Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


GYÖRGY LUKÁCS:
O DIREITO CONSTITUÍDO PELA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL, IDEOLOGIAS DE EXCLUSÃO

Autores e infomación del artículo

Luciano Ferreira Rodrigues-Filho*

Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti, Brasil

lu_fr@yahoo.com.br

RESUMO
O presente artigo visa discorrer sobre o Direito e sua constituição dentro da sociedade. Utilizando a obra de György Lukács, com o título de “Ontologia do ser social”, iremos abordar como o sujeito transforma e é transformado pela sua relação dialética com o meio. Nesta relação o sujeito se apodera do conhecimento sobre o mundo/sociedade e neste ele age modificando-o e sendo modificado pela práxis no cotidiano. Lukács aproveita da teoria marxiana para compreender este fim teleológico do sujeito, diferenciando-o dos animais, esta capacidade teleológica determinada pelas condições sociais e históricas resulta nas causalidades próprias para a participação do sujeito no mundo, respeitando as possibilidades e as necessidades do seu tempo. Desta forma, entenderemos o Direito e as Leis como produção teleológica dos sujeitos, conforme a conjuntura social e histórica, como mecanismo determinante para instaurar a ordem na sociedade. Porém, como sujeitos de transformação e criação, ideologias são criadas de forma manipulada em prol da dominância, fortificando a exclusão social. O artigo esmiúça a ontologia do ser social realizando uma crítica para o Direito que temos para o Direito que queremos, visando não a exclusão e sua reprodução social, mas para perceber as brechas de um Direito excludente, das ideologias de dominância, para que, com isso, possa aflorar um Direito pautado no respeito ao outro.

Palavras-chave: Gyorgy Lukács, Ontologia, Filosofia do Direito, Consciência, Produção do Direito.

GYÖRGY LUKÁCS:
THE MADE RIGHT FOR SOCIAL BEING ONTOLOGY, EXCLUSION IDEOLOGIES

ABSTRACT
This article aims to discuss the law and its constitution within society. Using the work of György Lukács, with the title of "Ontology of social being", we will address how the subject transforms and is transformed by its dialectical relationship with the environment. In this respect the subject takes possession of knowledge about the world / society and in this it acts modifying and being modified by the practice in daily life. Lukacs advantage of Marxist theory to understand this teleological end of the subject, distinguishing him from the animals, this teleological capacity determined by the social and historical conditions results in own causalities to the subject's participation in the world, respecting the possibilities and the needs of your time. In this way, we understand the law and the laws as teleological production of subjects, according to the social and historical context, as a determining mechanism for bringing order in society. But as subjects of transformation and creation, ideologies are created from manipulated form for the sake of dominance, strengthening social exclusion. The article breaks the ontology of social being carrying out a review for the law we have for the law we want, not aimed at exclusion and social reproduction, but to realize the gaps of an exclusionary law, the dominance of ideologies, so that with that, can touch on one law based on respect each other.

Key-words: Gyorgy Lukacs; Ontology; Philosophy of Law; Conscience; Right Production.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Luciano Ferreira Rodrigues-Filho (2016): “György Lukács: O direito constituído pela ontologia do ser social, ideologias de exclusão”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/03/ontologia.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-03-ontologia


INTRODUÇÃO

            György Lukács nasceu em Budapeste, em 1885, filho de Adél Wertheimer e Jozséf Lukács, seu pai trabalhou na Budapest Kreditanstalt, importante agência bancária, porém, Lukács recusa aos costumes de uma família burguesa. O início de sua carreira é voltado para os estudos da arte e da literatura, produzindo vários textos e críticas literárias. Em 1902, inicia o curso de Jurisprudência na Universidade de Budapeste, em 1906 torna doutor em Leis e, em 1909, doutor em Filosofia.
Lukács foi militante, atuando nas Revoluções de Outubro, atuou politicamente na República Soviética da Hungria, na qual se ocupou do cargo de vice-comissário do Povo para a Cultura e a Educação Popular. Foi exilado, condenado a morte, mas por interferências de intelectuais escapou da morte. Suas inúmeras obras dedicadas à arte e literatura contribuíram para a compreensão de política e partidarismo. Vivendo sobre as efervescências das revoluções no leste europeu, Lukács participa ativamente buscando esmiuçar uma teoria política marxiana. 
            Dentre suas obras consta a Ontologia do Ser Social, que deveria ser uma introdução ao livro sobre a Ética, escrito na década de 60. Nesta obra, Lukács defende a tese de que a ontologia do ser social se dá pela ação dialética do sujeito no mundo – o trabalho. Utilizando dos fundamentos do marxismo, Lukács explora os textos de Marx na busca pela compreensão da constituição do sujeito social, consequentemente, do ser de consciência.
            Neste artigo, aprofundaremos na teoria de Lukács, principalmente na obra da Ontologia do ser social, como forma de abordar o surgimento do Direito na sociedade, entendendo que o Direito e as Leis são produtos da ação teleológica do sujeito, respeitando o contexto sócio-histórico na qual pertence.
            Após a explicação teórica iremos abordar a tomada de consciência do sujeito e como este se apodera de conhecimentos para a produção do Direito. Da mesma forma, como o Direito pode ser utilizado de má fé na busca por saciar os desejos individuais e dominantes, produzindo pseudoconcreticidades ou ideologias que contribui para a exclusão social. E, por fim, qual o papel do Direito? Defendendo a tese de que o Direito deve ser algo internalizado, e não externo como mecanismo de fiscalização, o Direito internalizado como princípio da moral, de respeito ao outro.

