Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO FORMAL

Autores e infomación del artículo

Sueli de Farias Santos*

Fernando José Martins**

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

suelifarias@yahoo.com.br

RESUMO
Este artigo tem por objetivo fazer uma aproximação da discussão do mundo do trabalho e a organização do trabalho no modo de produção capitalista, com a finalidade de apresentar as razões que dificultam a acessibilidade da Pessoa com Deficiência no mercado de trabalho formal. Para realização da pesquisa empírica utilizou-se da pesquisa qualitativa, tendo como técnica a pesquisa bibliográfica e a entrevista semi-estruturada e como instrumento o roteiro de perguntas. Observa-se a contradição e antagonismo existente na relação capital/trabalho no modo de produção em vigor, demonstrando que o mercado de trabalho está em busca da obtenção dos lucros, assim, os seus representantes excluem a Pessoa com Deficiência do mercado de trabalho formal. Outra situação evidenciada é a responsabilização e a culpabilização colocada à Pessoa com Deficiência pela sua condição de não empregabilidade, sendo, portanto, tolhidos do seu direito social ao trabalho e de cidadania.

Palavras Chaves: Trabalho, Organização do Trabalho, Pessoa com Deficiência, Mercado de Trabalho, Direitos Sociais.

WORK ORGANIZATION: THE PERSON WITH DISABILITY AND THE FORMAL LABOR MARKET

ABSTRACT
This article has as an objective to approach the discussion of the labor world and the work organization in the capitalist mode of production, with the goal of presenting the reasons that make the accessibility of the Person with Disability in the formal labor market difficult. For the fulfillment of the empirical research we used qualitative research, having as technique the bibliographic research and semi-structured interview and as instrument the script of questions. We observe the contradiction and antagonism existent in the relation capital/work in the current mode of production, demonstrating that the labor market is seeking to obtain profits, thus, its representatives exclude the Person with Disability from the formal labor market. Another evidenced situation is the accountability and the blaming placed upon the Person with Disability for their condition of non-employability being, therefore, deprived of their social right to work and citizenship.

Keywords: Work, Work Organization, Person with Disability, Labor Market, Social Rights.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Sueli de Farias Santos y Fernando José Martins (2016): “Organização do trabalho: a pessoa com deficiência e o mercado de trabalho formal”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/deficiencia.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604deficiencia


INTRODUÇÃO

Neste estudo propõe-se a discutir o mundo do trabalho e a organização do trabalho no Estado capitalista tendo por finalidade responder quais as razões que dificultam a acessibilidade da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho formal no Município de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná - Brasil. Trabalho entendido como intercâmbio entre homem e natureza a partir de um fim, neste momento de mediação, o trabalho produz o ser social e as relações sociais desenvolvem o ser humano, constitui a sociabilidade humana. Porém, no modo de produção capitalista1 , o trabalho é abstrato e apresenta condições de exploração do trabalhador por intermédio da compra da força de trabalho do trabalhador.
A sociedade capitalista tem por finalidade a máxima acumulação de capital e de riquezas. Assim, “a riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, e a forma elementar dessa riqueza”. (MARX, 2014, p. 57). No entanto, no pós-revolução industrial, foram elaborados modelos de organização do trabalho para constituir o processo de produção. Sendo, o taylorista, o fordista e o toyotista.
No que se referem às empresas acredita-se que, muitas vezes, não confiam na capacidade de trabalho das pessoas com deficiência. Contudo, estas têm capacidades e dificuldades como às demais pessoas, mas necessitam de equipamentos – meios de produção de trabalho - adaptados para desempenhar suas funções de acordo com o referido cargo e deficiência que, aliados a preconceitos ainda presentes, contribuem para a não contratação destes trabalhadores.
Nesta perspectiva tem-se como objetivo geral analisar os limites e as possibilidades para a acessibilidade da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho formal. Com relação aos objetivos específicos, busca-se: a) Distinguir trabalho e trabalho abstrato; b) Averiguar as formas de organização de trabalho no modo de produção capitalista; c) Provocar a discussão do direito ao acesso das Pessoas com Deficiência no mercado de trabalho formal. Para realização do presente estudo foi utilizada a abordagem qualitativa, por esta possibilitar uma maior compreensão e abrangência dos objetivos e da temática em questão, isto por que, a abordagem qualitativa do objeto de estudo

(...) se preocupa nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 21-22).

Como instrumentos de coleta de dados utilizaram-se a pesquisa bibliográfica para dar suporte teórico-metodológico ao processo de estudo e a entrevista semi-estruturada que, segundo MINAYO (1994), é uma articulação entre a entrevista aberta ou não estruturada na qual o pesquisador tem a liberdade de abordar o tema a que se propõe. Dessa forma, permite ao entrevistado falar sobre o tema proposto, com questões que norteiam a entrevista, ou seja, tendo como instrumento o roteiro de perguntas. Com relação à coleta de dados, salienta-se ainda que este estudo foi realizado entre os meses de julho, agosto e setembro de 2008, no Município de Foz do Iguaçu, tendo sido agendado com os sujeitos de pesquisa um horário para a realização da entrevista semi estruturada proposta.
Buscando alcançar os objetivos propostos, selecionaram-se como sujeitos da pesquisa os órgãos representantes do trabalho formal no Município, sendo: Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social – Escritório Regional; Sistema Integrado Nacional de Emprego – Agência do Trabalhador (SINE); Ministério do Trabalho e Emprego - Escritório Regional de Foz do Iguaçu; Sindicatos dos Empregados no Comércio e Sindicato Patronal do Comércio Varejista no Município de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná. Faz-se necessário esclarecer que o Sindicato do Comércio, tanto dos empregados quanto o patronal foi incluído nesta pesquisa, devido ao fato de que, segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), é o espaço com maior índice de trabalhadores empregados no município de Foz do Iguaçu.
Esclarecidos os aspectos introdutórios para a apresentação desde estudo, na primeira seção realizar-se-á a discussão do trabalho; na segunda, os modelos de organização do trabalho taylorista, fordista e toyotista. Na terceira seção, uma breve exposição referente a pessoa com deficiência e o mercado de trabalho formal e os principais resultados obtidos a partir da pesquisa empírica. Por fim, as considerações finais.

