Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ESPAÇOS DE LAZER E TERRITORIALIZAÇÃO NA LAGOA MAIOR EM TRÊS LAGOAS – MS: 1900-2016

Autores e infomación del artículo

Matheus Guimarães Lima*

Edima Aranha Silva**

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil

mgl.geopp@gmail.com

RESUMO
Esse trabalho visa relatar aspectos relativos à historicidade da Lagoa Maior no município de Três Lagoas – MS desde o início do século XX até os dias atuais, abordando a conceituação de território e como houve a transformação de lugar inóspito em espaço de lazer e sociabilidade. Desde as primeiras tentativas de urbanizar a Lagoa, já havia a proposta de fazer dela um lugar de lazer que pudesse atender a população local, porém décadas de atraso fizeram com que tal objetivo somente fosse alcançado a partir da última década do século XX, ainda sim ao longo de sua história diversas foram as formas de territorialização presentes. Os aspectos relativos à territorialização e territorialidades serão abordados sob a perspectiva da produção do espaço e configuração da Lagoa como espaço de lazer e sociabilidade urbana.
Palavras chave: Lazer, território, territorialização, espaço, sociabilidade

ABSTRACT
This article aims to tell aspects linked to the historicity of the Lagoa Maior, in the municipality of Três Lagoas – MS since the beggining of the 20th century to nowadays, approaching the conceptuation of territories and how transformations have changed the place from an inhospitable place to a place of leisure and socialization. Since the first attempts to urbanize the Lagoa it had been proposed to make it a place to leisure that could serve the local population, however decades of delay only made it possible in the last decade of the 20th century, anyway in its long history many forms of territorialization have been present. The aspects linked to territorialization e territorialities will be approached in the perspective of the production of the space and the configuration of the Lagoa as a space of leisure and socialization.
Key words: Leisure, territory, territorialization, space, sociability

RESUMEN
Este trabajo describe los aspectos de la historicidad de la laguna más grande en el municipio de Três Lagoas - MS desde principios del siglo XX hasta la actualidad, abordando el concepto de territorio y la transformación de lugar inhóspito como lugar para el recreo y la socialización. Desde los primeros intentos de urbanizar la laguna, tenía una propuesta para que sea un lugar de recreo que pudiera satisfacer a la población local, pero décadas de retraso hizo que este objetivo se logró sólo desde la última década del siglo XX, aún si a lo largo de su historia eran diferentes formas de presencia territorial. Los aspectos relativos a la territorialidad territorial y se abordarán desde la perspectiva del espacio de producción y la configuración de la laguna como el ocio y la socialización urbana.
Palabras clave: Recreo, territorio, territorialización, el espacio, la sociabilidad



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Matheus Guimarães Lima y Edima Aranha Silva (2017): “Espaços de lazer e territorialização na Lagoa Maior em Três Lagoas – MS: 1900-2016”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/lagoa-maior.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701lagoa-maior


INTRODUÇÃO

Com população estimada em 113.619 habitantes, Três Lagoas é a terceira cidade com maior população no estado de Mato Grosso do Sul (IBGE, 2015). Localizada na Mesorregião Leste, na confluência dos rios Sucuriu e Paraná, Três Lagoas tem três lagoas em seu território, lagoas essas que dão nome à cidade; dessas, a maior e mais importante é a Lagoa Maior, urbanizada e localizada em adjacência ao centro principal da cidade.

