Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


REFLEXÕES PARA O ENSINO JURÍDICO A PARTIR DE “A COR PÚRPURA”: DIREITOS HUMANOS, ANTROPOLOGIA JURÍDICA E INTERSECCIONALIDADE

Autores e infomación del artículo

Gabriela M. Kyrillos*

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

gabrielamkyrillos@gmail.com

Resumo: O presente artigo se dedica a analisar de que modo o livro “A Cor Púrpura” de Alice Walker e o filme de mesmo nome, servem como ferramentas interdisciplinares para o ensino jurídico, em especial das disciplinas de Direitos Humanos e Antropologia Jurídica nos cursos de graduação em Direito. Apresenta alguns dos elementos mais relevantes da obra de ficção e argumenta, ao final, a fundamental importância de análises baseadas no conceito de interseccionalidade das discriminações e opressões sociais, para uma adequada formação de futuros(as) juristas e, consequentemente, uma aplicação mais justa do Direito.
Palavras-chave: Ensino do Direito, Direitos Humanos, Antropologia Jurídica, Literatura e Cinema, A Cor Púrpura, Interseccionalidade.

Resumen: Este artículo está dedicado a analizar cómo el libro "El color púrpura", de Alice Walker y la película del mismo nombre, sirven como herramientas interdisciplinarias para la educación jurídica, sobre todo en las disciplinas de Derechos Humanos y Antropología Jurídica en cursos de Derecho. Presenta algunos de los elementos más importantes de la obra de ficción, y al final argumenta sobre la importancia fundamental del análisis basado en el concepto de la interseccionalidad existente entre las distintas discriminaciones y las opresiones sociales, para una formación adecuada de los(as) futuros(as) juristas y, en consecuencia, una más justa aplicación de la ley.

Palabras clave: Enseñanza del Derecho, Derechos Humanos, Antropología jurídica, Literatura y Cine, El color púrpura, Interseccionalidad.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Gabriela M. Kyrillos (2016): “Reflexões para o ensino jurídico a partir de “A Cor Púrpura”: direitos humanos, antropologia jurídica e interseccionalidade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/interseccionalidade.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604interseccionalidade


  • INTRODUÇÃO

Ensinar disciplinas como direitos humanos e antropologia jurídica requer, em certa medida, mover pessoas ao ponto de as colocar em lugares nos quais nunca estiveram, em situações pelas quais jamais passaram e muitas vezes jamais poderão passar. Exige, em outras palavras, uma busca constante por “concretizar” a empatia. Não que essas disciplinas careçam de normas jurídicas e leis que possam ser exclusivamente o conteúdo das aulas, mas sim, pelo fato de que não é por conhecer a Declaração Universal dos Direitos Humanos, por saber legislações referentes às comunidades tradicionais ou decorar artigos da Lei Maria da Penha, que aquelas e aqueles que estão estudando temas tão amplos, complexos e interdisciplinares – em especial, no começo de sua formação acadêmica – serão capazes de efetivamente compreender a importância, as limitações e os paradoxos dos conteúdos estudados nas disciplinas tidas como propedêuticas nos cursos de Direito.
Por outro lado, e desde já cumpre ressaltar, não se pretende argumentar que as legislações, normas e tratados sejam conteúdos desimportantes, na verdade, em um curso de Direito, espera-se que cada estudante seja capaz de instrumentalizar essas ferramentas com propriedade e para que isso ocorra, será fundamental conhecê-las adequadamente. Contudo, o foco que se dará no presente texto reside em outro aspecto que aqui será defendido como igualmente relevante quando se trata do ensino dessas disciplinas, em especial, as disciplinas de Direitos Humanos e de Antropologia Jurídica, nos cursos de graduação em Direito. Nesse sentido, assume-se a interdisciplinaridade como elemento central e o diálogo com a literatura e o cinema como meios privilegiados de promover a “concretização” da empatia, enquanto envolve, emociona e apresenta, como se verá, elementos que os instrumentos estritamente jurídicos seriam incapazes de oferecer.
Nesse sentido, se pretende analisar o potencial de uso como ferramenta de ensino jurídico do romance “A Cor Púrpura” da escritora afro-estadunidense Alice Walker (lançado originalmente em 1982), e do filme homônimo baseado na obra, dirigido por Steven Spielberg, que estreou em 1985. Ao perpassar os diversos elementos que envolvem a história, acredita-se ser possível promover um debate que envolve conteúdos tanto da disciplina de Direitos Humanos, quanto de Antropologia Jurídica, de modo que a proposta não se resumiria a mera inserção de parte dos elementos da trama possíveis de serem analisados em uma ou outra disciplina, mas sim, uma ampla e multidisciplinar análise.
Desse modo, o presente estudo subdivide-se em três momentos basilares: (a) primeiramente, se faz uma reflexão sobre o uso de recursos literários e cinematográficos no ensino jurídico; (b) em seguida, se apresenta uma síntese da obra literária e cinematográfica, em seguida se destacam os elementos fundamentais para o debate dentro de uma perspectiva que englobe os conteúdos das disciplinas de direitos humanos e de antropologia jurídica – ou seja, se aborda a questão étnico-racial da discriminação sofrida pelos afrodescendentes, se apresenta os debates em torno da situação das mulheres na sociedade e se insere, por fim, alguns apontamentos sobre o contato entre culturas diferentes – e; (c) em um terceiro momento, se busca relacionar os conteúdos estudados na sessão anterior com o tempo presente e a realidade nacional e local – inclusive, contextualizando determinadas demandas dos movimentos sociais e legislações existentes na atualidade.
É evidente que não se pretende esgotar todas as possibilidades de análise que o romance e o filme oferecem, muito menos abarcar toda a amplitude do debate acerca do ensino do direito e do diálogo possível com a literatura e o cinema. No entanto, espera-se que as reflexões aqui apresentadas demonstrem ao mesmo tempo a importância das abordagens interdisciplinares no ensino do direito e a sua potencialidade para construir outras metodologias de ensino para além da hegemônica aula expositiva.