O DIREITO COMO PRODUÇÃO TELEOLÓGICA
            Parte-se do pressuposto de que o sujeito é constituído pela relação dialética entre ele e o mundo (universal), só é possível conhecer concretamente a consciência do ser a partir do conhecimento do mundo a qual ele está inserido.
Sendo a consciência decorrente do ser social, este socializado e humanizado, diferenciando do indivíduo não humano, selvagem, pela capacidade teleológica do sujeito. Conforme Lukács (2003), o ser social só pode ser tratado assim, na objetivação de seu pensamento teleológico, ocorrido pelo trabalho (atividade). O trabalho neste sentido refere-se a esta capacidade teleológica do sujeito, do pensar e agir, a compreensão de trabalho advém do conceito filosófico elaborado por Marx (1996) que o define como sendo,

"[...] a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e natureza, condição natural e eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais" (p. 303).

 Neste sentido, afirmamos que o Direito e suas leis, decretos, normas e ordens são produtos do resultado do pôr teleológico dos sujeitos mediante sua condição histórica e social a qual pertence, faz-se o Direito conforme as condições sócio-históricas. Para tanto, o ato de objetivar, de tornar o Direito real, de tornar concreto é possível pelo conhecimento do mundo na qual a sociedade convive, com isto, o sujeito pode dar forma (criar e transformar) o mundo das coisas para a construção do objeto teleologicamente pensado, mas, para isto, ele necessariamente deve conhecer o mundo que está a sua disposição (natureza).
            Tendo isto como fundamento básico (e descrito grosso modo), o desvendar do Direito como fenômeno da consciência terá, necessariamente, que conhecer os caminhos do mundo objetivo e histórico a qual o ser está inserido, conhecer a "sociedade como totalidade concreta" (ibidem, p.137).
            Quando entendemos que o Direito é produto dos sujeitos mediante sua relação com o mundo, entendemos que ultrapassa as barreiras singulares do próprio sujeito e sua atividade, ou seja, do magistrado. De modo ampliado, a atividade singular está relacionada com um mundo desconhecido pelo próprio ser (concreto), que envolve uma rede de fenômenos que tece o universo em que vivemos (natureza, ideologias, ciências, política).
            Portanto, para se ter a compreensão do Direito, temos que analisá-lo como um produto dos sujeitos em sua relação dialética entre eles e o universal, a concepção do trabalho teleológico executado por estes sujeitos (produção do Direito), constrói a singularidade destes indivíduos mergulhados nas mediações provenientes do universo do fenômeno (particularidades de cada sujeito dentro da sociedade).
            Se partirmos do pressuposto de que a atividade irá contribuir para a construção universal, de que o Direito irá contribuir para estabelecer uma ordem social ou uma mediação social, este trabalho do sujeito de fazer o Direito, está nesta relação dialética, Marx (1996) define o trabalho como sendo,

um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (p. 295).

            Assim, o trabalho parte de uma relação fecunda entre subjetividade e objetividade. O cotidiano acaba sendo um determinante importante para compreender estas relações, principalmente, os acordos, as leis, que definem a ordem pública e de ação dos sujeitos, é nela que os fenômenos ocorrem, no cotidiano temos os acordos, o lícito e o ilícito. É no cotidiano que ocorrem as multiplicações e a formação do ser social, "o comportamento cotidiano do homem é começo e final ao mesmo tempo de toda atividade humana" (LUKÁCS, 1966, p. 11).

Para reproducir la sociedad es necesario que los hombres particulares se reproduzcan a sí mismo como hombres particulares. La vida cotidiana es el conjunto de actividades que caracterizan la reproducción de los hombres particulares, los cuales, a su vez, crean la posibilidad de la reproducción social (HELLER, 1987, p. 17).

            A atividade não basta ser conceituada pelo fazer, por apenas fazer o Direito, mas também, pelo cotidiano, o de colocá-las em prática, de executá-las, ou como Michel de Certeau (1998) chamou em seu livro "A invenção do Cotidiano” de "maneiras de fazer". É sua cotidianidade, o cotidiano e suas infinitas "maneiras de fazer" que constrói o ser social.

A vida cotidiana é o ponto de partida e o ponto de chegada: é dela que provém a necessidade de o homem objetivar-se, ir além de seus limites habituais; e é para a vida cotidiana que retornam os produtos de suas objetivações. Com isso, a vida social dos homens é permanentemente enriquecida com as aquisições advindas das conquistas da arte e da ciência (FREDERICO, 2000, p 303).

            Como aponta Frederico, é nas relações corriqueiras do cotidiano que o sujeito "conversa" com o mundo externo, averiguando as possibilidades e as diferentes "maneiras de fazer". Para fazer seu alimento o ser ara a terra, planta, cultiva e colhe; para se locomover derruba uma árvore, serra a madeira, lixa, prega os pregos, coloca as rodas e faz uma carroça; para conhecer, faz medidas, instrumentos, cálculos, experiências e descobre a distância até o sol; no Direito, os acordos econômicos, as condições sociais, o desenvolvimento tecnológico, produzem a necessidade de se criar leis.

