Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O CONFLITO PELA NATUREZA E A NATUREZA DO CONFLITO ENTRE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO LITORAL NORTE BAIANO

Autores e infomación del artículo

Ederson Pinto da Silva*

Ana Paula Grellert**

Universidade Federal do Rio Grande

ederson.tga@gmail.com

RESUMO

Este trabalho baseia-se na experiência vivenciada em janeiro de 2009 durante a realização de um diagnóstico sobre a situação da pesca artesanal no litoral norte do Estado da Bahia. Esta região tem sido alvo de vários empreendimentos turísticos do grande capital. Porém, no reverso do turismo os pescadores artesanais estão perdendo suas áreas de moradia, bem como as áreas onde historicamente exerceram seu trabalho. Neste cenário, embasando-se em algumas obras de Marx, buscou-se refletir sobre duas questões: na primeira buscou-se no conflito estabelecido entre indústria do turismo e pescadores artesanais, refletir sobre como se dá o processo de dominação do capital sobre os interesses comunitários dos pescadores; na segunda, buscaram-se elementos para aprofundar a reflexão sobre a natureza deste conflito. Identificou-se que a natureza do conflito reside na possibilidade de acumulação de capital a partir da exploração da natureza, construída por processos de legitimação social através da ciência e da “mediação” institucional a serviço dos capitalistas do turismo. Contudo, chama-se a atenção para o fato de que esta reflexão não deve se encerrar em si. Ela se apresenta com o objetivo de ser um ponto de partida para que novas reflexões sobre o tema surjam e que, através de uma práxis social se busque contribuir para a transformação desta realidade.

Palavras-chave: Pescadores Artesanais, Conflito, Natureza.
 
ABSTRACT

This work is based on the experience that we had in January 2009, when performing a diagnosis of the situation of artisanal fisheries on the northern coast of the Brazilian State of Bahia. This region has been the target of many tourist enterprises of big business. However, on the reverse of tourism, the artisanal fishermen are losing their housing areas and surfaces where historically exercised their work. In this scenario, basing on some works of Marx, sought to reflect on two issues: the first was sought on the conflict between established tourism industry and fisherfolk, to reflect on how it is the process of domination of capital over the interests community of fishermen, in the second, elements were sought to deepen the reflection on the nature of this conflict. It was identified that the nature of the conflict lies in the possibility of capital accumulation from the exploitation of nature, built by processes of social legitimation through science and the institutional "mediation" in the service of capitalist tourism. However, calls attention to the fact that this discussion should not close itself. It presents itself with the goal of being a starting point for further reflection on the theme that arise and, through a social praxis that seeks to contribute to the transformation of this reality.
Key Words: Artisanal Fishers, Conflict, Nature.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Ederson Pinto da Silva y Ana Paula Grellert (2017): “O conflito pela natureza e a natureza do conflito entre empreendimentos turísticos e comunidades tradicionais no litoral norte baiano”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/conflito-natureza-bahia.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702conflito-natureza-bahia


INTRODUÇÃO

O presente trabalho baseia-se na experiência vivida em janeiro de 2009, quando da realização de um diagnóstico sobre a situação da pesca artesanal na região conhecida como Costa dos Coqueiros, no litoral Norte do Estado da Bahia. Esta região tem sido alvo de vários empreendimentos da indústria do turismo, muitos destes de empresas estrangeiras.
O processo de globalização neoliberal associado à banalização da vida, vem legitimando a expansão de um turismo desordenado em favor dos interesses do capital e em detrimento de comunidades costeiras compostas por pescadores artesanais e marisqueiras1 . Em meio a paisagens turísticas, encontramos comunidades extremamente vulnerabilizadas pelos efeitos colaterais do modelo de desenvolvimento econômico que vêm sendo implementado na região.
No reverso do turismo desordenado e do produtivismo focado no grande capital, estas comunidades vem perdendo suas áreas de moradia, bem como as áreas (ambientes físicos) onde ao longo dos anos exerceram seu trabalho. Conflitos como o de uso e ocupação do solo e da água são gritantes aos olhos de quem se propõe a fazer uma observação crítica da realidade. Seu modo de vida e seus costumes que foram transmitidos e aprimorados ao longo de gerações estão prestes a desaparecer.
Neste cenário, buscou-se fazer uma reflexão teórica à partir do estudo de algumas obras de Marx, sobre o conflito pela natureza, estabelecido no avanço da indústria do turismo sobre esta região. Buscaram-se também contribuições de outros autores no sentido de encontrar elementos para compreender a natureza deste conflito.

