Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


AFINAL, O QUE É A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA? Reflexões historiográficas acerca do trabalho escravo contemporâneo no Brasil*

Autores e infomación del artículo

Fagno da Silva Soares**

Universidade Federal do Pará, Brasil

fagno@ifma.edu.br

RESUMO
O presente artigo está arquitetado em duas seções, a primeira pretende esquadrinhar detidamente, o candente debate dos conceitos de trabalho escravo contemporâneo à baila da recente historiografia cotejando-os historicamente. A segunda parte propõe uma reflexão o conceito de experiência vivida de Thompson. Compreendemos, pois, que as disputas conceituais em torno da temática da escravidão contemporânea no Brasil refletem a sua relevância social e acadêmica. Deste modo, objetivando a ampliação do instrumental teórico e aprofundamento dos estudos e reflexões futuros acerca deste tema.
Palavras-chave: trabalho, escravidão, experiência vivida.

ABSTRACT
This article is architected into two sections, the first intends to scrutinize closely the burning debate the concepts of modern-day slavery to the fore in recent historiography comparing them historically. The second part offers an analysis the concept of lived experience in Thompson. We understand therefore that the conceptual disputes around the theme of contemporary slavery in Brazil reflect their social and academic relevance. Thus, in order to expand the theoretical tool and deepening of future studies and reflections on this subject.
Keywords: work; Slavery; lived experience.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fagno da Silva Soares (2016): “Afinal, o que é a escravidão contemporânea? Reflexões historiográficas acerca do trabalho escravo contemporâneo no Brasil”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/escravidao.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604escravidao


INTRODUÇÃO

Heródoto descreve com grande encanto um pássaro mitológico de provável origem egípcia, o qual se espalhou por outras civilizações, chegando até nós com o nome grego de phoenix, batizado pelo próprio historiador, símbolo da esperança que nunca morre, é representado pelo sol que renasce todos os dias ao morrer no final da tarde. Segundo a mitologia seu canto era melodioso, porém melancólico, capaz de conduzir à morte outros animais, dada a sua formosura no canto e nas plumas. Reza o mito que depois de completos seus 500 anos, a ave mítica volta ao local de nascimento para construir uma pira funerária de mirra e realizar o seu ritual fúnebre, deixando-se consumir pelo fogo para depois renascer das cinzas. A simbologia da fênix reside, mormente, na circularidade do tempo, e, sobretudo, no processo de renovação da vida, visto que, da sua morte, renasce para a vida.
Temos agora Fênix, o pássaro de fogo, símbolo do renascimento e da perpetuação. Utilizamos o mito da fênix aqui em analogia à capacidade de ressurgimento em vários momentos da história da escravidão com diferentes denominações, especialmente para explicar no transcurso da seção, a polissemia da expressão escravização contemporânea e sua gênese.

GÊNESE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL

As primeiras denúncias foram feitas nos anos 70 do século passado por Dom Pedro Casaldáliga, bispo católico e defensor dos direitos humanos na Amazônia brasileira. Foi a partir de um caso denunciado pela Comissão Pastoral da Terra em 1978, envolvendo uma propriedade da Volkswagen, no Sul do Pará, que a temática ganhou repercussão mundial e o número de denúncias cresceu exponencialmente. Nos termos do historiador José Carlos Aragão, esse fato representou “[...] um marco na denúncia e na luta contra a exploração e escravidão de índios, posseiros e peões nas Amazônias. A carta pastoral de Casaldáliga, publicada em 10 de outubro de 1971[...]”1 intitulada, Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social mantém-se “[...] atualizada com os problemas agrários do Brasil e da região Amazônica”, 2 mesmo pouco mais de 40 anos depois de sua publicação da Prelazia de São Félix do Araguaia no nordeste do Estado de Mato Grosso para o mundo. Este foi, portanto, o primeiro documento oficial denunciando o processo de escravização contemporânea no Brasil, o que lhe rendeu duras críticas desde os setores mais conservadores da Igreja Católica até ameaças de morte vindas de alguns latifundiários da região.
Destacamos aqui a fundamental contribuição no campo teórico das reflexões produzidas por estudiosos como os antropólogos Neide Esterci e Alfredo Wagner e, sobretudo, os escritos valiosos do sociólogo José de Souza Martins, que esteve junto a Comissão Pastoral da Terra – CPT, intentado a desvelar a temática apesar de sua complexidade. Enfatizamos ainda, a atuação não menos conspícua do Padre Antônio Canuto, a criação da CPT, a militância teórica e prática do Padre Ricardo Rezende, respectivamente.

Cavaleiro andante, em sua bicicleta, veículo usado para o seu trabalho, peregrinava pelos ermos do nordeste mato-grossense, tomando conhecimento desta realidade, registrando e denunciando as ocorrências e amparando as vítimas ou, em casos extremos, dando-lhes um enterro mais adequado à condição de pessoa humana [...] Em 1975 foi criada a Comissão Pastoral da Terra, entidade ligada à CNBB, com a finalidade de atuar junto aos trabalhadores rurais, assessorando-os e principalmente denunciando as violências de que eram vítimas na disputa pela posse da terra. [...] Em 1977, chegou à Diocese de Conceição do Araguaia, Sul do Pará, o Padre Ricardo Rezende Figueira, que logo se integrou a CPT, Regional Araguaia-Tocantins e entregou-se a ação pastoral junto aos trabalhadores rurais. Viu de perto a situação dos peões das fazendas do Sul do Pará e as denunciou ao Estado brasileiro e a organismos internacionais, não se atemorizando ante as ameaças, calúnias e difamações constantes de que era vítima, a exemplo de Dom Pedro Casaldáliga. Também foi responsável pela construção de ponte entre a CPT, entidades e grupos da sociedade, Estado, entidades e organismos internacionais na busca por Justiça e erradicação do trabalho escravo.3

Soma-se a este conjunto, outras denúncias mais veladas que chegaram até nos por meio da literatura, a exemplo a clássica obra pré-modernista ‘Os Sertões’ escrita por Euclides da Cunha, publicada em 1902, epopeia da vida sertaneja. Outro exemplo é o romance ‘Mad Maria’, escrito em 1980 por Márcio de Souza, narra a saga de milhares de trabalhadores vindos de diversos cantos, em busca de trabalho para o coração da Floresta Amazônica durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, obra complexa e perigosa dada às condições degradantes de trabalho, muitas vidas tombaram para que o empreendedor americano Percival Farquhar tivesse seu sonho realizado, ver a ferrovia em pleno funcionamento embora que por pouco tempo. As ressonâncias desta obra Mad Maria, fez com que o livro ganhasse uma adaptação para a TV em uma minissérie de mesmo nome, em 2005.
Neste contexto, consideramos relevante a denúncia realizada pelo padre Ricardo Rezende, em 1992 à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas - ONU e na Organização Internacional do Trabalho - OIT bem como, o apoio de instituições como a estadunidense American Human Rights Watch e da britânica Anti-Slavery que ajudaram a visibilizar internacionalmente o fenômeno da escravização contemporânea que ocorre no Brasil. Inúmeras denúncias foram realizadas neste período junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA. E como fruto destas frentes de atuação, o governo brasileiro reconheceu a existência em seu território desta prática, sendo, portanto seu dever erradicá-la.
Desde então, a escravidão contemporânea tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores atingindo largo poder de alcance e visibilidade na sociedade brasileira. Para discutir criticamente a temática durante a realização desta pesquisa e ao longo de toda dissertação, tratamos as proposições de antropólogos, sociólogos, juristas, jornalistas, historiadores e especialistas da área.
Porém, tal prática aviltante de exploração já havia sido descrita como sistema de aviamento no início do século XIX pelos escritos de Cunha e comparada ao mitológico trabalho de Sísifo, ao descrever em tom quase poético, a situação dos seringueiros na Amazônia

