Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Autores e infomación del artículo

Aron Marcio Benedet
Graduando em Direito

Lissandra Espinosa De Mello Aguirre
Doutora pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, Brasil. Professora do Curso de Direito

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

aron.benedet@gmail.com

RESUMO

No brasil, o controle jurisdicional de constitucionalidade pode ocorrer tanto pela via difusa quanto pela abstrata, onde, como regra geral, ao se declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou um ato normativo aplica-se a teoria da nulidade, desfazendo o ato declarado inconstitucional desde a sua origem até as consequências dele derivadas. O presente trabalho dá ênfase ao controle difuso de constitucionalidade, e tem como objetivo analisar o conhecimento do recurso extraordinário no Código de Processo Civil de 2015, bem como verificar o fenômeno da objetivação do controle difuso de constitucionalidade, em especial, a modulação dos efeitos temporais da decisão. Isto, porque a teoria da nulidade vem sendo, aos poucos, afastada pela jurisprudência brasileira e reanalisada pela doutrina. Realizou-se um estudo dos julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em que se permitiu a mitigação do princípio da nulidade no controle difuso, aplicando-se por analogia, ou mesmo sem sua menção, o art. 27 da Lei n. 9.868/99, proporcionando assim, uma reflexão sobre os modelos de fiscalização jurisdicionais vigentes.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade, controle difuso, objetivação do controle difuso, modulação dos efeitos.

ABSTRACT

In Brazil, the constitutional judicial review may occur both by divided or abstract control, as a general rule, when the unconstitutionality of a law or a normative act is declared, the theory of nullity is applied, dispelling the act declared unconstitutional from its origin to the consequences derived from it. This study emphasizes on the constitutional divided control, it aims to analyze the knowledge of the extraordinary appeal in the Code of Civil Procedure of 2015, as well as to verify the objectification of the phenomenon of constitutional divided control, in particular the modulation of the temporal effects of the decision. This is due to the gradual rejection of the theory of nullity by Brazilian jurisprudence and reanalysis by the doctrine. A study of the judgments ruled by the Supreme Court was realized, in which they allowed the mitigation of the principle of nullity in the divided control, applying by analogy, or even without its mention, the art. 27 of the Law no. 9,868/99, thus providing a reflection on the judicial supervision models currently adopted.

Keywords: Constitutional review; divided control; objectification of the divided control; modulation of the temporal effects.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Aron Marcio Benedet y Lissandra Espinosa de Mello Aguirre (2016): “A modulação dos efeitos da decisão no controle difuso de constitucionalidade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/03/constitucionalidade.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-03-constitucionalidade


1 INTRODUÇÃO

A necessidade de um controle de constitucionalidade, emana da existência de uma Constituição rígida, ou seja, que possui um processo de alteração mais dificultoso do que um processo de alteração de normas infra constitucionais. Sendo a Constituição Brasileira rígida, esta pressupõe a noção do chamado escalonamento normativo, considerada como norma de validade para os demais atos normativos.

Por influência do direito norte-americano, que tem como precedente o caso Marbury vs Madison, a doutrina brasileira, acatou a teoria da nulidade ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, afetando assim, o plano de validade, sendo, portanto, um ato declaratório que reconhece um vício desde o nascimento do ato normativo.

O direito estrangeiro, em especial a jurisprudência norte americana, matriz do sistema brasileiro de controle difuso, passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, onde, influenciou o advento da Lei n. 9.868/99 no Brasil, permitindo a técnica da modulação dos efeitos da decisão somente ao controle concentrado de constitucionalidade, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

O presente artigo tem por escopo analisar as hipóteses de modulação dos efeitos da decisão no controle difuso de constitucionalidade, verificando as características desse fenômeno que vêm aproximando os efeitos da decisão do controle difuso ao controle concentrado.
A pesquisa se justifica ao observar que a modulação dos efeitos temporais no controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal é uma matéria recorrente, que ratifica a aplicação analógica do art. 27 da Lei 9.868/99, ou mesmo sem sua menção, visto ser um instrumento de ponderação de valores constitucionais.
Para tanto, utilizou-se do método dedutivo, partindo-se do geral, pelo levantamento de leis, doutrinas, jurisprudências e princípios constitucionais, para se chegar à solução do problema proposto nesta pesquisa, ou seja, discorrer sobre as hipóteses de modulação dos efeitos temporais em sede do controle difuso de constitucionalidade.

O primeiro item explora a evolução do controle jurisdicional de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, elencando os mecanismos de controle judicial de constitucionalidade das leis ou atos normativos, com suas especificidades, cuja abordagem é fundamental para compreensão do objeto do presente trabalho.

O segundo item verifica a aproximação dos efeitos da decisão do controle difuso ao concentrado, tendo como exemplos a novas feições do conhecimento do recurso extraordinário, a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença e a súmula vinculante, bem como, a possibilidade de modular os efeitos temporais da decisão em sede de controle difuso de constitucionalidade.

Portanto, ante a repercussão da modulação dos efeitos da decisão no controle difuso pode acarretar, este trabalho tem como objetivo discorrer sobre o tema em questão, analisando as características desse fenômeno que vêm aproximando os modelos de controle de constitucionalidade no Brasil.

2 O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTICIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O controle de constitucionalidade tem como objetivo verificar a compatibilidade de um ato normativo ou de uma lei com a Constituição, analisando a sua compatibilidade material e formal, tendo como requisitos fundamentais para o referido controle o princípio da supremacia da Constituição, a proteção de direitos fundamentais e a rigidez constitucional.

A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico — poderá́ subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição. (BARROSO, 2016, p. 23)

Considerando os modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade no Brasil, estes foram classificados a partir de experiências históricas e concepções filosóficas, em modelo concentrado, modelo difuso e modelo misto (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1080).