  • O DIREITO NA LITERATURA E NO CINEMA – REPENSANDO ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO JURÍDICO

Desde já, é importante destacar de que tipo de relação entre Direito e Literatura esse artigo trata, para isso, precisamos recordar as três principais dimensões que pode assumir essa relação. Utilizando a sistematização apresentada por François Ost (2006), iniciamos com a dimensão do direito da literatura, algo que tem sido comumente destinado à prática jurídica na medida em que envolve temas como a liberdade de expressão dos autores e a questão da censura de obras literárias. A segunda dimensão é conhecida como sendo a do direito como literatura, é sem dúvida bastante relacionada com os Estados Unidos na medida em que lá foi amplamente desenvolvida e tem como pressuposto a ideia de que seria possível comparar os métodos de interpretação tanto para os textos jurídicos, quanto para os textos literários. Por fim, a terceira dimensão, denominada como direito na literatura, parte do estudo de conteúdos que não estão previstos nos documentos tipicamente jurídicos, como muito bem define o próprio autor, nessa perspectiva de análise: “[...] el Derecho que busco en la literatura es el que asume las cuestiones más fundamentales a propósito de la justicia, del Derecho y del poder.” (OST, 2006, p.335).
Compreendendo esse panorama geral da relação entre direito e literatura, é possível identificar que a análise que aqui se realiza se posiciona dentro da perspectiva do direito na literatura, já que irá buscar no enredo de uma obra literária de ficção suas potencialidades como ponto basilar para a perpetração de um debate sobre os direitos dos afrodescendentes, sobre as relações de poder que se travam na sociedade – e que perpassam de modo transversal às questões étnicas e de gênero – e como tudo isso pode ser visto quando se trata de pensar na justiça e no direito.
De qualquer modo se pode questionar qual a vantagem de usar uma obra de ficção – mesmo que (e talvez justamente em razão de) ser possível achar histórias reais, pessoas concretas que viveram ou vivem aquela situação, relatos verídicos sobre aquele período histórico e que apresentariam, fundamentalmente, os principais elementos contidos na obra de ficção. Para esse questionamento, a reflexão da antropóloga Débora Diniz (2001, p.17) é precisa, quando ela afirma que “[...] o uso de personagens fantasmagóricos em detrimento dos de carne e sangue, permite um certo distanciamento cínico, porém saudável, da infelicidade, um ingrediente ativo dos conflitos morais.”. Em muitos aspectos, disciplinas como Direitos Humanos e Antropologia Jurídica – dentre muitas outras dos cursos de graduação em Direito – vão perpassar complexos dilemas morais e éticos, e o distanciamento que casos fictícios proporcionam em uma sala de aula possibilita maior liberdade de manifestação por parte de cada estudante, que possivelmente tenderá a se sentir mais a vontade para traçar suas análises sabendo que não se tratam de casos concretos.
No caso da obra escolhida há a especificidade dela ser, a um só tempo, um livro e um filme e, portanto, permite que se desenvolva uma metodologia de ensino que promove o diálogo entre o direito, a literatura e o cinema. A proposta envolveria primeiro oportunizar a leitura do livro, em seguida, realizar algumas leituras dirigidas sobre as temáticas que emergem a partir do livro (artigos científicos, legislações e tratados internacionais etc), para, somente depois disso, ocorrer a apresentação do filme. Após essas três etapas, seria o momento do debate, momento de vincular os temas vistos na ficção com os conteúdos dos textos científicos e instigar uma reflexão crítica tanto para o conteúdo literário quanto para os textos acadêmicos. Ao exibir o filme não se espera reforçar a história que já foi lida pela turma e que é trabalhada de modo muito mais detalhado no livro, mas sim, parte-se do pressuposto de que

A finalidade da arte e do cinema em geral é de revelar emoções e sentimentos escondidos no âmago do ser humano e que podem adquirir consistência e vigor. Ambos expressam a visão do mundo para o artista e revigoram a mente através do pensamento e da reflexão. (SOUSA; NASCIMENTO, 2010, p.1839)

                   Como é analisado pelas autoras Ana Sousa e Graciele Nascimento (2010), a possibilidade que o cinema oferece no sentido de revelar emoções perpassa, dentre outros elementos, o impacto visual causado pelas imagens e a música utilizada na obra. Assim sendo, uma proposta que envolve relacionar uma obra literária com a obra cinematográfica reconhece a relevância de cada uma delas no processo de formação dos estudantes e no ideal de alcance dos objetivos das disciplinas. Se o livro irá oportunizar uma narrativa mais consistente, com riqueza de detalhes que será mais facilmente relacionado com o período histórico da época na qual se desenvolve, o filme, por outro lado, tem a capacidade maior de promover um envolvimento intenso com as questões apresentadas e uma maior comoção. Nesse sentido, trata-se de reconhecer que a linguagem cinematográfica é, em certa medida, mais capaz de provocar a empatia que se vem argumentando como sendo de grande relevância para o ensino de determinadas disciplinas, em especial sobre temas que falam de realidades que são distantes e desconhecidas para todos ou a maior parte dos estudantes de uma turma.
                   Mais uma vez se destaca que não se trata apenas de comover ou emocionar – ainda que a sensibilização possa ter um impacto positivo profundo na qualidade da atuação profissional futura –, mas também de proporcionar o domínio de determinados conteúdos essenciais para a atuação dos futuros juristas, de modo que

[…] o cinema pode ser concebido, ao mesmo tempo, como um instrumento pedagógico rico que outorga aos alunos uma visão mais realista do seu campo de trabalho e como recurso na formação de profissionais dotados de habilidade e competência na dedicação de fenômenos de caráter transdimensional. (SOUSA; NASCIMENTO, 2010, p.1837)

Ademais, é válido destacar que toda proposta metodológica que busque romper com a monotonia das aulas expositivas e a notória incompletude das análises centradas estritamente na dogmática jurídica parte do pressuposto de que estas formas de ensino não podem ser as únicas utilizadas nos cursos de graduação em direito. Mesmo porque nem toda aula expositiva centrada no docente será, necessariamente, repetitiva e monótona para os estudantes, mas a sua utilização cotidianamente sem um preparo adequado e para praticamente todos os conteúdos dos cursos de graduação é que faz com que esta metodologia seja por muitos questionada. Nesse sentido, e como muito bem analisou o professor José Garcez Ghirardi (2012, pp.20-21), é curioso como é possível identificar uma pluralidade de correntes teóricas na academia brasileira, no entanto, parece haver um consenso silencioso quanto ao modo de ensinar. É no mínimo motivo de estranhamento que pessoas que partem de referentes teóricos e epistemológicos tão distintos acabem utilizando sub-repticiamente a mesma estratégia de ensino. Além disso, e apesar das limitações existentes para os docentes – a partir de suas instituições, suas formações, os conteúdos a serem abordados em contrapartida com o tempo disponível, só para citar alguns exemplos – como afirma Ghirardi é preciso sempre ter consciência que a forma como se ensina é uma escolha:

A continuidade ou adesão a modelos estabelecidos é exercício de uma preferência deliberada. Se eu ensino utilizando os mesmos métodos de que meus mestres se serviram há dez, vinte ou trinta anos, é porque desejo que seja assim, porque acredito que não haja modo melhor de ensinar. Mas é uma escolha minha. Não há como fugir à responsabilidade de decidir o que, como e quando ensinar. (GHIRARDI, 2012, p.17)

                   Nesse sentido, a escolha por caminhos menos convencionais não parte necessariamente de uma vinculação com referenciais teóricos e disciplinas propedêuticas – apesar de ser essa a escolha feita nesse artigo – mas sim, de uma reflexão sobre o modo de ensinar e a forma mais eficaz possível de se chegar ao objetivo de cada uma das disciplinas. 1 Como dito no início desse artigo, quando se trata de direitos humanos e antropologia jurídica é preciso ir além da mera formalidade das legislações. Desse modo, a literatura e o cinema se tornam fortes aliados na busca por abordagens menos ortodoxas, mais participativas e que viabilizam o aprofundamento nos conteúdos necessários.