Cada coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser encarada sob duplo ponto de vista, segundo qualidade e quantidade. Cada uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob diversos aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos modos de usar as coisas é um ato histórico. Assim como também o é a descoberta de medidas sociais para a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas de mercadorias origina-se em parte da natureza diversa dos objetos a serem medidos, em parte de convenção (MARX, 1996, p. 165).

            Nesta relação dialética entre sujeito e objeto, constante e fluída, que o ser social toma sua forma, um ser de consciência sobre a aplicabilidade do Direito, de conhecer os direitos e deveres como membro de uma sociedade. Para Furtado; Svartman (2009),

é na atividade que se configurarão a dimensão histórica do campo dos significados, por meio da ação concreta, e a singularidade das escolhas possíveis dos repertórios da cultura, que constitui o contorno peculiar de cada pessoa. É nessa relação dialética que se realiza a práxis e que se constitui a consciência (p. 83).

            O conjunto de regras existentes que deram certo no passado, algumas correções, algumas melhorias, mas nada fora do estipulado e calculado pelas causalidades postas pelos sujeitos. Da mesma forma temos as causalidades naturais, ocorrida pelas intempéries do tempo, os fenômenos ocorridos pela natureza, este também exerce seu papel para a constituição do Direito. Como visto pelo art. 225 da Constituição Federal, que determina:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Porém, tal resolução, ou mesmo a Lei nº 9.605/98 que relata sobre “sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”, não são, originariamente, decorrentes das ações da natureza, mas da própria ação dos sujeitos que interferem no meio ambiente. Assim, cada vez mais, percebemos os efeitos dos sujeitos que possuem como resultado as modificações da natureza. Segundo Souza e Souza Filho (2013, p. 196) “pode-se dizer que o direito nasce de uma fonte material que é a vontade ou o consenso do povo que integra e pertence à determinada sociedade”, portanto o direito, as leis, são resultados das ações do sujeito perante acordo enquanto grupo, comunidade ou sociedade.

O direito nasce no meio social e deve corresponder à vontade do povo. A Constituição da República, logo em seu preâmbulo, afirma que todo poder emana do povo. Assim, o poder criativo do direito deve emanar do povo que instituirá o direito de acordo com as suas necessidades e conveniências. A norma tem sempre de representar a vontade do povo, pois, essa vontade geral é que é a verdadeira fonte do direito. Desta forma, o direito objetivado na lei é um direito natural porque surge naturalmente da vontade do povo e, só depois, é que ele é objetivado na lei, Por isso, a afirmativa de que primeiro nasce o direito e, só depois, a lei (Idem).

Ao mesmo tempo em que as causalidades naturais oferecem riscos (furacões, tornados, tsunamis, enchentes), elas também são responsáveis pela procura do ser em sanar suas dúvidas e seus problemas referentes às "leis da natureza", como o próprio nascimento do direito perante a selvageria do horda primeva, precisou estabelecer uma ordem. Mas isto não retira das causalidades como um determinante para delinear o movimento da vida cotidiana, assim como, "a essência do trabalho humano consiste no fato de que, em primeiro lugar, ele nasce em meio à luta pela existência e, em segundo lugar, todos os seus estágios são produto de sua autoatividade" (LUKÁCS, 2013, p. 43), como descrito por Michel de Certeau (1998) em seus dois volumes de "A invenção do cotidiano" sobre a construção dos acontecimentos corriqueiros e rotineiros pelas causalidades impostas pelo mundo e pela natureza. O Direito adquirido e constituído na vida cotidiana como resultado das condições sócio-históricas

A plasticidade e flexibilidade do aparato de busca - adaptativo - do ser vivo e a amplitude de suas necessidades combinam-se de modo a constituir níveis de complexidade orgânica e de mobilidade diante do meio. Uma planta, por exemplo, cujo aparato adaptativo a fixa em determinado meio geográfico, está circunscrita às ofertas nutricionais que esse meio específico lhe oferece e, portanto, ajusta-se exclusivamente a ele. Já um animal, pela possibilidade de locomoção, pode, em princípio, ampliar seu meio geográfico e se adaptar a ambientes mais diversos. O movimento de buscar a sobrevivência, ajustando-se às condições do meio, movimento esse presente em todo e qualquer ser vivo, é o protótipo do trabalho (SALGUEIRO, 2013, p. 83)

            Quando a invenção do cotidiano se torna rotineira, quando as Leis fazem parte do cotidiano, conscientes; quando o sentido da placa no trânsito é algo comum; quando não se assassina pela livre associação ao ilícito; o fazer começa a ser espontâneo. Com o tempo e o aperfeiçoamento de técnicas, o fazer não necessitará de grande investimento abstrato do como está sendo feito, o Direito passa a ser algo coletivo e consciente, pensando apenas no bem comum da sociedade.

Cada sociedade elege e procura proteger seus valores existentes. Pode-se afirmar em primeiro plano que inicialmente formam-se os valores para gradativamente serem assimilados pela população, até atingir o consenso do povo com a sua aceitação. São esses valores e esse consenso geral que geram o direito. O direito surge de uma fonte natural que é a vontade das pessoas integrantes da sociedade. Assim, pode-se dizer que o direito nasce de uma fonte material que é a vontade ou o consenso do povo que integra e pertence à determinada sociedade (SOUZA; SOUZA FILHO, 2013, p. 196).