1 – TRABALHO

Segundo Lessa (1996) os homens vivem quando se efetiva uma transformação na natureza, transformação essa teleologicamente posta, sendo que o resultado final é construído anteriormente na subjetividade a partir de um fim, assim as ações terão uma orientação. Essa transformação na natureza, o intercâmbio homem e natureza a qual Marx denomina de Trabalho. No entanto, os atos do trabalho somente se desenvolvem tendo por mediação as relações sociais e a linguagem. “Já no seu momento primordial, o ser social comparece como um complexo constituído, pelo menos, por três categorias primordiais: a sociedade, a linguagem e o trabalho.” (LESSA, 1996, p. 10).
Desse modo Lessa (1996), utilizando-se dos estudos de Luckács afirma que compete ao trabalho “o momento predominante no desenvolvimento do mundo dos homens, já que é nele que se produz o novo que impulsiona a humanidade a patamares sempre superiores de sociabilidade.” (LESSA, 1996, p. 10). Sendo neste processo de sociabilidade, que é conferido ao trabalho a sua centralidade, devido ao seu caráter intermediário entre homem e natureza.
 Para Engels (2004, p. 13) “o trabalho é a fonte de toda a riqueza (...) é condição básica e fundamental de toda a vida humana (...) que criou o próprio homem.” Sendo, portanto, o trabalho humano a única esfera de objetivação, na qual é possível um ser social colocar uma teleologia, sem a qual não há existência humana. Assim, o homem, partindo de uma necessidade, vai realizar uma interação com a natureza, na qual há uma transformação de ambos. Nesta relação, há uma transformação da matéria prima durante o contato do homem com a natureza, ainda, de acordo com Marx (2004) o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, sendo que somente este realiza um trabalho objetivado, conforme se observa na seguinte expressão

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, o seu objetivo. (MARX, 2004, p. 36).

Assim, o trabalho é exclusivamente humano e racional, sendo que os demais animais agem por instinto, enquanto que o homem antevê, tem uma finalidade, um resultado antecipado de seu trabalho idealizado mentalmente. Destarte, segundo Netto e Braz (2007, p. 32, grifos do autor), diferentemente das atividades naturais, o trabalho se explicita por uma relação mediada entre sujeito e objeto, e por assim ser, “entre o sujeito e a matéria natural há sempre um meio de trabalho, um instrumento (ou um conjunto de instrumentos) que torna mediada a relação entre ambos. E a natureza não cria instrumentos”.
Corroborando Lessa (2002), a partir da concepção de Lukács, na sua investigação ontológica do trabalho retratou que

(...) é a atividade humana que transforma a natureza nos bens necessários à sua reprodução social. Nesse preciso sentido, é a categoria fundante do mundo dos homens. É no e pelo trabalho que se efetiva o salto ontológico que retira a existência humana das determinações meramente biológicas. Sendo assim, não pode haver existência social sem trabalho. (LESSA, 2002, p. 27).

Na afirmativa de Netto e Braz (2007, p. 32, grifos do autor) toda atividade humana parte de uma finalidade e uma intencionalidade antecipada, sendo o trabalho “uma atividade projetada, teleologicamente direcionada, ou seja: conduzida a partir do fim proposto pelo sujeito (...) a realização do trabalho só se dá quando essa prefiguração ideal se objetiva, isto é, quando a matéria natural, pela ação material do sujeito, é transformada.” Então, o trabalho é dispêndio de energia humana para atingir um fim, no qual o homem ao transformar a realidade, também é transformado por ela, adquiri novos conhecimentos ainda constitui a sociabilidade humana.
E, por assim ser, o trabalho é essencialmente coletivo, isto é,

o trabalho jamais é um processo capaz de surgir, de se desenvolver ou, ainda, de se realizar, em qualquer tempo, como atividade isolada de um ou de outro membro da espécie humana. O trabalho é, sempre, atividade coletiva: seu sujeito nunca é um sujeito isolado, mas sempre se insere num conjunto (maior ou menor, mais ou menos estruturado) de outros sujeitos. Essa inserção exige não só a coletivização de conhecimentos, mas sobretudo implica convencer ou obrigar outros à realização de atividades, organizar e distribuir tarefas, estabelecer ritmos e cadências etc ”. (NETTO e BRAZ, 2007, p. 34, grifos do autor).

Contudo, através do trabalho do homem, com a sua ação, o sujeito transforma a matéria natural, a natureza, a si próprio, e faz emergir o ser social, sendo através do trabalho que a humanidade se constitui. Porém, ao discutir a centralidade do trabalho é importante diferenciar os seus conceitos. Face a isto, é importante fazer a diferenciação entre trabalho e trabalho abstrato. Neste sentido, Lessa (2002, p. 27) utilizando-se da literatura de Marx e Engels, explica que existe uma clara distinção, sendo que o trabalho “é a atividade de transformação do real pela qual o homem constrói, concomitantemente, a si próprio como indivíduo e a totalidade social da qual é participe”. Deste modo, a autoconstrução humana é responsável pelo desenvolvimento da sociabilidade, enquanto que trabalho abstrato

é uma atividade mensurada pelo tempo de trabalho socialmente necessário e produtor de mais-valia. Corresponde à submissão dos homens ao mercado capitalista, forma social que nos transforma a todos em ‘coisas’ (reificação) e articula nossas vidas pelo fetichismo da mercadoria. (LESSA, 2002, p. 28).