O controle concentrado de constitucionalidade, também chamado de modelo austríaco, abstrato, principal ou direto, tem como premissa a realização do controle por um único órgão jurisdicional. Por seu turno, o controle difuso, também chamado de modelo americano, permite que qualquer juiz ou tribunal verifique, no julgamento de um caso concreto, a compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição Federal (FACHIN, 2015, s/p.).
Ainda, o sistema misto é aquele que integra elementos dos dois sistemas de controle de constitucionalidade acima expostos, o perfil concentrado ou abstrato e o perfil difuso ou americano, proferindo aos órgãos ordinários do Poder Judiciário, o “poder‐dever de afastar a aplicação da lei nas ações e processos judiciais, mas se reconhece a determinado órgão de cúpula [...] a competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado.” (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1081).

Sob influência do direito norte-americano, a partir da Constituição da República de 1891, consagrou-se no direito brasileiro a noção de controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo, por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência, diante de um caso concreto, sedimentando, assim, o controle difuso de constitucionalidade no Brasil (SARLET; MARINONI; MITIDIERO,  2016, p. 912), no qual a inconstitucionalidade não é o objeto litigioso do processo, mas sim, uma premissa indispensável para a análise da questão principal ou do mérito (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 943).
Embora a Constituição de 1891 tenha optado pelo modelo difuso de constitucionalidade, a Constituição promulgada no dia 16 de julho de 1934 trouxe as primeiras adaptações ao controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, introduzindo ao sistema a cláusula de reserva do plenário para a declaração de inconstitucionalidade, a suspensão senatorial, bem como a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (POLETTI, 2012, p. 38-39).

A Constituição outorgada no dia 10 de novembro de 1937 coloca em risco o controle de constitucionalidade, visto que, embora tenha mantido o sistema difuso, consubstancia a discricionariedade do Presidente da República em influenciar nas decisões que declarassem inconstitucional determinada lei proferida pelo Poder Judiciário (RAMOS, 2010, p. 200), nos termos do parágrafo único do art. 96 da Constituição de 1937.

No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal. (BRASIL, 1937).

Contudo, com a promulgação da Constituição de 1946, fruto do movimento de redemocratização do Brasil, verifica-se que, em sede de controle jurisdicional de constitucionalidade difusa, a presente Carta Magna retornou à disciplina normativa de 1934, restaurando a tradição do sistema norte-americano de controle de constitucionalidade (RAMOS, 2010, p. 204).

Através da edição da Emenda nº 16, de 1965, introduziu-se no Brasil o controle abstrato de normas, afastando-se de um modelo puramente difuso e aproximando-se de um modelo misto de controle jurisdicional de constitucionalidade. Para tanto, a alteração passou a prever a competência do Supremo Tribunal Federal em processar e julgar originalmente “a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República” (BRASIL, 1946).

A Constituição do Brasil de 1967, segundo Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2016, p. 1120), não trouxe inovações significativas no controle de constitucionalidade. Mostrou-se inalterado o controle difuso, bem como, subsistiu a ação concentrada tal como prevista na Constituição de 1946 com a promulgação da Emenda n. 16/65.

Desse modo, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil no ano de 1988, bem como com as posteriores Emendas Constitucionais de números 3/93 e 45/2004 vale-se do entendimento de José Afonso da Silva (2014, p. 564-565):

O Brasil seguiu o sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto peculiar que combina o critério difuso por via de defesa com o critério concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade, incorporando também, agora timidamente, a ação de inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, a e III, e 103). A outra novidade está́ em ter reduzido a competência do Supremo Tribunal Federal à matéria constitucional. Isso não o converte em Corte Constitucional. Primeiro porque não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura fundado no critério difuso, que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará́ a ser um Tribunal que examinará a questão constitucional com critério puramente técnico-jurídico, mormente porque, como Tribunal, que ainda será́, do recurso extraordinário, o modo de levar a seu conhecimento e julgamento as questões constitucionais nos casos concretos, sua preocupação, como é regra no sistema difuso, será́ dar primazia à solução do caso e, se possível, sem declarar inconstitucionalidades.

O sistema brasileiro de controle jurisdicional de constitucionalidade convive com duas espécies de controle, ambos realizados pelo poder Judiciário na forma repressiva, o qual, pode-se elencar as novidades trazidas pela Constituição de 1988, qual seja, o aumento de legitimados para a propositura da representação de inconstitucionalidade, a possibilidade de controle de constitucionalidade por omissão legislativas, arguição de descumprimento de preceito fundamental, e, posteriormente, com a EC n. 3/93 e a EC 45/2004, a ação declaratória de constitucionalidade e a reforma do Judiciário, respectivamente.

Superada a análise evolutiva do controle de constitucionalidade no sistema brasileiro, passa-se a uma abordagem específica dos modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade previstas no ordenamento jurídico, bem como os efeitos de suas declarações.

2.1 INSTRUMENTOS DO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE E SEUS EFEITOS

O controle concentrado de constitucionalidade, como dito anteriormente, surgiu no Brasil por meio da Emenda Constitucional nº 16 de 1965, visto que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originalmente a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República.
Mediante o controle concentrado, verifica-se que independentemente da existência de um caso concreto, procura-se obter uma declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese, com a intenção de garantir a segurança das relações jurídicas, que não podem ser fundadas em normas inconstitucionais. (MORAES, 2015, p. 759).

É a lição de Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2010, p. 54) que concluem que o objeto dessa ação “é resguardar a harmonia do ordenamento jurídico, motivo pelo qual se pode afirmar que o controle concentrado tem por finalidade declarar a nulidade da lei violadora da Constituição”.

O controle concentrado de constitucionalidade está previsto em diversos artigos da Constituição Federal, podendo ser elencados a ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a), a ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, parte final), a arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º), a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) e a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, inciso III) (BRASIL, 1988).

No âmbito dos Estados-membros, verifica-se o art. 125, §2º da Constituição Federal, que prevê a ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual, bem como a possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade interventiva estadual, nos termos do art. 35, inciso IV (BRASIL, 1988).