            É este, basicamente, o saber sobre o seu fazer Direito que o sujeito deve portar, uma consciência sobre o Direito não como algo de fiscalização, externo ao sujeito, mas sim, internalizado. Mesmo que o fazer Direito não seja, diretamente, parte de sua atividade, caso do leigo em Direito, o sujeito tem a noção do seu fazer e do seu agir, da sua importância na construção dos direitos e deveres, "são sempre indivíduos determinados, com uma atividade produtiva que se desenrola de um determinado modo, que entram em relações sociais e políticas determinadas" (MARX; ENGELS, 2012, p. 93) e quanto está se falando de Direito, o fazer deixa de ser singular para ser coletivo e histórico.
           
A materialidade deste movimento não deve ser buscada apenas no seu aspecto físico/orgânico, apesar de que ninguém ainda tenha conseguido formar qualquer representação sem cérebro ou um sistema nervoso central, mas no fato de que a consciência é gerada a partir e pelas relações concretas entre os seres humanos, e destes com a natureza, e o processo pelo qual, em nível individual, são capazes de interiorizar relações formando uma representação mental delas (IASI, 1999, p. 17).

            Desta forma, a particularidade do Direito está relacionada à história da sociedade: "a consequência disto é que em cada processo de trabalho concreto e singular o fim regula e domina os meios" (LUKÁCS, 2013, p. 57). O fazer Direito, neste sentido, encarado como sendo um processo de trabalho, possui um pôr teleológico que "regula e domina os meios", possui seu valor histórico - valor de uso dentro da sociedade. Neste sentido, a particularidade do fazer Direito faz referência sobre a atividade nos diferentes momentos históricos - o processo histórico -, neste, será possível compreender as diversas facetas do Direito em seu correr histórico.

O SUJEITO PRODUZINDO LEIS

            Entendemos que as Leis são produtos (objetos) dos sujeitos na sua relação dialética com o universal, o fato de objetivar trabalha com todo um processo construtivo de como será feito, teleologia - objetivação - objeto, e o objetivar é a possibilidade concreta do ser colocar em prática o seu pôr teleológico.
Para Lukács, o processo do pôr teleológico, consiste em um "dever-ser" - Sollen -, ou seja, no "desejo de objetivar", no desejo de criar a Lei. O "dever-ser" ou o "desejo de objetivar" não estaria relacionado com um "caráter teleológico", de uma simples tarefa teleológica de fazer o que vem a mente, Lukács (2013) enfatiza que o pôr teleológico tem um "caráter causal", o processo ontológico tem uma causa como princípio e um objeto como fim, o mesmo ocorre com a Lei, ela tem seu objetivo final, ou seja, delimitar o lícito e o ilícito, ou seja, manter certa ordem social.

Os pores teleológicos singulares constituem pontos de partida para cadeias causais singulares que se concentram no processo global, recebendo nele também novas funções e determinações, que, no entanto, jamais poderão perder seu caráter causal (LUKÁCS, 2013 p. 580).

            Todavia, a gênese causal tem pertinência histórica, somente no dado momento histórico é que se terá a possibilidade de serem resolvidas as causalidades que surgem pela dialética entre o singular e o universal, somente no dado momento histórico que as Leis podem existir. Somente no século XXI, é que houve um avanço tecnológico a ponto de serem necessárias as Leis em ambiente virtual, por exemplo.
No projeto utópico de Leonardo da Vinci em desejar voar, descrito por Lukács (2013, p. 57), não foi possível pelas condições de seu tempo, tal possibilidade, a de voar, só foi possível anos mais tarde. O que se pode entender é que não basta apenas um "dever-ser", as causas para tal efeito só é possível com reais possibilidades de concretizar o objeto, porém, as possibilidades estão concisas com os meios, a possibilidade de concretizar só é possível com o conhecimento da natureza, dos instrumentos, das ferramentas, uma "investigação dos meios" (idem).
Leonardo da Vinci não conseguiu o voo por não conhecer as leis da natureza (física), e por não ter instrumentos para impulsionar a sua invenção (o motor). Por isso, o processo ontológico, a priori, consiste em conhecer o uso dos meios. No entanto, os meios acabam sendo até mais importante que o próprio objeto; pois os meios (instrumentos, ferramentas, discursos etc.) persistiram na história. A construção de Leis acompanham as condições necessárias para ser criada, da mesma forma, são necessárias possibilidades para isto, como lutas ideológicas, atuação política, ou mesmo, um magistrado.
Tal momento histórico foi relevante para o Lei da Internet, ora não foi na década de 80, tampouco na década de 90 que foram determinados as Lei para o uso da internet, haja visto que a internet nestas décadas não possuíam a tecnologia atual (relações virtuais, velocidade na comunicação, abrangência, sentido para os sujeitos), após um período de facilitação da tecnologia é que foi possível estar presente nas casas ou nos celulares de grande parte da população. Este alcance da internet trás consigo suas consequências, uma liberdade no uso da ferramenta, ou uma forma de participação dos sujeitos em questões diversas, desde movimentos políticos como visto na articulação da Primavera Árabe, até a divulgação de selfies sensuais.
Esta liberdade encontrada nas redes, ainda sem saber o que poderia ocorrer ou onde isso vai dar, trouxe consigo o constrangimento ou o sentimento de afetado pelas possibilidades tecnológicas, resultado na mediação do Direito no objetivo de estipular o lícito do ilícito nas redes de internet, mas isso só foi possível com o avanço histórico e tecnológico, no século XXI a Lei da Internet é promulgada a fim de regularizar e manter certa ordem no ambiente virtual e, porque não, no social.