Assim sendo, a partir de então, neste estudo, tratar-se-á do trabalho abstrato, fazendo um recorte ao modo de produção capitalista. O trabalho abstrato é trabalho homogeneizado, indiferenciado, que pode ser substituído, e quem determina é a máquina, em contraposição ao trabalho concreto, que exige uma inventividade humana. Nesta forma de trabalho, o trabalhador somente é detentor de sua força de trabalho, enquanto que o capitalista detém os meios de produção e a matéria prima que são necessários para “construção” de um produto. O dono do capital, por ser igualmente o proprietário da matéria-prima e dos meios de produção – condições objetivas, também vai adquirir a força de trabalho do trabalhador – condição subjetiva -, através da compra e, de tal modo, transforma-a em mercadoria 2 que irá pertencer ao capitalista enquanto aquele estiver sob sua supervisão. 
Assim, “originariamente, o trabalhador vendia sua força de trabalho ao capital por lhe faltarem os meios materiais para a produção de uma mercadoria. Agora, sua força individual de trabalho não funciona se não estiver vendida ao capital”. (MARX, 2014, p. 416).
Neste ínterim, cria-se a jornada de trabalho, que inclui o tempo de trabalho necessário e o tempo de trabalho excedente. No primeiro, “é o tempo de trabalho requerido para produzir-se um valor de uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho”. (MARX, 2014, p. 61), sendo deste que é retirado o corresponde ao pagamento do salário do trabalhador. No tempo de trabalho excedente é produzida a mais-valia, “que o excedente toma a forma de lucro e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ela recebe como salário” (BOTTOMORE, 2001, p. 227). A forma de exploração do trabalho no capitalismo se dá através da extração da mais valia pelo capitalista, a qual acontece durante o tempo de trabalho excedente do trabalhador. De tal modo, que o dono do capital amplia a jornada de trabalho, como forma de subtração da mais-valia.
Dentro da jornada de trabalho, é definido, pelo capital, o valor a ser pago pelo trabalho do trabalhador, isto é, o valor da força de trabalho, sendo que a mesma é definida pela força do trabalho físico – simples – e a força do trabalho intelectual – qualificado. Assim, o valor da força de trabalho

é determinado pela quantidade de trabalho necessária para sua produção. A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder se desenvolver e se manter, um homem precisa consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência. Mas o homem, como a máquina, desgasta-se e tem de ser substituído por outro homem (MARX, 2004, p. 87-88).

Deste modo, o trabalhador é descartável para este modo de produção, pois ao não mais ser útil ao capital é substituído por outro trabalhador, até que este também se desgaste como se fosse uma máquina e também seja substituído e assim sucessivamente. Em concordância com Marx (2004) avalia-se que todos os dias o trabalhador vende a sua força de trabalho. Cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela para “fazer” mercadorias as quais serão usufruídas pelos donos dos meios de produção, ou seja, a mercadoria resultante da força de trabalho do trabalhador não lhe pertence, é propriedade daquele que pagou pelo seu trabalho e dispõe da matéria prima para realizá-la. Igualmente, ao vender a sua força de trabalho ao dono dos meios de produção esta passa a ser tratada como coisa.
Assim, “fica desde logo claro que o trabalhador, durante toda a sua existência, nada mais é que força de trabalho, que todo o seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho, a ser empregado no próprio aumento do capital”. (MARX, 2014, p. 306). Logo, o trabalhador não é dono de sua força de trabalho, pois o dono do capital põe em ação as condições para a transformação da matéria-prima em mercadoria, a qual é vendida no mercado, do mesmo modo que a força de trabalho do trabalhador foi comprada para transformar a matéria-prima.
Neste ato, o trabalhador não se reconhece na mercadoria construída, havendo, o que Marx denomina de estranhamento do trabalho, sendo que a mercadoria toma vida e o trabalhador é transformando em coisa, havendo uma troca, isto é, a coisificação do trabalho humano de tal modo que “as relações capitalistas constituem de produção de valores de mercadorias para acumulação de capital, através da expropriação da mais-valia e o trabalho livre provoca a separação entre a força de trabalho e a propriedade dos meios de produção”. (BOSCHETTI, 2003, p. 58).
Portanto, neste processo, a relação capital/trabalho consiste na apropriação e expropriação do trabalho do trabalhador, sendo nesta relação que se funda o modo de produção capitalista. Logo, “todo o sistema de produção capitalista baseia-se na venda da força de trabalho como mercadoria pelo trabalhador”. (MARX, 2014, p. 491). E, consequentemente para se efetivar esse processo de trabalho, o modo de produção em vigor cria modelos para organização do trabalho.

2 – ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: TAYLORISTA, FORDISTA E TOYOTISTA.

A sociedade capitalista tem por finalidade a máxima acumulação de capital e de riquezas. Assim, “a riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, e a forma elementar dessa riqueza”. (MARX, 2014, p. 57). O que se apresenta ainda são as relações de trabalho, ou seja, a organização do trabalho, o que para Pinto (2010) foi submetido aos interesses de classe envolvidos, principalmente posteriormente as primeiras revoluções industriais.