Na esfera infraconstitucional, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade foram regulamentadas pela Lei nº 9.868/99 (BRASIL, 1999a), e também a Lei 9.882/99 (BRASIL, 1999b), que disciplinou a arguição de descumprimento de preceito fundamental.

No controle concentrado de constitucionalidade, em razão do julgamento ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal, como regra geral, as decisões proferidas terão eficácia contra todos (erga omnes) os órgãos do Poder Judiciário, Executivo e Legislativo (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 1130).
Não obstante, a decisão que reconhecer a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, como regra geral, terá efeitos retroativos à data da publicação do diploma normativo, ou seja, o chamado efeito ex tunc, visto que se desfaz desde a sua origem o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dela derivadas. Nas palavras de Barroso (2016, p. 38):
                  
Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório — e não constitutivo —, limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. Na prática, como se verá́ mais à frente, algumas situações se tornam irreversíveis e exigem um tratamento peculiar, mas têm caráter excepcional.

O direito estrangeiro, em especial a jurisprudência norte americana, matriz do sistema brasileiro de controle difuso, passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, influenciando o advento das Leis n. 9.868/99 (BRASIL, 1999a) e n. 9.882/99 (BRASIL, 1999b) no Brasil, permitindo a técnica da modulação dos efeitos da decisão no controle concentrado de constitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal poderá, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, ou seja, oito ministros, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, atribuir à decisão de inconstitucionalidade “(i) efeitos retroativos limitados, preservando-se determinados efeitos da lei inconstitucional; (ii) efeitos a partir do seu trânsito em julgado; ou mesmo (iii) efeitos a partir de determinado evento ou data no futuro” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 1210). Tratando-se de medida excepcional, que somente poderá ser realizado conforme as exceções acima expostas, de acordo com o artigo 27 da Lei n. 9.868/99 (BRASIL, 1999a) e artigo 11 da Lei n. 9.882/99 (BRASIL, 1999b).

2.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Com o advento da República, consagrou-se no Brasil o controle difuso de constitucionalidade, concreto, ou incidental, que difere do controle abstrato de constitucionalidade pelo fato de permitir que qualquer juiz ou tribunal verifique, no julgamento de um caso concreto, a compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição Federal (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1140).

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2016, p. 979), “a solução de todo e qualquer litígio pode exigir do juiz o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei”, devendo, neste caso, que a inconstitucionalidade seja uma questão prejudicial, ou melhor, que a pronúncia do Judiciário, quanto a inconstitucionalidade, não seja “[...] sobre o objeto principal da lide, mas sim, sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito” (MORAES, 2015, p. 744).

Nesse tipo de controle, portanto, o Juiz ou Tribunal, não analisa a constitucionalidade como pedido, mas apenas como causa de pedir, visto que, a inconstitucionalidade é matéria prejudicial ao deferimento a pretensão principal.
O controle incidental de constitucionalidade, pode ser exercido de normas emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia; ou seja, o Juiz ou Tribunal poderá deixar de aplicar leis federais, estaduais ou municipais, bem como resoluções, regulamentos e portarias que considerar incompatíveis com a Constituição Federal, inclusive se anteriores à Carta Magna (BARROSO, 2016, p. 119).

Contudo, em virtude do princípio da constitucionalidade das leis, o art. 97 da Constituição Federal, consagra a cláusula da reserva do plenário, na qual determina que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.” (BRASIL, 1988).

A referida norma, assim, exige um quórum qualificado para que o tribunal ad quem possa declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 989). Analisando aos princípios da segurança jurídica e da economia processual, verificou-se uma tendência dos magistrados em dispensar o procedimento previsto no art. 97 da Constituição Federal, a tendência essa confirmada com o acréscimo do parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil de 1973, bem como sua reprodução no art. 949, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015, estabelecendo que “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento” (BRASIL, 2015).

No que tange aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso de constitucionalidade, a regra geral é a aplicação do princípio da nulidade da norma constitucional, desfazendo desde a sua origem o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dela derivadas, possuindo, assim, efeitos retroativos (ex tunc). Entretanto, a declaração de inconstitucionalidade só tem aplicação entre as partes que litigam em juízo (RAMOS, 2010, p. 99).

Importante ressaltar que, por meio da interposição de recurso extraordinário, poderá o Supremo Tribunal Federal realizar o controle difuso de constitucionalidade de forma incidental, instituindo-se um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, previsto no inciso X, do art. 52 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), em que estabelece a competência do Senado Federal, mediante resolução, de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva da Suprema Corte (BARROSO, 2016, p. 166).

Portanto, suspendendo a execução, integral ou parcialmente, de lei ou ato normativo, de maneira incidental e não principal, a referida decisão, diferentemente, atingirá a todos (erga omnes), e terá validade a partir da data de sua publicação (ex nunc) (CANOTILHO; SARLET; STRECK; MENDES, 2013, p. 1067).
Feitas as devidas consideração, o próximo item verificará um tendência observada a partir da Constituição de 1988 em aproximar os efeitos da decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade com o controle concentrado, chamado de objetivação do controle difuso.

3 DA APROXIMAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO CONTROLE DIFUSO AO CONTROLE CONCENTRADO

Realizado a análise histórica do controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil, apresentando as inovações de cada uma das Constituições brasileiras, bem como as emendas constitucionais de maior relevância ao tema, analisa-se de forma mais específica a Constituição de 1988, a qual trouxe um conjunto amplo de inovações, verificando-se uma tendência de aproximação dos efeitos da decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade com o controle concentrado.
O controle difuso continuou a ser previsto de forma expressa na Constituição Federal, porém oblíqua, na disciplina do recurso extraordinário, da qual permite que qualquer juiz ou tribunal verifique, no julgamento de um caso concreto, a compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição Federal (BARROSO, 2016, p.88).
Com relação ao controle concentrado, verifica-se um número grande de inovações, podendo ser destacadas: a ampliação dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, CF/88),  a introdução Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º, CF/88), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), a recriação da Ação Direta de Inconstitucionalidade no âmbito Estadual (art. 125, §2º, CF/88) e a previsão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102, § 1º, CF/88) (BRASIL, 1988).