  • “A COR PÚRPURA”: RESUMO DA HISTÓRIA E TRÊS ASPECTOS ESSENCIAIS PARA O DEBATE

                   O livro a “Cor Púrpura”, lançado em 1982, se dedica a narrar a história da mulher negra Celie no início do século XX no estado da Geórgia, Estados Unidos. Todo o livro é composto por cartas escritas por Celie; a maior parte do tempo elas são escritas para Deus, mas em alguns momentos Celie as escreve para sua irmã Nettie. O filme mostra exatamente em que ano ocorre cada fase da história, ao passo que no livro, a cronologia é menos rígida e a fluidez do texto é que permite que se compreenda que a história começa com Celie adolescente (com 14 anos) e termina com ela já uma senhora. A razão de Celie escrever para Deus, como ela mesma justifica nas cartas, é que ela não tem mais ninguém para quem escrever. Além disso, a sua irmã mais nova, Nettie, que teve mais oportunidade de ir à escola está lhe ensinando a escrever, portanto, as cartas são um modo de treinar e aprender melhor a escrita. Na primeira carta, ela já demonstra um dos grandes motivos de sua angústia:
                  
Querido Deus,
Eu tenho quatorze ano. Eu sou Eu sempre fui uma boa minina. Quem sabe o senhor pode dar um sinal preu saber o que tá acontecendo comigo. (...) Ela [a mãe] foi visitar a irmã dela que é doutora em Macon. Me deixou cuidando das crianças. Ele nunca teve uma palavra boa pra falar pra mim. Só falava você vai fazer o que sua mãe num quis. Primeiro ele botou a coisa dele na minha coxa e cumeçou a mexer. Depois ele agarrou meus peitinho. Depois ele impurrou a coisa dele pra dentro da minha xoxota. Quando aquilo dueu, eu gritei. Ele começou a me sufocar, dizendo É melhor você calar a boca e acustumar.
Mas eu num acostumei, nunca. (...) (WALKER, 1986, pp. 9-10) 2

                   Boa parte do enredo do começo da história gira em torno das consequências da violência sexual que ela sofre pelo próprio pai. A sua mãe morre doente e a odiando. Ela engravida duas vezes e tem dois bebês, um menino e uma menina, ambos são tirados dela pelo pai logo depois do nascimento, e levados embora sem que ela saiba para onde. Depois disso, ela não pode mais ter filhos, pois como ela observa em um de suas cartas: “Uma minina na igreja disse que a gente pega barriga quando sangra todo mês. Eu num sangro maís”. Ela fica contente quando seu pai, que mal consegue olhar para ela, se casa novamente, com uma jovem que tem quase a mesma idade que ela. Porém, logo em seguida percebe que o pai começa a olhar para sua irmã Nettie com interesse sexual. Celie sempre a protege atrapalhando qualquer investida do pai. Quando um senhor pede Nettie em casamento, Celie pensa que será a salvação de sua irmã, apesar de ser um homem bem mais velho e viúvo, com três filhos, ela acredita que a irmã tem a chance de ter pelo menos um ano bom na vida dela, já que depois deveriam vir os seus próprios filhos.
                   Contudo, quando esse senhor foi pedir a mão da Nettie em casamento, o pai das moças recusa e oferece Celie em casamento. E desse modo, Celie é levada por Sinhô que a trata mais como uma escrava do que como uma esposa. Logo, ela descobre que a grande paixão dele é uma cantora sexy de blues, Docí Avery, com quem ele gostaria de ter se casado, mas que por imposição de seu pai não o fez. Ao ver um pequeno folheto anunciando o show de Docí, Celie se vê admirando sua beleza em um vestido vermelho, e guarda para si um dos pequenos folhetos com a imagem da cantora, em quem algumas vezes tenta pensar quando Sinhô vem ter relação sexual com ela – relações muito semelhantes àquelas que foi obrigada a ter com seu pai. Mas sua preocupação com sua irmã Nettie sozinha na casa de seu pai não desaparece.
                   Não demora muito, a situação de Nettie fica insustentável e ela foge, vai para casa da irmã e ambas conseguem a autorização do Sinhô para que ela fique lá por um tempo. Contudo, logo Celie observa que Sinhô ainda tem interesse sexual por Nettie e por temer por sua segurança ela pede a sua irmã que vá embora. Celie indica a Nettie que procure a esposa do reverendo, uma mulher negra e rica (a única que ela conhecia). Celie confessa à irmã sua certeza de que sua filha, a pequena Olívia, estava com a esposa do reverendo.A despedida é recheada de promessas de que uma irá escrever para a outra e Nettie jura que só a morte irá lhe impedir de fazer isso. Quando Nettie está a caminho – e isso Celie só descobrirá muitos anos depois – o Sinhô vai atrás dela e tenta violentá-la, ela consegue escapar, mas ele jura que Celie nunca irá receber nenhuma carta dela.
                   Ele realmente se dedica a vida inteira para que isso ocorra. Apenas ele tem acesso à caixa de correio e proíbe Celie de chegar perto dela, sempre negando que haja qualquer correspondência de Nettie. Por muitos anos Celie começa a pensar que sua irmã está morta. Paralelamente a tudo isso, ela cria os três filhos do Sinhô, as duas meninas parecem viver em problemas, na cadeia ou sumidas no mundo. O garoto, Harpo, é quem está sempre próximo. É quem, junto com Celie, trabalha no campo – já que Sinhô não faz nada. Apesar de ter sido desrespeitoso com Celie quando criança, depois de adulto, Harpo conversa com Celie com consideração. Harpo se apaixona por Sofia, uma jovem forte e determinada que engravida dele, e com quem ele acaba se casando, mesmo contra a vontade de Sinhô. O maior conflito do casal é que para Harpo, Sofia deveria ser tão submissa quanto Celie é ao seu pai, e em uma de suas cartas Celie narra:
                       
Eu pequei contra o espírito de Sofia.
Eu rezei pra ela num descobrir, mas ela descobriu.
O Harpo contou.
No minuto que ela ficou sabendo, ela veio marchando pelo quintal, puxando um saco. Um corte todo azul e vermelho bem dibaixo do olho dela.
Ela falou, Só queria que você subesse queu procurei você por ajuda.
E eu num ajudei? Eu perguntei.
Ela abriu o saco. Aqui tão suas curtina, ela falou. Aqui tá sua linha. Aqui toma um trocado por ter me deixado usar suas coisa.
Elas são sua, eu falei, tentando colocar tudo no saco outra vez. Fico feliz em ajudar. Faço o queu posso.
Você falou pro Harpo bater em mim, ela falou.
Não, e num falei, eu disse.
Num mente, ela falou.
Eu num quis dizer isso, eu falei.
Então por que você disse? ela perguntou.
Ela tava de pé olhando pra mim bem no olho. Ela parecia cansada e a buchecha cheia de ar.
Eu falei porque sou idiota, eu disse. Eu falei porque tava com inveja de você. Eu falei porque você faz o queu num dô conta de fazer.
O que que eu faço? ela falou.
Briga. Eu falei.
Ela ficou lá parada um tempão, como se o queu tinha dito tivesse tirado o ar da boca dela. Ela tava furiosa, antes. Triste, agora.
Ela falou. Toda minha vida eu tive que brigar. Eu tive que brigar com meu pai. Tive que brigar com meus irmãos. Tive que brigar com meus primo e meus tio. Uma criança mulher num tá sigura numa família de homem. Mas eu nunca pensei que ia ter que brigar na minha própria casa. Ela respirou fundo. Eu gosto do Harpo, ela falou. Deus sabe como eu gosto. Mas eu mataria ele antes de deixar ele me bater. Agora, se você quer um inteado morto então é só continuar dando pra ele o conselho que você deu. Ela botou a mão no quadril. Eu costumava caçar animal selvagem com arco e flecha, ela falou. (WALKER, 1986, pp.51-53)
 