A organização do trabalho foi elevada à categoria de matéria do conhecimento a ser conquistada com base na luta política e econômica explicita entre o empresariado (classe proprietária dos meios de produção e compradora de força de trabalho) e os trabalhadores (classe social expropriada nesse processo e cuja existência atual exige vender sua capacidade de trabalho em troca de salários). (PINTO, 2010, P. 17)

Neste período, de início da industrialização, houve um grande aumento do trabalho, exploração do trabalho de mulheres e crianças nas fábricas, longas jornadas de trabalho diárias, baixos salários, péssimas condições de trabalho, locais insalubres, mal ventilados, graves doenças, advindas do trabalho. Segundo Pinto (2010) com o avanço da mecanização houve uma intensificação do trabalho, provocando, inúmeras lesões e acidentes graves de trabalho.
Porém, segundo Marx (2014), com a indústria moderna, ocorre a revolução do instrumental de trabalho, ou seja, não há necessidade de força muscular para operar a maquinaria, havendo uma desvalorização do trabalho adulto.

Por isso, a primeira preocupação do capitalista, ao empregar a maquinaria foi a de utilizar o trabalho das mulheres e das crianças. Assim, de poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e idade, sob o domínio direto do capital. (MARX, 2014, p. 451).

Com essa realidade posta, a força de trabalho era medida pelo necessário para manter a família, e não como trabalhador individual, e o restante do trabalho, o excedente era do dono do capital, a mais-valia. Aumentando o grau de exploração do trabalho, antes de um trabalhador adulto da família e neste processo, da família toda, incluindo as mulheres e crianças, e ainda mantendo-os em condições de trabalho desumanas. Assim, em concordância com Marx (2014, p. 486) o capital opera “o roubo sistemático das condições de vida do trabalhador durante o trabalho”. Pode-se afirmar que essa condição apresentava-se no início do processo da maquinaria, perpassando por todas as formas de organização do trabalho e estando presente nos dias atuais do trabalhador.
Devido às necessidades advindas desse contexto histórico de industrialização, em meados do século XIX havia a necessidade de uma organização do trabalho, assim estudiosos das mais variadas formações buscavam pela “construção de sistemas de organização cujos objetivos eram o aperfeiçoamento da qualidade e a diminuição do tempo gasto na realização de tarefas complexas”. (PINTO, 2010, p. 22).
Assim, de acordo com o mesmo autor, neste mesmo período Frederick Taylor se destacou, sendo “considerado o ‘pai’ da chamada ‘administração científica’, hoje constituída como matéria do conhecimento levada a cabo em situações que tratam da organização de quaisquer atividades de trabalho, desde a industrial, passando pela agrícola (...) governamental”. (PINTO, 2010, p. 23). No entanto, foi na produção industrial a sua predominância, principalmente no sistema fabril. Taylor era de família abastada, no entanto, abandou os estudos e passou a trabalhar como operário aprendiz em uma fábrica metalúrgica.
Dessa forma, seguindo a discussão de Pinto (2010) Taylor percebeu que os trabalhadores tinham seus macetes, como maneira de controle de seu tempo de trabalho, como proteção de seus conhecimentos e salários. Conclui que se subdividissem as diferentes atividades em tarefas simples, passando a medir a duração de cada movimento com um cronômetro, sendo possível, obter como resultado o tempo ‘real’ gasto para realizar cada operação. O objetivo, desta organização é a realização do trabalho associadas ao controle do ritmo de trabalho e à sua intensificação, cronômetro de tempo gasto, o modelo taylorista.
Outra forma de organização foi elaborada por Henry Ford, o qual tinha por ideal desenvolver um motor revolucionário. “Mas suas experiências, em termos de organização do trabalho com o objetivo da produção em massa, somente puderam ser realizadas sobre a plataforma da divisão técnica e minuciosa das funções e atividades entre numerosos agentes.” (PINTO, 2010, p.35). O sistema taylorista foi incorporado e desenvolvido por Ford, pelo sistema fordista. Assim,

Se a ‘racionalização’ taylorista permitia uma significativa intensificação do trabalho humano através do controle pela cronometragem dos tempos de operações parciais, no sistema fordista é a velocidade automática da linha de série (do objeto de trabalho, portanto) que impõe ao trabalhador (o sujeito do trabalho) a sua condição de disposição para o labor, estabelecendo, dentro de limites cada vez mais estreitos de tempo, a ‘melhor maneira’ de trabalhar. (PINTO, 2010, p. 38)

Nesta forma de organização do trabalho, o trabalhador torna-se um “apêndice da máquina”, conforme descreve Marx, neste processo a iniciativa do trabalhador é praticamente nula, tornando-se parte da máquina, conforme é demonstrado no filme “Tempos Modernos” 3 de Charles Chaplin, o qual retrata a sociedade industrial caracterizada pela produção com base no sistema de montagem e especialização do trabalho, o controle do tempo e consequentemente do trabalhador, em um processo de industrialização, tecnologia, máquinas, para aumentar lucros, com o acumulo da produção e ainda a substituição do trabalho vivo (homem) pelo trabalho morto (máquina).
Antunes (2000, p. 25) entende o fordismo como um processo pelo qual a indústria e as relações de trabalho tenham perpassado e se consolidado, no qual os elementos básicos eram a produção em massa, “através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos, através do controle dos tempos e dos movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista”. No Brasil, “a industrialização se desenvolveu influenciada pelo taylorismo e pelo fordismo desde os anos 1930” (ANTUNES, 2006, p. 43). Sendo dominante até o início dos anos 1970, quando ocorreu a crise estrutural do sistema produtivo.
Em nível mundial, o sistema taylorista/fordista de organização do trabalho também se manteve, conforme Pinto (2010) até o mesmo período, meados da década de 1970, quando sofreu impacto de várias ordens, entre estes houve instabilidade macroeconômica gerando cautela nos investimentos produtivos industriais. De tal modo, “a indústria redirecionou suas estratégias de padronização em larga escala para a crescente agregação tecnológica, maior qualidade e personalização de seus produtos.” (PINTO, 2010, p. 44). Com essa nova realidade apresentada, as mudanças no mercado econômico, também o modelo de organização apresentado até o momento, taylorista e fordista, não respondia mais as exigência colocadas pelo mercado. Solicitando deste mercado um novo modelo de organização do trabalho, sendo apresentado, deste modo, o modelo toytista.
Na concepção de Antunes (2006), o toyotismo se originou no Japão no pós-segunda Guerra Mundial e objetivava estoques mínimos na qual a produção dava-se de acordo com o consumo, e ainda, o trabalhador operava com várias máquinas simultaneamente, diferentemente do sistema taylorista e fordista onde o trabalhador operava em uma só máquina e com o trabalho em série.