A Emenda Constitucional número 3/1993, acrescentou mais um instituto ao controle concentrado, qual seja, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102 CF/88), prevendo eficácia contra todos e efeito vinculante da decisão, que foi objeto de muita discussão perante a comunidade jurídica, sendo declarado pelo Supremo Tribunal Federal a sua constitucionalidade
Assim, no ano de 2004, a Emenda Constitucional número 45, concede também à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) os efeitos contra todos e vinculantes previstos anteriormente para a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), bem como equipara os legitimados de ambas as ações por serem consideradas ações de natureza dúplices ou ambivalentes. Não obstante, houve duas relevantes alterações no controle difuso de constitucionalidade com edição da Emenda Constitucional supra mencionada, qual seja, a repercussão geral da questão constitucional e a introdução da súmula vinculante, aproximando ainda mais os efeitos do controle difuso ao controle concentrado (DELLORE, 2013, p. 373).

Essas foram as principais inovações da Constituição de 1988, bem como de suas Emendas, que como se verifica, consolidaram o sistema misto de controle jurisdicional de constitucionalidade. Contudo, suas modificações não se limitaram ao aspecto constitucional, podendo ser elencados relevantes alterações infraconstitucionais, em especial, a Lei n. 9.868/99 (BRASIL, 1999a) e a Lei n. 9.882/99 (BRASIL, 1999b) que regulamentaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Constitucionalidade, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, vindo a fortalecer ainda mais o controle concentrado, possibilitando a modulação dos efeitos da decisão no controle concentrado.
Ainda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal possui grande relevância para com a aproximação dos efeitos da decisão do controle difuso com o controle concentrado, como é o caso da aplicação por analogia do art. 27 da Lei n. 9.868/99 ao controle difuso de constitucionalidade (MENDES, 2016, p. 1183), bem como a releitura do instituto da suspensão senatorial, que concedeu a teoria da transcendências dos motivos determinantes da decisão no controle difuso, tendo como precursor a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo que tinha como pretensão diminuir o número de Vereadores do Município de Mira Estrela com respaldo no art. 29, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 1210).
Portanto, diante de tais mudanças, verifica-se uma aproximação dos efeitos da decisão do controle difuso com o controle abstrato, conhecida por objetivação do controle difuso, que será analisado nas próximas subdivisões deste trabalho.

3.1 O CONHECIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO CPC/2015

O recurso extraordinário no direito brasileiro é um meio de impugnação de decisões judiciais desfavoráveis, de única ou última instância, dirigida ao Supremo Tribunal Federal, em razão de violação à supremacia constitucional (COSTA, 2012, p. 385).  Assim, permite-se por meio deste mecanismo, a possibilidade do cidadão comum, mediante o caso concreto, levar à Excelsa Corte, a arguição de violação constitucional, em caso de pretensão resistida.
A disciplina geral do instituto, atualmente, está́ prevista no art. 102, III, da Constituição Federal, o qual estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:  a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;  c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; e, d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal (BRASIL, 1988).
Sobre as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, importante mencionar que a primeira hipótese, prevista na alínea “a”, inciso III, do art. 102 da Constituição Federal, encontra-se o cerne do controle difuso de constitucionalidade, visto que, o recurso extraordinário sempre tratará de matéria constitucional. A segunda hipótese de cabimento do recurso extraordinário, art. 102, III, b, da Constituição, devolve integramente a Excelsa Corte a questão da constitucionalidade de tratado ou lei federal, negada em decisão recorrida, bem como o cabimento da hipótese do art. 102, III, c, da Constituição, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição (CANOTILHO; SARLET; STRECK; MENDES, 2013, p. 1384).

Registre-se que as três primeiras hipóteses de cabimento de recurso extraordinário acima mencionadas, tratam explicitamente de matéria constitucional e se encontram sedimentadas no Direito brasileiro, merecendo destaque para a única hipótese de cabimento do recurso extraordinário em que não é explícita a violação à Constituição: quando a decisão recorrida julga válida lei local contestada em face de lei federal. Tal dispositivo foi introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e transferiu ao Supremo Tribunal Federal a competência até então reservada ao Superior Tribunal de Justiça, tendo como justificativa para alteração, que o conflito entre lei local e lei federal envolvam questões constitucionais, visto à divisão constitucional de competências legislativas entre os entes federados (BARROSO, 2016, p. 131).

Portanto, esta norma deixa bem claro que a decisão acerca de questão constitucional, seja em controle incidental ou de ação direta de inconstitucionalidade de competência do Tribunal de Justiça, podem ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal mediante recurso extraordinário. Constituição (MENDES; BRANCO, p. 1154).

Com o passar dos anos, fez com que fossem criados mecanismos de “clausula interpretativa, com a finalidade de racionalizar o modo de aplicação do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, bem como, de colocar limites ao instituto (CANOTILHO; SARLET; STRECK; MENDES, 2013, p. 1383).

Há um conjunto de súmulas que tratam sobre a matéria, podendo ser elencado a súmula 281 do Supremo Tribunal Federal, que prevê que a admissibilidade do recurso extraordinário é subordinada a não existência de outro recurso passível para impugnar a decisão perante o tribunal, sendo este um requisito chamado de esgotamentos das instâncias recursais. Exige-se também, o chamado prequestionamento, onde, nos termos da Súmula 282 da Excelsa Corte, ocorre a inadmissibilidade do recurso extraordinário, em caso de não ter sido ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 1001)
Diante do fenômeno da objetivação do controle difuso de constitucionalidade explanado no item anterior, a Emenda Constitucional n. 45/2004 acrescentou o §3º ao art. 102 da Constituição Federal, instituindo a repercussão geral como novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, funcionando como um “filtro constitucional”, além do mero prequestionamento da matéria e o esgotamento das instâncias recursais acima mencionados.

