Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE: O DIREITO DO CONSUMIDOR AO ACESSO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Autores e infomación del artículo

Larissa Copatti Dogenski*

Rosana Gomes da Rosa **

Ryan Noremberg Schubert ***

Universidade Federal do Rio Grande y Universidade Federal de Pelotas, Brasil

larissa-cd@outlook.com

RESUMO
O artigo busca determinar a incidência do Código de Defesa do Consumidor em contratos imobiliários, quando constatado que o imóvel está inserido em área de preservação permanente, o que gera a existência de limitações ambientais ao direito de construir. Defende-se que a guarida ao consumidor adquirente de imóvel surge quando não há informações suficientes acerca das limitações ambientais, passando-se a análise da responsabilidade tanto do empreendedor quanto do órgão público concedente de licenças/alvarás para atividade em área de preservação permanente. Para a análise proposta foi realizada pesquisa bibliográfica em fontes primárias e secundárias – utilizando-se bases normativas brasileiras e interpretações e doutrinárias, bem como pesquisa qualitativa junto a órgãos judiciários nacionais. Justifica-se a pesquisa proposta a fim de diagnosticar não somente as responsabilidades por perdas e danos, mas principalmente em demonstrar medidas necessárias à prevenção de sua ocorrência.   
Palavras-chave: Área de Preservação Permanente, Código de Defesa do Consumidor, Direito à Informação Ambiental, Empreendimentos Imobiliários, Limitação Administrativa.

ABSTRACT
The article seeks to determine the impact of the Code of Consumer Protection in real estate contracts, when observed that the property is housed in permanent preservation area, which generates the existence of environmental limitations to the right to build. It is argued that the harboring the consumer purchaser of property arises when there is not enough information about the environmental limitations, moving the analysis of the responsibility of both the entrepreneur and the public body awarding of licenses/permits for activity in permanent preservation area. For the proposed analysis was performed bibliographical research in primary and secondary sources - using normative foundations and interpretations and doctrinal as well as qualitative research among the judiciary authorities. It is the research proposal in order to diagnose not only the responsibilities for loss and damage, but mainly to demonstrate measures necessary to prevent their occurrence.
Keywords: Permanent Preservation Area, Code of Consumer Protection, Right to Environmental Information, Real Estate Ventures, Administrative Limitation.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Larissa Copatti Dogenski, Rosana Gomes da Rosa y Ryan Noremberg Schubert (2016): “Empreendimentos imobiliários em áreas de preservação permanente: o direito do consumidor ao acesso à informação ambiental na legislação brasileira”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/consumidor.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-04-consumidor


INTRODUÇÃO

O debate aqui proposto surge da constatação de um problema prático, existente tanto em esfera administrativa quanto jurídica. A identificação das áreas de preservação permanente não é um problema somente para o consumidor, ou para o empreendedor por ocasião da regularização de obras e serviços. Na prática, o judiciário, o executivo e o legislativo mostram-se inconsistentes em suas decisões envolvendo áreas de preservação permanente. Os conceitos previstos na legislação são estanques, mas na prática os limites entre a área de preservação permanente e o direito à propriedade – ou direito de construir – não são tão definidos quanto consta na norma.
Importa ressaltar que o presente artigo cinge-se aos contratos de empreendimentos imobiliários firmados sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. No entanto abordar-se-á conjuntamente a responsabilidade do ente público quanto à ausência de informações claras acerca dos limites das áreas de preservação permanente, o que inclusive tem sido objeto de Ação Civil Pública, conforme restará demonstrado.
A análise proposta utiliza uma abordagem crítico-dialética, fundamentada em pesquisa bibliográfica – a partir de fontes primárias e secundárias – e coleta de dados qualitativos em sítios de Tribunais Estaduais. Para a apresentação da temática optou-se por dividir o artigo em três itens: o primeiro para tratar das delimitações dos contratos imobiliários em análise e o direito à informação perante o Código de Defesa do Consumidor; o segundo destina-se a analisar a questão relativa a definição de Área de Preservação Permanente e a dificuldade em determinar se um empreendimento está ou não inserido em área com limitações ao direito de construir; e o terceiro trata do acesso à informação como um direito ao consumidor e uma garantia ao ambiente.
É importante considerar que o direito à informação acerca de limitações no direito de construir não deve ser visto somente como um entrave econômico. Trata-se muito mais de uma forma de incentivar os gestores públicos a manter controle de suas áreas de preservação permanentes, como forma de garantir o ambiente e a biodiversidade local, conforme restará demonstrado. 