O sistema toyotista de organização tinha como fundamento uma metodologia de produção e de entrega mais rápidas e precisas que as demais, associada justamente à manutenção de uma empresa “enxuta” e “flexível”. Isso era obtido pela focalização no produto principal, gerando desverticalização e subcontratação de empresas que passavam a desenvolver e a fornecer produtos e atividade, com utilização de uma força de trabalho polivalente. (PINTO, 2010, p. 46).

Portanto, com o modelo de organização toyotista com o padrão de acumulação flexível, há a possibilidade e exigência de um mesmo trabalhador operar várias máquinas, dentro de um único processo produtivo. Segundo Pinto (2010) o mesmo trabalhador estava na função de programação de máquinas, de planejamento e coordenação da produção e na “transformação propriamente dita dos insumos e matérias-primas em produtos intermediários ou acabados (a produção direta).” (PINTO, 2010, p. 63).
Com essas novas exigências, os trabalhadores tinham maiores responsabilidades dentro da mesma jornada de trabalho, com o objetivo de aumento da produtividade aos empregadores, representantes do capital. “Cumprida essa fusão de várias funções e atividades, designou-se ‘multifuncionalidades’, ou ‘polivalentes’, aos trabalhadores por elas responsáveis” (PINTO, 2010, p.63). Uma das consequências deste modelo e que os trabalhadores não eram mais especialistas e qualificados em uma única área ou função, devendo ser mais polivalente, por isso o trabalho é “mais desespecializado e multifuncional, de fato mais intensamente explorado” (ANTUNES, 2006, p. 44, grifos do autor). Resultando na redução do número de trabalhadores, no qual as máquinas são operadas com equipes mínimas. Assim, neste sistema, a capacidade produtiva passava a ser realizada de forma flexível.
Logo, para Pinto (2010) com a flexibilização da produção também ocorre a flexibilização das legislações trabalhistas que regulamentam a força de trabalho, culminando em redução de direitos aos trabalhadores e consequentemente à crise ao movimento sindical e a desproteção destes mesmos trabalhadores, devido ao crescente desemprego, que serve para garantir baixos salários e a contratação temporária de trabalhadores. “O desemprego é um dos fatores que garante as jornadas flexíveis de trabalho, elemento vital no acoplamento da escala de produção à demanda dos mercados de consumo, proposta central do toyotismo”. (PINTO, 2010, p. 81).
Assim, com a mudança da produção em série e de massa e controle do tempo de trabalho por um processo com maior flexibilização da produção, bem como das relações de trabalho, determinam inovações as formas de produção e reprodução da sociedade capitalista, a qual tem por objetividade a maior lucratividade, assim, há uma intensificação da exploração do trabalho em prol da acumulação do capital. Antunes (2006, p. 42, grifos do autor) acrescenta que para dar conta de um processo que permite maior concentração de capital, isto é, da acumulação flexível que tratava “de garantir a acumulação, porém de modo cada vez mais flexível”, a chamada reestruturação produtiva do capital, fundamentou-se na empresa enxuta que “constrange, restringe, coíbe, limita o trabalho vivo, ampliando o maquinário tecnocientífico, que Marx denominou como trabalho morto. E redesenha cada vez mais a planta produtiva, reduzindo força de trabalho e ampliando a sua produtividade” (ANTUNES, 2006, p. 44, grifos do autor).
Em relação ao Brasil, conforme Silva e Yazbek (2006, p. 11) a constituição do mercado de trabalho que abrange as décadas de 1980 e 1990 constituiu-se como um período em que há uma crise externa do capitalismo, com o agravamento da situação social, aumento das desigualdades sociais e de renda, culminando com esgotamento da industrialização, com o desmonte do projeto nacional desenvolvimentista, optando-se por um projeto liberal-internacionalista. Como consequência, na década de 1990, define-se o alinhamento do Brasil à globalização financeira e a implementação de um conjunto de reformas, que perpassam as condições necessárias às alterações para o projeto neoliberal, com reflexos no mundo do trabalho tais como: terceirização, crescimento da informalidade, aumento de pessoas desempregadas, precarização nas relações de trabalho, baixos salários, instabilidade, ausência da proteção social e aprofundamento de mecanismos de segmentação e discriminação.
Com essa realidade posta, acendeu mudanças na organização do trabalho, bem como nas suas relações sociais trabalhistas, nas relações de classes, interferindo diretamente na classe trabalhadora, pois retira dos trabalhadores direitos sociais que foram conquistados  por intermédio de muitas lutas e organizações sociais, a nível mundial, principalmente durante e posteriormente a revolução industrial e, no Brasil também foram conquistas adquiridas por meio de lutas por direitos, como resultado da organização, mobilização e luta da classe trabalhadora. Além disso, para que o trabalhador garantisse meios para sua subsistência, aconteceram situações de lutas, conflitos e resistências a fim de que estes obtivessem os direitos sociais. Corroborando com o pensamento de Marx e Engels (1998) há duas classes sociais, que são os trabalhadores e a burguesia, os quais lutam por objetivos contrários e divergentes, havendo uma relação intensa de conflitos, sendo a partir desta que há resultados para a classe trabalhadora.
Assim, com a organização toyotista e o padrão de acumulação flexível intensifica a fragmentação do trabalho, é uma obrigação posta à força de trabalho para que sejam aceitos salários menores ou iguais, porém com um acumulo de trabalho, e ainda em péssimas condições. Pode-se afirmar que com a reestruturação produtiva houve um avanço na economia, mas também na miséria, na exclusão, resultando em força de trabalho disponível para o capital, devido ao alto índice de desemprego, culminando, por fim com um elevado número de trabalhadores vivendo em situações permeadas pela desigualdade social e desprovidos ao acesso à riqueza socialmente produzida.
O resultado desta relação de produção pode ser observado em toda parte, seja por meio do desemprego, da precarização das relações de trabalho, rebaixamento salarial, com formas de trabalhos precários, parciais, temporários, terceirizados, informal e consequentemente perda de direitos trabalhistas e sociais, ocorre um desmonte do sistema público de proteção social. Com a flexibilização produtiva, ocorre a desregulamentação do trabalho, a desproteção, ou seja, uma redução e, em algumas situações, a eliminação dos direitos sociais que foram conquistados com a luta dos trabalhadores. Igualmente, essa realidade, não se coloca diferenciada às pessoas com deficiência, que também são classe trabalhadora e lutam por direitos sociais e de trabalho.