A Lagoa Maior (Ver Figura 2) atualmente se caracteriza como um espaço de lazer de caráter majoritário no contexto urbano no qual está inserida, além das duas pistas pavimentadas em sua orla, a existência de diversos equipamentos urbanos de lazer relacionados também à prática esportiva faz com que sujeitos de diferentes grupos e tribos frequentem a Lagoa. Desde inícios do século XX os pioneiros que se instalaram na área já demonstravam interesse de futuramente fazer da Lagoa um espaço de lazer urbano devido à sua exuberância natural; inicialmente caracterizada apenas como um entreposto comercial, a Lagoa ganhou – temporariamente – características de espaço de lazer entre meados da década de 1930 e inícios da década de 1940. Após décadas de descaso, houve a urbanização e instalação gradativa de equipamentos de lazer, partindo de meados da década de 1990, a explosão demográfica ocorrida na cidade a partir de meados da década de 2000 – houve aumento populacional de quase 70% em poucos anos – fez com que a Lagoa cada vez mais tivesse papel fundamental como opção de lazer e prática esportiva para os cidadãos da área urbana.
Ao longo desse trabalho o leitor encontrará informações que descrevem as diferentes fases da Lagoa desde o início do século XX até os dias atuais, já consolidada como espaço de lazer urbano, em meio à esse resgate histórico será abordado o processo de territorialização e apropriação do espaço bem como suas consequências.

Os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho pautam-se na abordagem e conceituação de espaço e territórios na Lagoa, cruzando diferentes bases teóricas a respeito, principalmente os seguintes autores: Souza (1995); Aranha-Silva (2007) Rosendahl (2002); Haesbaert (2007); Raffestin (1993); Turra Neto (2001). Todos abordam a conceituação de território cada qual sob seu ponto de vista específico, sendo o cruzamento desses diferentes conceitos utilizados para analisar a produção do espaço e por consequência os territórios e as territorialidades, bem como a caracterização da Lagoa como espaço de lazer, de acordo com seus fixos e fluxos ao longo do tempo. No levantamento de dados relacionados à historicidade da área consultamos principalmente Oliveira (2007) cuja dissertação de mestrado abordou a história da ocupação da Lagoa desde o fim do século XIX. E ainda, realizou-se visitas à Lagoa Maior nos horários com maior número de usuários, para observação das práticas ali realizadas, ou seja, da territorialidade que se delineia pelos sujeitos usuários daquele espaço.

INÍCIO, PRODUÇÃO DO ESPAÇO E TERRITORIALIDADES

Há décadas a Lagoa vem sendo utilizada como área de lazer, desde inícios do século XX. Faremos uma reconstrução histórica desses aspectos, levando-nos a considerações sobre as práticas de apropriação territorial e produção e reprodução do espaço nos dias de hoje, época em que a área encontra-se urbanizada e apresenta multiplicidade de amenidades, instaladas pelo poder público e que fomentam a ocupação do espaço.
A Lagoa Maior, ou Primeira Lagoa está localizada a 20º46’S; 51º43’W e de acordo com Silva (2004) ocupa área de 418.000 m², não sendo sua profundidade superior à três metros. Ainda em fins do século XIX um dos pioneiros de Três Lagoas, Antônio Trajano dos Santos ergueu sua residência ao lado da Lagoa, passados alguns anos outras pessoas passaram a se estabelecer na área e consequentemente não tardou a surgirem comércios, quando já havia mais de 500 pessoas ali estabelecidas, por volta de 1905 (LORENZ-SILVA, 2004, p.16)
A Lagoa, rodeada por natureza, desde a criação do município em 1915, passou a ser ponto de encontro e passagem, porém a ausência do poder público e por seguinte de amenidades urbanas que possibilitassem assiduidade maior dos cidadãos perdurou por mais de três décadas. Nessa época já se notavam diferentes territorialidades no espaço da Lagoa, nos dias 24 de Junho tradicionalmente acontecia a procissão de São João Batista e que atraia grande número de fiéis da fé católica (OLIVEIRA, 2007, p.111).
O espaço era por estes apropriado, no sentido que se tornava uma materialização do “sagrado” – mesmo embora ali não existisse qualquer igreja construída – já que em datas específicas o território sagrado vai além dos limites físicos de uma igreja qualquer, sendo essa territorialização fruto consequente da apropriação do espaço pelos sujeitos que ali se reuniam tradicionalmente nessa data, imprimindo sua dominação no espaço. Essa noção é embasada na conceituação de que o território não deve ser enxergado e percebido unicamente sob ótima física, isso é, sob o ponto de vista de caracterização geológica, sendo o território expressão das relações de poder e dominação apropriadas no espaço (SOUZA, 1995, p. 77).
Ao longo dos anos, paralelamente ocorriam aos domingos, corridas de cavalo em sua circunferência e ali se localizava o Embarcadouro Municipal, onde tropas de peões passavam a noite tomando conta de seu gado, que pela manhã seria embarcado em trens junto a mercadorias diversas (OLIVEIRA, 2007, p. 112). Nesse sentido a Lagoa Maior apresentava características de centralidade comercial e era ocupada por procissões que cada qual a seu tempo imprimiam no espaço características de suas territorializações distintas. O lazer não era entretanto a sua funcionalidade principal, tampouco havia especialização comercial direcionada ao lazer.
A inserção no contexto urbano e primeira tentativa do poder público de configurar a Lagoa como uma área pública de lazer veio apenas no ano de 1939 (Ver Figura 3), ano da inauguração do Balneário da Lagoa, na administração do Ten. Cel. Manoel Pereira da Silva. Houve a instalação de pedalinhos e tablados de madeira às margens da Lagoa, a Lagoa passou a atrair pessoas da cidade, das proximidades e das fazendas, principalmente aos fins de semana para um momento de lazer às margens ou mesmo um passeio de barco (LEVORATO, 1999, p. 51), como se observa na Figura 3.