Assim, pode-se dizer que o escopo do instituto é a maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, característica que bem pode servir ao propósito republicano de dar coerência e integridade ao direito. Em outras palavras, a repercussão geral deve ser assimilada como um instituto que otimiza a aplicação do direito democraticamente produzido, assegurando a sua melhor interpretação na lente da coerência de princípios. (CANOTILHO; SARLET; STRECK; MENDES, 2013, p. 1407).

O art. 1.035 do Código de Processo Civil dispõe que “o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral” (BRASIL, 2015). Trata-se, portanto, de um requisito intrínseco de admissibilidade recursal, onde, não existindo repercussão geral, não existe possibilidade de recurso ao Supremo Tribunal Federal.

Para que se caracterize a repercussão geral, o legislador lançou mão de uma fórmula que conjuga relevância mais transcendência, ou seja, a questão debatida tem que ser relevante do ponto de vista político, econômico, jurídico ou social, além de transcender o interesse subjetivo das partes na causa, tal como previsto no §1º do art. 1.035 do Código de Processo Civil (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 1004).
Contudo, o art. 1.035, § 3º, do Código de Processo Civil afirma que, independentemente da demonstração da relevância econômica, social, política ou jurídica, para além das partes da questão debatida, haverá́ repercussão geral sempre que o recurso atacar decisão que: “i) contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; iii) tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal” (BRASIL, 2015).

Assim, o recurso extraordinário, tem que apresentar repercussão geral, independente da matéria nele versada, sob pena de não ser conhecido pelo Supremo Tribunal Federal do recurso interposto, frente a questão preliminar a ser analisada.

Não obstante, o Código de Processo Civil, realizou alguns ajustes no tema relacionado à repercussão geral, podendo ser citado a possibilidade de suspensão de todos os processos que versem sobre a mesma matéria, em qualquer fase em que se encontrem (art. 1.035, § 5º), estipulou que o julgamento do caso deve ocorrer no prazo máximo de um ano, com preferência sobre todos os demais feitos, salvo pedidos de habeas corpus e processos com réu preso (art. 1.035, § 9º). Não ocorrendo o julgamento em tal prazo, determinou a cessação da suspensão dos processos e a retomada de seu curso normal (art. 1.035, § 10º). Bem como, em caso do Superior Tribunal de Justiça entender que o recurso especial tem por objeto questão constitucional, poderá́ abrir prazo para que o recorrente se manifeste sobre a matéria e defenda a existência de repercussão geral e, em seguida, remeter o processo ao Supremo Tribunal Federal (art. 1.032). Providência parecida poderá́ ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal, caso conclua que a violação à Constituição, arguida em recurso extraordinário, é reflexa (art. 1.033) (BRASIL, 2015).

Nesse viés, verifica-se com a sistemática da repercussão geral, mais uma fase do fenômeno de objetivação do recurso extraordinário, visto permitir que as decisões proferidas em processos-paradigmas espraiem seus efeitos para uma série de demandas sobre o mesmo tema, antes mesmo da conversão do entendimento em súmula vinculante (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1161).

O art. 988, IV, do Código de Processo Civil, possivelmente a maior mudança realizada pelo Código de Processo Civil, é objeto de grande divergência entre os autores sobre sua constitucionalidade, visto que atribui efeitos vinculantes e gerais (erga omnes) aos precedentes proferidos em casos repetitivos e garante, por norma infraconstitucional, a possibilidade reclamação para garantir o seu cumprimento, possibilitando o acesso per saltum da parte à Corte, em casos de aplicação incorreta ou errônea do precedente pelo juízo a quo (BARROSO, 2016, p. 154).
Resta evidente, diante da Emenda Constitucional 45/2004 e dos ajustes realizados pelo Código de Processo Civil, a objetivação do recurso extraordinário, que se distancia cada vez mais do controle difuso e concreto de constitucionalidade e se aproxima com o controle abstrato da norma constitucional.

3.2 TEORIA DA TRANSCEDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA SENTENÇA NO CONTROLE DIFUSO

O controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro foi instituído com a Constituição Federal de 1891, entretanto, somente com a Constituição Federal de 1934 foi previsto a obrigatoriedade da comunicação ao Senado Federal sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarasse a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, nos termos do artigo 96 da Carta Magna (BRASIL, 1934), bem como a possibilidade prevista no art. 91, IV (BRASIL, 1934) do Senado Federal  em suspender, no todo ou em parte, a execução de lei ou ato normativo, deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais.

Na Constituição de 1988, a norma está prevista no art. 52, X, onde, por sua vez, estabelece competência privativa do Senado Federal, em suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão transitada em julgado pelo Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1988).

Portanto, havendo a suspenção da execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo levado a controle de constitucionalidade de maneira incidental, a referida suspensão do Senado Federal atingirá a todos (erga omnes), tendo validade a partir da publicação da resolução na Impressa Oficial (ex nunc). (CANOTILHO; SARLET; STRECK; MENDES, 2013, p. 1067)
Deve-se observar que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se este de um ato político, discricionário, o qual, em caso de omissão, não há como agir em represália (SLAIBI FILHO, 2009, p. 195).

Contudo, uma nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal, é proposto por parte da doutrina e alguns debates jurisprudenciais da Excelsa Corte, podendo ser citados o caso de Mira Estrela e a progressividade do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos.

Na doutrina, Gilmar Ferreira Mendes (2004, p. 165) afirma que houve uma mutação constitucional em razão das alterações no ordenamento jurídico, conferindo assim, uma nova compreensão à regra prevista no art. 52, X, da Constituição Federal de 1988, defendendo que a própria decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental, deverá ter efeitos gerais, sendo  uma simples forma de publicidade o instrumento a suspensão senatorial, podendo-se cogitar, assim, de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.