3 - PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO FORMAL: RESULTADOS DA PESQUISA EMPÍRICA

Conforme descreve Netto e Braz (2007, p. 29) o trabalho está na base da atividade econômica, e “é o processo que envolve a produção e a distribuição dos bens que satisfazem as necessidades individuais e coletivas dos membros de uma sociedade”. No entanto, mesmo estando garantido na Constituição Federal de 1988, artigo 6º como: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 2004, p. 15, grifos nossos), nem todas as pessoas conseguem acessar estes direitos. “Embora reconhecido como direito, não é assegurado a todos, esta relação se torna excludente e provocadora de iniquidades sociais” (BOSCHETTI, 2003, p. 47).
Considerando as palavras de Boschetti (2003), as pessoas que não podem trabalhar devido algum tipo de incapacidade ou em função de idade (idoso e criança), de uma deficiência física ou psíquica são isentas da obrigatoriedade do trabalho. Deste modo, as pessoas com deficiência são consideradas incapazes e da mesma forma são isentas, pois lhes é concedido o direito a esta isenção, no entanto, é importante ressaltar que nem todas as pessoas com deficiência são consideradas incapazes e, ao mesmo tempo, apresentam-se nesta condição de isenção. Apesar disso, esta condição da isenção contraria o direito ao trabalho, colocado em Lei, pois as pessoas com deficiência e com capacidade e condições físicas e psíquicas para o trabalho, também lhes é, de certa maneira, negado esse direito, sendo necessário uma Lei que garante cotas para que essas mesmas pessoas obtenham o direito de acessar o mercado de trabalho formal. Desta forma, embora o trabalho seja reconhecido como direito, não é assegurado a todos.
Em relação ao trabalho, foi estabelecido como direito humano fundamental no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sancionada pela ONU em 10 de dezembro de 1948 “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Desta maneira, têm-se as leis referentes aos direitos sociais aos segmentos sociais, entre eles, os das pessoas com deficiência, como o Decreto n.º 3.298/1999 que no artigo 2º preconiza: “(...) cabe aos órgãos do poder público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive (...) trabalho”. E, ainda, o artigo 34 estabelece que “é finalidade primordial da política de emprego a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido” (BRASIL, Decreto n.º 3.298, 1999).
Em contraponto, as legislações, ao tratar deste segmento, informam que “o Brasil é possuidor de um dos maiores contingentes de pessoas com deficiência (16 milhões), sendo que destes, 60% encontram-se em idade de trabalhar e 98% dos mesmos encontram desempregados” (PASTORE apud CARVALHO e ORSO, 2006, p. 158). Apesar disso, é evidente que o trabalhador cujo mercado de trabalho está em busca, é aquele considerado “capacitado” para o mercado de trabalho, eficiente, produtivo, rentável, “perfeito”. Assim sendo, o sujeito em discussão, ou seja, pessoa com deficiência, é considerado para o modo de produção vigente, ou aos olhos dos empregadores, como incapazes e inúteis para o trabalho, devido ao fato de que o ritmo de trabalho é para eles considerado “lento” e que ainda teriam “prejuízos”.
Logo, as pessoas com deficiência não estão tendo nem o direito de se colocar na condição de ser explorados e expropriados. Esta situação culmina, especialmente a partir da década de 1980, no contexto da reestruturação produtiva, da flexibilização do mercado de trabalho, dos ajustes neoliberais, do processo de contra reforma do Estado, da precarização da vida cotidiana, da deterioração das condições de vida e trabalho, do enfraquecimento dos movimentos sociais, bem como das garantias coletivas, das alterações em relação às leis trabalhistas, sendo necessária uma luta permanente pela defesa e manutenção do emprego para todos os trabalhadores e, dentre estes, as pessoas com deficiência.
Esta condição não favorece os trabalhadores com deficiência, tendo em vista que com a redução do mercado de trabalho há um acúmulo no contingente de pessoas desempregadas, fazendo com que o empregador possa escolher o seu trabalhador. Deste modo, na relação de produção e reprodução das relações de trabalho, no acumulo da mais-valia, da alienação do trabalhador, da expropriação da força de trabalho lhes é negado, até mesmo, o direito de ser explorado, o direito ao trabalho.
Inserem-se nesta discussão Carvalho e Orso (2006, p. 171), os quais consideram que as “(...) pessoas com deficiência vêm buscando o estabelecimento de algumas medidas legais que possam auxiliar na sua inserção no mercado de trabalho”. Uma das garantias concretas encontradas para a sua acessibilidade é a política de cotas, na qual se reserva um “percentual de postos de trabalho para as pessoas com deficiência” (CARVALHO e ORSO 2006, p. 171). Na Lei n.º 3.298/1999 esta cota é possível através de reserva nas vagas de concursos públicos, bem como nas empresas privadas, na qual àquelas que são formadas com cem ou mais empregados deverão preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com trabalhadores com deficiência, e o número de vagas é de acordo com o número de funcionários das mesmas. No entanto, mesmo se as empresas cumprissem a lei, “a quantidade de pessoas com deficiência que adentrariam no mercado de trabalho estaria muito aquém daqueles que necessitam trabalhar” (CARVALHO e ORSO, 2006, p. 173).
Considera-se, então, que somente com o cumprimento da Lei de cotas não serão garantidos os direitos sociais contidos na Constituição Federal de 1988. Isto não basta para que as pessoas com deficiência tenham as condições de acessibilidade ao mercado de trabalho formal.
Deste modo, a pesquisa empírica em relação a realidade social da acessibilidade da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho formal realizou-se no Município de Foz do Iguaçu, localizado na região do extremo oeste do Paraná, fazendo fronteira com os países Argentina e Paraguai e conta com 311.336 habitantes, segundo dados do IBGE (2009). Há um agravamento da situação econômica e social no município, com o crescente desemprego e o desenvolvimento de uma economia informal acarretando no aumento do favelamento urbano e dificuldades nos diferentes setores sociais como educação, saúde, assistência social, habitação, empregabilidade. É mister informar que a abertura de postos de trabalhos não acompanha o mesmo ritmo do crescimento populacional.
Assim, expõem-se os resultados obtidos por intermédio da pesquisa empírica realizada sobre a acessibilidade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal. Em decorrência das respostas obtidas com os cinco sujeitos de pesquisa, nas quais um afirmou NÃO haver dificuldade e quatro colocaram que SIM, há dificuldades para as pessoas com deficiência acessar o mercado de trabalho formal no município; por razões diversas, como ignorância por parte dos empresários, os quais colocam na Lei a imposição, bem como o preconceito, também por acreditar que desenvolvem pouco, principalmente àqueles que não têm formação/capacitação e desconhecimento do diferente, dificuldades de adequação do perfil ao mercado de trabalho, desconhecimento. Portanto, de fato na prática cotidiana, os direitos sociais da igualdade, da não discriminação não são respeitados conforme prescreve a legislação.