DIREITO FRAGMENTADO

            Com as mudanças e criações de Leis decorrentes dos contratempos sociais, econômicos e culturais, Vigotski (1991, p.8) diz que estas "mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na ‘natureza humana’". Por tanto, a "consciência prática" deixa de significar apenas o externo, para transpor as barreiras visíveis para a consciência interna / abstrata, "essa novidade consiste na realização do pôr teleológico como resultado adequado, ideado e desejado" (LUKÁCS, 2013, P. 61).
            Porém, em uma sociedade do universo manipulado para os interesses individuais, com a exclusão social, todo ser possui uma consciência fragmentada sobre a realidade concreta, o mesmo com o Direito, muitos cidadãos desconhecem seus direitos e deveres, não sabem de sua importância ético-político como agente de transformação e aprimoramento do Direito.

Os direitos fundamentais consagradas na Magna Carta devem ser utilizados como escudo protetor dos desamparados socialmente, e não palavras ao vento, que simplesmente enfeitam a Constituição, mas que não alcançam aqueles que realmente necessitam (GALLASSI, 2013a, p. 16).

Se, como Vigotski (1998, p. 89) diz, "a tomada de consciência de uma operação mental significa uma transferência dessa operação do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, implica que se recrie essa mesma operação na imaginação, para que ela possa exprimir-se por palavras", o que caracteriza uma consciência fragmentada do ser é as diferentes noções conceituais sobre algum fenômeno, conceito, ciência. São fragmentos de uma pequena parcela da totalidade dos fenômenos, é um complexo dos complexos.
            Ora, pode-se perguntar: sobre quem tem ou deveria ter uma consciência concreta sobre a totalidade? Para responder esta questão recorremos a uma citação de Engels (1984, p. 191):

O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da Idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão” como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos inconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.

            Esta citação de Engels é utilizada para explicar o nascimento do Estado, não caracteriza a defesa de um Estado, pelo contrário, mesmo faltando maiores investigações, parece claro que mantendo um órgão acima teremos um conceito de dominância, como explica Lênin (2007, p. 4) "para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submisso de uma classe por outra; é a criação de uma 'ordem' que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes", haja vista que o Estado possui meios para a exclusão social, como o livre mercado.
Para tanto, a citação de Engels, chama a atenção para o Estado (ou partido) exercendo uma função de manter a sociedade dentro dos limites de ordem, aqui já sem aspas.

Os direitos fundamentais devem ser vistos como um instrumento de salvaguarda da pessoa humana. Infelizmente, de um modo geral, as pessoas não sabem de seus direitos, ou não tem condições de busca-lo junto ao Poder Judiciário. A falta de estrutura do Estado em garantir direito básicos, como saúde, alimentação, moradia e segurança, faz com que a pessoa humana não acredite no próprio Estado. Este tem o dever constitucional de fornecer as condições mínimas para que se tenha uma sociedade mais humana, vivendo de forma democrática e com direitos iguais (GALLASSI, 2013a, p. 30).

            Contudo, neste artigo, este tema não será esclarecido e estudado a fundo. Neste momento, é importante ter em mente a noção de consciência concreta sobre a totalidade, retornando a citação de Engels, na qual, ele e o próprio Marx (MARX; ENGELS, 1981) afirmam sobre os antagonismos sociais, para eles este antagonismo entre classes, reafirmadas pelo poder das classes do Estado (burguesia), faz parte de uma consciência social instituídas na história (gregos e escravos, reis e plebeus, castas índias, burguesia e proletariado, ricos e pobres etc.), a “história dos vencedores”, assim, esclarece os autores, estas formas de consciência impregnada "só se dissolverão completamente com o desaparecimento total dos antagonismos de classe" (ibidem, p. 41).
Tal forma de consciência que se manteve no presente momento histórico, a herança dos excluídos, talvez com maior intensidade e com maior desenvolvimento do capitalismo (capitalismo clássico e nacional para um capitalismo complexo e globalizado) deve ser compreendido e combatido da mesma "forma consciente" que Marx e Engels escreveram no século XIX para que,

Uma vez desaparecidos os antagonismos de classe no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produção propriamente dita nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se constitui forçosamente em classe, se se converte por uma revolução em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, justamente com essas relações de produção, as condições dos antagonismos entre classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação de classe (ibidem, p. 44).

            Desta forma, pode-se pensar em uma sociedade "onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos" (idem), com isto, a consciência fragmentada seria dissolvida frente a uma consciência concreta sobre a totalidade, dissolvendo também a instituição do Estado que deveria estar realizando essa consciência total em prol da sociedade em geral, e não estar contribuindo para a exclusão social. Conforme Gallassi (2013b, p. 24), “as minorias sociais são aqueles que necessitam de proteção do Estado, tendo em vista que, em função do próprio sistema em que se vive, são excluídas, esquecidas socialmente, ficando a mercê da sorte se não houver uma forma de garantir a estes as condições mínimas de sobrevivência”.