O CONFLITO PELA NATUREZA

Na região estudada, ou seja, a região denominada Costa dos Coqueiros, no litoral norte do Estado da Bahia, o conflito pela natureza se materializa principalmente no conflito pela ocupação do território, onde comunidades inteiras estão perdendo suas terras e vendo os locais de onde sempre tiraram seu sustento (rios, mangues, florestas, etc.) serem degradados pela poluição ou apropriados pela especulação imobiliária, decorrentes do avanço do turismo desordenado sobre esta região. À medida que os empreendimentos turísticos avançam, áreas estratégicas que historicamente foram utilizadas de forma coletiva pelas comunidades estão sendo privatizadas e/ou poluídas.
Partiu-se aqui da natureza como mundo externo ao homem, como meio de vida do homem, a partir de uma interpretação de Marx nos “Manuscritos Econômicos-Filosóficos” de 1844.

O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível. Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual [o trabalho] é ativo, [e] a partir da qual e por meio da qual [o trabalho] produz. Mas como a natureza oferece os meios de vida, no sentido de que o trabalho não pode viver sem objetos nos quais se exerça, assim também oferece, por outro lado, os meios de vida no sentido mais estrito, isto é o meio de existência física do trabalhador mesmo. (MARX, 2004: 81)

Primeiramente se poderia compreender como natureza, alvo do conflito, o território no qual ao longo dos anos as comunidades tradicionais da região se estabeleceram e exerceram seu trabalho como forma de garantir sua existência, transformando-o enquanto ambiente e se constituindo enquanto comunidades. Porém, se a natureza é o “meio de vida” do homem e se o homem é parte da natureza, passa-se então a observar que o conflito não é apenas pela natureza como ambiente natural (meio físico) de onde estas comunidades retiraram seu sustento ao longo dos anos (rios, manguezais, florestas, terra, mares, etc), mas também pela sobrevivência dos pescadores artesanais e marisqueiras como parte da natureza. Em outras palavras pode-se dizer que, ao perderem para os capitalistas da indústria do turismo o meio físico onde exercem seu trabalho e através do qual se constituíram como seres humanos, os pescadores e marisqueiras da Costa dos Coqueiros, estão perdendo também parte de si através da perda das condições de/para sua existência enquanto grupo social. Desta forma, com o avanço do turismo na região, ao privar as comunidades tradicionais dos meios para sua existência, o capitalismo não só impacta a natureza como meio físico, mas extingue também as condições de existência da própria natureza humana.
Para Marx, nas “Formações Econômicas Pré-Capitalistas” a natureza, mais precisamente a terra, é a base das comunidades, o primeiro passo como apropriação das condições objetivas de vida.

A terra é o grande laboratório, o arsenal que proporciona tanto os meios e objetos do trabalho como a localização, a base da comunidade. As relações do homem com a terra são ingênuas: eles se consideram como seus proprietários comunais, ou sejam membros de uma comunidade que se produz e reproduz pelo trabalho vivo. (MARX, 1985: 67)

Em “Crítica ao Programa de Gotha”, ao fazer duras críticas ao programa elaborado pelo partido social democrata alemão, Marx, se refere à natureza dizendo que:

O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana [...] Apenas porque desde o princípio o homem se relaciona com a natureza como proprietário, a primeira fonte de todos os meios e objetos de trabalho, apenas porque ele a trata como algo que lhe pertence, é que seu trabalho se torna a fonte de todos os valores de uso, portanto, de toda riqueza (MARX, 2012: 24).

O sentimento de “perda da natureza” enquanto meio externo (meio físico) foi explicitado no desabafo de um comunitário do município de Conde, durante a realização de uma reunião na comunidade:
“Olha, se não parar de vender as terras aos europeus... E os europeus é esta gente de Portugal, Espanha, Alemanha, etc., daqui a pouco o brasileiro não tem mais nem onde por o pé”. (Entrevistado A).
Este sentimento se manifestou também na grande preocupação das marisqueiras com a situação dos manguezais da região, ocupados tanto pelos empreendimentos, como pelas famílias que migram de outras regiões em busca de emprego, ou simplesmente pela especulação imobiliária. Esta ocupação foi apontada como uma das principais causas da diminuição de caranguejos, sendo este, o manguezal, o meio físico natural onde estas marisqueiras exercem seu trabalho e se constituem enquanto seres humanos.
Não menos importante é o conflito de identidade estabelecido com a chegada de grandes empreendimentos turísticos nestas comunidades. Em algumas comunidades muitos pescadores acabaram abandonando a atividade e a grande maioria de seus filhos não quer seguir na atividade da pesca, optando pela busca de um emprego em hotéis que nem sempre absorvem toda a mão de obra disponível. Também muitas marisqueiras abandonaram a atividade para trabalhar como empregadas nos empreendimentos turísticos. Ao se referir sobre estes conflitos, um comunitário que reside em Praia do Forte, no município de Mata de São João fez o seguinte comentário:

