ambos são passíveis de alterações, dado o dinamismo presente, em permanente construção, formado por atores políticos e sociais que interagem. Oliveira (1996,p.139) entende o conceito de fronteira como limite, que advém da soberania de um Estado sobre um determinado espaço.
De outro modo, nas Relações internacionais o conceito de fronteira está vinculado ao de Estado-nação, pois o espaço de delimitação das linhas de fronteira podem ser justificativas para a paz ou para a guerra entre nações. Partindo desta premissa, Ratzel, entende que as fronteiras podem ser desenhadas e/ou redesenhadas em consequência de guerras entre os Estados militarmente mais poderosos que podem, desse modo, incorporar pela força áreas ricas com contingentes populacionais homogêneos e contíguos ( p. 151)
Por outro lado, as estratégias de manutenção do status quo das fronteiras nacionais constituem-se como fatores relevantes para a geopolítica e Relações Internacionais, segundo Castro (2012)

VALLAUX cita três tipos de fronteiras: as fronteiras esboçadas que são realizadas por meio de postura arbitrária sem levar em consideração as especificidades sociais e civilizatórias dos povos daquele Estado; as fronteiras de tensão que são classificadas pelo elemento de potencialidade de luta e de instabilidade geradas; e, por fim, as fronteiras mortas que são fossilizadas e estabilizadas ao longo de décadas sem haver qualquer tipo de possibilidade de embate político-militar ou acumulação de forças no seu entorno.
(Op.Cit, p.151)

Do ponto de vista sociológico e vendo a fronteira como um espaço social, Martins (1997) chama atenção para o conceito de alteridade presente na fronteira. Em razão disso a fronteira é também considerada o lugar de encontros e desencontros e de dicotomias (índio x civilizado, grandes proprietários x camponeses). Mas esses conflitos são, na visão de Martins é própria da existência da fronteira. Logo, “a fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna a parte antagônica do nós”. (Op. Cit.).
Como se percebe, o conceito de fronteira não é de fácil definição por ser constituído por elementos dinâmicos, em permanente construção, do qual fazem parte atores políticos e sociais que interagem. Em oposição à separação conceitual do termo fronteira, Huntington (1997) assinala que as fronteiras políticas estão sendo redesenhadas para coincidir com as fronteiras culturais, étnicas, civilizacionais e religiosas, o que no Brasil se vê de maneira muito tênue, dada a história de ocupação do território brasileiro e amazônico que desconsiderou a existência, principalmente das fronteiras culturais e étnicas, o que é de domínio público.
A análise de Huntington vai ao encontro do conceito de fronteiras políticas de Lima (1991, p.64,65) já que este define fronteira como os limites de um Estado-Nação, entendendo que sua transcendência implica guerra entre nações e/ou diplomacia. Da mesma maneira, demandaria perceber os militares como fundamentais para análise do mecanismo de fronteira, produtores que são, há muito tempo, de um saber geopolítico e de uma ideologia de ocupação do território.
Para fazer referência às fronteiras internacionais García (2006) contribuiu para a criação do que ele definiu como uma “epistemologia de estudos dessas fronteiras”, por entender que apenas criar um conceito de fronteira não permitiria compreender a dinâmica, presente nela.  Ele mostra que quanto mais abrangente e flexível for o conceito de fronteira mais capaz ele se torna, de revelar nela, conflitos e disputas por territórios, presentes implícita ou explicitamente.
Do ponto de vista da Ciência Política, se aplicarmos a teoria neoinstitucional podemos forjar um conceito de fronteira (a fronteira política), entendendo-a como um espaço definido por regras institucionais, demarcado fisicamente, politicamente, socialmente, culturalmente e militarmente, em permanente construção, com o objetivo de maximizar os interesses estratégicos do Estado. O conceito de fronteira política que será predominante nesta tese justifica-se por apresentar eficiência teórico/analítica e também possibilitar, além do entendimento da dimensão político-institucional, a compreensão das dimensões simbólica e identitária presentes na fronteira.