DIREITO COMO REPRODUÇÃO SOCIAL

            Para entender os "jeitos" de reprodução do ser social, Lukács (2013) em seu livro "Para uma ontologia do ser social II", explica em dois capítulos com o nome de "A reprodução" e "O ideal e a ideologia", como ocorre a reprodução dos mecanismos ideológicos entre os sujeitos, por meio de manipulação é que a consciência do ser social será fragmentada pelas pseudoconcreticidades.
            Contudo, segundo Kosik (1991) a história é uma representação teatral, isto é, o princípio do jogo (jeu) 1, neste jogo teatral, as relações individuais (eu - outro, eu - nós, eles - nós) dão concreticidade à totalidade e, o mais interessante, as relações do ser social é que a história ganha seu caráter, a história para o homem - história-para-si - e, da mesma forma, a história constrói uma forma de ser social. Pensando assim, indivíduos partilham de um mesmo momento histórico e nele é que constroem suas subjetividades.
            Assim, sabe-se que existem formas de corromper com o Direito estabelecido, as brechas para a exclusão social via sistema político, econômico e cultural. Ora, para que a exclusão seja perpetuada, é necessária a reprodução delas, um comprometimento social para a sobrevivência destas ideologias excludentes pela consciência humana e sua ação: humilhação, violência simbólica, invisibilidade etc.
Como foi dito, o comprometimento parte do ser social, nada além dele, pois isto figura o sujeito da ação e criação com um fim teleológico, porém, a reprodução reside na criação de complexos sistemas de mediadores no decorrer da história.

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem estar empenhados em transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas épocas de crise revolucionária, eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar, com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial (MARX, 2012, p. 25).
 
            Nesse empréstimo do passado que a ideologia é reproduzida pelo ser social, como conteúdo apreendido e conhecido para a objetivação das coisas e do pensamento. A forma do fazer, os significados se desenvolvem com o tempo, contudo, se a reprodução do modo de fazer equipara-se com outros momentos históricos, isto não caracteriza uma consciência estagnada no tempo, pelo contrário, a consciência se modifica, a exclusão mantêm na história, porém o sujeito possui novas formas de consciência. No passado a mulher era excluída do cenário político, hoje ela já faz parte, porém, a exclusão continua em outros fenômenos, como no caso das prostitutas, dos moradores de rua. Segundo Lukács (2013):

A reprodução física do homem enquanto ser vivo biológico é e permanece o fundamento ontológico de todo e qualquer ser social. Todavia, trata-se de um fundamento cujo modo de existência é sua transformação ininterrupta no social cada vez mais puro, ou seja, é, por um lado, criação de sistemas (complexos) de mediação, visando realizar essas mudanças e ancorá-las na realidade funcionando dinamicamente, e, por outro, retroação desse meio ambiente autocriado - criado pelo gênero humano - sobre o seu próprio criador, dessa vez, contudo - de modo diretamente ontológico -, como retroação que pode ser aplicada a cada homem singular que, a partir de sua própria atividade, é modificado pelos seus objetos, socializado em seu ser biológico (p. 254).

            Todavia, essa reprodução não se respalda, apenas, no modo de fazer o trabalho, como foi dito, parte sobre o modelo ideológico de uma sociedade, o reproduzir é para se manter íntegro dentro dos costumes sociais, fazer parte da cultura, pertencer à mesma comunidade, mas, da mesma forma, traz resquícios de uma procura por reconhecimento, talvez este reconhecimento como uma das formas de necessidade para o pôr teleológico, colocando, assim, o resultado da objetivação não como uma forma palpável, material, mas como uma satisfação. "O homem é o resultado de sua própria práxis" (Ibidem, p. 286), como também, resultado de sua própria atividade psíquica e, o principal, resultado de uma história social.
            Deste modo, diz Lukács (Ibidem, p. 333), "os pores teleológicos efetuados por homens singulares convertem-se, portanto, em meras partes integrantes de um processo teleológico total já posto socialmente em movimento", tem consciência de que este "já posto socialmente" se refere a uma forma de produção ideológica. O singular, como foi dito, apenas executa o trabalho seguindo os moldes de um processo posto em prol das ideologias, assim, as partes reproduzem a mesma ideologia. Sendo a totalidade um mesmo mecanismo consciente, a práxis do cotidiano procuram estabelecer os mesmo parâmetros para a vivência no universal, esta, como forma de Lei.
            Porém, nos alerta Lukács (2013):

[...] os pôres práticos mediados, muitas vezes mediados de uma forma bastante complexa, produzidos pela divisão do trabalho, também têm um caráter causal-teleológico, só que com uma diferença muito importante em relação ao próprio trabalho: a de que os fins que os provocam e que por eles são realizados não estão direcionados diretamente para um caso concreto do metabolismo da sociedade com a natureza, mas visam influenciar outras pessoas no sentido de que elas, por sua vez, efetuem os atos de trabalho desejados por quem os põem (p. 358).