                   Daquele momento em diante, Sofia e Celie se tornam aliadas. Celie tenta convencer Harpo a parar de querer mandar em Sofia, mas ele sempre insiste e os dois passam anos brigando fisicamente (muitas vezes Harpo parece ser quem sai mais machucado) enquanto constroem uma casinha no terreno de Sinhô e têm três filhos. Chega um ponto em que Sofia não suporta mais as brigas e vai para a casa de suas irmãs com seus filhos.
                   Enquanto isso, Docí Avery adoece e Sinhô a traz para casa. Celie finalmente pode conhecê-la e depois de um primeiro momento difícil as duas vão, pouco a pouco, se tornando grandes amigas e aliadas. É com Docí que Celie terá suas primeiras conversas sobre sexualidade e sobre a possibilidade do sexo ser algo além de meros atos de violência e subjugação. Ao contar para a amiga como é o sexo com Sinhô e o que o seu pai fez com ela, Docí responde que na verdade Celie é virgem. Celie vai, muito lentamente, descobrindo sua sexualidade, ao longo dos anos de contato com Docí, mesmo que parte destes anos a cantora viaje e volte tempos depois. Em um desses retornos ela volta casada com um jovem rapaz, o que não a impede de continuar sendo aliada de Celie e dona do amor de Sinhô.
                   Após sua separação, Harpo também arranja uma namorada, a chama de “Tampinha” e por muito tempo ninguém sabe o seu nome. Ela faz tudo o que ele quer. Sofia, por outro lado, ia levando sua vida e cuidando dos seus filhos até que um dia uma senhora branca se aproxima de suas crianças para elogiá-las e dizer o quanto elas são limpas, razão pela qual, a tal senhora oferece para Sofia um emprego como empregada em sua casa, ao que Sofia responde “Diabos, não” (WALKER, 1986, p.101). Quando a senhora pergunta o que ela disse, ela simplesmente repete o que tinha dito antes. Nesse meio tempo, o marido da senhora, que era o prefeito da cidade, se aproxima e pergunta o que ela disse para sua mulher, e ela responde, mais uma vez “Diabos, não”. Naquele momento, o prefeito dá um tapa na cara de Sofia. Ela revida com um soco e muitos policiais precisam se meter para fazer ela parar de bater no prefeito e nos policiais que agrediam os filhos (crianças) dela. Ela vai presa e quando Celie a visita não tem dúvidas de que a surra que lhe deram foi enorme, mal sabe como ela está viva, mas já nota que de um olho ela estará cega para sempre. Depois disso, colocam ela nos piores trabalhos dentro da prisão, como a lavanderia, e ela vai definhando lentamente. Harpo e Tampinha assumem a criação das crianças, e todos, inclusive Celie, Sinhô e Docí reconhecem que ela, naquela posição não vai sobreviver por muito tempo. Tampinha então, que é sobrinha do delegado, vai com um plano bolado por todos tentar ajudar Sofia, argumentando para o delegado que na verdade Sofia está muito feliz de estar dentro da prisão e que o que ela realmente não queria era trabalhar para um branco. O delegado estupra a sobrinha e a escorraça da delegacia. Apesar disso, um tempo depois, Sofia passa a cumprir sua pena na casa da família do prefeito, onde é empregada e babá dos dois filhos pequenos do casal. Trabalho semelhante a condição de escrava pelo tempo restante que falta pra cumprir sua pena de 12 anos, anos nos quais só pôde ver seus filhos por poucos minutos em um único natal.
                   Na casa do prefeito a única pessoa que a trata com algum carinho desde bem pequena é a filha deles, Eleanor Jane, e mesmo depois que ela cumpre sua pena e volta a morar na casa Harpo, Celie e as crianças, é comum Eleanor Jane aparecer para lhe pedir conselhos, lhe falar da vida e tudo o mais. Porém, quando já adulta e casada, as duas têm sua única discussão mais séria, quando Eleanor vai visitar Sofia com seu filho Reynolds, ainda bebê, e diz:

Ele é mesmo um amor, e é inteligente, engraçadinho e inocente, Eleanor Jane falou. Você num adora ele? ela perguntou assim direto pra Sofia.
Sofia suspirou. Largou o ferro. Olhou para Eleanor Jane e pro Reynolds Stanley. [...] Não senhora, Sofia falou. Eu num adoro o Reynolds Stanley Earl. Bom. É isso que você tá tentando saber desde que ele nasceu. Então agora você sabe. [...]
Eleanor Jane começa a chorar. Ela sempre gostou da Sofia. Se num fosse ela, Sofia num tinha conseguido sobreviver morando na casa do pai dela. Mas e daí? Sofia nunca quis ficar lá, em primeiro lugar. Nunca quis deixar os próprios filhos.
Tarde dimais pra chorar, dona Eleanor Jane, Sofia falou. Tudo que a gente pode fazer agora é rir. Olha pra ele, ela falou. E ela começou a rir. Ele inda num sabe nem andar e já tá aqui na minha casa fazendo bagunça. Eu pedi pra ele vir? E eu lá me importo se ele é uma gracinha ou não? O queu penso vai fazer alguma diferença na maneira que ele vai me tratar quando crescer? [...] Eu num entendo, dona Eleanor Jane falou. Toda mulher negra queu conheço gosta de criança. Esse seu jeito num é normal.
Eu gosto de criança, Sofia falou. Mas toda mulher negra que falou que ama o seu filho tá mentindo. Elas numa ama o Reynolds Stanley nem um pouco mais do que eu. Mas se você é tão maleducada a ponto de perguntar pra elas, o que você esperava que elas respondessem? Tem negro que tem tanto mêdo dos branco que é bem capaz de dizer que gosta até da plantação de algodão.
Mas ele é só um nenê! Eleanor Jane falou como se dizendo isso fosse resolver tudo.
O que você quer de mim? Sofia falou. Eu gosto de você porque de todo mundo da casa de seu pai você foi a única que mostrou alguma bondade humana. Mas por outro lado, de todo mundo da casa do seu pai, você também foi a única que recebeu alguma coisa de mim. Bons sentimento é tudo queu tenho pra oferecer pra você. Eu num tenho nada pra oferecer pros seus parentes, só o que eles oferecem pra mim. Eu num tenho nada pra oferecer pra ele. [...]
Eu tenho os meus próprios problemas, Sofia falou, e quando o Reynolds Stanley crescer, ele vai ser um deles.
Mas ele num vai ser, a dona Eleanor Jane falou. Eu sou a mãe dele e num vou deixar ele ser ruim pros negro.
Você e que exército? Sofia falou. A primeira palavra que ele vai falar na certa num vai ser nada que ele vai aprender com você.
Você tá me dizendo queu num vou poder nem amar meu próprio filho, a dona Eleanor Jane falou.
Não, Sofia falou. Num é isso queu tô falando. Eu tô falando que eu num vou poder amar o seu próprio filho. (WALKER, 1986, pp.288-291)
                  