De acordo com Oliveira (2007) instalou-se ainda na Lagoa um verdadeiro “complexo” de lazer aquático, compreendido por um trampolim e mesmo vestiários para que os frequentadores colocassem seu trajes de banho. Em contraste com poucos anos antes – quando a especialização comercial com foco no lazer inexistia – passou a ocorrer uma produção distinta do espaço por meio de restaurantes e bares que se instalaram com intuito de atender à crescente demanda por serviços especializados, no caso os relacionados à alimentação e bebidas, muito ligados a especialização comercial em espaços de lazer.
Em 1940 foi feito o primeiro registro fotográfico aéreo da Lagoa Maior, de acordo com notícia do periódico Gazeta do Comércio. A imagem feita por um avião Stinson mostra a grandeza da Lagoa e foi acompanhada do seguinte texto: “A Lagoa Maior é um mágico espelho, grande e circular. E quando voamos sobre ela, um vento leve, encrespando-lhe a verde-azulada superfície, eriçava-a de escamas luminosas, cintilantes ao sol da tarde que morria”. Mais de seis décadas depois, no ano de 2001 uma nova imagem aérea da Lagoa mostra o avanço da ocupação do entorno da Lagoa, sendo a paisagem muito distinta da registrada pelo primeiro registro aéreo de 1940 (OLIVEIRA, 2007, p. 119).