            “Quando Praia do Forte foi vendida para os europeus, foi vendida com os moradores locais e todos tiveram que se adaptar ao novo jeito de viver para não terem que abandonar a comunidade. Mas mesmo assim, não teve lugar pra todos. Todo mundo gosta de falar o que é bonito, mas ninguém gosta de falar o que é feio!” (Entrevistado B)

Ao separar (e privar) os comunitários da natureza como meio de sobrevivência, onde historicamente exerceram seu trabalho, a ação das indústrias do turismo sobre as comunidades costeiras, os priva de sua própria existência enquanto seres humanos. A natureza então é separada em “recursos naturais”, ou seja, a natureza sem os comunitários (seres humanos), portanto, passível de ser apropriada e explorada pelos capitalistas do turismo, e “recursos humanos”, ou seja, seres humanos sem a natureza (comunitários), que sem ter os meios para sua existência enquanto seres humanos livres se tornam, portanto passíveis de serem apropriados, explorados e/ou descartados pelos capitalistas da indústria turística. Os pescadores e marisqueiras, antes comunitários e agora recursos humanos (sem a natureza, como meio de existência), passam a fazer parte do exército industrial de reserva e se colocam a serviço da indústria turística pela exploração da natureza, e de si mesmos.
Nesta nova situação, os pescadores e marisqueiras, agora trabalhadores sem propriedade, viram recursos humanos, sendo que alguns são “descartados”, outros se direcionam para a pesca e/ou mariscagem2 . Alguns ainda se inserem como trabalhadores assalariados nos empreendimentos turísticos. Marx ao descrever o trabalho estranhado e propriedade privada nos manuscritos econômicos filosóficos de 1844 afirma que:

A exteriorização (Entäusserung) do trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa (äussern), mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe fora dele (ausser ihm), independente dele e estranha a ele, tornando-se uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha. (MARX, 2004: 81)

 Logo em seguida analisando a relação do trabalhador com o produto de seu trabalho, Marx (2004) afirma que a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se o trabalho não fosse seu próprio, mas de um ouro, como se o trabalho não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si próprio, mas a um outro.
Pôde-se então afirmar que, neste processo, a relação dos pescadores e marisqueiras com o trabalho passa a ser de estranhamento, pois o produto de seu trabalho não mais os pertence. O produto do trabalho assalariado nos empreendimentos turísticos pertence aos capitalistas, proprietários dos empreendimentos. Os peixes e caranguejos, produto do trabalho dos pescadores e marisqueiras, pertencem agora aos capitalistas que vão comercializá-lo aos turistas. Esta relação aparece nitidamente no depoimento de um pescador da comunidade de Subaúma, município de Entre Rios:
“Embora o pescado seja consumido na comunidade, nós não vendemos direto aos consumidores. Vendemos para peixarias, que revendem para restaurantes e estes é que armazenam e vendem para os consumidores que vem de fora”.(Entrevistado C)
Também foi apresentada por outro pescador da comunidade de Massarandupió, onde há algum tempo foi instalado um empreendimento de nudismo, município de Entre Rios.
Sou pescador há mais de trinta anos e estou ficando velho. Tem uns tempos pra cá que quando volto das pescarias sem peixe, não tenho carne pra comer. O valor que os atravessadores vendem o peixe na comunidade ficou muito caro depois que veio o turismo.” (Entrevistado D)

A NATUREZA DO CONFLITO

Para compreender a “natureza do conflito”, buscou-se auxílio na contribuição de Machado et.al. em seu artigo “As três naturezas e a natureza das três” à partir das obras de MARX:

poderíamos identificar três naturezas neste processo: a Natureza física, a Terra da e na qual as demais emergiram; a Natureza humana que emerge da primeira, e ao agir enquanto individualidade e coletividade transforma-a; e, por fim, as obras e produtos da ação humana sobre àquela. No entanto, esta natureza teria uma dupla especificidade. De um lado, enquanto produtos ou obras exteriores aos humanos, e de outro, aspectos internos a seu ser, enquanto subjetividade, “psique”, emoções, valores mais arraigados e profundos. (Machado, C. et al. 2009: 205).