E vê-se completamente só na faina dolorosa. A exploração da seringa, neste ponto pior que a do caucho, impõe o isolamento [...] Nesta empresa de Sísifo a rolar, em vez de um bloco, o seu próprio corpo – partindo, chegando e partindo – nas voltas constritoras de um círculo demoníaco, no seu eterno giro de encarcerado numa prisão sem muros, agravada por um ofício rudimentar que ele aprende em uma hora para exercê-lo toda a vida. Automaticamente, por simples movimentos reflexos se não o atrofia todas as esperanças, e as ilusões ingênuas, e a tonificante alacridade que o arrebataram àquele lance, à ventura, em busca de fortuna.4

Para os historiadores Vitale Joanoni e Leonice Aparecida, estudiosos da temática, “o passado escravista do Brasil tem sido utilizado por alguns como argumento para explicar o fenômeno atual, por outros para negá-lo, em ambos os casos equivocadamente”.5 Mesmo durante o período que vigorou a escravidão negra no Brasil, houve registros históricos que comprovam a presença de trabalhadores imigrantes europeus juridicamente livres, sendo ‘escravizados’ em fazendas no sul e sudeste do país, a exemplo do que ocorria na Fazenda Ibicaba, de propriedade do Sr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, então Senador Vergueiro, que através de sua companhia de comércio, recrutava os imigrantes suíços e alemães para o trabalho na lavoura do café, estes por sua vez tinham a duras penas de saldar suas dívidas, como não conseguiam tornavam-se cativos por dívida. Tinham, portanto, hipotecado a sua própria vida, seu futuro e de sua família.6 Assim, podemos constatar que mesmo depois de 1888, passou a vigorar em diferentes regiões e sob múltiplas facetas, práticas coercitivas de trabalho no Brasil, como a anteriormente descrita, que podemos classificá-la como colonato, 7 que logo se degenerou em servidão por dívida chegando até nós, que neste estudo convencionou-se chamar de trabalho escravo contemporâneo por nós renomeado de escravização contemporânea.
Em 1856, a Fazenda Ibicaba foi palco de uma crise sem precedecentes que culminou na chamada Revolta dos Parceiros, um levante capitaneado pelo colono suíço Thomaz Davatz contra a insatisfação dos imigrantes europeus aprisionados na maior produção de café da época, fazendo chegar às autoridades europeias a real situação de parte dos colonos que vieram para o Brasil. Desta experiência, Davatz escreveu o livro Memórias de um colono no Brasil 1850,8 descrevendo suas memórias individuais e coletivas, que ajuda-nos compreender com clareza este período da história do Brasil.
Tendo sido extinta a escravidão no Brasil em 1888, ao menos no âmbito jurídico, como nomear tal fenômeno? Paradoxalmente, são justamente os juristas os primeiros a optarem pela expressão, trabalho análogo à escravidão ou trabalho escravo, com vistas à visibilidade social desta prática e, portanto, a sensibilidade da sociedade para o não abrandamento da aplicação da lei junto aos que a praticam.9

POR UM OUTRO CONCEITO DE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNE

A Organização Internacional do Trabalho10 utiliza o termo ‘trabalho escravo’ para designar a atividade forçada que resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Segundo estatística da OIT em 2010, há pelo menos 21 milhões de pessoas no mundo nestas condições. Em suas publicações, vem utilizando, ainda, a expressão trabalho forçado para classificar o ato no qual alguém desrespeita os direitos do trabalhador, atingindo sua integridade física e moral, sua dignidade e o seu direito à liberdade e auto-gestão.
Sabe-se que o processo de escravização contemporânea é um fenômeno mundial e se constitui como uma atividade laboral degradante que envolve cerceamento da liberdade, por meio de uma dívida, aliado a péssimas condições de trabalho, alojamento, saneamento, alimentação e saúde, além do uso da violência. É uma atividade laboral em que o empregado é submetido a situações subumanas por seu empregador; e onde são violados os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana desde a deformação de consentimento, quando da celebração do vínculo laboral, até a restrição total da liberdade de ir e vir. O trabalhador é obrigado a prestar um serviço sem receber pagamento ou, quando recebe, trata-se de um valor insuficiente para suas necessidades básicas. Ademais, a escravização contemporânea se configura para além de relações ignominiosas, são práticas ilegais de trabalho, não se limitando ao aspecto jurídico, mas a uma afronta aos direitos humanos.
No Brasil, o processo de escravização contemporânea se dá nos campos e cidades, em carvoarias e garimpos e em fazendas e indústrias. Na Amazônia brasileira é comum a prática no desmatamento e na atividade conhecida como roço de juquira.11 Seguindo os passos de Ricardo Rezende, uma das maiores autoridades sobre a temática, podemos assertivar que a principal característica da escravização contemporânea é a dívida,12 além de alojamentos precários, péssima alimentação, falta de assistência médica e saneamento básico, maus tratos e violência, jornada exaustiva, isolamento geográfico, retenção de documentos e salários, ameaças físicas e psicológicas, privação da liberdade e usurpação da dignidade. Em seu livro lançado durante a Eco92, Rio Maria Canto da Terra, o autor denomina-o como uma espécie de diário da violência e da resistência,13 a partir de seus olhos,traduzido em relatos e fotos que para nós equivalem há uma espécie de réquiem, termo que significa ‘dai-lhes o repouso eterno’, ou seja, prece fúnebre entoada para homenagear os mortos e ao mesmo tempo um canto para por fim as mortes pela disputa de terra na Amazônia brasileira.
A expressão ‘trabalho escravo contemporâneo’ é polissêmica, a grosso modo, é capaz de abrigar um sem-número de situações, numa espécie de conceito guarda-chuva. Somente em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente junto à Organização Internacional do Trabalho a existência de trabalho escravo em seu território criando assim, as primeiras estruturas para o seu combate como: Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado – GERTRAF, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM com o intuito de resgatar os trabalhadores escravizados. Desde então, tem havido uma disputa pela nomenclatura mais adequada, sobretudo, durante a elaboração dos Planos Nacionais para Erradicação do Trabalho Escravo de 2003 e 2008, sendo que durante o primeiro foi criado como estratégia de combate e prevenção ao trabalho escravizante, a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE, órgão colegiado, destinado a integrar representantes dos trabalhadores, governo e sociedade civil organizada para monitorar as ações previstas pelo Plano Nacional que vão desde acompanhamento de projetos de lei no Congresso até a implementação destes junto à sociedade.
Categorias são conceptualizadas sob a égide dos que defendem, assim como nós, expressões capazes de dar a ver o fenômeno em sua face mais vil. Para Bhavna Sharma, representante da OIT, “a servidão ou escravidão por dívida é a forma mais comum de escravidão contemporânea”, 14 o que torna a expressão escravidão por dívida, em certa medida, apropriada, sobretudo, ao caso brasileiro. É de domínio público que nenhuma ciência é neutra, tampouco seriam os conceitos por ela criados. Assim, estamos mais uma vez convencidos, da validade da assertiva de Koselleck15 ao nos alertar que todo conceito é portador de signos porosos que ganham e perdem fragmentos lexicais, sintáxicos e semânticos condicionadas a sua historicidade, não diferentes poderiam ser os conceitos trabalho e trabalho escravo, eleitos em nosso estudo.
Optamos aqui, pela expressão por nós forjada, ‘escravização contemporânea’ por acreditar que esta se enquadra bem ao caso brasileiro, justificando assim, a utilização mais próxima do antropólogo Ricardo Rezende Figueira, na tese, Pisando Fora da Própria Sombra, obra de capital importância para compreender a dívida e a impunidade como causas e meio desse tipo de escravidão, além das frequentes ameaças do escravizador para manter os trabalhadores cativos sob a alegação que os mesmos devem saldar suas dívidas para livrarem-se do trabalho, o que geralmente nunca acontece, visto que os produtos vendidos são sempre superfaturados, o trabalhador gasta mais do que recebe como salário, quando recebe, e vê-se então forçado a continuar trabalhando cada vez mais sem nunca quitar sua dívida num cercle vicieux como no trabalho de Sísifo. Atentaremos, portanto, à enfática corroboração de Rezende acerca das diferentes denominações para a categoria escravização contemporânea,