 
Faixa e Zona de Fronteira

Outra definição relacionada à fronteira é a faixa de fronteira (faixa de 150 km de largura ao longo de 15.719 km da fronteira brasileira).  Não se trata de um conceito, mas de uma definição normativa e política adotada pelo Estado. Borba chama atenção para a evolução normativa desse espaço. Ele argumenta que a legislação brasileira a reconheceu pela primeira vez, com a pela
Lei 601, de 18/09/1850, em que D. Pedro II estabelecia, nos limites do Império com os países vizinhos, uma zona de 10 léguas (66 km), a qual se destinava ao estabelecimento de colônias militares. Na sequência, a Constituição da República de 1891 manteve a faixa de 66 km sob o domínio da União; a Constituição de 1934 manteve a faixa fronteira de 66 km sob a responsabilidade do governo federal; a Constituição de 1937 ampliou essa faixa para 150 km, mantendo sob a jurisdição federal apenas os 66 km anteriormente estabelecidos; a Constituição de 1946 transferiu a delimitação da faixa de fronteira à lei ordinária (Lei 2597, de 12/09/1955), que consolidou a faixa de 150 km como indispensável à defesa do país. Esta é a política consolidada pela Constituição de 1988, estabelecendo a faixa fronteira de 150 km, em toda a linha limítrofe terrestre. (BORBA, 2013, p.61)

Na verdade, a Constituição Federal de 1988 seguiu os preceitos da Lei  n º 6.634, de 02 de maio de 1979, ratificando a largura da faixa de fronteira brasileira, pois esta legislação estabelece os 150 km como prioritários para a segurança e para a defesa do território nacional ao longo dos 15.719 km da fronteira terrestre brasileira (27% do território nacional), incluindo 588 municípios de 11 Estados da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% do território brasileiro e reúne uma população estimada em dez milhões de habitantes.
A definição sobre o que pode ou não ser definido como faixa de fronteira, segundo a legislação brasileira, encontra críticas quanto à metodologia adotada para designar o que seja ou não faixa de fronteira. Sua metodologia, não leva em conta, os fatores sociais e culturais existentes na fronteira, e, sua demarcação é vista como uma forma homogênea de controle social e político, sustentada na perspectiva do Estado, que em diferentes momentos históricos viu a delimitação da área destinada à defesa das fronteiras, ignorando fatores políticos de cada período.
Somente com a Constituição de 05 de outubro de 1988, houve uma delimitação da largura da faixa de fronteira, até 150 km Silva, Escobar; Mello (2004, p.05) A faixa de fronteira brasileira continua com esta largura, porém, há diversas propostas de mudança em tramitação no Senado e na Câmara Federal no que concerne à legislação que institui a largura da faixa de fronteira no Brasil sob diferentes justificativas. Entretanto, há forte resistência, principalmente do Ministério da Defesa, que considera a largura estratégica para a defesa, a segurança e para o desenvolvimento desta área de 150 km, que deixaria de ser prioritária com a redução e dificultaria a atuação de defesa do território pelas forças armadas.
De outro lado, os que se posicionam favoráveis, reivindicam maior autonomia aos municípios que estão sujeitos à legislação da faixa de fronteira, o que dificultaria os processos de integração e desenvolvimento, uma vez que os municípios que fazem fronteira com outros países não têm autonomia para vender terras para empresas estrangeiras, construir estradas, pontes, aeroportos e campos de pouso, nem mesmo instalar emissoras de rádio e TV sem a autorização prévia do Conselho de Defesa Nacional.
A proposta de Emenda Constitucional que estava na ordem para ser aprovada era a PEC 49/2006 de autoria do Senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS) e outros. (MA). Esta propunha a redução da faixa de fronteira para 50 km, em quatro Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, retirando a parte da fronteira amazônica por pressão dos militares.
Todavia o projeto foi arquivado ao final da legislatura em 26/12/2014. Continua em tramitação a Proposição PEC 0235/08 de autoria do Deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB/RS) e outros, que versa sobre o mesmo assunto, apresentado em 05/03/2008. O relator, Dep. Alceu Moreira (PMDB-RS) designado para esta proposta, já emitiu parecer favorável à admissibilidade da PEC. Desde a data de 14/09/2015 o projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) para análise.
Como se percebe, a discussão sobre a largura da faixa de fronteira segue indefinida e carece de um longo processo que leve em consideração os diferentes atores envolvidos: atores institucionais e burocratas tanto da esfera militar quanto da esfera civil: prefeitos, governadores e agentes das diferentes polícias e da segurança pública, além dos políticos do legislativo e do cidadão que vive na fronteira, sobretudo da fronteira amazônica que não possui o mesmo nível de desenvolvimento e de integração que existe na fronteira mais ao Sul do país. Essas diferenças foram levadas a sério na discussão do PDFF que dividiu a a faixa de fronteira em diferentes arcos: O arco sul, central e norte.
Ainda de acordo com a legislação atual, a faixa de fronteira brasileira inclui os seguintes estados: Acre,  Amapá,  Amazonas, Mato Grosso,       Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná,  Rio Grande do Sul, Rondônia,             Roraima, Santa Catarina.
No âmbito internacional, a faixa de fronteira do Brasil está relacionada com dez países da América do Sul, como mostra o quadro a baixo:

A complexidade e a diversidade, presentes nestes diferentes estados da fronteira brasileira com estes países, dificultam o planejamento de uma política uniforme, o que requer o conhecimento das especificidades regionais e locais de cada um desses estados, assim como, o estabelecimento de acordos com os países vizinhos.
A Zona de Fronteira é definida como parte do território fronteiriço que se caracteriza por sua transnacionalidade, pois atinge o outro lado da fronteira. Para os fins desta pesquisa não se considerou a distinção entre Zona de Fronteira e Faixa de Fronteira, uma vez que o PDFF, do Ministério da integração Nacional também não a faz.
 A fronteira política, e nela o limite juridicamente delimitado surge na tentativa de evitar possíveis tensões e conflitos relativos à soberania do Estado. Por outro lado, além desses limites, os governos definem um marco extensivo dentro da fronteira para disciplinar o movimento de pessoas, produtos e serviços, e este espaço, nada mais é que a Faixa de Fronteira.

Defesa e Segurança na Faixa de Fronteira

Do ponto de vista político e de gestão, o Brasil tem buscado, por meio do planejamento para as fronteiras, exercer a ocupação e a utilização da faixa de fronteira, de modo compatível com sua importância territorial estratégica. Na fronteira amazônica, a inserção do Brasil no sentido de influenciar a segurança internacional mais precisamente no norte do Brasil, revela-se tímida, haja vista que a Política de Segurança do Brasil se preocupou mais em colocá-lo como nação soberana, por um longo período, e apenas a partir da década de 1960, o Brasil passara a se posicionar de maneira mais ativa em relação à política de segurança internacional, fortalecendo a ideia de compor o conselho de segurança da ONU.
Não se pode negar que a definição de defesa nacional está fortemente relacionada ao pensamento militar, porém tem uma amplitude maior que permite a inserção de outras variáveis que possam contribuir com a defesa do país, por exemplo, a variável desenvolvimento.
As diferentes definições que se encontra, são oriundas de teóricos das escolas militares. Neste sentido, a  Política Nacional de Defesa (PDN, 2005) conceitua defesa  nacional como “o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas”. De outro lado,  Segurança possui um entendimento mais amplo porque pode ser entendida no sentido externo ou interno.
 No sentido externo, refere-se à segurança nacional, que pressupõe a existência de uma ameaça real ao Estado (governo, território e sociedade). “Ele deve ser aplicado à segurança do Estado, em termos de território, suas instituições e daqueles que o representam (RUDZIT &  NOGAMI, 2010, p.20).
Já no interno, aproxima-se mais do conceito de segurança pública e reflete uma situação de segurança/insegurança em relação às vulnerabilidades internas que ameacem ou tenham o potencial de derrubar ou enfraquecer as estruturas do Estado (territorial e institucional) e seu regime político”. Ou seja, “segurança pública é manutenção da ordem pública interna”. Ela refere-se à capacidade de o Estado garantir a ordem pública, o direito à vida, à liberdade e/ou os direitos de propriedade de cada cidadão (SILVA, 2009, p. 635). Portanto, as duas interpretações se complementam, uma vez que a condição de existência de segurança (interna/externa),  permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos, do exercício dos direitos e deveres constitucionais. 
Reconhecendo a importância de garantir a segurança na faixa de fronteira, a Lei Complementar nº 136 2, de 25 de agosto de 2010, estabelece que o Exército, à Marinha e à Força Aérea têm poder de polícia para combater os ilícitos transfronteiriços, ampliando as prerrogativas das Forças Armadas na prevenção da criminalidade na fronteira. Isto se deve à necessidade de agir na origem da violência e da criminalidade que se inicia através da fronteira, por onde ingressam entorpecentes, armas e munições e outros ilícitos.

Conclusão

Finalmente, é preciso ressaltar que a definição de fronteira importa na elaboração das políticas de fronteira, uma vez que estas são um reflexo da história do país e do modelo político nele influente, ou seja, as regras institucionais. Logo, cada Estado, do ponto de vista político-ideológico, reforça o conceito de fronteira que mais lhe é apropriado e as políticas de fronteira, inegavelmente refletem também essa construção.

ABRUCIO, F. L.A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2005, n.24, pp.41-67. ISSN 1678-9873.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782005000100005.

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* Cientista Social, mestre em Planejamento do Desenvolvimento e doutoranda em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará, Brasil.

1 www.cptnacional.org.br

2 Esta Lei, altera a Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999, que previa o poder de polícia apenas ao Exército Brasileiro para combater os delitos transfronteiriços e ambientais.


Recibido: 08/01/2017 Aceptado: 12/04/2017 Publicado: Abril de 2017

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