Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A (IN)FORMALIDADE TRABALHISTA DE SEUS BENEFICIÁRIOS

Autores e infomación del artículo

Bernardo Augusto da Costa Pereira*

Institución Estácio/Fcat- Facultad de Castanhal/PA, Brasil

bapbernardo@gmail.com

Resumo:
O presente artigo realiza uma análise acerca do Programa Bolsa Família, política pública assistencialista, que visa auxiliar famílias a superar a pobreza, por meio do repasse direto de recursos financeiros, mediante cumprimento de condicionalidades. Primeiramente, estudou-se a Teoria das Políticas Públicas, apresentando sua conceituação, ciclo e estruturas elementares. Em seguida, verificou-se as características básicas da política pública, ora estudada, e se, de fato, pode ser afirmado inequivocamente que ela estimula a informalidade. Para fundamentar o presente estudo, foram utilizados tantos textos específicos do tema, como moderna doutrina. Conclui-se que não é possível afirmar categoricamente que o Programa Bolsa Família estimula a informalidade trabalhista de seus beneficiários, uma vez que os estudos atuais não possuem a completude e profundidade para responder tal questionamento, sem margem para dúvida. 

Palavras chave: Programa Bolsa Família, Políticas Públicas, Assistência Social,Trabalho Informal.

Abstract:
This article provides an analysis about the Bolsa Família Program, a welfare policy, which aims to assist families to overcome poverty through the direct transfer of funds, upon fulfillment of conditionalities. First, it was studied the Theory of Public Policies, its concept, cycle and elementary structures. Then, we analyzed the basic characteristics of the studied public policy, and if, actually, can be unequivocally stated that it encourages informality. To substantiate this study, we used specific texts about the theme and modern doctrine. We conclude that it is not possible to state categorically that the Bolsa Família Program encourages the labor informality of its beneficiaries, since the current studies lack the completeness and depth to answer the question, beyond doubt.
Key words: Bolsa Família Program, Public Policies, Social Assistance, Informal Labor.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Bernardo Augusto da Costa Pereira (2017): “O Programa Bolsa Família e a (in)formalidade trabalhista de seus beneficiários”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/bolsa.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701bolsa


1. INTRODUÇÃO

            O presente estudo surgiu em face da importância do Programa Bolsa Família (PBF), política pública de caráter assistencialista, no combate à miséria e pobreza no Brasil. Apesar da sua importância, o programa é alvo de diversas críticas entre as quais aquela que o consideram como um estímulo à informalidade, uma vez que a concessão do benefício depende da renda da família beneficiária.
             O objetivo geral deste trabalho é verificar se é possível afirmar categoricamente que o Programa Bolsa Família é um estímulo à informalidade. Por sua vez, o objetivo específico é analisar elementos essenciais da Teoria das Políticas Públicas, e do próprio Bolsa Família. Deste modo, entendendo-se melhor seus elementos constitutivos, será possível compreender seu relacionamento e, de forma mais aprofundada, o próprio Bolsa Família.
Para tanto, primeiramente, analisa-se a Teoria das Políticas Públicas, apresentando sua conceituação, ciclo e estruturas elementares. Posteriormente, analisam-se noções elementares do PBF, como suas condicionalidades, e a grande quantidade de ações legislativas para sua alteração. Por fim, com o fito de verificar o problema de pesquisa, propriamente dito, são analisados estudos recentes acerca da questão. 
Para corroborar o presente estudo, utilizou-se moderna doutrina acerca das políticas públicas, e estudos direcionados ao Programa Bolsa Família. Espera-se, assim, que o presente artigo venha a auxiliar a comunidade acadêmica ao tratar de tema de tão grande relevância.  

2. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

            Neste primeiro momento apresentar-se-ão noções introdutórias e essenciais para compreender melhor o fenômeno das políticas públicas. Tais elementos introdutórios objetivam fornecer um melhor entendimento tanto do conceito de políticas públicas, como de suas etapas de formulação e de suas estruturas elementares. Após o estudo destes elementos essenciais, cuja análise realizada está longe de esgotar o assunto, será possível estudar o tema proposto neste trabalho, com maior embasamento teórico da área de políticas públicas.   