O número cada vez maior de frequentadores, fez da Lagoa uma miscelânea social e cultural, tendo como base que seus frequentadores tinham origens e costumes distintos além de pertencerem a estratos sociais diferentes. Embora compartilhando do mesmo espaço deve-se notar que as interações entre sujeitos distintos nem sempre ocorrem de forma harmoniosa.
De acordo com Sobarzo (2005, p.16) o espaço público de maneira geral carrega consigo o poder de possibilitar encontros impessoais e anônimos em conjunto com a co-presença de diferentes grupos sociais que compartilham do mesmo território, sendo que esses sujeitos não tem necessariamente que se conhecerem além do superficial. Segundo Aranha-Silva (1992) entre os frequentadores do Balneário da Lagoa estavam famílias, alcoólatras, desocupados, pessoas de fora apenas de passagem e qualquer outro tipo. Possivelmente essa pluralidade de sujeitos tenha levado à batalha subliminar por território e reprodução dos modos de vida.
A violência passou a ser corriqueira, facadas e tiros tornaram-se comum no então Balneário. Esse fato, associado a sua natureza de pouca urbanização e relativamente selvagem, fez do lugar propício ao esconderijo de foragidos e criminosos. Foi então decretado o fechamento do Balneário. A violência por meio de seus atores apropriou-se do espaço de tal maneira que o lugar se tornou um território violento e perigoso já que o poder estava sob seu domínio, de acordo com Turra Neto (2008), para se delimitar um território é necessário levar em consideração os sujeitos sociais que se territorializam.
Ao se analisar os territórios, é fundamental compreender que existem múltiplos territórios, bem como diversas territorialidades nas cidades, definidos de acordo com os sujeitos que o ocupam, havendo territórios nos quais as identidades não se baseiam em relações de parentesco, e/ou proximidade física, e/ou relações de trabalho; baseiam-se outras relações como: diversão, gostos similares, identidade visual, etc (TURRA NETO, 2001, p. 203)
Em 1941 o fechamento do Balneário foi comemorado por setores da sociedade e lamentado por outros, alguém descontente com a decisão provocou um incêndio criminoso que acabou com o Balneário de vez (ARANHA-SILVA, 1992).
Ocorreu então a desterritorialização da Lagoa, bares e restaurantes fecharam e o lugar ficou abandonado. Pelo fato do tipo de solo ser argiloso, tornou-se fonte de matéria prima para oleiros, que retiravam argila, mesmo sendo de baixa qualidade, para a produção de tijolos, consequentemente apropriaram-se do espaço, imprimindo no mesmo novas características de territorialização. De acordo com Rosendahl (2005, p.201):
O território é, em realidade, um importante instrumento da existência e reprodução do agente social que o criou e controla. O território apresenta além do caráter político, um nítido caráter cultural, especialmente quando os agentes sociais são grupos étnicos, religiosos ou de outras identidades.

 A degradação ambiental não demorou muito a se fazer presente e a proposta do poder público de ter um espaço público de lazer na Lagoa passou a ficar cada vez mais distante de ser implementada de fato, perdurando por décadas como um ambiente degradado.  Tanto é que na primeira metade da década de 1940 a Lagoa já era considerada de acordo com Oliveira (2007, p. 113) como: de “águas débeis, esgotada; quase sem vida”.
Houve tentativas de urbanizar a Lagoa Maior e promover a especialização da área como espaço de lazer. Foi na administração de Lúcio Queiroz no fim da década de 1970 e início da década de 1980 que lançou o projeto CURA (Construção Urbana Acelerada) que visou a urbanização da Lagoa e a pavimentação da Circular da Lagoa, além da implantação de galerias que evitassem as frequentes cheias na área, que inundavam bairros inteiros e ceifaram muitas vidas em suas caudalosas enxurradas. Essa urbanização tornou a Lagoa Maior mais acessível, porém ainda não convidativa aos cidadãos, pela escassez de serviços para atender aqueles que ali se encontrassem, bem como pelo descuido com o lugar, desprovido de qualquer paisagismo mínimo que favorecesse a estadia do frequentador (OLIVEIRA, 2007, p. 122).