Como não se trata exatamente da modalidade de escravidão que havia na Antiguidade greco-romana, ou da escravidão moderna de povos africanos nas Américas, em geral, o termo escravidão veio acrescido de alguma complementação: ‘semi’; ‘branca’, ‘contemporânea’, ‘por dívida’, ou, nomeio jurídico e governamental, com certa regularidade se utilizou o termo’análoga’, que é a forma como o artigo 149 do Código Penal Brasileiro - CPB designa a relação. Também têm sido utilizadas outras categorias para designar o mesmo fenômeno, como “trabalho forçado”, que é uma categoria mais ampla e envolve diversas modalidades de trabalhos involuntários, inclusive o escravo.16

Justificamos reiteradamente, a expressão aqui adotada, escravização contemporânea, como forma plausível não de relacionar à escravidão clássica, moderna e no caso brasileiro à época colonial e imperial, apesar das similitudes, estas não são objeto de nossa análise, embora indubitavelmente, ao tratar de qualquer tipo de escravidão remontamos aos tempos antigos, dadas as suas idiossincrasias. Deste modo, não há motivos para desassociá-los, uma vez que os diferentes tipos de escravismos praticados no passado ajuda-nos a compreendê-lo na contemporaneidade.  Sabemos pois, que ao escolher qualquer vocábulo, pressupõe a relação com seu ‘uso político’.17 Neste sentido, para Angela de Castro Gomes defende que mas da busca pela compreensão dos fenômenos sociais que “tem o poder de interpretar a realidade social, desencadeando políticas públicas, não só pela via da criminalização dos culpados, mas da garantia de direitos aos explorados.18 Logo não haverá consenso na conceituação, traz a tona desdobramentos sócio-políticos conflitantes. A historiadora também defende a necessidade de contruirmos um problema para análise historiográfica visando o reconhecimento da existência desta prática no Brasil, e não classifica como encerrado esse debate.
Para a antropológa Neide Esterci, a “[...] ‘escravidão’ tem, entre nós, o poder simbólico de denunciar a redução de pessoas a coisas, objetos de troca, a mercadoria – vem associado a expressões como ‘compra’, ‘venda’, ‘preço por lote’, ‘por cabeça’ [...]”.19 Neste sentido, necessitamos avançar ainda mais no debate para assim desvelar tal prática gerando visibilidade social e instrumentalização jurídicas para enfrentá-la. Ademais, é preciso Segundo Ricardo Rezende e Adonia Prado “imprimir-lhe o caráter e a legitimidade científica necessária”, 20para conferir ao status de ciência e assim considar enquanto objeto de reflexão da academia, que durantes anos oscracizou o tema do trabalho escravo contemporâneo.
Vale ressaltar que a utilizamos a expressão trabalho escravo contemporâneoo objetiva “acionar o potencial explicativo e mobilizador, que permite uma rápida apreensão de um fenômeno novo”. 21Ainda nestes termos, trabalho análogo a de escravo surge “[...] como uma metáfora, que ela chama os trabalhadores de ‘escravos’, justamente para dizer que eles não o são, e que é intolerável a existência de escravos e de escravidões de quaisquer tipos”. 22
Afirmar que os antigos defensores da abolição sejam hoje, os reiventores do escravo contemporâneo, constitiui-se no mínimo em um erro crasso, 23 pois, os que advogam o atual fenômeno como originário dos idos tempos do Império no Brasil, também o fazem no sentido de gerar mais do que discussões teóricas, visibilidade social e jurídica com vistas ao seu enfrentamento. Conforme destacado alhures, o autor enfatiza que do ponto de vista jurídico, há uma bifurcação de sentidos para o significado atual de escravos, sendo uma jurídica e a outra cultural. Assim para ele

não há escravos no Brasil porque a categoria não existe nem legalmente, nem no costume, portanto, nem no sentido histórico dessas dimensões. Poder-se-ia contra- argumentar que a categoria foi reinventada historicamente e hoje, então, existe sim. Claro que categorias não são definíveis uma única vez e não devem permanecer sem alteração infinitamente. Evidentemente, esse contra-argumento é legítimo e pertinente.24