2.1 CONCEITO

                Conceituar políticas públicas não é uma tarefa fácil, uma vez que diversos elementos afetam esta tarefa. Estes elementos podem se apresentar através de questionamentos (SECCHI, 2013, p. 2) para os quais diversas espécies de respostas podem ser fornecidas, entre as quais: a omissão ou negligencia também caracteriza este fenômeno? O nível de aprofundamento da diretriz pode excluí-la do grupo de políticas públicas?
            Uma vez que as respostas são diferentes, o conceito também pode sofrer alterações mais ou menos profundas e isso culmina na existência de diversas conceituações dispares. 
            Secchi (2013, p.2) afirma que uma política pública é uma diretriz elaborada com o fito de combater um problema público. E continua:

Uma política pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e resposta a um problema; em outras palavras, a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante. 
           
            Por sua vez, Dias (2010, p. 176) trata que:

As políticas públicas necessitam de um programa, não se reduzem a uma ação pública isolada e sim a um conjunto de ações, mais ou menos coerentes entre si, cujos objetivos se reúnem para alcançar o mesmo resultado final. É a integração daquelas ações governamentais dentro de um determinado setor de ação governamental que compõem um programa que pode ser designado com política pública.

            Molina (2008, p. 98) ao conceituar políticas públicas diz que:  

Se denomina así en español, al no existir un término específico como el inglés policy, a los programas sectoriales y a las acciones concretas que emanan de las instituciones de gobierno como resultado de la interacción política (...). 1
             
            Para se entender as políticas públicas uma gama de elementos precisa ser considerada, conforme se observou nos conceitos supracitados. Há a necessidade de buscar a solução de um problema coletivamente relevante, sendo envidados esforços para sua superação, ou seja, medidas públicas coerentes e integradas aptas a alcançar o fim almejado. Vale frisar, também, que a denominação política pública é diferente na língua inglesa, em comparação com a portuguesa e até mesmo espanhola. Na língua inglesa existem as palavras politics e policies, todavia nas línguas portuguesa e espanhola, ambas são traduzidas como políticas, sendo policy o termo adequado ao se tratar de políticas públicas.
Nota-se, portanto, que diversos são os elementos, cuja análise é necessária para a construção de um conceito de políticas públicas. Apesar disto, pode-se dizer que as políticas públicas são um conjunto de ações (ou omissões) realizadas por atores políticos, especialmente os ligados ao Estado (Poderes Legislativo e Executivo), que objetivam manter ou alterar determinado âmbito da realidade social, combatendo uma situação coletivamente problemática, ao traçar estratégias e objetivos e direcionar recursos neste sentido. Estas ações advêm da interação política entre os atores envolvidos.
            Podem ser citados exemplos de políticas públicas nas mais diversas áreas e com as mais diversas finalidades: instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades carentes do Rio de Janeiro (política de segurança pública), ampliação do número de leitos em hospitais públicos (política de saúde pública), construção de novas escolas públicas (política de educação pública), entre tantos outros. Determinadas leis possuem objetivos bastante claros e também constituem políticas públicas. O Programa Bolsa Família, objeto do presente estudo, é uma política pública na área de Assistência Social, e possui seus próprios objetivos e peculiaridades, os quais serão posteriormente analisados.             

2.2 CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
             
            Outro aspecto da teoria das políticas públicas, cuja análise é importante, se refere às etapas de uma policy. O ciclo de políticas públicas (policy cycle), também conhecido como processo de elaboração de políticas públicas (policy-making process) é um esquema que permite a visualização e estudo interdependente das etapas do ciclo. 
Além da importância de conhecer os diversos momentos que podem ser objeto de análise específica, o presente trabalho se concentra na etapa específica da avaliação.
            Da mesma forma que com o conceito de políticas públicas, a delimitação das etapas que as constituem não é pacífica. Secchi (2013, p. 43) apresenta a seguinte versão:

Apesar de várias versões já desenvolvidas para visualização do ciclo de políticas públicas, restringimos o modelo às sete fases principais: 1) identificação do problema, 2) formação da agenda, 3) formulação de alternativas, 4) tomada de decisão, 5) implementação, 6) avaliação, 7) extinção. (grifos do autor)