 
1 CONTRATOS IMOBILIÁRIOS: DIREITO À INFORMAÇÃO PERANTE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) conceitua o consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, conforme redação de seu artigo 2º. Ainda é equiparada a consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”, de acordo com a redação constante em seu parágrafo único.
Enquanto isso, o fornecedor é conceituado no artigo 3º do referido Código como sendo “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Além disso, o referido Código também traz o conceito de produtos e serviços nos parágrafos 1º e 2º do mencionado artigo 3º, sendo caracterizado como produto “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e como serviço “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
No caso em tela, a análise dá-se em torno de empreendimentos imobiliários no geral, tais como condomínios fechados, parcelamentos do solo e loteamentos, negociados sob as regras do Código de Defesa do Consumidor. A aplicação da legislação consumerista a contratos de compra e venda de imóveis ocorre quando os imóveis são oferecidos por empresas e grupos comerciais que atuam no ramo da construção e incorporação, oferecendo os imóveis construídos no mercado.
Verifica-se, portanto, que quando um consumidor firma um contrato para a aquisição de um imóvel onde incidente qualquer limitação ao direito de construir, sem que isso esteja claro no contrato, há falha na informação, seja por inadequação ou por ausência de clareza. Nesse sentido ressalta Machado (2006, p. 198):
A Lei 8.078/1990 refere-se à informação em pelo menos dois artigos: o art. 6º e o art. 31. O art. 6º foi expresso ao afirmar o direito do consumidor à informação “adequada e clara”. Informação “adequada” é aquela que tem congruência, que é apropriada. Informação “clara” é aquela que tem limpidez, que é perfeitamente compreensível.
 
A problemática reside justamente quando o consumidor pretende adquirir um imóvel e acaba por se deparar com alguns impasses, os quais o impedem de utilizar o imóvel, tais como: a ausência de alvará e/ ou licenciamento ambiental e impedimento para proceder a instalação de energia elétrica e/ou água e esgotamento. Tais impassem decorrem do fato de alguns destes imóveis estarem inseridos em Áreas de Preservação Permanente (APP), em “áreas verdes” ou ainda representarem espaços especialmente protegidos pela legislação ambiental, o que acaba restringindo o direito de uso destes imóveis.
Importa ressaltar que o próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) ampara a proteção ao meio ambiente em cláusulas contratuais, uma vez que insere em seu Artigo 51, inciso XIV a seguinte previsão:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

Resta claro, portanto, que a existência de contrato prevendo a venda de móvel sem qualquer limitação de uso, mas que inserido em Área de Preservação Permanente, constitui ofensa ao CDC, uma vez que para o exercício pleno do direito adquirido certamente há ofensa à norma ambiental, o que será demonstrado no item 2 abaixo.
Tais impasses, entre o direito negociado no contrato e o exercício pleno do direito à propriedade adquirida, ocorrem, comumente, em razão da ausência de informações pertinentes à condição do imóvel perante o regramento ambiental. O direito ao acesso à informação encontra-se expresso no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso XIV, o qual prevê que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, e inciso XXXIII, que dispõe que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
A legislação específica também dispõe de dispositivos que permitem o acesso à informação ambiental, como na Lei que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/1981), a qual objetiva em seu artigo 4º inciso V a “divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico”. Além disso, ainda prevê em seu artigo 9ª, incisos VII, X e XI respectivamente, a criação do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA), a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente (RQMA), a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, e ainda a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes. Além disso, a Lei nº. 10.650/200 regulamenta e dispõe sobre o acesso público aos dados e informações ambientais perante SISNAMA.
Na legislação consumerista, o direito à informação encontra-se disciplinado no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 30, o qual dispõe que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”. Desta forma, o referido Código prevê expressamente que informações publicadas acerca de produtos ou serviços oferecidos no mercado consumidor obrigam o fornecedor ao seu cumprimento.
Caso descumprida tal determinação, o mesmo Código dá a opção ao consumidor de rescindo o contrato entabulado, conforme previsto em seu artigo 35 inciso III:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: [...]
III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Há que se considerar que, em termos legais, a compra de imóveis muitas vezes está também relacionada aos contratos de incorporação, além daquela típica relação de consumo. A incorporação imobiliária está regulamentada através da Lei Federal nº 4.591/64, e configura-se como uma dos principais meios para viabilizar a realização de negócios imobiliários, conforme relatam Alves & Mota (2015, p. 165):
Trata-se de negócio jurídico complexo, envolvendo, em geral, múltiplas partes. As figuras do incorporador  e do  adquirente  sempre  se  fazem  presentes,  sendo  possível  a intervenção, também, de instituições financeiras e de um construtor. Destarte, a incorporação tende a veicular-se por meio de mais de um instrumento contratual.
 