Devemos concordar com o autor, de que não existem escravos como havia no passado, visto que, a escravização por dívida hoje, difere dos moldes de outrora, por conseguinte, o conceito que temos de escravidão já não é o bastante para dimensioná-lo. Portanto, é preciso compreender que o adjetivo contemporâneo que utilizamos para o atual fenônemo da escravização serve inclusive para distingui-la da praticada, quer seja na antiguidade ou do século XVI ao XIX. Deste modo, pretendemos em estudos futuros forjar uma categoria historicamente mais apropriada ao fenômeno e que opere com mais fluidez e sirva a outros estudiosos, sobretudo os da história, o que não significa afirmarmos que a expressão adotada neste estudo seja indevida ou como muitos podem pensar, anacrônica. Noutros termos, podemos dizer que tudo o que convenciou-se chamar de escravidão ou mesmo escravo, não o seja. Afinal, estar escravo, não significa ser escravo, e sim escravizado. Doravante, substituiremos os termos escravos e escravidão por escravizados e escravização, por entendermos que são menos problemáticos à nossa orientação historiográfica, ainda que não sejam os mais adequados.
Assim, desnudos que quaisquer anacronismos ou mesmo maniqueísmo podemos ratificar, que as reflexões construídas ao longo da pesquisa nos foram muito caras. Reconhecemos ainda que há parcialidade em qualquer estudo histórico, no entanto evitamos definições reducionistas e visões militantes que obscureceriam o nosso propósito de analisarmos detidamente a escravização contemporânea e, portanto, historicizá-la.
Entendemos que, os que utilizam a expressão trabalho escravo contemporâneo o fazem auspiciosamente por indicar a condição do trabalho que é escravo e não como adjetivo ao trabalho muito menos ao trabalhador, os conceitos não são construções perenes, pelo contrário sofrem transformações ao longo do tempo e espaço até que seja mais consensual e consolide-se.  Em entrevista realizada no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas CPDOC/FGV, com a auditora fiscal Ruth Vilela afirma de modo nada hermético que o conceito trabajo forçoso utilizado da Organização Internacional do Trabalho OIT é um tanto generalista paradesvelar as idiocrincrasias idenficadas em nosso país. Portanto, trabalho forçado é uma expressão incapaz de catalisar a real significação do fenônemo a que se pretende nominar.25
Logo, para os especialistas jurídicos e técnicos da CPT não é aplicável ao caso brasileiro, assim, a expressão o trabalho análogo a de escravo, parece ser mais aplicável, embora juridicamente apresente imprecisões.  Assim, a expressão trabalho escravo contemporâneo foi ganhando força até a OIT reconhecer a expressão para o caso brasileiro.26
A OIT estabelece a relação entre trabalho forçado e trabalho escravo, sendo que o segundo diferente do primeiro pelo cerceamento da liberdade dos trabalhadores. Porém, as duas expressões são sistematicamente utilizadas pela instituição, sendo o trabalho forçado um conceito mais generalista e empregado para indicar quaisquer práticas de trabalho degradante em diferentes lugares do mundo, permitindo especificações como no caso brasileiro, reconhecidamente com a escravidão contemporânea.
Com efeito, o Código Penal brasileiro de 11 de dezembro de 2003, através da Lei 10.803/2003, em seu art. 149 estabelece que

Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de 2 [dois] a 8 [oito] anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

É preciso que voltemos no tempo, mais precisamente em 1930 e 1957, por ocasião das Convenções nº 29 e nº 105 aprovadas pela OIT que tratava da eliminação de todo e qualquer tipo de trabalho forçado e da proibição das formas de coerção no trabalho, respectivamente. Vale ressaltar novamente que o governo brasileiro embora tenha assinado as duas convenções, só reconheceu em 1995 a existência de brasileiros submetidos ao trabalho escravizante depois de uma enxurrada de denúncias empreendidas pela atuação conjunta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e Comissão Pastoral da Terra - CPT junto a organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos – OEA, Organizações das Nações Unidas – ONU, Organização Internacional do Trabalho – OIT, que culminou em um processo levando o governo brasileiro a assumir a responsabilidade e engrendar intituições governamentais de combater a proliferação deste impropério da sociedade em virtude destas pressões internacionais criou-se o Grupo Móvel de Fiscalização. Ao falar sobre a criação deste, a historiadora Cristiana Costa, comenta

o Brasil foi denunciado à OEA, como sendo um país escravocrata. Tendo reconhecido diante das autoridades internacionais a existência de trabalho escravo no País, o Governo Federal criou um grupo interministerial para estudar o assunto. Foi formado o Grupo Móvel de Fiscalização, composto por fiscais do trabalho, policiais federais e, por vezes, representantes do Ministério Público, cuja tarefa é regularizar a situação trabalhista, emitir carteiras de trabalho e providenciar pagamentos. 27

A legislação veio contemplar os anseios da sociedade civil organizada e instituições governamentais como Ministério da Justiça, através da Secretaria dos Direitos Humanos e Ministério do Trabalho e Emprego e Organização Internacional do Trabalho, dentre outras instituições que ajudaram a redigir o novo texto ao Decreto-lei ultrapassado de 1940. Apesar da reformulação da lei, o termo embora ampliado, ainda nos parece confuso. Em linhas gerais, a nova legislação atendeu aos interessados no enfrentamento da prática no Brasil, visto que a mesma favoreceu a criação de políticas públicas de caráter punitivo e combativo, sobretudo a partir de 2002, quando a OIT e o governo brasileiro firmaram o projeto de cooperação técnica, denominado de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, que resultaram a posteriori na publicação de dois planos nacionais para erradicação do trabalho escravo no Brasil.28 Neste ínterim mais precisamente em novembro de 2003, foi instituída a lista suja. 29
Em contrapartida, o setor privado voluntariamente articulou-se para em maio de 2005, lançar o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que consiste no compromisso inicial de cerca de 150 empresas de diversos setores desde o varejista ao industrial, em não efetuar negócios com instituições ligadas a cadeias produtivas que se utilizam da mão de obra escravizada. Deste modo, nomear o fenômeno foi à primeira etapa do processo para tê-lo reconhecido pela sociedade através das mídias e com regulamentação jurídica para ser então combatido. Entrementes, não podemos deixar de destacar a fala de Koselleck acerca da importância dos conceitos para tornar inteligível um fenômeno estudado, para quem o conceito deve “[...] relacionar-se sempre àquilo que se quer compreender, tendo, portanto, a relação entre o conceito e o conteúdo a ser compreendido [...]” 30 destaca o autor que estas relações são tensas, tal como temos percebido.Na obra Escravos da Desigualdade, a pesquisadora Neide Esterci a escravidão contemporânea é “uma categoria eminentemente política.” 31 Como se sabe, não se trata de um fenômeno inteiramente novo, nem tampouco de um retorno ao passado, mas é uma temática que tal como a mitológica Fênix surge e ressurge ao longo da história. Angela de Castro assevera que as “semelhanças irão emergir e, por vezes, de forma preponderante”,32 daí a necessidade de analisar pormenorizadamente os diferentes contextos históricos em que se desenvolveram tais práticas, para evitarmos análises anacrônicas e/ou maniqueístas
Neste sentido, Vilela brindou-nos comum a contundente reflexão acerca da analogia entre o trabalho escravo colonial e atual para quem a escravidão contemporânea é mais truculenta que a colonial em muitos aspectos o trabalhador de hoje é descartável “[...] não tem valor econômico, valor de mercado, como tinha o escravo negro. [...] manter o escravo vivo e saudável. O escravo de hoje, não; ele é inteiramente descartável.” 33
Ainda sobre a conceituação e caracterização recorremos ao historiador Albuquerque com sua habilidosa relação com os conceitos dentre os quais negamos o da antimemória da história como invenção. Mas compreendemos que, para novos fenômenos, restam-nos novos nomes e métodos, como o ensejado com magistral habilidade por Albuquerque ao narrar a história grafada em toda obra ‘História: a arte de inventar o passado’ sempre com H maiúsculo, para quem