No presente estudo, analisar-se-ão, sucintamente, as sete etapas propostas por Saravia (2006, p. 33-35): agenda; elaboração; formulação; implementação; execução; acompanhamento; avaliação.    
            Na verdade, apesar da nomenclatura ser divergente, os principais elementos constitutivos de uma política pública estão presentes em ambas as propostas apresentadas.
            Desta forma, o mais importante não é considerar a nomenclatura das etapas, mas sim as suas características, pois o ciclo dificilmente revela a dinâmica real, podendo as fases ter ordem diversa, além de suas fronteiras serem pouco nítidas.  
            A etapa de inclusão na agenda se refere ao estudo de determinada situação, que passou a ser considerada um problema social. Uma vez que a situação se agravou e passou a requerer a atenção da sociedade e do Poder Público, este passa a considerar o combate do fato uma prioridade.
            No momento da elaboração da política pública, o problema é identificado e delimitado, sendo desenvolvidas alternativas para a sua superação, seu nível de prioridade, seu custo-benefício, entre outros fatores.
            Já a formulação é a escolha da(s) medida(s) mais interessante(s), entre todas as alternativas, considerados os interesses em jogo. Os objetivos e a possibilidade jurídica de agir da forma desejada são também verificados e definidos. Nesta mesma etapa de elaboração, os marcos administrativo e financeiro também são levados em conta.
            Ao tratar da implementação, Saravia (2006, p. 34), afirma que:

A implementação, constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos necessários para executar uma política. Trata-se da preparação para pôr em prática a política pública, a elaboração de todos os planos, programas e projetos que permitirão executá-la (grifo do autor).

            De fato, é neste momento que toda a teoria desenvolvida nas etapas anteriores começa a ganhar corpo, para na etapa seguinte, qual seja a de execução, ser efetivamente posta em prática. Neste momento, surgem também os obstáculos, que são alvo de estudos.
            O acompanhamento, por sua vez, é a sistemática análise das medidas adotadas, as quais fornecerão dados para modificar a política, melhorando seus resultados. É uma espécie de avaliação in intinere.
            Por fim, a avaliação é o estudo dos efeitos posteriores alcançados pela política pública, tais quais suas as consequências previstas e não previstas, além da sua capacidade em alcançar seu objetivo inicial. Diversos critérios podem ser utilizados nesta etapa, como a equidade no compartilhamento de benefícios, sua eficiência, eficácia, etc.   
             Neste ponto, reafirma-se que mais importante que a memorização da nomenclatura utilizada, é a compreensão das características do ciclo, o qual pode ser apresentado de forma diversa, tanto na prática, como por meio de teorias.
 
2.3 ESTRUTURAS ELEMENTARES

            É importante também analisar as estruturas elementares das políticas públicas, ou seja, aqueles elementos que, independentemente do foco da policy, se encontram presentes. Naturalmente a escolha dos elementos que serão analisados depende do pesquisador, e a própria concepção histórica destes elementos pode variar. Na verdade, para compreensão das políticas públicas a partir desta abordagem, é necessária não apenas estudar as estruturas de forma separada, mas as interferências que elas ocasionam entre si. 
            Di Giovani (2009, p. 19-20) ao tratar do tema afirma que:

É óbvio que esta perspectiva envolve certa dose e subjetividade. As estruturas elementares resultam, no fundo, de uma combinação entre um “olhar” subjetivo do observador que, em função de seus próprios valores seleciona os aspectos objetivos da realidade que irá observar, indagando sua coerência, organicidade e probabilidade de configurarem uma estrutura. No caso presente, julguei identificar quatro estruturas elementares (o que não significa que se esgotem as possibilidades de identificação), a partir de quatro diferentes ângulos de observação, que discriminei com (sic) sendo:

  1. estrutura formal, composta pelos elementos: “teoria”, práticas e resultados;
  2. estrutura substantiva, composta pelos elementos: atores, interesses e regras;
  3. estrutura material, composta pelos elementos: financiamento, suportes, custos; e,
  4. estrutura simbólica, composta pelos elementos: valores, saberes e linguagens.