Logo, independente das partes que fazem parte da incorporação há a relação consumerista, uma vez que a diversidade de pessoas jurídicas e instituições envolvidas estão aptas a configurar a relação entre fornecedor e consumidor (BRITO, 2002, p. 237). Mas, na prática, em que pese a existência de um contrato formalmente perfeito, de partes legitimas a configurar a relação de consumo, de adequado e regular registro do imóvel objeto da transação e da legitimidade das partes contratantes, ainda assim pode ser obstada a fruição do bem.
Esse é o tema debatido no item 2 seguinte, onde há limitação no direito de uso, no direito de construir, de um imóvel. Essa limitação na maioria das vezes só é constatada pelo adquirente do bem quando vai solicitar um alvará para construção, ou quando – após a construção – vai solicitar a instalação de serviços públicos concedidos, como o fornecimento de energia elétrica e/ou fornecimento de água/coleta de esgoto.

 

2 EMPREENDIMENTOS EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE: O PROBLEMA ENTRE A DEFINIÇÃO CONCEITUAL E O RECONHECIMENTO PRÁTICO

As atividades humanas, o crescimento demográfico e o crescimento econômico causam pressões ao meio ambiente, degradando-o. Desta forma, visando salvaguardar o meio ambiente e os recursos naturais existentes nas propriedades, a legislação brasileira prevê a existência de áreas especialmente protegidas. Em tais áreas o direito de uso e fruição é limitado, podendo haver proibição para construção, plantação, ou exploração de qualquer atividade econômica, ainda que seja para assentar famílias assistidas por programas de colonização e reforma agrária.
A limitação no direito de uso do imóvel abordada nesse artigo está relacionada a aspecto ambiental do bem transacionado, especificamente em relação aos espaços especialmente protegidos. A Constituição Federal de 1988 define tais espaços em seu Artigo 225, §1º, inciso III, que determina incumbir ao Poder Público:
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; [...].

Normas posteriores vieram regulamentar esses espaços especialmente protegidos, definindo-os entre Unidades de Conservação – normatizadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/2000 - SNUC); e Áreas de Preservação Permanente – definidas pela Lei 12.651/2012. Entre as áreas protegidas por uma e outra norma uma diferença essencial. Uma Unidade de Conservação (UC) constitui um “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público [...]” (Art. 2º, inciso I do SNUC). Ou seja: a norma é clara ao prever que uma UC é legalmente instituída pelo poder público, de modo que seus limites, área e critérios de uso são regulamentados em lei.
Entre as Unidades de Conservação está prevista a categoria Área de Proteção Ambiental (APA). Originalmente criadas pela Lei 6902/1981, as áreas de proteção ambiental são hoje reguladas conforme Artigo 14, inciso I do SNUC. De acordo com o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC, 2016) existem 301 áreas de proteção ambiental no país: 33 na esfera federal, 187 na esfera estadual e 81 na municipal.
Uma APA é caracterizada como extensa área natural destinada à proteção e conservação dos atributos bióticos (fauna e flora), estéticos ou culturais ali existentes, importantes para a qualidade de vida da população local e para a proteção dos ecossistemas regionais. Sua criação objetiva a conservação de processos naturais e da biodiversidade, através da orientação, do desenvolvimento e da adequação das várias atividades humanas às características ambientais da área.
Como unidade de conservação da categoria uso sustentável, a APA permite a ocupação humana. Estas unidades existem para conciliar a ordenada ocupação humana da área e o uso sustentável dos seus recursos naturais. Podem ser estabelecidas em áreas de domínio público ou privado, pela União, Estados ou municípios, sem a necessidade de desapropriação das terras privadas. No entanto, as atividades e usos desenvolvidos em áreas particulares estão sujeitas a regras específicas que serão definidas em lei e no plano de manejo da área.
Em contrapartida, a Área de Preservação Permanente (APP) é caracterizada pelo Artigo 3º, inciso II da Lei 12.651/2012 como uma:
[...] área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