[...] a História precisa de novas linguagens, de inventar novas palavras, de produzir novos conceitos, que sejam capazes de conceder a glória à gosma da lesma nos vitrais das catedrais, que sejam capazes de majestificar a planta brotada nas frinchas dos fortes; de dar grandeza aos homens que chafurdam nos lixos como porcos e urubus; dormem nas sarjetas como baratas; habitam buracos nos viadutos como os ratos; espojam-se nos barracos das favelas como moscas; queimam sob o sol e se cortam na lâmina verde dos canaviais como lagartos; que se tornam lama nos garimpos e nos mangues; que se tornam bichos nas jaulas das prisões; que se tornam loucos nas salas dos hospícios; que se enchem de silicone, batom e fantasia para agüentar a barrar de amar diferente; que adoecem de amar por não terem aprendido; de dar grandeza às crianças que enegrecem a vida nas carvoarias; que perdem as mãos nas máquinas de agave; que perdem a infância e a inocência nos quartos e de pensão e nas boléias de caminhão; que se prostituem nas praças e nas ruas; que comem bala e cheiram pó para terem um pouco de ilusão, para viajarem pelo menos uma vez ao dia; que brincam com a vida por falta de brinquedo; que emburrecem diariamente nas carteiras das escolas públicas; de dar grandeza às mulheres violentadas por seus machos; estupradas por seus patrões; acocoradas toda a vida na beira do rio, do pote e do fogão; que amam filhos que não sabem se voltam para casa todo dia; que carregam trouxas de pano e de homens. É para eles que Manoel [de Barros] fez seus poemas, e eu faço minha prosa histórica [...] 34

Por uma história capaz de cartografar a sociedade para além de uma emergência poética com todo o seu acervo lexical, ensejada no uso de categorias conceituais diversas, tão inerentes ao trabalho do historiador para desvelar uma dada realidade social, por isso é preciso aventurar novos objetos, novas abordagens e novos problemas nas incursões historiográficas35 assim como proposto por Pierre Nora e Jacques Le Goff, no terceiro volume da série, que aponta para temas não muito comuns entre os historiadores, como o clima, o mito, o corpo, o inconsciente, as mentalidades, e outros que aparecem como um desses novos objetos de investigação historiográfica e geográfica.
Pensamos ser este,  um rico filão praticamente inexplorado pelos historiadores, portanto, uma discussão ainda incipiente, questão trazida à baila nos debates entre sociólogos, antropólogos e juristas, como já dissemos em outra parte da narrativa. Compreendemos, pois, que a escravização no Brasil refere-se a um sistema de trabalho cujas bases estão previstas em lei, deste modo, como a Lei Áurea, esta não existe mais, logo a outra também não existiria tal prática como fora no passado, o que não impediria o seu ressurgimento como a fênix, condicionado ao mundo contemporâneo. De qualquer modo, o trabalho escravo, assim como o pássaro mítico que renasce das cinzas, nos parece ressurgir em diferentes momentos da história dada as idiossincrasias de cada período de seu reaparecimento.
Como nos fala Neide Esterci, uma das mais respeitadas estudiosas da área, existem “[...] circunstâncias em que as noções que o termo ‘escravidão’ passou a designar podem não corresponder nem mesmo ao entendimento que as vítimas têm das relações que vivenciam”. 36 Desta forma, encontramos assim como outros pesquisadores, entrevistados que mesmo submetidos a condições subumanas de trabalho, afirmavam não terem sido escravizados, pois para eles, escravo é inerente ao passado e ao negro’.37 Destarte, “mesmo entre trabalhadores de uma mesma unidade produtiva, registram-se percepções diferentes acerca da dominação e da exploração a que estão sujeitos”.38 Verificamos, pois, outros que declaram terem sido brutalmente escravizados, estes eram em alguns casos reincidentes, mais politizados ou já haviam mantido contato anterior com os órgãos de defesa dos direitos humanos.
Deste modo, os trabalhadores advogam de que a escravidão foi um processo único, congelado no tempo e, portanto, não existe mais. Para muitos dos nossos narradores, sujeitos históricos acostumados com a vida simples do campo ou da periferia da cidade, o trabalho forçado a que são submetidos não lhes é tão estranho. Como nos diz o pesquisador Aragão, em seu estudo sobre a escravização por dívida na Região dos Cocais, os trabalhadores relacionam “[...] ao fato de serem acostumados a longas e extenuantes jornadas de trabalho na lavoura, também com água limitada e qualidade questionável, sem dizer da alimentação precária e da falta de inúmeros equipamentos de proteção [...]”. 39 Para nós configura-se, em um processo de naturalização do trabalho escravizante pelos trabalhadores menos avisados.
Neste sentido, para o autor deste estudo, o trabalho degradante oposto do trabalho decente, 40 ocorre quando somado ao cerceamento da liberdade constitui precisamente em escravização contemporânea, visto que o indivíduo é impedido em seus aspectos físico, psicológico e moral de se constituir enquanto trabalhador com direitos básicos como salário e condições dignas de trabalho, ou de abandoná-lo, quando quiser. Deste modo, a escravização contemporânea brasileira caracteriza-se por duas formas coercitivas: física e psicológica. Sendo a primeira, ao ser submetido a castigos físicos, quando tenta empreender fuga. Já a segunda, ainda mais truculenta, quando o trabalhador sofre violência contra a sua integridade moral, a pretexto de uma dívida impagável que prende o trabalhador do ponto de vista ao trabalho. Somadas as pressões físicas e psicológicas sofridas por esses trabalhadores ao baixo índice de escolaridade dos mesmos, podemos compreender como os empreiteiros maquiam esta prática aos olhos dos próprios trabalhadores que se sentem obrigados do seu ponto de vista ético a quitar a dívida, uma espécie de servidão por dívida material e psicológica.
Em geral, os locais escolhidos para esta prática é de difícil acesso, o que dificulta a saída destes trabalhadores que ao mesmo tempo são rechaçados pelos capangas ou jagunços que cuidam dos interesses do proprietário da fazenda ou carvoaria. Importante salientar, igualmente, que a retenção de documentos é também prática comum para assegurar a permanência forçada do trabalhador. Nesse sentido, é oportuno sublinharmos que existem variadas formas e práticas ilegais de trabalho no Brasil não somente no campo, mas em pequenas, médias e grandes cidades.