Teori Albino Zavascki defende a transcendência da decisão, com caráter vinculante, mesmo no controle difuso de constitucionalidade, concluindo que

[...] independente de Resolução do Senado, a decisão do STF – declarando ou não a inconstitucionalidade da norma – produz efeito vinculante para os demais tribunais, que ficam a ela submetidos no julgamento dos casos análogos, dispensando-se o incidente de inconstitucionalidade de que tratam os arts. 480 do CPC e 97 da CF/88; (ZAVASCKI, 2014, p. 50)

Cumpre dar devida dimensão aos precedentes no controle difuso de constitucionalidade, a fim de garantir os princípios da igualdade perante a lei e a segurança jurídica, ressaltando-se a permanência do incidente de inconstitucionalidade previsto no art. 480 do CPC/1973 acima mencionado, de modo idêntico no art. 949 do CPC/2015.

Tal eficácia vinculante, contudo, somente poderá ser afastada pelo juiz, desde que justifique a distinção do caso concreto com aqueles que levaram o tribunal a criar o precedente ou a editar a súmula (distinguishing), o que somente se dará com a comparação analítica do caso concreto, justificando porque o caso concreto, em razão de determinada situação, não poderá ser decidido por eles. Também se admitirá que a súmula ou precedente com efeito vinculante seja afastada se o entendimento neles consagrados estiver superado (overruling), o que também deve ser justificado pelo Magistrado em sua decisão (NEVES, 2016, p. 286).

Em sentido contrário, Lênio Luiz Streck, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (2013, p. 50), criticam essa aproximação dos efeitos da decisão entre controle difuso e concentrado, afirmando que a exclusão da competência do Senado Federal em suspender norma declarada inconstitucional, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal “significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo”.
Os tribunais também passaram a discutir a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença, onde, pode-se destacar nos termos do voto do Ministro Celso de Melo, a ressalva do Ministro Gilmar Ferreira Mendes em defender no RE 197.917 SP (redução do número de vereadores do município de Mira Estrela) a “aplicabilidade, ao E. Tribunal Superior Eleitoral, do efeito vinculante emergente da própria ratio decidendi que motivou o julgamento do precedente mencionado” (BRASIL, 2010, p. 29).

Segundo o Ministro Celso de Melo, essa preocupação no caso concreto, reflete a preocupação que a doutrina vem externando sobre a vinculação não só da parte dispositiva da sentença no controle de inconstitucionalidade emanado pelo Supremo Tribunal Federal, mas também, dos próprios fundamentos determinantes (ratio decidendi).
O importante HC 82.959/SP, que teve como relator o Ministro Marco Aurélio, onde o Supremo Tribunal Federal declarou em sede de controle difuso de constitucionalidade, a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º da Lei n. 8.072/90, que vedava a progressão de regime dos condenados por crimes hediondos, irradiando os efeitos inter partes (BRASIL, 2006, p. 510).

Logo após, no Estado do Acre, a Defensoria Pública da União aforou a Reclamação 4.335, alegando o descumprimento da decisão proferida no HC 82.959/SP por um juiz singular, que impediu a progressão de regime de condenado por crime hediondo em processo diverso.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, diante da inércia do Senado Federal em sustar a execução da norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, defendeu a transcendência dos motivos determinantes da sentença proferida no HC 82.959/SP frente à Reclamação 4.335/AC, embasando sua decisão na mutação sofrida pelo art. 52, X, da CF/88, bem como nos princípios da economia processual, efetividade constitucional, racionalização judiciária, aproximando-se assim, no caso em questão, os efeitos da decisão nas vias difusa e concentrada (BRASIL, 2014)
O Ministro Eros Grau acompanhou o Ministro Relator Gilmar Ferreira Mendes e defendeu o efeito erga omnes à decisão do controle difuso de constitucionalidade, sem o condicionamento da suspensão senatorial para tanto.
Ocorre que, a teoria da abstrativização do controle difuso e a transcendência dos motivos determinantes, não são pontos pacíficos, sendo que, apesar de ter sido julgada procedente a reclamação 4.335, além dos dois votos acima demonstrados, quatro Ministros conhecendo da reclamação, a justificaram diante da ofensa à Súmula Vinculante 26, sendo eles: Ministro Teori Zavascki, Ministra Rosa Weber, Ministro Luís R. Barroso e Ministro Celso de Melo.

Os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Ricardo Levandowki e Marco Aurélio não reconheceram a reclamação 4.335/AC e em seus votos, foram contrários a objetivação do controle difuso e a transcendência dos motivos determinantes da sentença, sendo a reclamação conhecida e julgada procedente, por maioria de seis votos à quatro.

Portanto, verifica-se que o tema divide opiniões doutrinárias e jurisprudenciais. Entretanto, independentemente da posição a ser seguida, a proposta de uma inegável expansividade das decisões em controvérsias individuais, reflete mais um ponto indicativo para a aproximação dos efeitos da decisão do controle difuso com o concentrado, ou seja, uma propensão à teoria da objetivação do controle difuso.

3.3 A SÚMULA VINCULANTE

A Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe ao corpo da Constituição a figura da Súmula Vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, a abordagem do tema em questão tem como objetivo traçar linhas gerais da súmula vinculante e compreender a sua influência no processo de aproximação do controle difuso e concentrado de constitucionalidade.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2015, p. 74) a súmula vinculante tem como objetivo “eliminar grave insegurança e relevante multiplicação de litígios sobre o assunto, pondo termo a controvérsia entre órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública”.  Portanto, com efeito, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal (BRASIL, 1988),

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

O artigo ao se referir expressamente a “reiteradas decisões sobre matéria constitucional” (BRASIL, 1988), deixa claro que a edição de súmulas vinculantes está rigorosamente relacionado a decisões pretéritas, proferidas especialmente no controle difuso de constitucionalidade, visto que, as referidas súmulas somente poderão ser editadas quando o Supremo Tribunal Federal se deparar com decisões repetitivas sobre determinada matéria constitucional.