Em termos constitucionais as áreas de preservação permanente (APP) são semelhantes às APA’s, uma vez que ambas visam atender ao direito fundamental de todo brasileiro a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado", conforme assegurado no art. 225 da Constituição Federal. No entanto, seus enfoques são diversos: enquanto as APA’s estabelecem o uso sustentável de áreas preservadas, as APP’s são áreas naturais em princípio intocáveis, com rígidos limites de exploração, ou seja, não é permitida a exploração econômica direta.
Autoriza o Artigo 8º da Lei 12.651/12 que os órgãos ambientais possam abrir exceção aos limites de exploração de APP’s e autorizar o uso e até o desmatamento de área de preservação permanente rural ou urbana mas, para fazê-lo, devem comprovar as hipóteses de utilidade pública, interesse social do empreendimento ou baixo impacto ambiental. Ou seja: a instalação de empreendimentos imobiliários não caracteriza circunstância passível de levantamento da limitação de uso de uma APP. 
Ocorre que não raras vezes grandes empreendimentos buscam instalação em áreas próximas aos rios, lagos, represas, restingas e mangues, áreas próximas ao mar, encostas de morros e montanhas. Todas essas áreas podem facilmente caracterizar APP’s, conforme descrevem os onze incisos constantes no Artigo 4º da Lei 12.651/2012.
Além das áreas descritas no citado Artigo 4º, é possível ainda que outras áreas venham a ser declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo (Artigo 6º), de modo que podem passar a constar do rol de APP’s as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas à contenção da erosão do solo, mitigação dos riscos de enchentes, deslizamentos de terra e de rocha; entre outras.
Nos termos do Artigo 24 da Constituição Federal de 1988 é competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal editar normas referentes à conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso VII); bem como determinar a responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor (inciso VIII). Já o Artigo 30, incisos I e II estabelece que compete aos Municípios  legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.
Importa ainda ressaltar que o caput do art. 4º da Lei 12.651/2012 evidencia a existência e proteção de APP’s também em espaço urbano, que é onde se encontra a maior dificuldade em identificar tais áreas, vistos que seus limites podem não ser facilmente percebidos.  Essa é a grande dificuldade em termos de identificação e proteção das APP’s, uma vez que dependem de regulamentação e – em especial – de fiscalização dos municípios para coibir o uso indevido dessas áreas. Deste modo, a gestão das APP’s cabe, em massiva maioria, aos municípios, que devem elaborar normas suplementares aos Estados e conciliá-las com as normas gerais federais (LARCHER, 2010). Neste sentido, a lição de Fernando Reverendo Vidal Akaoui (2000):
[...] de uma análise conjunta dos artigos 24, inciso VI e seu §2º, artigo 30, II e artigo 225, todos do Texto Maior, somente podemos chegar à conclusão de que, sendo dever do Poder Público defender e preservar o meio ambiente, nem a União, e nem os Estados poderiam, dentro de sua competência concorrente, editar norma que viesse a prejudicar os ecossistemas essenciais, assim como não poderia fazê-lo o Município, dentro de sua competência suplementar.

Importa ressaltar a lição de Antunes (2002, p. 386), para o qual o “respeito aos limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de os municípios tornarem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos na lei federal". Assim, em termos de APP, onde não há registro da área – ao contrário do que acontece com as APA’s, a legislação federal deve ser respeitada pelos Estados e Municípios, que somente poderão aumentar as exigências federais, e não diminuí-las, conforme Artigos 23 (VI e VII) e 24 (VI e §2º) da Constituição Federal de 1988 (MACHADO, 2011).
O problema reside na ausência de informações acerca das exigências e limitações, bem como nas divergências técnicas acerca das características de cada local, na falta de georrefenciamento preciso para determinar os limites de casa APP. A determinação e publicidade de tais parâmetros é essencial para que o consumidor possa ter a completa ciência de que a área do imóvel que está adquirindo pode ser amplamente utilizado, ou que – ao menos – tenha conhecimento das limitações que o envolvem.
Conforme será demonstrado no item 3 abaixo, esses fatores dão causa a discussões judiciais e até termos de ajustamento de conduta para a determinação definitiva das áreas de APP, dando ciência à população e impedindo a ocupação irregular de referidas áreas.