TRABALHO, TRABALHADORES E EXPERIÊNCIA VIVIDA

Recorrendo ao ínclito historiador britânico de influência marxista, Edward Palmer Thompson para pensar os nossos sujeitos históricos não somente pelo viés econômico, mas também, pela construção histórica de suas experiências vivenciadas em cativeiro, que nos permite entre outras coisas, clarificar os conflitos, as mudanças e as permanências destes. Muitos são os herdeiros deste que se convencionou chamar de culturalismo marxista, que a bem da verdade é a história social britânica, preocupada com temáticas ligadas ao mundo do trabalho e seus desveladores conceitos colados à experiência e cultura de uma ‘história de baixo para cima, 41 expressão corrente entre os atuais historiadores e imperiosa para nós.
Sobrelevam-se a este estudo o interesse em pensar o trabalhador como um indivíduo atravessado por sua experiência vivida, na relação entre o vivido e o narrado, parece existir um fosso entre a experiência e o relato desta, pois o tempo transcorrido encarrega-se em alterar nossas percepções. De modo que, o conceito de experiência vivida é protocolo apropriado para a nossa análise histórica, pois esta busca inferir o social a partir do individual. Seguindo os passos de Thompson ao apontar que

A experiência entra sem bater à porta e anuncia mortes, crises de subsistência, guerra de trincheira, desemprego, inflação, genocídio. Pessoas estão famintas: seus sobreviventes têm novos modos de pensar em relação ao mercado. Pessoas são presas: na prisão pensam de modo diverso sobre as leis. Frente a essas experiências, velhos sistemas conceituais podem desmoronar e novas problemáticas podem insistir em impor sua presença. 42

Assim, as experiências são capazes de romper paradigmas que perduram a tanto tempo no seio de determinadas classes sociais. Por meio deste autor, nos foi possível compreender as múltiplas ações e reações das relações de convivências dos momentos vividos pelos trabalhadores submetidos a escravização, para tal o conceito de experiência vivida tem sido essencial. Assim sendo, entendemos a experiência vivida como objeto de análise histórica, pois busca compreender para além do social como propõe Thompson, para quem o ser social sofre “mudanças que dão origem a uma experiência transformada: é determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e oferece grande parte do material com que lidam os exercícios intelectuais mais elaborados.”43
Outrossim, reiteramos que a experiência vivenciada por nossos sujeitos históricos em condições de precarização das relações de trabalho, tornando-o degradante, traz à tona questões de ordem política e social, das quais os historiadores não devem furtar-se do direito, aliás, devem estudar, pois enquanto atividade pública, a ciência tem um dever social a cumprir que passa pelo debate até materializar-se na ação através da criação de políticas públicas. Ainda Edward Thompson que ao analisar a classe sob o prisma da experiência vivida e sua relação como o contexto histórico, argumenta hermeticamente que

a noção de classe traz consigo a noção de relação histórica. Como qualquer outra relação, é algo fluido que escapa à análise ao tentarmos imobilizá-la num dado momento e dissecar sua estrutura [...]. A relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais [...]. A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns [herdadas ou partilhadas], sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem [e geralmente se opõem] dos seus. 44

Interpretamos, pois, que a classe apresentada por Thompson filigrana-se com as experiências vividas cotidianamente por sujeitos históricos inseridos em seu tempo e espaço, numa relação de proposital abandono à própria sorte e espoliação, como a que encontramos dos trabalhadores das carvoarias tentando reivindicar direitos que lhes foram negados, para tal tiveram que unir esforços enquanto categoria social para assegurar busca por direitos. Deste modo, acreditamos que uma classe é forjada ao fazer-se, em um movimento ativo e dialético. Por essa razão, Thompson insiste que a experiência é angular para compreender e por assim explicar as mudanças históricas de modo que

a experiência I está em eterna fricção com a consciência imposta. Quando ela irrompe, nós, que lutamos com todos os intricados vocabulários e disciplinas da experiência II, podemos experienciar alguns momentos de abertura e de oportunidade, antes que se imponham mais uma vez o molde da ideologia. 45

É nessa perspectiva que valoramos a experiência destes trabalhadores do carvão, a fim de analisarmos, sobretudo, os conflitos, lutas e tensões por eles travadas dentro e fora do cativeiro. Acreditamos, pois, que dissemelhante dos laboratoristas que podem realizar seus experimentos em tubos de ensaio e com outros aparatos laboratoriais, para nós historiadores a sociedade é o próprio laboratório e as experiências vividas são o lócus deste, a ser examinado.
Valemo-nos da consideração bastante substancial de Thompson, considerado um dos maiores historiadores ingleses do século passado, para sublinhar que a experiência vivida é também pensada e percebida em interlocução com os sujeitos, conceito do qual este estudo tenta se apropriar. A despeito disto, o autor destaca que

as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos [...]. Elas também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esse sentimento na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou [através de formas mais elaboradas] na arte ou nas convicções religiosas.46

Deste modo, o fragmento supracitado nos possibilita depreender que a experiência se faz permeada de sentimentos e materializada em práticas cotidianas. Assim como o autor, defendemos a lógica histórica, enquanto processo no qual os seres humanos fazem sua história,47 cotidianamente, prenhe de seu modo de pensar e agir. Desta forma, a história é fruto da experiência social redefinida pelas práticas, sendo ela pensada e sentida pelos sujeitos históricos, que no dizer de Thompson

[...] expressão que há de mais vivo na história. É a presença de homens e mulheres retomados como sujeitos. Construtores do devir e do presente. Não são as estruturas que constroem a história; são as pessoas carregadas de experiências. Claro que não são sujeitos autônomos nem ‘indivíduos livres’. Suas situações e suas relações produtivas lhes são determinadas como necessidades [ninguém trabalha simplesmente como quer; nem a remuneração é sempre condizente com suas necessidades]. As contingências históricas exercem pesada presença na vida de cada pessoa. São os antagonismos aos quais todos nós estamos submetidos [...]. a experiência passa a ser entendida como sentimento, como parte da vida cotidiana, que é incorporada na cultura em seu sentido mais concreto: normas criadas, obrigações familiares e de parentesco, organização da vida urbana ou rural. Passa a constituir um conjunto de valores que atuam imperceptivelmente nos meandros da vida inteira dos indivíduos e das classes assim constituídas. Experiências que deixaram suas marcas profundas [...] 48

Nesses termos, compreendemos que para Thompson a história estabelece uma relação dual com o indivíduo, quando este, no intento de compreender suas ações individuais como fato histórico, tende a estabelecer relações entre o eu e o experimentado, entre o passado e o presente. Atentemos a este contexto em que o mesmo autor, ao tratar da produção do conhecimento histórico, estabelece

[...] que estamos vivendo agora, podemos dar um “significado” para o passado. Mas esse passado foi sempre, entre outras coisas, o resultado de uma discussão acerca de valores. [...] O que podemos fazer é nos identificarmos com certos valores aceitos pelos atores do passado, e rejeitar outros. [...] No fim, nós também estaremos mortos, e nossas vidas estarão inertes nesse processo terminado, nossas intenções assimiladas a um acontecimento passado que nunca pretendemos que ocorresse. Podemos apenas esperar que os homens e mulheres do futuro se voltem para nós, afirmem e renovem nossos significados, e tornem nossa história inteligível dentro de seu próprio presente.49