Analisar-se-á, de forma bastante sucinta, as estruturas conforme apresentadas pelo autor supracitado, uma vez que elas podem oferecer subsídios para a análise posterior acerca do Programa Bolsa Família.
A estrutura formal é composta pelos elementos: teoria, prática e objetivos. Parte da captação de elementos exteriores da atividade estatal, ao relacionar a teoria, a pratica da teoria e resultados decorrentes. Naturalmente, a teoria pode condensar diversas informações de diversas áreas, enquanto que a prática revela as medidas tomadas para alcançar os resultados propostos. Neste sentido, tais  elementos fornecem bons mecanismos para avaliação de políticas públicas.
            A estrutura substantiva se pauta na atuação de agentes sociais, que a partir de certos interesses, visam objetivos implícitos ou explícitos. Esta atuação ocorre em um espaço onde existem costumes, regras jurídicas, morais, e/ou de outra ordem, que balizam a atuação destes atores sociais. Em suma, a estrutura substantiva das policies se refere aos aspectos sociais e políticos.
A estrutura material se liga aos aspectos econômicos da política pública, ou seja, aos meios de sustentação material: financiamento, custos e suporte. As normas, condições e volume de financiamento permitem a análise das relações entre a economia e as políticas públicas, onde esta também se opera no interior daquela. É possível vislumbrar também as ideologias político-econômicas, assim como o posicionamento da policy na agenda pública e na seara macroeconômica. Os custos se referem à possibilidade financeira de materializar as políticas públicas e como indicadores da eficiência de suas regras padrões (elementos da estrutura previamente analisada). Por fim, os suportes materiais são o apoio existente para a concretização da policy. Podem ser outras políticas públicas, como reforços na própria policy original.  
Finalmente, a estrutura simbólica se refere aos valores culturais e científicos que povoam tanto as políticas públicas, como seus atores,o que acaba por revelar  os efeitos culturais que afetam a arena política.

3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A QUESTÃO DA (IN)FORMALIDADE

            Neste momento, serão abordados alguns elementos básicos para a compreensão do Programa Bolsa Família, tais quais o seu conceito e objetivos, para posteriormente, analisar se é possível afirmar que o programa estimula a informalidade.  Não serão analisadas as formas de seleção dos beneficiários, nem críticas a este modelo, nem outras características importantes, as quais também não estão imunes à crítica, por escaparem dos objetivos do presente trabalho.

3.1- NOÇÕES GERAIS ACERCA DO PROGRAMA

             O Programa Bolsa Família foi criado em janeiro de 2004, pela Lei n. 10.836, com o intuito de unificar a transferência de renda de diversos programas pré-existentes, tais como o Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. Trata-se de um programa social focalizado, que visa assistir famílias que se enquadrem em situações de pobreza e de extrema pobreza, por meio de uma política de transferência condicional de renda.
            Uma vez que o objetivo do programa não é apenas transferir renda, mas permitir que o beneficiário tenha condições de se manter sem o auxílio, diversas condicionalidades são impostas, sob pena de caso descumpridas serem tomadas as seguintes medidas: advertência, bloqueio, suspensão e até cancelamento do benefício. Entre as condicionalidades existentes, há a necessidade de realização de exame pré-natal para as grávidas, de acompanhamento de vacinas para crianças, além de matrícula e presença regular de jovens em escolas, tanto de nível fundamental como médio.
             As condicionalidades visam estimular a prática de atividades positivas para os beneficiários, e permitir que, a médio e longo prazo, sejam capazes de subsistir sem o benefício.
            Neste sentido a seguinte lição é pertinente:

O estabelecimento de condicionalidades faz com que o programa se constitua numa (sic) política de longo prazo, que visa proporcionar aos beneficiários as condições para a geração autônoma de renda no futuro, por meio de investimento em capital humano. Assim, além de buscar aliviar a pobreza no curto prazo por meio da transferência de renda, a política procura alterar estruturalmente a situação socioeconômica dos recipientes, ao tentar interromper o ciclo de perpetuação da pobreza (TAVARES, et al,, 2009, p.27)