Ainda em relação ao objeto da súmula vinculante, ressalta-se que esta não se limita em conferir eficácia vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental de constitucionalidade, embora seja uma das principais aplicações do instituto. Além disso, as súmulas vinculantes permitem que a Excelsa Corte cristalize a ratio decidendi em um enunciado com eficácia contra todos, bem como em decisões proferidas em controle abstrato (BARROSO, 2016, p.108).

Assim, a adoção da súmula vinculante, na medida em que permite aferir a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo Supremo Tribunal Federal sem qualquer interferência do Senado Federal, reforça também a ideia de superação do art. 52, X, da CF, visto que a súmula conferirá efeito vinculante à declaração de inconstitucionalidade sem que a lei tenha sido formalmente eliminada do ordenamento jurídico (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1176).

Sob este ângulo, André Ramos Tavares (2007, p. 6) apresenta que seria mais adequado compreender a súmula vinculante como um processo objetivo típico, independente de certas particularidades, o qual promove a aproximação entre o controle difuso, devido as reiteradas decisões, e o controle concentrado, devido ao efeito vinculante.

3.4 A MODULAÇÃO DOS EFEITOS NO TEMPO DA DECISÃO NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Quando da análise das características do controle difuso de constitucionalidade, ficou assentando que a regra geral no Direito brasileiro é a que situa a inconstitucionalidade no campo da nulidade. Consequência natural e necessária dessa premissa é a de que a lei inconstitucional é nula de pleno direito e que a decisão de inconstitucionalidade tem eficácia retroativa, afetando assim, o plano de validade da lei impugnada.

A teoria da declaração de nulidade absoluta de lei inconstitucional vem sendo repensada pela doutrina brasileira e afastada pela jurisprudência, em nome de valores constitucionalizados, como o princípios da segurança jurídica, boa-fé e do interesse social. Necessário assim, uma prévia análise da questão no Direito americano, matriz do sistema brasileiro de controle difuso de constitucionalidade, onde evoluiu para admitir ao lado da decisão de inconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited retrospectivity), a superação prospectiva (prospective overruling), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity), aplicável aos processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity), que nem sequer se aplica ao processo que lhe deu origem (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1181).

O sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo, portanto, passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o qual, influenciou na flexibilização da teoria da nulidade no direito brasileiro. Por ocasião, a Assembleia Constituinte da Constituição Federal de 1988, bem como o processo de revisão constitucional levado a efeito no ano de 1994, procurou por vezes legitimar a possibilidade do Supremo Tribunal Federal em determinar a eficácia temporal da declaração de inconstitucionalidade em ação direta, ou seja, a possibilidade em modular seus efeitos no tempo, sendo duas vezes rejeitado. (BARROSO, 2016, p. 45)
Todavia, mais à frente, seguindo todo o movimento e evolução verificados no direito estrangeiro, foi promulgada a Lei 9.868/99 (BRASIL, 1999a), que permitiu de forma expressa, pela primeira vez, a flexibilização da teoria da nulidade do ato inconstitucional, admitindo-se, por exceção, que a declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado não retroagisse ao início da vigência da lei. O art. 27 do diploma assim dispôs:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Nos termos do mencionado artigo, o Supremo Tribunal Federal poderá adotar, em tese, uma das decisões que seguem: a) declaração de inconstitucionalidade ex nunc, isto é, declarar a inconstitucionalidade somente a partir do trânsito em julgado da decisão; b) declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro, a qual implica na declaração de inconstitucionalidade com a suspensão dos efeitos por determinado período a ser fixado na sentença; c) declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade (restrição de efeitos), por meio da qual se permite a suspensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que o legislador, dentro de prazo razoável, se manifeste acerca da situação inconstitucional   (BARROSO, 2016 p. 253).

Ocorre que tais considerações foram expressamente positivadas somente para o sistema abstrato de constitucionalidade, contudo, em caráter excepcional, a Suprema Corte poderá́ conferir eficácia ex nunc ou mesmo pro futuro à decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade, por razões de excepcional interesse social ou segurança jurídica, aplicando por analogia o artigo 27 da Lei no 9.868/1999.

Há casos, portanto, em que não há como a decisão declaratória de inconstitucionalidade retroagir integralmente, seja pela impossibilidade jurídica, seja por interesse social. Desta forma, pode-se perceber que não parece viável defender a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99 somente ao controle abstrato unicamente porque ele está autorizado na lei, pois segundo Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2016, p. 1182) também se mostra passível a limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade in concreto, visto que, o afastamento do princípio da nulidade da lei assenta-se em fundamentos constitucionais e não em razões de conveniência.
O Supremo Tribunal Federal tem inúmeros precedentes, nos quais, em controle incidental, deixou de dar efeitos retroativos à decisão de inconstitucionalidade, como consequência da ponderação com outros valores e bens jurídicos que seriam afetados, por vezes com invocação analógica do art. 27 da Lei n. 9868 de 1999 e outras vezes sem a sua menção. Aliás, importante ressaltar, que a possibilidade de ponderar valores e bens jurídicos constitucionais, independe de previsão legal. (BARROSO, 2016, p. 164).
Uma importante decisão que merece destaque é o Recurso Extraordinário n. 197.917 (BRASIL, 2004), onde, controvertia‐se sobre a constitucionalidade do parágrafo único do art. 6º da Lei Orgânica n. 222, de 31‐3‐1990, do Município de Mira‐Estrela, Estado de São Paulo, que teria fixado seu número de vereadores em afronta ao disposto no art. 29, IV, da Constituição Federal, que prevê o número máximo de nove vereadores para Municípios de até um milhão de habitantes. Acolhendo proposta formulada em voto vista proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, a Excelsa Corte consagrou o efeito pro futuro em um controle incidental de inconstitucionalidade:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. [...] 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido. (grifei) (BRASIL, 2004).