            Lukács remete ao indivíduo singular, que está submetido às regras impostas pela legislação, por exemplo. Ora, o indivíduo também está implicado neste modelo de funcionamento onde o pôr teleológico é realizado por outro, normalmente aquele que possui um conhecimento técnico sobre o funcionamento legislativo ou por aquele que as conhece – magistrado.
            E nisto reside o problema da falta de atos da práxis humana para substituí-la por um automovimento das coisas, a Lei tratada como algo externo ao sujeito, como uma entidade de fiscalização e com possíveis formas de ser burladas. Em nossa sociedade, prevalecendo um pôr teleológico baseado nos valores econômicos, com um pensamento líquido, a produção como mercadoria contendo seu valor de troca, esse mecanismo de funcionamento social, donde o pôr teleológico deve conter o valor econômico, se justifica pela fragmentação da consciência humana pela ideologia de manutenção e conservação de ideologias, esquecendo-se do bem comum da coletividade.
Podemos falar de uma ideologia que impõe uma produção, não como consumo natural para as necessidades reais do ser social (se tem sede bebe água, se tem fome come um alimento), mas uma mercadoria nunca é apenas o objeto, é também uma corrente de significados, um objeto da ideologia (se tem sede bebe uma coca-cola, se tem fome come um lanche do burger king), temos uma banalização dos Direitos Fundamentais.

O texto constitucional, portanto, não é apenas para ficar “no papel”. Ele deve ser aplicado com a máxima força, a fim de servir a todos os seus objetivos, principalmente visando o bem estar social. A sociedade, legitimadora do poder que possibilitou a Constituição, espera dos Poderes o retorno adequado a todos os seus anseios, ou seja, as liberdades, garantias e, principalmente, direitos fundamentais (SIMÕES, 2013, p. 7).

 O objeto adquire um significado conforme um valor de troca, o produto é um objeto cheio de sutilezas e este mundo objetivo é que faz a relação dialética com o sujeito.

Portanto, os homens relacionam entre si seus produtos de trabalho como valores não porque consideram essas coisas meros envoltórios materiais de trabalho humano da mesma espécie. Ao contrário. Ao equiparar seus produtos de diferentes espécies na troca, como valores, equiparam seus diferentes trabalhos como trabalho humano. Não o sabem, mas o fazem. Por isso, o valor não traz escrito na testa o que ele é (MARX, 1996, p. 200).

            A reprodução desse modelo de Direito pautado em ideologias, direciona para algumas partes da totalidade, esquecendo o mísero sujeito incapaz de lutar por seus direitos. A exclusão parte também do Direito e é reproduzida, cabe pensar, para que o Direito e para quem?

PSEUDOCONCRETICIDADES E O DIREITO

            A reprodução de conhecimento, ou do próprio Direito, o de se reproduzir de forma coerente e motivacional, torna a prática da manipulação ser um adjetivo para a concretização de suas finalidades. A manipulação da realidade concreta - pseudoconcreticidades -, distorcendo o real e criando desfoques sociais, a exclusão social.

A desigualdade social brasileira é marcante no sentido de estabelecer de maneira muito claro aqueles que são bem sucedidos e aqueles que ficam a mercê da vontade do Estado, contando com a sorte. Basta acompanhar os meios de comunicação e, nesse sentido, verificar que a igualdade só existe no papel e que a dignidade humana não é capaz de garantir a todos um tratamento adequado (GALLASSI, 2013b, p. 24).

Tal manipulação gera novas formas de relação do eu com o mundo que, muito bem elaborada, inverte toda uma corrente de pensamento sobre a realidade. O real se torna em utópico e o falso se transforma em verdade absoluta e inquestionável. A captura das subjetividades pelas ideologias.

O preocupar-se é manipulação (de coisa e homens) na qual as ações, repetidas todos os dias, já de há muito se transformaram em hábito e, portanto, são executadas mecanicamente. O caráter coisificado da praxis, expresso pelo termo preocupar-se, significa que na manipulação já não se trata mais da obra que se cria, mas do fato de que o homem é absorvido pelo mero ocupar-se e "não pensa" na obra. O ocupar-se é o comportamento prático do homem no mundo já feito e dado; é tratamento e manipulação dos aparelhos no mundo, mas não é criação do mundo humano (KOSIK, 2011, p. 74) (Grifos do autor).

            Nesta ordem, o mundo manipulado e falso se torna um hábito. A exclusão social tratada como falta do desejo de crescimento profissional, pela meritocracia, pelos discursos que todos têm a mesma oportunidade na vida, de que Deus quer assim, são fontes manipuladas e aceitas pelos sujeitos, com poucos questionamentos. Distorcendo a realidade, a vida, inventando uma nova forma de se relacionar no cotidiano, da exclusão como normalidade.

Sendo a dignidade da pessoa humana um princípio fundamental, considerado o pilar central que sustenta a Constituição Federal, as minorias sociais deveriam ter o devido respeito, não só do Estado, mas de toda uma coletividade (GALLASSI, 2013b, p. 24).

            Tal crítica recai sobre a Lei nº 6.583, de 2013 (BRASIL, 2015), conhecida como o Estatuto da Família, que define família sendo: I - O casal homem e mulher sem filhos; II - Pai e mãe e seus filhos, tanto biológicos como adotivos; III - Pai ou mãe solteiros ou viúvos e seus filhos, com a justificativa que “a família é considerada o primeiro grupo humano organizado num sistema social, funcionando como uma espécie de unidade base da sociedade” (Ibidem, p. 1), desta forma, “devemos conferir grande importância à família e às mudanças que têm alterado a sua estrutura no decorrer do tempo” (Idem).
            Ora, a história esclarece o contrário, segundo Ariès (1981), o conceito de família, principalmente o de criança, não existiu como os autores da lei informam. Souza (2014) informa que,

A família ao longo da história passou por diversas modificações, tanto estruturais como funcionais, estruturais, pois modificaram seus arranjos, deixando para traz seu modelo de família extensa e passando a limitar o número de pessoas convivendo em um mesmo espaço; Funcionais, pois homem e mulher ganham novas atribuições a partir das transformações, no mercado de trabalho e na sociedade, a mulher/mãe deixa de ser a principal responsável pela educação, cuidados dos filhos e afazeres domésticos e o homem/pai, deixa de ser o principal provedor do sustento do lar (p. 13).