Nota-se que o Programa Bolsa Família tem dois objetivos: o de curto prazo e o de médio/longo prazo. Ou seja, a transferência direta de renda, que permite aos seus beneficiários sua subsistência, e a capacidade de consumo inerente a isto, estimulando a economia. Além de investir em capital humano, incentivando a capacitação profissional e a posterior inclusão no mercado de trabalho.
Especificamente acerca da questão macroeconômica, o PBF é considerado um programa de excelente custo-benefício. Em estudo recente, o IPEA (2013, p.1) aponta que cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família adiciona R$ 1,78 no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Da mesma forma um gasto adicional de 1% do PIB direcionado ao PBF gera aumento de 1,78% na atividade econômica do país, além de 2,40% do consumo familiar dos beneficiários. Não há dúvida, portanto, que, segundo as informações, o programa ora analisado é também um verdadeiro estímulo ao crescimento econômico. 
Trata-se de política pública que gera impacto, também, social. Com a transferência direta de renda para famílias economicamente carentes torna-se possível garantir uma melhor qualidade de vida. No mesmo estudo supracitado, o IPEA (2013, p.2) estima que o Bolsa Família reduziu a pobreza extrema brasileira em 28% no ano de 2012. O percentual de miseráveis (que com até R$70,00 por mês), que era de 3,6%, subiria para 4,9%, caso o Bolsa Família não existisse. Trata-se do programa de transferência de renda mais eficiente do Brasil, superando a Previdência Social e o Benefício de Prestação Continuada, no sentido de recuperação de investimentos.
            Acerca da relação entre pobreza e Bolsa Família, Melo (2014, p. 216-217) afirma que:

As condições objetivas da pobreza criam patologias diagnosticadas no quadro dos sentimentos pessoais, resultantes, entre outras coisas, da falta de acesso à renda regular, das dificuldades para a manutenção de uma vida minimamente saudável e da exclusão da cidadania. Assim, quando ouvimos as vozes dos excluídos e dos “invisíveis” (propósito da pesquisa, aliás), salta à vista a injustiça moral vivida pelas pessoas que carecem de um grau mínimo de autonomia. Deste modo, identificada essa forma de patologia individual causada pela realidade objetiva do mundo econômico e social, é possível então avaliar as consequências positivas e/ou negativas do programa do BF sobre a constituição de elementos básicos da autonomia moral individual, ou seja, investigar até que ponto políticas redistributivas desse tipo são capazes de fornecer as bases materiais para a formação de um projeto independente de vida boa e de relações morais concernentes a direitos e deveres, com o propósito de possibilitar a dignidade e o autorrespeito dos membros da sociedade que se encontram vivendo sob condições de pobreza e miséria.

Ao analisar o Bolsa Família é preciso levar em consideração ambos os aspectos. O contexto macroeconômica pode ser alterado, de modo a tornar o programa pouco relevante para o crescimento econômico do país, mas ainda assim deve ser observado se o aspecto social foi exitoso. A política possui duplo viés, então precisa ser analisada sob os dois prismas.
Apesar disto não há unanimidade acerca de suas características básicas, existido esforços para a sua alteração. Em termos legislativos, o estudo conduzido por Britto e Soares (2010, p. 15) buscou verificar a quantidade de projetos de lei que pretendiam/pretendem alterar o programa.

Levantamento realizado nas bases de dados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal identificou 34 projetos de lei apresentados por deputados ou senadores diretamente afetos ao Programa Bolsa Família, desde o momento em que o programa foi convertido em lei, no ano de 2004, até o mês de março de 2010. Oito desses projetos já foram arquivados, outros 26 continuam em tramitação em alguma das Casas do Congresso Nacional.

O aspecto político presente nas discussões acerca do PBF, que vincula o programa a partido político e que direciona as críticas que o partido recebe para o próprio programa, precisa ser afastado para a sua adequada compreensão. Críticas infundadas acabam por estimular a opinião pública, sem que esta tenha a real dimensão da política pública.
Existem da mesma forma críticas mais bem fundamentadas2 . Uma das principais é que o Bolsa Família estimularia a informalidade. Uma vez que a renda é revertida para famílias com baixa comprovação financeira, uma forma de continuar recebendo o benefício e trabalhar seria buscar um emprego informal, sem carteira de trabalho assinada. Isto seria uma forma de ampliar a renda familiar e continuar recebendo o benefício.