                   Em uma das vezes que Docí Avery estava na casa de Celie e Sinhô, ela descobre que na verdade Nettie escreveu muitas cartas ao longo de todos os anos. Docí vê umas cartas com selos diferentes sendo guardadas por ele, e suspeita, então que ele está escondendo as cartas de Celie. Assim que têm a oportunidade, elas conseguem achar todas as cartas e Celie vai lendo, uma a uma, e descobrindo que sua irmã efetivamente ficou na casa do reverendo e de sua esposa, Samuel e Corrine, e que eles são bons e gentis e estão de fato criando os filhos de Celie, Olivia e Adam. Ela conta como acabam como missionários na África e narra o contato com o povo da cultura Olinka. Suas cartas contam sobre a religiosidade, os conhecimentos tradicionais (e muitas vezes eficazes na cura e prevenção de doenças), a organização política e o modo como as meninas na comunidade, não podem ir para a escola. Ela conta como Tashi, uma garota Olinka, por tanto querer aprender, vai todas as noites em sua cabana ter aulas, e como Tashi e Olívia se tornam melhores amigas. Ela passa muitos anos naquela comunidade, criam uma igreja e uma escola. Até que um dia uma estrada é construída cruzando o território da comunidade, isso destrói as plantações do povo Olinka, a igreja e a escola feita por Tashi e os missionários e desestabiliza completamente a comunidade. Nessa altura, os filhos de Celie já são quase adultos e a esposa do reverendo, muito fraca, acaba morrendo. Antes de morrer, ela cobra de Nettie porque Adam e Olivia são tão parecidos com ela, então ela conta toda a verdade.
                   Após a morte de Corrine, Samuel e Nettie também contam toda a verdade para Olivia e Adam e todos se animam com a perspectiva de encontrar Celie em breve, já que eles precisam apenas tentar resolver a situação do povo Olinka e depois partir. Contudo, quando Samuel e Nettie vão à Inglaterra e narram toda a situação de miséria em que está sendo posta a comunidade Olinka e como estão sendo forçados a trabalhar na construção da estrada e tiveram tudo o que possuíam destruído, a posição do representante da Igreja foi mais de preocupação em saber por que razão Samuel não havia voltado assim que Corrine faleceu, já que a convivência dele com Nettie poderia dar margem a comentários maldosos. De fato, um tempo depois, Nettie e Samuel acabam se envolvendo e se casam. Quando eles vão definitivamente embora da África, rumo ao encontro de Celie, Adam já está casado com Tashi, que os acompanha para os Estados Unidos.
                   Uma das informações mais importantes que chega a partir das cartas de Nettie é que quem elas pensam que é o pai delas, na verdade era padrasto. Celie e Docí vão até ele e confirmam a história. O pai verdadeiro de Celie foi linchado por brancos da comunidade por não querer se submeter a eles pagando taxas para manter seu pequeno negócio. Depois disso, a mãe delas nunca se recuperou, sempre fazendo a janta para o marido já falecido. Até que um dia o padrasto delas aparece e casa-se com ela, que continua sempre mentalmente instável.
                   Ao saber de tudo isso Celie se rebela contra Albert – que é o nome do seu marido e que ela chama quase que todo o tempo da história de Sinhô – e o enfrenta. O abandona e vai embora com Docí e seu marido. Além delas, “Tampinha”, que passa a exigir ser chamada pelo nome, Mary Agnes, as acompanha em busca de seu sonho de ser cantora. A filha pequena de Mary Agnes adora Sofia e ela se compromete a cuidar dela como se fosse sua. Depois da partida, não demora muito para Mary Agnes e o marido de Docí se envolverem e acabam indo embora, de modo que fica Celie e Docí, vivendo juntas. Nesse período Celie descobre que sabe costurar calças para mulheres e isso é o que vai lhe dando estabilidade financeira. Pouco tempo depois ela fica sabendo que o padrasto morreu e que a propriedade na verdade sempre pertenceu a Celie e Nettie, pois era do pai e da mãe delas. Então Celie se muda para lá e começa a organizar tudo na expectativa de logo receber sua irmã e seus filhos em casa. Ela sofre com a decepção de ver Docí se afastar por mais de seis meses em razão de uma paixão por um jovem rapaz. Em seguida, chega uma notificação no Governo de que o navio em que estava vindo Nettie e sua família naufragou.
                   Celie passa um período de longa depressão, mesmo assim, não consegue acreditar que a irmã está morta. Aos poucos ela volta a conversar com Albert, que ficara um longo período sem fazer nada após a sua partida, até o dia em que Harpo brigou com ele seriamente, fazendo com que desde então ele passasse a assumir as responsabilidades de cuidar da casa e da fazenda. Eles conversam sobre Docí e o quanto ambos a amam, e como ela escolheu a Celie em detrimento dele. Em um dado momento ele comenta que queria aprender a costurar, mas o dia que seu pai o viu mexendo com umas agulhas bateu nele e o proibiu, então, ele passa a ajudar Celie a costurar suas calças pra vender – ela já tem um pequeno negócio. Albert chega a pedir que ela case com ele novamente, mas ela diz que não gosta de “sapo” e diz que o que os homens têm entre as pernas, pra ela, lembra um sapo. A alegria de Celie recomeça quando Docí manda uma carta avisando que está voltando, e chega sem o rapaz com quem foi viver a sua última aventura antes de ficar junto de Celie para sempre, como havia prometido. Um tempo depois, para a sua grande emoção, chegam sua irmã e sua família, elas se abraçam como quando eram crianças e finalmente Celie pode reecontrar seus filhos Adam e Olívia, assim como seu cunhado Samuel e sua nora Tashi. Ao mesmo tempo, que ela apresenta Docí e Albert aos recém chegados.
                   A partir desse enredo é possível refletir a partir de três elementos principais para serem trabalhados em sala de aula visando um diálogo entre direitos humanos e antropologia jurídica:
                   1º. A situação da população negra nos Estados Unidos durante a maior parte do século XX. É importante contextualizar e destacar que a Lei dos Direitos Civis que passa a assegurar formalmente a igualdade entre brancos e negros só é aprovada em 1964.
                   2º A discriminação sofrida pela mulher. A violência física, verbal e sexual, bem como sua total invisibilidade enquanto ser individual e social. Observar que, naquele período, existia legalmente e estruturalmente uma grande diferença de tratamento dado pela sociedade para mulheres brancas e mulheres negras, ou seja, o modo como os elementos de discriminação são transversais e, portanto, uma mesma pessoa pode sofrer processos de discriminações que se interconectam e geram experiências específicas: por seu gênero e por sua etnia. A descoberta da sexualidade feminina a partir do autodescobrimento. A possibilidade de se descobrir enquanto homossexual e a partir disso construir um processo de autorrealização e felicidade.
                   3º A história do povo Olinka e a ideia dos missionários de torná-los “melhores”. Os enormes conflitos entre as diferentes formas de ver o mundo e os papéis sociais dentro da comunidade. A destruição da comunidade pela construção da estrada e a proposta de desenvolvimento” para a região.
                   Após estas considerações, cabe traçar, ainda que de modo breve, na seção seguinte, os paralelos entre os elementos da obra e o tempo presente, de modo a compreender como “A Cor Púrpura” pode hoje proporcionar frutíferos debates sobre alguns dos mais importantes temas no campo dos direitos humanos e da antropologia jurídica.