 

3 O DIREITO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL: DIREITO PARA O CONSUMIDOR, GARANTIA PARA O AMBIENTE

Do exposto acima é possível perceber algumas diferenças normativas entre uma APA e uma APP. Mas na prática há uma diferença essencial: o fato das APA serem criadas mediante ato normativo faz com que exista publicidade quando à sua existência, características e localização. O mesmo não acontece em relação às APP’s, de modo que em algumas vezes até mesmo especialistas pode divergir acerca de seus limites – o que ocorre, por exemplo, com as margens de rios e lagos, e o ponto a partir do qual deve ser medida a APP.
Se o município não mantém base de dados e georreferenciamento das APP’s em seu território, como o Consumidor pode ter certeza acerca dos direitos que poderá exercer sobre o bem imóvel adquirido? De fato, embora a legislação seja farta ao prever o acesso à informação ambiental, quando se trata de APP’s os instrumentos de garantia à informação ainda não possuem eficácia.
Na prática, o que se verifica é que se existem dúvidas acerca dos limites das áreas de APP como fazer incidir ou fiscalizar o direito à fruição plena do imóvel? Como cientificar o proprietário acerca dos limites de seu direito de construir em razão da APP no imóvel? Como fazer vigorar a limitação administrativa sobre o bem? A limitação administração é figura importante quando se trata do exercício de direitos, e – se diz respeito à direitos – deve ser de amplo conhecimento e acesso ao consumidor adquirente de um imóvel. Sobre o tema sinala Meirelles (2013, p. 89)
Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social.   

Para a efetiva proteção das áreas de APP e para concretizar o direito do consumidor adquirente de um imóvel falta que haja efetiva publicidade da situação existente. Falta que a limitação administrativa seja uma informação de amplo acesso. Mas na prática não é o que se verifica, frequentemente o órgão público municipal é responsável por autorizar/licenciar empreendimentos em locais com restrições ambientais. Ou seja: mesmo diante de seu dever de atuar limitando administrativamente a construção em APP’s, o órgão público torna-se conivente com a realização de danos em um bem ambientalmente protegido.
Referida situação tem sido causa frequente de acesso ao judiciário, sendo que cada região guarda peculiaridades locais. Neste artigo optou-se por abordar a situação jurídica dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, dadas as diferenças em cada um deles.
No Rio Grande do Sul sinala-se a questão litorânea e de comunidades de baixa renda, com precedentes no litoral norte (região de Tramandaí/RS) e também no litoral sul (região de Rio Grande/RS), conforme ementas, obtidas junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS, 2016), respectivas de cada município:
APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. NOVA UNIDADE. ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE (APP). 1. Em se tratando de nova ligação de energia elétrica, em imóvel situado em Área de Proteção Permanente (APP), é exigível a apresentação de licença ambiental, na forma do art. 27, inc. II, alínea "d", da Resolução 414/2010 da ANEEL. Precedentes desta Corte. 2. Considerando que a parte autora não se desincumbiu de seu ônus probatório, no sentido de comprovar tal licença, impera a improcedência do pedido. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70070465950, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 31/08/2016. Comarca de Origem: Tramandaí/RS)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. LIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. NEGATIVA DA CONCESSIONÁRIA. IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. É legítima a negativa da concessionária de fornecer energia elétrica em imóvel localizado em área de preservação permanente sem o respectivo licenciamento ambiental. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70069919173, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 10/08/2016. Comarca de Origem: Rio Grande/RS)
Em ambos os casos trata-se de pedido para ligação de serviço básico essencial – energia elétrica – indeferido em razão de o imóvel encontrar-se em área de preservação permanente. Nesses casos é possível imputar ao órgão público qualquer responsabilidade objetiva, uma vez que não foi concedida licença para a instalação no local. No entanto não é possível afastar responsabilidade perante incorporadora ou fornecedor se o contrato para a aquisição do imóvel decorrer de relação de consumo.
No Estado de Santa Catarina a situação que merece atenção diz respeito à atuação do Ministério Público Federal, com frequentes ações contra Municípios para que procedam a demarcação das áreas de preservação permanente e interrompam a concessão indevida de licenças, bem como coibindo eventuais ocupações irregulares (MPF/SC, 2016): 