            A família passou por diversas modificações e, se considerar a família como “o primeiro grupo humano organizado num sistema social”, estaríamos correndo o risco de esquecer todo o processo de humanização ocorrido da horda primeva a socialização, onde a família possuía sua formação grupal, e não nuclear (pai, mãe e filhos) utilizando o processo tribal com um membro determinando as leis do clã. Segundo Ariès (1981), esta modificação do conceito de família, consequentemente, um olhar maior para a infância, ocorreu quando,

A família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que não era antes. Essa afeição se exprimiu, sobretudo através da importância que se passou a atribuir à educação. Não se tratava mais apenas de estabelecer os filhos em função dos bens e da honra. Tratava-se de um sentimento inteiramente novo. (ARIÉS, 1973,       p. XI).

            No entanto, o Estatuto da Família esconde fatos reais para o propósito de instaurar uma falsa ideia de família, com subterfúgios para valores morais na utilização de seus “poderes” para criar ideologias que suprime a configuração social atual. Afinal, a proteção da família “tradicional” conforme a Lei, não preserva questões afetivas importantes para a relação. Quem garante que os filhos terão a afetividade necessária se criado por um homem e uma mulher? Quem disse que casais homoafetivos não garantiram o amor necessário a seus filhos? Se a lei utiliza como parâmetro a Constituição de 1988, especificamente o art. 226, para definir família, sabe-se que a história conforme abordado neste artigo, apresenta sentidos conforme seus contextos sociais.
            Assim, não deveria ser aplicado, ipsis litteris, o conceito de que “união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, porém, o art. 226, deixa claro que entidade familiar pode ser considerada “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (BRASIL, 1988). Não encontramos na lei qualquer conceitualização de família dirigida apenas para o modelo nuclear. Trata-se de pseuconcreticidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A Ontologia do Ser Social descrita por Lukács, fundamentada na teoria do marxismo, define que o sujeito é constituído pela relação dialética dele com o mundo. Através do que ele chama de trabalho, porém, trabalho como atividade, práxis orientada por um fim teleológico, ou seja, o trabalho de pensar/refletir e agir no mundo, ocorrendo à transformação do natural em material, consequentemente, a transformação do sujeito (novos conhecimentos, novas formas de fazer, nova consciência), esta relação dialética produz uma forma consciente conforme o contexto sócio-histórico na qual o sujeito pertence.
            Respeitando o modo de constituição do sujeito e sua consciência, entendemos que o Direito surge deste movimento sócio-histórico, do passo entre a horda primeva para a humanização. Do Direito como produto dos sujeitos com o fim teleológico de manter a ordem social, respeitando o cenário histórico na qual ele pertence.
            No entanto, o Direito possui suas lacunas no objetivo de manter a ordem, suas brechas ocorrem por não ser um “sistema perfeito”, ou por não suprir as necessidades do desenvolvimento tecnológico e do conhecimento dos sujeitos. Porém defendemos que o Direito não deva ser uma ciência da fiscalização, da doutrinação, mas sim, um meio para conduzir a sociedade, esta sim, deveria usar o Direito como ferramenta a boa conduta social, respeitando o próximo como princípio da moralidade.
            O Direito como pseudoconcreticidades produz ideologias falsas, manipuladas conforme os desejos de uns sobre os outros, produzindo a exclusão social. Estas pseudoconcreticidades devem ser questionadas a fim de defender, e não prevalecer sobre, as minorias sociais.
            Por fim, defende-se que o sujeito seja respeitado por sua capacidade teleológica, de agente de transformação social, que o Direito não seja algo para impor ou para colaborar para a exclusão social. A lei deve vir da moralidade dos sujeitos, algo interno, consciente, sendo aplicado por todos. Diferente da lei externa ao sujeito, aquela das palavras escritas, determinadas. O Direito como meio para definir as relações pautadas no respeito. O respeito deve florescer sobre qualquer lei.

REFERÊNCIAS

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_______. Lei nº 6.583, de 2013. Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá outras providências. Brasília, 2015.

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* Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Ação Social – NUTAS. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Constituição, Educação, Relações de Trabalho e Organizações Sociais – GPCERTOS, do curso de Direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, Jacarezinho-PR. Docente da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti – FEATI (lu_fr@yahoo.com.br).
1 "N. del T.: La palabra francesa “jeu” significa tanto juego como representación teatral. El autor la utiliza indistintamente en ambos sentidos. A efectos de no perder de vista esta circunstancia, optamos por traducir en cada caso según el contexto agregando entre paréntesis la palabra en francés" (KOSIK, 1991, p. 13).

Recibido: 13/05/2016 Aceptado: 25/07/2016 Publicado: Julio de 2016

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