3.2- A QUESTÃO DA (IN)FORMALIDADE

Existem diversos estudos que objetivam apontar se o Bolsa Família estimula a informalidade. Trata-se de uma tarefa bastante complexa, uma vez que diversos elementos precisam ser levados em consideração na hora do estudo, tais como a quantidade de pessoas, a região do país e seu desenvolvimento, a oferta de empregos formais, a qualificação exigida para estes postos de trabalho, o interesse político da pesquisa, entre muitos outros fatores.
Dois estudos chamam a atenção, pelo fato de terem relação com o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de serem bastante recentes e possuírem posicionamentos divergentes.
O primeiro, desenvolvido por Barbosa e Corseuil, ambos pesquisadores do IPEA, aponta que é possível que o recebimento do Bolsa Família seja considerado na hora de buscar um emprego formal ou não. Segundo os autores: “(...) Nossos resultados mostraram que não podemos descartar a hipótese de que o programa não afeta a escolha ocupacional dos chefes de família entre postos formais e informais” (BARBOSA; CORSEUIL, 2012, p.19). Já no ano de 2013, em novo estudo, os autores apontam que não houve elementos que estimulassem nem a informalidade e nem fecundidade. (IPEA)
 Por outro lado, Moreira, em estudo publicado em 2013 pelo IPEA, relaciona o microempreendedor individual com o beneficiário do PBF, e verifica que beneficiários do Bolsa Família estão se formalizando. E conclui o seguinte:

Para além dos MEIs-PBF já formalizados, há indícios de que ainda há muitos empreendedores na informalidade entre os beneficiários do PBF. Enquanto 38% dos chefes de família elegíveis para o programa trabalham por conta própria, os MEIS-PBF representam cerca de 0,2% da população dos beneficiários. Logo, talvez seja necessária uma campanha de esclarecimento voltada para os mais pobres e menos escolarizados e que apresente os benefícios de se formalizar (MOREIRA, 2013, p. 29). 

Interessante apontar que os primeiros autores, em novo estudo, mais atual, apontam que não verificaram elementos que estimulassem nem a informalidade e nem fecundidade (IPEA, 2013).
Independentemente da direção que os estudos apontam, se para a formalidade ou informalidade, é possível se verificar que ainda não há um estudo conclusivo sobre o tema. Para isto seria necessária uma pesquisa de larga escala, com investimento enorme, para mapear todos os trabalhadores, de todas as regiões e com suas peculiaridades. Isto ainda não ocorreu. Para que tal estudo se materialize é de suma importância o interesse político voltado para desmistificar os elementos menos pesquisados e os mais difíceis de pesquisar do PBF. Esta desmistificação permitirá uma melhor compreensão da política pública ora estudada.
            É verdade que existem aqueles beneficiários que interpretam o valor recebido como uma forma de auxílio temporário, e aproveitam a oportunidade para se profissionalizar e buscar uma forma de sair do programa, abrindo espaço para novos beneficiários desta política pública. Da mesma forma, existem os que interpretam o benefício como um valor vitalício, e pouco se importam em buscar uma melhor condição.   
            O que deve ser visualizado é se os trabalhadores recebem o estímulo adequado e se o Governo fornece possibilidades reais de melhoria na qualidade de vida. O Estado deve fornecer ferramentas para os trabalhadores se profissionalizarem e alcançarem um emprego formal, alcançado a chamada “porta de saída” do PBF.
            Caso estas medidas não sejam tomadas o PBF perde grande parte de sua razão. Não se pode esquecer que além do viés econômico há o social, e para a concretização deste a participação do Estado é vital. Conforme visto, trata-se de um programa de curto, médio e longo prazo. Curto, no sentido de permitir uma melhor qualidade de vida para as famílias beneficiadas; médio e longo, no sentido de permitir que as famílias saiam da linha da pobreza, e possam se manter sem o beneficio assistencialista. E sem capacitação profissional isso não é possível.
            O problema, portanto, nesta visão, não é o PBF em si, mas a incapacidade do Estado em garantir meios de profissionalização aos beneficiários. Faltam políticas públicas eficientes neste sentido. Esta ausência acaba por demonstrar uma preocupação maior com o lado macroeconômico, com a capacidade de consumo dos indivíduos e não com a sua profissionalização.
            A necessidade de medidas profissionalizantes efetivas e eficientes requerem outras políticas públicas de apoio e consequentemente maiores investimentos financeiros, os quais modificam o foco do econômico para o social. A inexistência destas políticas, não retira o êxito do programa, mas demonstra a necessidade de discutir qual seu foco principal.
            Nota-se que o Programa Bolsa Família é um exemplo claro de como suas estruturas elementares, já apresentadas em momento prévio, são interligadas. A estrutura formal (teoria, prática e objetivos) é clara, mas a estrutura material (financiamento, custos e suporte) é insuficiente. A estrutura substantiva (atores, interesses e regras) não é homogênea, considerando os beneficiários, e isto reflete na própria estrutura simbólica (valores, saberes e linguagens), quando, por exemplo, os beneficiários são considerados acomodados.
            O que não se pode negar é que o PBF tem um papel fundamental para a sobrevivência e possibilidade de melhora na qualidade de vida dos beneficiários. Ao resenhar obra 3 acerca do tema, Melo (2014, p.217) afirma que