CONTEMPORANEIDADE, ESPAÇO DE LAZER, ESPECIALIZAÇÃO

De acordo com Aranha-Silva (1992), no início da década de 1990 a Prefeitura Municipal construiu ao redor da Lagoa Maior duas pistas para corrida e caminhada além de conjuntos de equipamentos para ginástica. Foi feito ainda um trabalho de paisagismo com o plantio de grama às margens da Lagoa, além de terem sido inseridos cerca de 20.000 alevinos de tilápia na água. Em trechos do entorno foram plantadas árvores nativas da região, como o ipê, angico, pitangueira e araçazeiro, essa ação foi realizada pelos cursos de Geografia e Biologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Três Lagoas (ARANHA-SILVA, 1992).
As alterações paisagísticas se fazem condicionante à atração de frequentadores em áreas turísticas – a própria Lagoa se tornaria cartão-postal da cidade – transmitindo acolhimento e sensação de segurança e mesmo de orgulho de se inserir nesse espaço, sob a ótica de pertencimento e apropriação. Quanto a paisagem Tung (2002 apud Sêna, 2012, p. 3) faz a seguinte consideração:
Paisagem é muito mais do que uma visão, é a epiderme de toda condição histórica, social, econômica, política e cultural na qual, para se poder intervir, é preciso ir além dos projetos descomprometidos com a realidade (...). Muitos são os sentidos da paisagem que necessitam ser explorados. Este é apenas um primeiro passo. Não pode haver turismo sadio sem que, antes de tudo, haja uma preocupação com a dignidade do cotidiano das pessoas que habitam o lugar e seus envolvimentos com o destino comum.

Nesse sentido, se afirma que ao se tratar sobre investimentos em paisagem como atrativo ao turismo, é necessário planejar como será essa paisagem e qual tipo de turismo – ou no caso ocupação – será desenvolvido. Entende-se então que a simples pavimentação da Circular da Lagoa não foi suficiente para a adequação do espaço para práticas de lazer e desportivas e também não possibilitou processo de reterritorialização do espaço pelos cidadãos após a desterritorialização ocorrida com o fechamento do antigo Balneário décadas antes e a esparsa ocupação por oleiros que retiravam argila para o uso nas suas olarias rústicas.
A inserção do capital privado contribuiu para a urbanização da Lagoa por meio da Associação do Comércio, que financiou a construção de quadras poliesportivas, por conseguinte o fluxo de frequentadores cresceu e as mudanças paisagísticas fizeram com que – em fenômeno similar ao que ocorreu após a instalação do antigo Balneário na década de 1940 – bares e lanchonetes se instalassem às margens. Foram disponibilizados pedalinhos e instalou-se uma ducha grande, chamada popularmente de “chuveirão”, tentou-se ainda usar a água para banho, hipótese logo descartada devido a composição de seu substrato – popular pó de mico – que causava coceira nos que na água entravam (GALVÃO; GALVÃO; FERNANDES; PINHO, 2007)
A inserção do capital privado corroborou para urbanização plena da Lagoa por meio de ações do poder público, pois em fins da década de 1990 o Hotel OT – o melhor hotel da cidade – se instalou na região da Lagoa, motivando a Prefeitura Municipal a fazer uma série de obras e melhorias nesse espaço, de acordo com Lorenz-Silva (2004, p.24):
Em 1998, a instalação de um empreendimento hoteleiro nas imediações da Lagoa Maior, motivou a Prefeitura Municipal a desencadear uma série de ações para a recomposição da paisagem local. Para tanto, foram reformulados os sistemas de afluência e efluência de água e, com apoio técnico e financeiro da CESP, a lagoa foi integralmente drenada, visando remover a vegetação e grande parte de seu substrato.