Não é saturada, a proposição thompsoniana de que o devir do pesquisador em história traz consigo o posicionar-se, impreterivelmente, somos chamados como peritos, a esquadrinhar os fatos e emitir pareceres sobre eventos explicando-os, estes serão aceitos ou não por seus pares contemporâneos e reavaliados pelos do porvir. Posicionar-se é para nós, ser parcial, não significa necessariamente tomar partido, pois acreditamos que a imparcialidade do historiador é folclórica e, portanto, impossível de fazê-la.
Retomemos uma questão de ordem propedêutica, da qual acreditamos não ter sido devidamente clarificada, buscamos iluminação na fala de Sakamoto, para quem a escravização contemporânea nasceu no Brasil, no exato momento em que o trabalho escravo morreu, começou-se então utilizar a servidão por dívida. 50 Jornalista experiente cobriu as guerras pela independência de Timor Leste e a Civil Angolana, Sakamoto analisa as relações de rupturas e continuidades inclusive históricas do trabalho escravo, apontando que desde a escravidão clássica, sustentáculo da economia greco-romana se praticava a servidão por dívida, mediante a dívida o devedor tornava-se escravo do credor. Nesta nova cartografia social da escravização contemporânea, o empregador escraviza o trabalhador primeiro e depois sob o pretexto da dívida reforça o seu jugo.
A esse respeito, em entrevista concedida ao Museu da Pessoa, o jornalista Sakamoto responsável pela ONG Repórter Brasil que atua desde 2001 dando visibilidade à luta contra a escravização contemporânea, afirma que o atual fenômeno pouco tem haver com que aprendemos sobre escravidão nos livros escolares. 51 Para ele, ao pensar em escravos associamos-nos a correntes, o que nem mesmo na escravidão colonial teria sentido, visto que, mesmo no escravismo antigo os trabalhadores não eram necessariamente acorrentados, exceto, os fujões como forma que coibir outra tentativa de fuga. Por outro lado, podemos associar a um outro tipo de corrente, estas bem mais difíceis de se romper, trata-se dos grilhões invisíveis ou até mesmo simbólicos, que representam amarras muitos mais fortes que as velhas e enferrujadas correntes de outrora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao sermos interpelados sobre qual temática de pesquisa nos debruçamos durante todo o mestrado e doutorado, foi comum ouvirmos expressões relacionadas à escravização negra. Parece que somos tomados por uma imagem vendida nos bancos escolares e gratuizada na mídia do negro acorrentado aos grilhões na senzala ou no pelourinho, sendo fustigado por seu algoz com seus impiedosos açoites. O próprio autor deste estudo, ao falar em escravização contemporânea vem à mente um turbilhão imagético de trabalhadores aguerridos, os quais com rostos e mãos calejadamente marcadas de sofrimento e dor, desta feita, tem sido encorajado a continuar trilhando nos caminhos dos estudos acerca deste processo.
Desta forma, entendemos que a aplicação indevida do termo pode gerar anacronismos, daí a necessidade de novos estudos em busca dos caminhos e descaminhos da escravização contemporânea e seus desdobramentos no mundo contemporâneo Destarte, ficamos convictos que este tema será retomado e aprofundado, também por outros estudiosos. Solenemente, com a epígrafe versejada abaixo, findamos este artigo, que é também um libelo em defesa dos trabalhadores cativos ou livres, vivos ou mortos, que na busca de melhores condições de vida, sucumbiram face ao monstro da escravização contemporânea no Brasil. Ode a estes trabalhadores!

Peço a atenção da pobreza que precisa trabalhar/Quando alguém lhe oferecer vantagens pra melhorar/Tenha cuidado de sempre é pra lhe escravizar./No Maranhão e Piauí, Tocantins e no Pará/Em Goiás e Mato Grosso, Pernambuco e Ceará/Bahia e Minas Gerais, também vão muitos pra lá./Se alguém lhe convidar para desflorestamento/Prometendo boa casa, bom salário e alimento. Tenha cuidado que talvez aumente seu sofrimento./Eles quando lhe convidam, não mostram nenhum agravo/Mas todos que vão pra lá, tornam-se deles escravos,/Trabalham muito e não comem e não ganham nenhum centavo. 52

E assim, fizemos uma história com os pés fincados na experiência, as mãos na realidade e na cabeça uma quimera: um outro mundo é possível! Neste grande sertão veredas, façamos esta, a nossa sagarana. 53
REFERÊNCIAS

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* Este artigo é resultado das pesquisas desenvolvidas durante o mestrado em História do Brasil pela UFPI e o doutorado em Geografia Humana pela USP. A arquitetura e escrita deste texto contou com a inestimável colaboração de Adonia Antunes Prado e Edna Galvão do Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos NEPP-DH do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo GPTEC-UFRJ. SOARES, Fagno da Silva. Escravizados do carvão: historiando identidades e memórias em Açailândia-MA no tempo presente. Teresina: 2012. 300p. Dissertação [Programa de Pós-graduação Stricto sensu em História do Brasil-PPGHB]. Universidade Federal do Piauí, 2012.

** Doutorando em História Social pela UFF, Geografia Humana pela Universidade de São Paulo-USP, mestre e especialista em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí-UFPI, especialista em História Social e Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes-UCAM, professor de história do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA/Campus Açailândia. Líder do CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesquisa em História Oral e Memória-IFMA. Pesquisador do Núcleo de Estudos em História Oral NEHO/USP e Grupo Trabalho Escravo Contemporâneo GPTEC/UFRJ.

1 SILVA, José Carlos Aragão. Ser livre e ser escravo: memórias e identidades de trabalhadores maranhenses na região dos Cocais. 1990-2007. Brasília, 2009. 175p. Tese. [Doutorado em história cultural]. Universidade de Brasília, 2009. p. 65.

2Ibid., p. 65.

3MORAES, Maria José Souza. Trabalho Escravo: Da omissão do Estado a CONATRAE passando pela bicicleta do Padre Canuto. 2007. Disponível em: <http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br> Acesso em: 22 mar. 2011.

4 CUNHA, Euclides. Um clima caluniado. Um paraíso perdido. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994, p.59. grifos nossos.

5 JOANONI NETO, Vitale; ALVES, Leonice Aparecida de Fátima. De ‘Peão’ a ‘João’: uma ação conjunta visando à reinserção social. In.: ACIOLI, Vera Lúcia Costa. GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. MONTENEGRO, Antonio Torres. [org]. História, cultura, trabalho: questões da contemporaneidade. Recife; Ed. Universitária UFPE, 2011, pp. 273-290, p. 276.

6 ESTERCI, Neide.  A dívida que escraviza. In: Comissão Pastoral da Ter­ra. Trabalho escravo no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p. 104.

7 Prática comum desde o medievo europeu, que consistia no trabalho gratuito do servo durante alguns dias da semana ao senhor feudal, chegando ao Brasil rural do século XXI, com o arrendamento de porção de terra pelo colono, neste caso meeiro, por destinar metade da produção obtida ao proprietário da terra.

8DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil 1850. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980.

9 JESUS, J. G. ‘A cabeça do libertador’. In.: FIGUEIRA, Ricardo Rezende& PRADO, A.A. [Orgs] Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições críticas. Cuiabá: Editora da Universidade Federal do Mato Grosso, 2011. pp. 153-169.

10A Organização Internacional do Trabalho – OIT criada em 1919 é uma agência especializada em questões relacionadas ao trabalho no mundo, ligada à Organização das Nações Unidas- ONU. Órgão responsável por grande parte das publicações quantitativas sobre trabalho no mundo.

11 Técnica rudimentar de abertura de um dado campo para a expansão da pastagem destinada à criação bovina.

12 FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

13FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Rio Maria. Canto da terra. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. O texto da orelha do livro escrito por Frei Beto é deveras contundente traz como título um salmo em forma de livro classificando a obra como uma crônica das mortes anunciadas, aqui diremos – almas da terra – em disputas fundiárias no Estado do Pará.

14 SHARMA, Bhavna. A Anti-Slavery Internacional e o Combate ao Trabalho Escravo. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. p.40.

15 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora PUC-Rio, 2006.

16 FIGUEIRA, 2004, pp. 34-35.

17 GOMES, Angela de Castro. Trabalho análogo a de escravo: construindo um problema. In: História oral: Revista da Associação Brasileira de História Oral, v.11, n.1-2, jan/dez. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de História Oral, 2008, p.13.

18Ibid., p.17.

19 ESTERCI, Neide. A dívida que escraviza. In.: COMISSÃO PASTORAL DA TERRA VV.AA. [org.]. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo, Loyola, 1999, p. 121.

20FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de [Org.]. Trabalho escravo contemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad, 2011, p. 22.

21 Ibid., p.38.

22GOMES, Ibid., p.39.

23 A expressão designa um erro grosseiro e tem sua origem na Antiguidade, mais precisamente durante o Primeiro Triunvirato, na Batalha de Carras, travada em 53 a.C. na disputa entre o Império Parta e a República Romana, o general Marco Licínio Crasso comandou 50 mil soldados de sete legiões, apesar da superioridade numérica de suas tropas e, sucumbiu frente aos adversários que mesmo em menor número sobressaíram-se em virtude de seu preparo tático e militar. A escolha de Crasso, portanto, constituiu-se num grande erro estratégico que custou a vida de milhares de soldados inclusive a sua.

24PAIVA, Eduardo França. Trabalho compulsório e escravidão: usos e definições nas diferentes épocas. 2005, p. 17.

25VILELA, 2006, fita 2, p. 33.

26Ibid., p. 34.

27ROCHA, Cristiana Costa. Memória migrante: A experiência do trabalho escravo no tempo presente Barras-PI. 2010. 196p. Dissertação. [Mestrado em História Social]. Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010, p. 56.

28 Já foram criados dois planos, o primeiro em 2003, instituindo-se também a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE, e o segundo em 2008, ratificando o compromisso pela erradicação desta prática sórdida no Brasil focado na prevenção e a reinserção dos trabalhadores resgatados.

29Importante instrumento de combate à escravização contemporânea mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, constitui-se em um cadastro nacional de empregadores flagrados utilizando mão-de-obra escravizada. Em sua última atualização, constam exatos 294 nomes de cerca de 20 estados brasileiros. Destes cinco empregadores são de Açailândia com cerca de 150 trabalhadores destinados a produção de carvão vegetal, criação de bovinos e cultivo de pimenta-do-reino e milho.

30KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora PUC-Rio, 2006, p.03.

31 ESTERCI, Neide. Escravos da desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho, hoje. Rio de Janeiro, CEDI, Koinonia, 1994, p. 44.

32GOMES, 2008, p.38.

33 VILELA, 2006, fita 2, p. 34. grifo nosso.

34 ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 95. grifo nosso.

35 Em meados dos anos 70, os historiadores franceses Jacques Le Goff e Pierre Nora organizam uma coletânea contendo três volumes para apresentar os novos rumos da história francesa. Sendo o primeiro volume destinado a abordar os ‘novos problemas a serem investigados pela história; já o segundo apresenta as ‘novas abordagens’ possíveis para os estudos históricos e por fim o terceiro discute os ‘novos objetos da história’ com os quais o historiador não deve se furtar em analisá-los. LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

36 ESTERCI, Neide. Escravos da desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI, Koinonia, 1994, p.33.

37 SILVA, José Carlos Aragão. Ser livre e ser escravo: memórias e identidades de trabalhadores maranhenses na região dos Cocais. 1990-2007. Brasília, 2009. 175p. Tese. [Doutorado em história cultural]. Universidade de Brasília. 2009, p. 163.

38ESTERCI, 1994, p.11.

39SILVA, 2009, p. 98.

40 O trabalho decente aqui compreendido como uma ocupação produtiva e justamente remunerada, exercida em condições de liberdade, que permite satisfazer as necessidades básicas, equidade e segurança capazes de garantir uma vida digna ao trabalhador. Logo podemos concluir que o trabalho degradante é exatamente o oposto, retira do trabalhador o direito de ir e vir e o coloca em uma condição subumana de vida e trabalho.

41Vide, HOBSBAWM, Eric. A História de Baixo para Cima. In.:Sobre História. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p.216/ SHARPE, Jim. A História vista de baixo. In: BURKE, P. [Org.]. Escrita da História: novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Edunesp. 1992, pp. 39-62.

42THOMPSON, 1981. p. 17.

43 Idem.

44THOMPSON, E. P. “Exploração”. In: A formação da classe operária inglesa II: a maldição de Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, pp.09-10

45THOMPSON, E. P. The Politicsof theory. In: SAMUEL, Raphael. [ed.] People’s history and socialist theory. London: Routledge, 1981, p. 406.

46THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 189.

47THOMPSON, E. P.The Politics of theory. In: SAMUEL, Raphael. [ed.] People’s history and socialist theory. London: Routledge, 1981, p. 398.

48 THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p.126.

49THOMPSON, ibid., pp. 52-53.

50 SAKAMOTO. Leonardo. Entrevista concedida ao Museu da Pessoa. Açailândia. 16. abr., 2008.

51 Idem.

52Fragmento do poema, Cartilha do Trabalho Escravo. Grifo nosso.

53Grande Sertão: Veredas, obra escrita em 1956 por Guimarães Rosa, remete as dificuldades a que tiveram de passar nossos narradores. Já o termo sagarana, é um neologismo cunhado por Guimarães Rosa para nomear sua primeira obra escrita em 1946, o termo é aqui empregado com sentido semelhante ao do autor como, resultante do hibridismo do prefixo, saga que significa‘canto heroico’ e rana vocábulo de origem tupi remente a ‘à maneira de/que exprime’. Logo sagarana nos serve para expressar a luta, um brado em meio às adversidades.


Recibido: 07/09/2016 Aceptado: 01/12/2016 Publicado: Diciembre de 2016

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