No que tange aos motivos que contribuem para as resistências e limitações dos empregadores em contratar pessoas com deficiência, as principais situações mencionadas pelos sujeitos de pesquisa estão relacionadas à falta de conhecimento dos empregadores e ao mesmo tempo a responsabilização e culpabilização atribuídas às pessoas com deficiência, quando trata como limite e resistência a falta de profissionalização, formação, auto-estima. Outro fator é que os empresários querem o resultado, o produto, os superlucros, o retorno financeiro e ainda acreditam que a pessoa com deficiência é de responsabilidade governamental. Assim, responsabilizam o governo e culpam o sujeito pela sua condição de não estar no mercado de trabalho.
Ao questionar se os empregadores conhecem a Política do Trabalho que trata das pessoas com deficiência quatro deles afirmam que SIM e um coloca que NÃO. No que tange a forma que realizam a aplicação e a concepção dos empregadores em relação à política de cotas, as respostas são diversificadas, pois se coloca o tratamento da pessoa com deficiência, ainda, na condição do “coitadinho” como alvo da ajuda e não na perspectiva do direito social. Afirma-se, também, haver falhas no processo de fiscalização, empregadores delegam a outro a responsabilidade, devido à busca que se dá em relação a parceiros de mercados e custos, isto é, os interesses advindos do modo de produção capitalista, e ainda, a crença de que todos são tratados de forma igual. No entanto, a pessoa com deficiência tem que ser tratada na sua condição de deficiência, na sua diferença, para que, desta maneira, possa sim ser tratado com igualdade.
Em relação aos desafios para acesso ao mercado de trabalho formal, a discussão continua sendo colocada como de responsabilidade da pessoa com deficiência, tanto em relação a auto-estima, qualificação, resolver o auto preconceito. Foi abordado que o empregador deve buscar compreender e aceitar o trabalhador com deficiência e que o Estado, através do Ministério do Trabalho efetive a fiscalização e determine ao empregador que as contrate. Mediante a isso, a responsabilidade não é colocada de forma direta aos representantes do capital, mais sim ao outro, seja à pessoa com deficiência que procura se inserir no mercado de trabalho formal, ou àquele que responde pela fiscalização e não pela tomada de consciência do empregador, do cumprimento das Legislações pertinentes, tanto em relação ao direito ao trabalho quanto em relação a política de cotas, pois deste modo o cumprimento dar-se-á somente pela punição e não pelo reconhecimento do direito.
Em relação às possibilidades para o acesso ao mercado de trabalho formal, demonstrou-se novamente a responsabilização às pessoas com deficiência de ter ou não condições, ao vincular a profissionalização, qualificação e graduação como responsabilidade única e exclusiva do sujeito. Em quase todas as respostas, sujeitos retratam e repetem a questão da capacitação, como se está, por si só, bastasse.
As funções/profissões de maior acessibilidade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal no município são em: escritório, administrativo, correio, lojas, limpeza, as que exigem menor escolaridade e responsabilidade, pois ainda não há credibilidade, há resistências. E, de menor acessibilidade são: em vendas, ou aquelas de nível superior. Vale mencionar que há uma compreensão errônea da população em relação a deficiência, expostas nas atitudes de preconceito e discriminação, colocando as pessoas com deficiência como inaptas ao trabalho, e por assim ser, a elas podem ser reservadas as atividades com menor exigência e responsabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo foi possível realizar uma breve discussão acerca do trabalho e do trabalho no modo de produção capitalista, sendo no segundo que o trabalhador é expropriado das suas condições de vida e de trabalho, no momento em que a sua força de trabalho torna-se mercadoria para o capital, possibilitando ao dono da matéria prima e dos meios de produção, através da compra da força de trabalho, extrair do trabalhador o máximo possível de tempo de trabalho excedente, resultando em mais valia ao dono do capital.
Através do estudo realizado considera-se que o mercado de trabalho formal está somente preocupado com seus lucros e resultados, sendo este o objetivo dos empresários, demonstrando a não preocupação com as pessoas, com os direitos sociais estabelecidos em Lei, pois o artigo 6º da Constituição Federal preconiza que o trabalho é direito de todos. Confirma a presença do antagonismo e contradição em relação a pessoa com deficiência, pois ao mesmo tempo em que colocam a falta do conhecimento do empregador, também colocam que este quer o profissional pronto e não tem paciência para ensinar, para trabalhar  no ritmo da pessoa com deficiência, pois o que realmente o mercado ambiciona são os lucros a qualquer custo. Então, evidencia-se o não interesse deste empregador, a negação do trabalhador com deficiência por acreditar que este é incapaz e que não vai lucrar a partir dos seus serviços.
Outro ponto a considerar é a discussão da qualificação, sendo esta utilizada enquanto argumento para a não contratação da pessoa com deficiência, no entanto, a pergunta é: como se justifica pessoas com deficiência qualificadas que não conseguem acessar o mercado de trabalho formal? A pesquisa evidenciou que as pessoas com deficiência sofrem um duplo processo expropriação de seus direitos. De um lado, igual a todos os trabalhadores que se encontram no mesmo processo de dificuldades relacionadas à política de trabalho e, por outro, enfrentam ainda a discriminação e preconceito pela sua condição de deficiência. Neste sentido, o que se apresenta e o mascaramento da realidade concreta, a qual se utiliza da artimanha da falta de qualificação, para escamotear o verdadeiro sentido de discriminação e preconceito presente.
De tal modo, ao reduzir e simplificar a discussão do não acesso ao trabalho formal à falta de qualificação da pessoa com deficiência há uma redução na discussão e responsabiliza-se o sujeito, culpabilizando-o pela sua condição de não acesso ao mercado de trabalho formal. No entanto, destaca-se que as pessoas aqui referenciadas não se encontram em condição de igualdade. Primeiramente, por que o modo de produção capitalista e a realidade cotidiana estão fundados na competição predatória, resultando no aumento das desigualdades, ou seja, desigualdade de acesso aos meios de produção, pois nem todos se encontram nas mesmas condições e, ao ser colocado que as pessoas têm direitos iguais e estão em condições de igualdade, caso obtenha a devida qualificação, esta afirmativa não é verdadeira, pois como se aplica direitos iguais para pessoas em condições diferentes. Evidencia-se ainda, a naturalização das desigualdades sociais e da responsabilidade do sujeito, enquanto condição isolada, isto é, das pessoas com deficiência, culpabilizando-os e tolhendo a condição de cidadania, demonstrando visivelmente que àquele que não serve ao mercado, na concepção dos empresários, deverá ser responsabilizado pela sua condição.