Em outros termos, a pesquisa mostra que o recebimento da renda monetária regular traz consigo transformações éticas, sociais e políticas imprescindíveis. Muito mais do que garantia mínima à manutenção da vida, o dinheiro, dessa perspectiva, tem antes um efeito desreificante, que, entre outras coisas, desnaturaliza as relações patriarcais dominantes e dá início a processos de libertação das mulheres diante do controle masculino familiar.

            A estrutura do programa, portanto, é bem intencionada, mas para alcançar seus objetivos, deve contar com o apoio tanto dos beneficiários, como do Poder Público, através de outras políticas públicas auxiliares.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o presente estudo, é possível verificar que não é possível afirmar categoricamente que o Programa Bolsa Família estimula a informalidade, nem que estimula a formalização dos beneficiários.
Isto se deve pela ausência de uma pesquisa profunda em relação ao tema. As pesquisas existentes não são capazes de chegar a uma conclusão acerca do tema, dada a dificuldade de se analisar o panorama geral.
Existem diversos estudos que apontam para ambas as direções, mas nenhum afirma inequivocamente que seu posicionamento é o correto, mas que a partir dos dados analisados (que não são todos os existentes) a tendência é a defendida.
No presente estudo, primeiramente, se traçou um panorama geral das políticas públicas. Discutiu-se a dificuldade em conceituar a expressão e apresentaram-se exemplos de medidas caracterizadas como policies. Em seguida, a análise recaiu sobre o ciclo de formulação destas medidas, o qual, independentemente da estrutura teórica ou prática apresentada permite uma análise mais cuidadosa de seu processo criativo. Encerrando a parte inicial do presente artigo, as estruturas elementares das políticas públicas (formal, substantiva, material e simbólica) foram alvo de atenção.
Posteriormente, analisou-se o Programa Bolsa Família de forma mais detida. Em um momento inicial a sua conceituação e outros elementos básicos para a compreensão da policy. Concluiu-se, por fim, que não é possível afirmar de forma definitiva que tal política pública estimula a informalidade, dada a ausência de estudos aprofundados e amplos o bastante. O que se pode afirmar é que o Estado deve fortalecer medidas profissionalizantes, em favor dos beneficiários do Programa Bolsa Família. Com este fortalecimento, será viável para o beneficiário o alcance de um emprego no mercado formal.

REFERÊNCIAS

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TAVARES, Priscila Albuquerque; PAZELLO, Elaine Toldo; FERNANDES, Reynaldo; CAMELO, Rafael de Sousa. Uma avaliação do programa bolsa família: focalização e impacto na distribuição de renda e pobreza. Pesquisa e Planejamento Econômico. Brasilía: IPEA, v. 39, n.1, 2009. Disponível em: http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/1062/1044.   Acesso em: 08 nov. 2016.

* Mestre em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Professor de Direito na instituição Estácio/Fcat-Faculdade de Castanhal/PA. Advogado. / Maestría en Derecho, Políticas Públicas y Desarrollo Regional en el Centro Universitario de Pará (CESUPA). Maestro de Derecho en la institución Estácio/Fcat- Facultad de Castanhal/PA. Abogado. bapbernardo@gmail.com.

1 “Se denomina assim em espanhol, ao não existir um termo específico como o inglês policy, aos programas setoriais e as ações concretas que emanam das instituições de governo como resultado da interação política(...)”. Traduzido pelo autor. 

2 Entre estas críticas tem-se, entre outras: o impacto local diferenciado, explicitando uma grande desigualdade regional; a possibilidade do programa Bolsa Família cristalizar o papel da mulher no sistema reprodutivo, vez que desestimularia a participação destas no mercado de trabalho;

3 A obra em questão é: REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Pinzani. Vozes do Bolsa Família – Autonomia, dinheiro, cidadania. São Paulo: Ed. UNESP, 2013.


Recibido: 09/11/2016 Aceptado: 15/02/2017 Publicado: Febrero de 2017

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