Aos poucos o espaço da Lagoa passou a ser apropriado novamente por diferentes grupos sociais e a caracterização como espaço de lazer e sociabilidade urbano passou a ser uma realidade após décadas de abandono, desde o antigo Balneário de fins da década de 1930.
Em relação à lazer é importante destacar que a forma que concebemos e os simbolismos que temos associados, são uma problemática urbana originada após a Revolução Industrial. Naquele momento histórico, os muitos trabalhadores das indústrias eram constantemente submetidos à cagas excessivas – e extremamente abusivas – de trabalho, passaram então a se organizar pela regulamentação de dias de descanso. Entende-se então que nesse primeiro momento o descanso era o momento de lazer desses sujeitos.
De início, o lazer era destinado à manutenção da força de trabalho dos sujeitos, por meio do descanso de suas extensas jornadas laborais. Nesse sentido o lazer estaria no prazer proporcionado pela não realização das atividades laborais – descansando – e eventualmente realização de alguma outra atividade também não laboral que proporcione prazer e satisfação ao sujeito (MARCELINO, 2002. p. 13)
Posteriormente já nas últimas décadas do século XX, as leis trabalhistas já estabelecidas – em grande parte do mundo ocidental – fizeram com que o lazer primário dos cidadãos não se limitasse mais apenas ao descanso – manutenção da força de trabalho – mas passasse a abranger um grande leque de opções de recreação. Nesse sentido, passa a existir uma preocupação com a qualidade de vida dos sujeitos na cidade, sendo que muitas legislações passaram à destacar o lazer como fundamental à qualidade de vida, sendo responsabilidade do estado oferecer opções de lazer gratuitas e acessíveis à todos os cidadãos.
A Carta Internacional de Educação para o Lazer de 1993 afirma que o lazer é um direito humano básico, como educação, trabalho e saúde, e ninguém deverá ser privado deste direito por discriminação de sexo, orientação sexual, idade, raça, religião, credo, saúde, deficiência física ou situação econômica.
O lazer defendido como direito social está presente ainda na Constituição Federal do Brasil (1998), nos artigos 6º e 217. Artigo 6°: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição [...]
Artigo. 217, § 3°: O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social. Dessa forma o direito ao lazer se faz condição necessária – dentro da lei – para o fomento de ambientes humanizados de socialização dos cidadãos e na própria construção da identidade e do senso de pertencimento inerentes nas relações humanas.
Em 2004, novamente a Prefeitura Municipal implementou melhorias e novos equipamentos e edificações no entorno da Lagoa. Construiu-se um moderno centro poliesportivo de grande dimensão e que inserido no contexto da Lagoa Maior faz de si próprio um fixo polarizador de fluxos, que dele se apropriam todos os dias da semana com intuito de prática esportiva, seja o vôlei, o basquete ou o futsal (esportes em equipes que ali jogam e treinam). Foi ainda construída uma academia ao ar livre; instalou-se um chafariz dentro da Lagoa, questionado por alguns pela preocupação com aspectos paisagísticos e ambientais, além da construção de uma pista de skate, que logo se tornou referência para a tribo urbana dos skatistas, que fizeram daquele ponto seu território, apropriando-se e ali produzindo o espaço por meio das singularidades de suas práticas esportivas e culturais, configurando-se como um espaço de lazer (Ver Figura 5).
 De acordo com Magnani (1996) as pessoas jovens naturalmente tem a vontade de se expressar, estando em lugares nos quais se sintam entre iguais e que possuem “marcas exclusivas” – no caso de skatistas, desde o skate em si e o vestuário até o vocabulário – podendo exercitar o uso de códigos comuns além de apreciar os símbolos escolhidos para marcar as diferenças, sendo a rede de sociabilidade fruto dessa construção (TURRA NETO, 2000, p. 96). Esse exemplo dos skatistas pode ser ainda aplicado a outros grupos que frequentam a Lagoa como dos praticantes do ciclismo que andam por vezes em grupos de três ou quatro, e de capoeiristas que ali gingam e jogam os corpos embalados pelo som do berimbau. Essas práticas conferem à Lagoa Maior, hoje, lugar de multiterritorialidades.
No ano de 2007 ainda na administração Simone Tebet foi anunciado um gigantesco projeto com o nome de “O circuito das Lagoas” e que deveria ser executado em duas partes, na primeira mais de R$ 5 milhões seriam aportados e na segunda mais de R$ 4 milhões. Esse recurso foi destinado pela Termelétrica da PETROBRAS, como forma de compensação ambiental. As obras contemplariam passeio público, ciclovia, estacionamento, pista de caminhada, fonte luminosa, além de um teatro, praças e playgrounds. Indo além das obras supra citadas, o plano tinha a ambição de ligar as três lagoas por meio de ruas pavimentadas, constituindo-se no “Circuito das Lagoas”. Todavia, o projeto jamais saiu do papel e após a saída da então prefeita – com intuito de se candidatar ao governo do estado – a administração posterior não deu continuidade ao projeto (GALVÃO; GALVÃO; FERNANDES; PINHO, 2007).
Como salientado anteriormente a inserção do capital privado contribuiu na produção do espaço na Lagoa e mesmo com o grande projeto da administração Tebet não tendo sido posto a cabo, a Lagoa Maior nos dias atuais é um espaço de lazer de destaque no contexto urbano de Três Lagoas.
Além do Hotel OT, estão instalados na área norte da Lagoa – urbanisticamente em condições consideravelmente superiores as da porção Sul – na Circular, diversos bares e restaurantes que se constituem em fixos polarizadores de fluxos e também formando uma mancha de lazer, fruto da apropriação do espaço e de sua especialização e coesão enquanto território de lazer, principalmente pelos universitários. Destaque para o Bar Müller que frequentemente promove noites e festas temáticas organizadas em parceria com universitários da cidade. Cabe salientar que mancha de lazer pode ser entendido de acordo com Magnani (1996, p. 40):
(...) área contígua do espaço urbano dotada de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual com sua especificidade, competindo ou complementando – uma atividade ou prática predominante. Numa manchade lazer os equipamentos podem ser bares, restaurantes, cinemas, teatros, o café da esquina etc., os quais, seja por competição ou complementação, concorrem para o mesmo efeito: constituem pontos de referência para a prática de determinadas atividades.