Passou-se então a analisar a “natureza do conflito pela natureza”, compreendendo a primeira como produto das relações sociais estabelecidas entre os capitalistas, proprietários dos empreendimentos turísticos, e os comunitários (pescadores artesanais e marisqueiras), e a segunda como natureza física (meio físico), onde ao longo dos anos os pescadores artesanais e marisqueiras se constituíram enquanto seres humanos, ou seja, como parte da natureza. Neste sentido, buscou-se  analisar alguns elementos do Relatório de Impacto Ambiental - RIMA em questão, que é assinado por uma equipe de 18 profissionais. Em sua página 103, logo na introdução do ítem “3.3 - MEIO SOCIOECONÔMICO E CULTURAL, o documento relata que:

As mudanças por que vem passando o Litoral Norte na Bahia nos últimos 30 anos trouxeram novos contingentes populacionais e novas técnicas de produção econômica para a região, que permitiram maior exploração dos seus recursos naturais, paisagísticos e humanos, em destaque no município de Mata de São João, o distrito de Açu da Torre. Esse novo potencial turístico chegou a levar algumas áreas à exaustão, como é o caso de Praia do Forte que não tem mais espaço para crescimento do comércio e moradia. (BENSAL DO BRASIL, 2009: 103, grifo nosso)

Logo em seguida o documento, descrevendo os processos históricos e culturais, revela como se deu este processo de legitimação e implantação de “novas técnicas de produção econômica” em Praia do Forte.

Na década de 1980, o empresário W. H. Klaus Peters comprou 12 quilômetros de faixa litorânea, totalizando 56.000 hectares na Fazenda Praia do Forte. Baseado na idéia de turismo sustentável e de consciência de preservação ecológica inaugurando o hotel “Praia do Forte Resort”. O projeto “Eco Turístico” envolveu a parceria de uma ONG, o Projeto TAMAR (Tartaruga Marinha), que se dedica à proteção da desova de algumas espécies de tartarugas marinhas, e que, a partir de Praia do Forte, se expandiu para outros locais de desova no litoral brasileiro, apresentando resultados considerados positivos pelos ambientalistas de modo geral (BENSAL DO BRASIL, 2009: 104).

Ao descrever as atividades de lazer e a organização social e política da comunidade, sem fazer uma relação mínima com o citado acima, o documento apresenta como os comunitários foram “beneficiados” por este empreendimento “sustentável”:

Grande parte dos moradores não tem acesso às atividades de lazer existentes em Praia do Forte, os custos são inacessíveis para a comunidade nativa e os preços que pagam para o uso de qualquer serviço é igual ao dos turistas. Chama a atenção a freqüência de jovens e adultos, tanto homens como mulheres, nos bares da comunidade. Esses bares passam a ser o ponto de encontro dos amigos e familiares, propiciando a ingestão de bebida alcoólica como rotina dessas pessoas (BENSAL DO BRASIL, 2009: 114).

Ao descrever os possíveis impactos do empreendimento proposto, alvo deste RIMA, a equipe descreve como possível impacto no meio sócio econômico:

Incremento na mudança de valores e formas de comportamentos tradicionais da população local ao ver-se confrontados com o modo de vida dos turistas, poderá alterar o estilo de vida das populações nativas devido a inserção de novos valores, modificando seus estilos tradicionais, especialmente com relação ao trabalho, mudanças nas formas de exploração econômica da região, tais como da agricultura e da pesca para a prestação de serviços ao turista. Além da violação e inobservância às tradições religiosas, ocorrência do uso indiscriminado de álcool e de drogas, assim como da prostituição, aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade decorrente do afluxo de turistas (BENSAL DO BRASIL, 2009: 166).