  • A ATUALIDADE E DOS TEMAS TRATADOS EM “A COR PÚRPURA”

                   Antes mesmo de traçar algumas das relações existentes entre a ficção e a realidade, vale destacar a relação existente entre diferentes realidades. A escritora Alice Walker é uma das mais importantes escritoras negras a produzir nos Estados Unidos uma literatura de resistência desde a primeira metade do século XX: “[...] a narrativa de Alice Walker rompe com os padrões que confinam a mulher na submissão e aponta para a reconstrução da subjetividade violada, buscando afirmação da identidade cultural.” (BARROS, 2011, p.2). Na atualidade, existe uma gama de autoras negras, no Brasil, que constroem suas narrativas de modo semelhante: uma busca por afirmação e valorização de uma identidade cultural historicamente marginalizada e a própria reconstrução da subjetividade, um dos exemplos é o poema de Cristiane Sobral, intitulado “Paradoxo”:

Acho um absurdo ter que viver aqui
Em uma dimensão onde ser negro e negra
É motivo de piada

Acho um absurdo ter que viver
Sendo ofendida pela cor da pele
Pelo cabelo crespo
Sendo enganada pela largura dos quadris

Outro dia entrei em uma loja
A vendedora queria saber
Se eu gostaria de uma pele branca pra sair
Acho um absurdo

Em outra ocasião entrei em uma igreja
O padre queria saber
Se eu estaria disposta a sofrer aqui
Pra ganhar uma alma branca ali
Acho um absurdo

Os outros é que são brancos
Como posso ficar invisível com tanta cor?
O desprezo que sofro todos os dias
A ironia
Acho absurdo! (...)

Eu queria mesmo ser estilista da humanidade
Lançaria a coleção
Vista a minha pele
Vista a minha pele!

Quem sabe...
Talvez em um universo absurdo
Pudéssemos compartilhar algo concreto
E tudo começasse a fazer sentido?

      
                   A partir daí, se observa que tanto o espaço para as escritoras negras militantes, quanto os temas que se apresentam, não são tão distantes quanto o tempo e os quilômetros que separam as escritoras do Brasil atual e Alice Walker quando escrevia “A Cor Púrpura”. Talvez essa conexão entre realidades já dê indícios de alguns dos elementos que tornam a obra tão atual: a discriminação étnico-racial. Por muito tempo se pretendeu argumentar que no Brasil não havia racismo – já que não se implementou modelos de segregação como os Estados Unidos do século XX ou o apartheid na África do Sul. Sobre isso, vale recordar os ensinamentos de Jessé Souza sobre as especificidades da situação da pessoa negra no Brasil.
                   De acordo com o autor, em sua obra “A Construção Social da Subcidadania” (2006) é a partir de 1930 que o Estado autoritário põe o processo de modernização brasileiro em outro patamar: o da industrialização. O tema guia da obra é “a formação de um padrão especificamente periférico de cidadania e subcidadania” (SOUZA, 2009, p.153) e o autor destaca que é a partir desse período que se instaura um novo padrão de institucionalização. Ele analisa a obra “Integração do negro na sociedade de classes” de Florestan Fernandes e aponta questões relacionadas com os negros tais como: o abandono do escravo recém-liberto à sua própria sorte, a resistência por parte dos ex-escravos em assumir trabalhos considerados por eles degradantes, especialmente por recordar aquilo que haviam experienciado enquanto escravos e a ausência da ânsia pela riqueza comum ao modelo capitalista (um elemento de organização psicossocial). Esses aspectos são relevantes também para compreender o porquê da inserção dos imigrantes no mercado de trabalho em detrimento dos negros e, consequentemente, da maior exclusão social desses.
                   É na discussão sobre essas questões que Jessé Souza retoma o conceito de habitus de Pierre Bourdieu para compreender esse “[...] preconceito que, se refere a certo tipo de ‘personalidade’, julgada como improdutiva e disruptiva para a sociedade como um todo” (SOUZA, 2009, p. 159), ou seja, esse preconceito não é apenas, ou antes de tudo, um preconceito de cor, mas sim, um preconceito que se baseia nessas características de personalidade que teriam os indivíduos de determinada cor. A partir disso, e das considerações de Ramón Grosfoguel (2013, p.98) que compreende o racismo como sendo um sistema hierárquico de superioridade/inferioridade que classifica os seres humanos, e que, ao trabalhar com as obras de Frantz Fanon e Boaventura de Sousa Santos, percebe o risco que há em se propor uma definição universal de racismo, reconhecendo que este fenômeno pode assumir características diversas e formas distintas de manifestação, sem contudo, deixar de ser racismo. Ainda que o autor não aborde a questão brasileira, suas observações servem perfeitamente para o Brasil. Por essa razão, Catherine Walsh (2010) argumenta sobre a importância de se romper com o mito da democracia racial no Brasil, já que este pretende esconder a própria matriz colonial que persiste na sociedade e em suas instituições.
                   Esta discussão, no campo dos Direitos Humanos, pode ser trazida até o tempo presente e convidar os estudantes a pesquisar, dentre outros dados sobre a atual sociedade brasileira, o nível de escolaridade dos brancos e dos negros, a renda média, ou seja, as condições materiais da maior parte da população. Não é à toa, também, que em “A Cor Púrpura” o prefeito é um homem branco, já que até hoje são poucos os cargos políticos ocupados pela população não-branca no Brasil – sendo também emblemático que somente no século XXI os Estados Unidos tenham tido pela primeira vez na sua história um presidente negro, ao eleger Barack Obama.
                   Nesse mesmo sentido, e já refletindo sobre o segundo grande aspecto da obra, pode-se pedir que também se observe o número de mulheres na política hoje no Brasil – apesar de haver lei de cotas para a inserção de mulheres em cargos eletivos há décadas e o país ter eleito sua primeira presidenta no início do século XXI. Averiguar a disparidade entre os salários de mulheres e homens, quando desempenham o mesmo cargo e com mesma carga horária na iniciativa privada, bem como, sua carga excessiva de trabalho doméstico, tornando-as ainda as principais responsáveis pelos serviços domésticos e as principais vítimas de violência sexual (dentro e fora de casa). Nesse sentido, o debate sobre as situações vividas por Celie não se torna tão distante, já que a cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas no Brasil e em 80% dos casos de violência sofrida em casa ou na rua o agressor é o próprio companheiro (conforme os dados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC de 2010).
                   Desse modo, parece razoável supor que o debate em torno da violência sofrida pelas mulheres na atualidade não apenas demonstra uma certa inércia de práticas sociais do passado, mas também irá provocar a discussão sobre a eficácia de legislações que têm como foco a proteção das mulheres e a erradicação da violência doméstica, a discriminação no mundo do trabalho ou da política. De modo semelhante, é possível observar como também a questão da homossexualidade – ou ainda, dá não heterossexualidade – hoje ainda tem muito em comum com as discriminações ocorridas em meados do século XX nos Estados Unidos. Será que se Celie vivesse hoje na cidade onde estão os estudantes, ela e Docí sofreriam algum tipo de preconceito por serem um casal homoafetivo? Será que haveria algum preconceito diferenciado diante do fato de ambas terem se unido enquanto casal apenas quando já mais velhas? Afinal, novamente haverá uma transversalidade de questões tipicamente discriminatórias que se encontram: mulheres, negras, homossexuais e não-jovens.
                   A juventude é um valor social. Na sociedade ocidental moderna o envelhecimento não é associado com coisas positivas, muito antes pelo contrário, ele costuma ser associado com ideias negativas como estar ultrapassado ou fora de moda. Simone de Beauvoir, celebre filósofa e romancista francesa, que revolucionou o debate sobre a posição da mulher na sociedade na década de 1960, chegou também a falar sobre a velhice, em uma de suas últimas obras. De fato, é possível promover um debate que demonstre que:

As concepções de velhice nada mais são do que resultado de uma construção social e temporal feita no seio de uma sociedade com valores e princípios próprios, que são atravessados por questões multifacetadas, multidirecionadas e contraditórias. Na época contemporânea, florescer do século XXI, ao mesmo tempo em que a sociedade potencializa a longevidade, ela nega aos velhos o seu valor e sua importância social. Vive-se em uma sociedade de consumo na qual apenas o novo pode ser valorizado, caso contrário, não existe produção e acumulação de capital. Nesta dura realidade, o velho passa a ser ultrapassado, descartado, ou já está fora de moda. (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008, p.587)

                   Desse modo, um dos aspectos possíveis a ser trabalhado em sala de aula é a importância, portanto, do próprio Estatuto do Idoso, mas acima de tudo, a ideia será de provocar e instigar o debate em um público que, geralmente, é composto por pessoas jovens, sobre a possibilidade de descobertas e redescobertas da autorrealização sexual na vida adulta e/ou na velhice. Afinal de contas, na última carta que compõe o livro, Celie diz:

Eu me sinto meio estranha perto das criança. Por uma coisa, elas cresceram. E eu vejo que elas pensam queu e a Nettie e a Docí e o Albert e o Samuel e o Harpo e a Sofia e o Jack e a Odessa somo muito velhos e num sabemo o que tá acontecendo. Mas eu num acho que nós tamo velho de jeito nenhum. E a gente tá tão feliz. Pra falar a verdade, eu acho que a gente nunca se sentiu tão jovem assim. (WALKER, 1986, p.315)

                   A própria autora introduz a questão do modo como os jovens olham os mais velhos, em contrapartida, ela, Celie parece considerar que estar velho é algo mais subjetivo que a questão da idade e que envolveria, possivelmente, não ser tão feliz assim. É possível promover reflexões interessantes sobre a velhice enquanto um momento no qual se espera não ser possível ser (tão) feliz. De fato, são construções sociais possíveis a se fazer sobre o tema – e aqui mais uma vez percebemos como a interdisciplinaridade desses temas nos remete à outra disciplina: a sociologia.
                   Por fim, o terceiro e último grande tema que poderia ser abordado nos cursos de Direito é toda a história de Nettie, de Samuel, Corrine e os filhos de Celie na comunidade Olinka, uma sociedade fictícia, que seria localizada na África e sofrera um processo de colonização. As situações narradas parecem ser excelentes para a promoção do debate na disciplina de antropologia jurídica, pois demonstram exatamente o tipo de contato entre diferentes culturas que ocorreu e continua a ocorrer, ao mesmo tempo que fala dos conflitos que a partir daí emergem.
                   Nesse aspecto, a leitura do livro é fundamental, já que no filme toda a parte sobre a história na África é muito simplificada, apesar de proporcionar belas imagens, fruto da imaginação de Celie enquanto lê as cartas de sua irmã (SPIELBERG, 1985). Mais uma vez, podemos traçar uma relação entre a história da obra e a realidade brasileira. Para isso, o caso que mais se aproxima desse contato entre diferentes culturas e a dominância hierárquica dos valores ocidentais é o contato do luso-hispânico com os povos nativos existentes nas Américas. Assim como Nettie e Samuel vão até a África com o intuito de promover a religião ocidental, desde o início, se buscou impor para os povos indígenas a religião católica – dominante no século XVI – sempre partindo do pressuposto de que tais populações não possuíam um sistema religioso, e muito menos, uma organização jurídico-política. Grande parte do debate gerado na Europa após a chegada nas Américas foi em torno dessas questões:

Com base nas suas refinadas concepções de humanidade e de dignidade humana, os humanistas dos séculos XV e XVI chegaram à conclusão de que os selvagens eram sub-humanos. A questão era: os índios têm alma? Quando o Papa Paulo III respondeu afirmativamente na bula Sublimis Deus, de 1537, fê-lo concebendo a alma dos povos selvagens como um receptáculo vazio, uma anima nullius, muito semelhante à terra nullius, o conceito de vazio jurídico que justificou a invasão e a ocupação dos territórios indígenas. (SANTOS, 2010, p.37)
                  
                   Apesar desse debate parecer distante, haja visto o período histórico no qual ocorreu, a sua atualidade aparece quando se observa as lutas contemporâneas dos povos indígenas por reconhecimento dos seus direitos – inclusive àqueles constitucionalmente reconhecidos na Carta de 1988 e na Convenção nº. 169 da OIT sobre os Povos Tradicionais que o Brasil ratificou. Nesse sentido, as legislações existentes seriam uma parte fundamental do conteúdo a ser estudado em sala de aula, assim como, a observação de dados relacionados à demarcação de terras indígenas e as violências que ocorrem nos conflitos pela terra no Brasil.
                   O fato de que o livro e o filme expõem diferentes formas de opressão oferece uma boa oportunidade de debate acerca da questão dos direitos humanos de um ponto de vista que procure abarcar a complexidade que as estruturas de poder e privilégio adquirem quando se combinam e entrecruzam. Machismo e racismo costumam ser tratados como questões separadas, mas na realidade não o são. Mulheres negras são afetadas por um machismo racializado e por um racismo sexualizado e a especificidade dessa condição é explorada de forma profundamente fecunda por Walker no livro, assim como a interação destas formas já complexificadas de opressão com a homofobia e (embora com menor foco) etarismo.
                   A própria Alice Walker, em uma obra posterior (1983), viria a fazer a crítica do movimento feminista como insensível às questões étnico-raciais, propondo a noção de womanism como uma forma duplamente engajada de feminismo negro. A aclamada professora da Columbia Law School, Kimberlé Crenshaw parte do mesmo reconhecimento que Walker, adicionando que o movimento negro também se coloca de forma insensível com relação a questões de gênero e que a própria estrutura legal tem dificuldade em trabalhar as dimensões do gênero e da raça quando os preconceitos e as relações de poder se entrecruzam. Crenshaw (1993) propõe o conceito de interseccionalidade como uma forma de compreender essa questão. Interseccionalidade significa precisamente que as distintas formas de opressão possuem intersecções relevantes e que geram situações específicas de discriminação e marginalização, portanto, deverão ser tratadas de forma interseccional tanto pela lei quanto pelos movimentos de resistência.
                   Parece bastante claro que a interseccionalidade possui implicações profundas para a teoria social, especialmente para a análise das relações de poder e do lugar do indivíduo na sociedade. Homens negros encontram-se em uma posição de poder com relação a mulheres negras, mas de desfavorecimento com relação a homens brancos. Entre um homem negro e uma mulher branca, haveria uma relação complexa de dominação masculina (daquele para esta) e de dominação branca (desta para aquele). Mas as implicações também são relevantes no campo jurídico e no campo do ensino jurídico de forma especial, uma vez que indicam a necessidade de que as diversas formas de opressão e sua relação com a estrutura jurídico-política sejam tratadas de forma simultânea e mutuamente implicada. Acredita-se, nesse sentido, que o uso adequado de obras de ficção como a que foi explorada aqui possa ser uma ferramenta útil e fecunda na construção de um ensino jurídico mais humanizado e capaz de lidar com a complexidade dos conflitos que muitas vezes irão se desenrolar na esfera jurídica.
                  