De acordo com Lefebvre (1974, p.76), “se o espaço é produzido, se há um processo produtivo, então estamos lidando com a história”, assim sendo, a produção do espaço na Lagoa Maior e a compreensão do mesmo, passa pela historicidade de sua ocupação, que reflete nas características atuais de uma área de lazer apropriada por diferentes segmentos sociais, com interesses diversos e que se territorializam, durante o dia e durante a noite de formas distintas.

  Nessa perspectiva, Raffestin (1993) considera o poder exercido pelas pessoas individualmente ou em grupo em sua compreensão de território. Partindo do pressuposto de anterioridade do espaço em relação ao território, o autor afirma que o espaço passa a ser território a partir do desdobramento das ações dos sujeitos que nele se projetam; mais além o autor afirma que ao “se apropriar de um espaço, concreta e abstratamente, o ator territorializa o espaço (p. 143). Mesmo Ratzel (1990) com sua visão estritamente naturalista afirma que o território é “(...) uma determinada porção da superfície apropriada por um grupo humano (p. 23)
Já Haesbaert (2006) interpreta o território centrado em fatores de instrumento de poder político bem como espaços de identidade cultural. O autor assevera que o caráter de apropriação simbólico-identitária determinada por diferentes grupos sociais resulta em sobreposição de territórios a qual se chama de multiterritorialidade, Logo, o território é produto socioespacial de relações concretas e simbólicas articuladas, adquirindo características perpetradas por aqueles que dele se apropriam (ABRÃO, 2010, p.58).
Ao se tratar de território é frequente que termos como: dominação, controle e apropriação, sejam usados. Tendo Lefebvre como base, Haesbaert (1997) reforça as relações dos aspectos de dimensão simbólico-cultural ao se tratar de temáticas relacionadas ao território. Haesbaert (1997, p. 41) afirma que:
(...) o território deve ser visto na perspectiva não apenas de um domínio ou controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que incorpora uma dimensão
simbólica, identitária e, porque não dizer, dependendo do grupo ou classe social a que estivermos nos referindo, afetiva