E logo em seguida conclui que o impacto é negativo e de grau baixo “devido à existência de outros empreendimentos turísticos na região que já provocaram esse impacto modificando o estilo de vida da população” (BENSAL DO BRASIL, 2009: 166). A partir deste exemplo pôde-se perceber como os cientistas contratados pelo empreendedor capitalista cumprem seu papel como elemento de legitimação social em favor daqueles que têm. Também se pôde perceber como as instituições do Estado, ao mediarem e legitimarem este processo se colocam a serviço destes capitalistas do turismo em detrimento da natureza física e, por consequência, da natureza humana dos pescadores e marisqueiras.
A possibilidade existente na região de “exploração dos seus recursos naturais, paisagísticos e humanos”, construída a partir de processos de legitimação social através da ciência e da “mediação” institucional do Estado, surge para os capitalistas da indústria do turismo como uma real e concreta possibilidade de acumulação de capital. Eis aí, na possibilidade de acumulação de capital, através da exploração das naturezas física e humana, a natureza do conflito pela natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o primeiro objetivo deste trabalho, ou seja, a reflexão sobre o conflito em si, verificou-se que os comunitários sem o meio físico onde possam exercer seu trabalho, passam a existir apenas como recursos humanos passíveis de serem explorados pelos capitalistas do turismo. A estratégia de dominação está baseada na separação (e privação) dos comunitários do ambiente natural (físico) onde ao longo dos anos exerceram seu trabalho e se constituíram enquanto seres humanos. Neste sentido, a apropriação do território passa a ser o principal instrumento de dominação sobre os comunitários, que ao terem seus ambientes naturais apropriados e/ou poluídos pelo avanço do turismo, são privados das condições básicas para continuarem existindo enquanto pescadores e marisqueiras.
Com os comunitários separados e privados da natureza física (ambiente natural), a próxima etapa do conflito se acontece pela exploração direta do trabalho e do ambiente natural. Aqui o trabalho estranhado em empreendimentos turísticos passa a ser a principal alternativa para sua sobrevivência enquanto recurso humano, inclusive, virando elemento de disputa entre os comunitários. Os que ainda resistem na tentativa de continuarem sendo pescadores e marisqueiras passam a explorar o ambiente natural em busca de iguarias que não mais os pertencem, pois só servirão para a acumulação dos capitalistas através da exploração de seu trabalho e da comercialização destes produtos para os turistas.
Refletindo sobre a natureza do conflito, percebeu-se como a ciência está a favor dos que têm, bem como esses se utilizam de instrumentos legais e “científicos” para legitimar sua dominação sobre os que não têm. O estudo sobre o RIMA em questão, não só desvelou o papel da ciência como elemento de legitimação do empreendimento proposto, como também denunciou para quem se propõe a fazer uma avaliação crítica, como se deu a estratégia de cooptação do capitalista de um empreendimento anterior sobre as instituições governamentais e não governamentais. Foi possível ainda verificar que a natureza do conflito reside na possibilidade de acumulação de capital a partir da exploração na natureza, construída a partir de processos de legitimação social através da ciência e da “mediação” institucional a serviço dos capitalistas do turismo.
Por fim, chama-se a atenção para o fato de que esta reflexão não deve se encerrar em si, pois em nada adiantará compreender estas questões sem que ações sejam realizadas no sentido de mudar esta realidade. O aprofundamento destas reflexões, através de uma práxis social que busque contribuir para a transformação desta realidade é tarefa central para qualquer educador ambiental que se proponha a trabalhar em meio a conflitos como estes.  

REFERÊNCIAS
BENSAL DO BRASIL. Relatório de Impacto Ambiental. 2009. Disponível em: http://www.ima.ba.gov.br/. Acesso em: 12 de outubro de 2009.
MACHADO, C. R. S; DENDENA, F; GAUTÉRIO, D. As três naturezas e a natureza das três. In. Soler, A. C. P. et al. (org.). A Cidade Sustentável e o Desenvolvimento Humano na América Latina: Temas E Pesquisas. Rio Grande: FURG, 2009.
MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 4ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
______. Manuscritos Econômicos Filosóficos de 1844. São Paulo: Boitenpo, 2004.
______. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012. Seleção, tradução e notas Rubens Enderle.

* Possui graduação em Tecnologia em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (2008) e Especialização em Gestão Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Faz Mestrado em Gerenciamento Costeiro na Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Têm experiência nas áreas de Gestão Pública e Gestão Ambiental, tendo atuado principalmente nos seguintes temas: Políticas Públicas, Pesca Artesanal, Educação Ambiental, Agroindústria e Licenciamento Ambiental. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5291808303059665

** Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG/2007), Especialização em Orientação Educacional (2010) e Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPEL, na linha de pesquisa Filosofia e História da Educação.Tem experiência na educação formal e não formal, especificamente com temas orientação educacional, educação ambiental, alfabetização de jovens e adultos, formação de lideranças comunitárias e gestão democrática. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6093867280749621

1 A mariscagem é a atividade desenvolvida basicamente por mulheres que consiste em catar caranguejos e mariscos nos manguezais da região. Estas mulheres são conhecidas como marisqueiras.

2 Atividade de catar caranguejos e mariscos nos mangezais


Recibido: 18/04/2017 Aceptado: 13/06/2017 Publicado: Junio de 2017

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