Para fins de comparação, é importante mencionar a situação existente em precedentes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ, 2016), onde a situação é semelhante à do Estado do Rio Grande do Sul. A diferença circunstancial na cidade do Rio de Janeiro é que lá o órgão público municipal estava autorizando a instalação de energia elétrica, e mesmo diante de autorização do ente público a empresa concessionária responsável (AMPLA Energia e Serviços S/A) negou efetivar a instalação. Referida interferência do órgão municipal – que inclusive licenciava obras em APP por completa ignorância técnica acerca da situação ambiental dos imóveis, levou a AMPLA a realizar consulta junto à Procuradoria do Instituto Estadual do Ambiente, buscando saber da regularidade da intervenção municipal.
Em resposta a procuradoria exarou o Parecer FP nº 36/2013, vinculado ao Processo E-07/002.15338/2013 afirmando que as autorizações podem ser consideradas válidas se precedidas de anuência do órgão ambiental estadual, conforme verifica-se do excerto abaixo:  

Em todas as situações é possível perceber a falta de segurança jurídica à qual submete-se o adquirente de imóveis. Ocorre que, diante da inexistência de registros e informações públicas acerca dos limites de áreas de preservação permanente, o consumidor pode-se ver limitado em seu direito de fruição do imóvel adquirido.
Há que se ressaltar que qualquer limitação administrativa que tenha por objetivo a conservação do ambiente deve ser visto como de interesse público, ante o direito fundamental ao equilíbrio ecológico (art. 225 da CF/88). No entanto, diante do direito à informação e do dever público de proteção do bem ambiental, é indiscutível que cabe também ao ente público a divulgação de qualquer limitação administrativa ao direito de construir. Trata-se de garantir não somente o direito do consumidor, mas de preservar o ambiente e dar ao cidadão o efetivo acesso à informação.

CONCLUSÃO

Apesar das diversas previsões normativas, em diferentes áreas, o direito à informação ainda está longe de ser garantido. Se em plena era da informação, com acesso rápido e fácil aos dados de todos os tipos e fontes, ainda ocorrem casos de aquisição de imóveis sem a ciência de suas limitações, resta evidente que a informação não está chegando ao seu principal destinatário.
O debate quanto à responsabilidade civil pelos danos decorrentes dessa falta de informação tornam-se secundários quando o que se observa é que a origem do dano está na indisponibilidade de dados precisos e/ou na omissão do agente público. E essa omissão tem causa definida: falta de conhecimento técnico dos agentes no momento de autorizar/licenciar empreendimentos, uma vez que sem o devido cadastramento das áreas nem mesmo os municípios conseguem precisar os limites de uma APP.
As situações aqui consideradas revelam que a necessidade do uso de instrumentos de monitoramento remoto dos imóveis vai muito além dos aspectos tributários e econômicos. É necessário que as ferramentas de georreferenciamento venham em socorro do efetivo monitoramento ambiental, prevenindo danos de todas as espécies, seja ao ambiente, seja ao consumidor, seja ao próprio ente público.

 
REFERÊNCIAS

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TJRS. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Sitio Institucional. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em 29 set. 2016.

* Mestranda em Direito e Justiça Social (FURG). Bacharel em Direito (UFPel). E-mail: larissa-cd@outlook.com

** Mestra em Direito e Justiça Social (FURG). Especialista em Engenharia Ambiental (UCAM). Especialista em Direito em Administração Pública (Fundação Trompowsky/UCB). Atua nas áreas de Políticas Públicas de Sustentabilidade, Planejamento Urbano e Direito à Informação Ambiental. E-mail: rosana.rosa@gmail.com

*** Biólogo e Doutorando do Programa de Pós-graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar (UFPel). E-mail: ryannslp@yahoo.com.br


Recibido: 06/10/2016 Aceptado: 13/10/2016 Publicado: Octubre de 2016

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