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi feito resgate histórico sobre a ocupação da Lagoa Maior desde o início do século XX, ao analisar a história da Lagoa é possível identificar diversas diferenças quanto à sua ocupação. Inicialmente apenas um lugar de passagem, a Lagoa passou a ser concebida como um possível espaço de lazer, dada a sua exuberância natural que favoreceria atividades de lazer, esportivas e recreativas.
A consulta à bibliografia pertinente ao estudo realizado, principalmente a que se relaciona às temáticas: território, identidade e lazer, permitiu que fosse feita uma análise multidisciplinar sobre a Lagoa Maior que possibilitou a compreensão e identificação da historicidade do lazer em seu espaço.
As visitas à Lagoa foram outro instrumento de grande valia no estudo já que permitiu o contato mais próximo com os sujeitos que se apropriam do espaço e consequentemente se territorializam na Lagoa; foi ainda perceber a singularidade do espaço de inegável exuberância natural, inserido ao meio de área urbana, e cujo espaço se encontra apropriado por diferentes tribos urbanas, confirmando que os espaços de lazer são lugares de diferentes territorialidades e lugares de sociabilidade, de encontros e desencontros e de estreitamento de laços entre os sujeitos.
Por volta dos anos 1940 na época do antigo Balneário – que foi a primeira tentativa de urbanização e consolidação da Lagoa enquanto espaço de lazer – chegaram a ser instalados equipamentos de lazer e prática esportiva que conferiram à Lagoa o caráter – passageiro – de espaço de lazer; tão rápido como ocorreu a apropriação do espaço e territorialização enquanto espaço de lazer, ocorreu também a destirritorialização do espaço, sendo reterritorializado por outras atividades que não eram relacionadas, só havendo uma retomada da territorialização enquanto espaço de lazer – permanente – no início do século XXI. A abordagem das noções de espaço e território transitam nesse espaço de mais de cem anos, fazendo-se presentes de maneiras distintas em cada uma das diferentes épocas, materializando-se na produção e apropriação do espaço por diferentes sujeitos, tão distintos quanto as fases históricas pelas quais passou a Lagoa em sua jornada até a consolidação atual.
A consolidação da Lagoa Maior como um importante espaço de lazer ocorrida no início do século XXI, como consequência da instalação de equipamentos de lazer e prática esportiva, além da especialização comercial dos estabelecimentos localizados à seu redor, são características compatíveis à territorialização de um espaço de lazer. Na hierarquia urbana a Lagoa passou então a ser um espaço de destaque, atraindo uma grande gama de sujeitos, que por sua vez territorializam-se de maneiras distintas, levando em consideração sua identificação e especificidade – ou não – com alguma das tribos que compõe a gama de frequentadores da Lagoa
O atual contexto de apropriação do espaço bem como a inserção do capital privado, presente desde a década de 1990 sugere possibilidade de fenômenos e desdobramentos consequentes como, especulação imobiliária ou até mesmo gentrificação, tendo em vista o preço crescente do m² quadrado nas áreas em frente ou próximas à Lagoa. Nota-se também a diferença entre a parte norte – próxima ao complexo esportivo e aos bares e restaurantes que formam a mancha de lazer local – e a parte sul – próximo a pista de skate – que sem dúvidas recebe menos cuidados por parte do poder público e onde o capital privado não está tão presente; não sendo a presença do capital tampouco do poder público homogênea ao redor da Lagoa.
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* Graduado em Geografia (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus Presidente Prudente (2015/2016). Atualmente é Mestrando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas (PPGEO/UFMS), na linha de pesquisa Dinâmicas Territoriais na Cidade e no Campo. Tem experiência docente com Ensino Fundamental e Médio, suas pesquisas são majoritariamente relacionadas à Geografia Urbana e Geografia Cultural. É membro do Laboratório de Estudos Urbanos e do Território - LETUR.

** Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1976) e em Pedagogia - FECLU (1981). Mestrado em Geografia - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992) e Doutorado em Geografia - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Professora Efetiva, Classe Professor Associado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas (PPGEO/UFMS) e coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos e do Território – LETUR.


Recibido: 20/03/2017 Aceptado: 24/03/2017 Publicado: Marzo de 2017

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