Outro leanding case em que houve a modulação dos efeitos temporais da decisão em sede de controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal é o julgamento do HC 82.959/2006, quando o Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos. Entendeu‐se, que a artigo mencionado, é uma afronta ao direito à individualização da pena, garantido no inciso LXVI, do art. 5º da Constituição Federal, visto que não permitiria que se considerasse as particularidades de cada pessoa. No entanto, o Tribunal explicitou que a declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não retroagiria às penas já extintas na data do julgamento, conferindo efeitos restritivo à sua declaração ao esclarecer que a decisão ora ventilada, evolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão de regime (BRASIL, 2006)
Registre-se também o julgamento conjuntos dos Recursos Extraordinários 560.626, 556.664 e 559.882, Rel. Min. Gilmar Mendes e do 559.943, Rel. Min. Cármen Lúcia, nos quais se discutiu a constitucionalidade formal dos artigos 45 e 46 da Lei n. 8.212/91, em face do art. 143, III, b, da Constituição Federal, visto tratarem prescrição e decadência, matéria que deveriam ser regulamentadas por lei complementar e não ordinária. A Excelsa Corte, portanto, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos acima mencionados, mas, diante da insegurança jurídica e da repercussão que se poderia ter no caso, modulou os efeitos da decisão, afastando assim, a possibilidade de repetição de indébito de valores já recolhidos, ressalvadas as ações de repetição propostas antes da conclusão do julgamento (MENDES; BRANCO, 2016, p. 1185).

Portanto, verifica-se que a modulação dos efeitos em sede de controle difuso, é uma matéria recorrente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que ratifica a aplicação analógica do art. 27 da Lei 9.868/99, ou mesmo sem a sua menção, confirmando ser no controle difuso um instrumento de ponderação de valores constitucionais.

4 CONSIDERAÇÃOS FINAIS

Como proposta da produção deste artigo, importante salientar que este não pretende alcançar uma conclusão definitiva sobre o tema abordado, mas sim de apresentar um estudo amplo sobre a aproximação entre as modalidades de controle de constitucionalidade, em especial, a modulação dos efeitos temporais no controle difuso de constitucionalidade.

A necessidade de um controle de constitucionalidade, emana da existência de uma Constituição rígida, ou seja, que possui um processo de alteração mais dificultoso do que um processo de alteração de normas não constitucionais. Sendo a Constituição a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 rígida, esta pressupõe a noção do chamado escalonamento normativo, considerada como norma de validade para os demais atos normativos.

Consagrou-se, assim, no sistema brasileiro de controle jurisdicional de constitucionalidade um procedimento que reúne elementos dos dois sistemas de controle, o sistema difuso e o concentrado, que se hibridizam, embora não se desvirtuam.

Diferentemente do controle abstrato, em que a constitucionalidade da norma é verificada em tese, o controle difuso ocorre diante de casos concretos, em que as partes litigantes, de maneira incidental, pedem que se declare determinada lei ou ato normativo naquele caso.

No controle concentrado, declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, a declaração terá, em regra, efeito ex tunc (retroativo), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, dado que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia no mundo jurídico.

No controle difuso de constitucionalidade a regra geral é também a da aplicação da teoria da nulidade da norma inconstitucional, com a aplicação do efeito ex tunc, desfazendo, desde a sua origem, o ato declarado inconstitucional de modo incidental. Contudo, como regra geral, a declaração de inconstitucionalidade nestes casos, somente tem aplicação entre as partes do processo.

As recentes alterações jurisprudenciais e legislativas têm provocado uma tendência de aproximação dos efeitos da decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade com o controle concentrado, tendência esta que é conhecida como “objetivação” ou “abstrativização” do controle concreto.

O conhecimento do recurso extraordinário é um instrumento que está em transformação, haja vista a inserção do instituto da repercussão geral e da súmula vinculante pela Emenda Constitucional nº 45/2004. A repercussão geral, ao impedir que o Supremo Tribunal Federal apreciei causas originárias de instâncias inferiores, atua como um filtro recursal, visto que limita o âmbito do controle difuso e aproxima o controle abstrato ao concentrado nesse sentido. Do mesmo modo, a súmula vinculante é vista como um ponto de verticalização entre os modos de controle, visto que é a partir dela que as decisões proferida pela Excelsa Corte, em sede de controle difuso de constitucionalidade, transcenderão aos casos singulares.
Destacou-se também a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença, onde há uma nova compreensão à regra prevista no art. 52, X, da Constituição Federal de 1988 por alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal. Tem-se defendido uma mutação constitucional ao instituto mencionado, em razão das alterações no ordenamento jurídico, afirmando que a própria decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental, deverá ter efeitos gerais, sendo uma simples forma de publicidade o instrumento a suspensão senatorial, podendo-se cogitar, assim, de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.
Por fim, procurou-se evidenciar a tendência jurisprudencial, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em adotar um instituto típico do controle abstrato de constitucionalidade à fiscalização concreta, qual seja, a modulação dos efeitos temporais do efeito da decisão. Outrossim, fez-se uma análise de alguns leanding cases, e que se tornaram referência para o entendimento da aplicação da eficácia prospectiva no controle difuso.

Pode-se inferir que a modulação dos efeitos temporais em sede de controle difuso de constitucionalidade, é uma matéria recorrente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que ratifica a aplicação analógica do art. 27 da Lei 9.868/99, ou mesmo sem a sua menção, justifica a sua aplicação no controle difuso por ser um instrumento de ponderação de valores constitucionais.

De qualquer sorte, a aplicação desses princípios deverão ser analisados caso a caso, ponderando-se os efeitos que serão produzidos, através de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade.

A partir dessas considerações realizadas ao longo artigo, percebe-se que, para o alcance das funções constitucionalmente previstas para o modelo difuso e abstrato de constitucionalidade, faz-se necessário buscar uma aproximação dos dois institutos, afim de cumprir os preceitos fundamentais previstos na Constituição do Brasil de 1988.

BIBLIOGRAFIA

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Recibido: 20/09/2016 Aceptado: 26/09/2016 Publicado: Septiembre de 2016

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