  • CONCLUSÃO

O presente artigo tomou como proposta central repensar práticas de ensino jurídico para que se possa atingir do melhor modo possível todos os objetivos de disciplinas como Direitos Humanos e Antropologia Jurídica, comuns nos cursos de Graduação em Direito no Brasil. Partiu-se do pressuposto de que se faz relevante refletir e aplicar técnicas de ensino que envolvam não apenas a exposição de conteúdos dogmáticos, mas também a sensibilização acerca de questões e situações muitas vezes distantes da realidade da maior parte dos discentes dos cursos de direito. Nesse sentido, se argumentou como a literatura e o cinema são fortes aliados na busca por um ensino cada vez mais interdisciplinar e menos cartesiano.
Escolheu-se para a redação de uma proposta de aplicabilidade ao ensino jurídico a obra literária “A Cor Púrpura” de Alice Walker (1986) a partir da qual emerge o filme homônimo dirigido por Steven Spielberg (1985). A proposta centra-se, basicamente, na ideia de que caberia aos discentes realizar a leitura do livro, em seguida, realizar leituras dirigidas e selecionados pelo docente acerca dos temas que surgem na obra e que serão pontos de debate em sala de aula e, finalmente, assistir ao filme. Após essas três etapas, acredita-se na possibilidade de um debate proveitoso sobre temas extremamente relevantes no campo dos direitos humanos e da antropologia jurídica, em especial: as relações de discriminação étnico-raciais que ocorriam no século XX e as que continuam a ocorrer na contemporaneidade; a situação da mulher (negra) na sociedade no passado e no tempo presente, e; o contato entre diferentes culturas, em especial a partir da narrativa que emerge da experiência vivida pela irmã da protagonista ao ir atuar como missionária na África, junto a comunidade tradicional fictícia Olinka, e a situação do Brasil multicultural.
Ademais, destaca-se que uma das principais oportunidades que a obra apresenta para a formação de futuros juristas é a compreensão de que não se pode analisar de modo segmentado as discriminações e hierarquizações sociais existentes na sociedade atual. Sendo assim, a introdução do conceito de interseccionalidade, cunhado originalmente por Kimberle Crenshaw, surge como um elemento fundamental para proporcionar uma visão mais ampla e global sobre as diferentes formas como os indivíduos poderão vir a sofrer violações de seus direitos, e que para se lidar com tais situações, não é possível uma formação apenas dentro dos textos estritamente jurídicos. A interdisciplinaridade é, sem dúvida, o melhor, se não único, caminho para lidar com situações que envolvem violação de direitos humanos e conflitos interétnicos, elementos que são fundamentais na formação de todos(as) que pretendem atuar no campo jurídico.

BIBLIOGRAFIA

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SCHNEIDER, Rodolfo Herberto. IRIGARAY, Tatiana Quarti. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. In: Estudos de Psicologia.  Campinas nº. 25(4), out/dez, 2008. pp. 585-593

SOUSA, Ana Maria Viola. NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Direito e Cinema – Uma Visão Interdisciplinar. In: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010. pp. 1836-1846

SOUZA, Jessé. A Construção Social da Subcidadania – Para uma sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

SPIELBERG, Steven. KENNEDY, Kathleen. JONES, Quincy. MARSHALL, Frank. The Color Purple. Produção de Steven Spielberg et al. Direção de Steven Spielberg. Estados Unidos, Amblin Entertainment, 1985.  DVD-vídeo dual layer, edição especial disco duplo. 148 minutos. Áudio Dolby digital 5.1.

WALKER, Alice. A Cor Púrpura. Tradução: Peg Bodelson, Betúlia Machado e Maria José Silveira. 7ª ed. São Paulo: Editora Marco Zero, 1986.
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WALSH, Catherine. Interculturalidad crítica y pluralismo jurídico. Palestra apresentada no Seminario Pluralismo Jurídico. Procuradoria do Estado/Ministério da Justiça. Brasília, 13-14 de abril de 2010.

* Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – Bolsista CAPES. Mestra em Política Social pela Universidade Católica de Pelotas. Especialista em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Claretiano. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande. E-mail: gabrielamkyrillos@gmail.com

1 O professor Paulo Ferreira da Cunha faz um verdadeiro manifesto sobre as limitações cada vez maiores para o bom exercício da docência universitária. Ele chega a afirmar que: “Grão a grão, a brisa fresca no rosto que é pesquisar e ensinar (no estado normal, o estado puro) passa a pesada corveia. Nenhuma criatividade é permitida, nenhum rasgo, nenhum risco. Apenas cálculo: como não desagradar aos máximos avaliadores? Como agradar-lhes? Uma revista espanhola (―Verbo‖) fala recentemente em censura ― liberal‖, pelas imposições padronizadoras internacionais para as revistas, que, realmente, espelham os usos e quiçá apenas a mentalidade politicamente dominante nas universidades de um certo espaço, que é o anglo-saxónico.” (CUNHA, 2012, p.10)

2 É curiosa a história que ocorreu depois de pouco mais de um mês de lançamento do livro nos Estados Unidos e de seu relativo sucesso, quando uma escritora branca, a Sra. Green, argumentou que não queria que sua filha lesse o livro, alegando que havia uma linguagem abertamente sexual e que transmitia estereótipos do povo negro, de modo que ela queria a proibição do livro nas escolas públicas de Okland. Após o recolhimento das obras se criou uma comissão para avaliá-la que chegou à conclusão de que a mesma não era de modo algum prejudicial para a comunidade. Depois disso, Walker argumentou que a escritora se escandalizou e buscou proibir o livro por ter lido apenas as primeiras páginas da obra – já que ali estão os relatos claros da violência sexual sofrida – e esclareceu ainda que, não poderia narrar os fatos de outra forma, pois seria uma romantização que tornaria impossível a/ao leitor(a) se identificar com a história contada por Celie. Além disso, argumentou que o modo de fala de Celie é inspirado no modo como sua avó (negra) falava (BARROS, 2011, pp.27-28). Desse modo, é possível notar que não se tratava de estereotipar a linguagem dos negros, mas ao contrário, de colocar sua forma de falar sem se preocupar com a “adequação” ao padrão de discurso hegemônico

e dominante.


Recibido: 06/08/2016 Aceptado: 14/11/2016 Publicado: Noviembre de 2016

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