REFERÊNCIAS

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TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplie. Escrito e produzido por Charles Chaplin com Paulete Goddard. MK2 editions: Estados Unidos, 1936. 83 min. Som, preto e branco.

* Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE Campus de Toledo e mestranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela mesma instituição. Assistente Social da Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, Secretaria Municipal de Saúde na Unidade de Pronto Atendimento – UPA João Samek. Participa do grupo de pesquisa Estado, sociedade, trabalho e Educação na UNIOESTE/Campus de Foz do Iguaçu.

** Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor Adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, atuante no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras – Nível de Mestrado e Doutorado. Participa do grupo de pesquisa Estado, sociedade, trabalho e Educação na UNIOESTE/Campus de Foz do Iguaçu.

1 “Denominação do modo de produção em que o capital, sob suas diferentes formas, é o principal meio de produção. (...) Qualquer que seja a sua forma, é a propriedade privada do capital nas mãos de uma classe, a classe dos capitalistas, com a exclusão do restante da população, que constitui a característica básica do capitalismo como modo de produção” (BOTTOMORE, 2001, p. 51).

2 “Mercadoria ‘e, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou diretamente, como meio de produção”. (MARX, 2014, p. 57)

3 O filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin é uma sátira a situação vivenciada após a grande crise de 1929/1932 e retrata, em forma de crônica, a vida urbana nos Estados Unidos, a situação do trabalho rotinizado, a fome, a miséria e o desemprego.


Recibido: 08/11/2016 Aceptado: 30/11/2016 Publicado: Noviembre de 2016

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