Laryssa Mayara Alves de Almeida
Felix Araújo Neto
Vinícius Leão de Castro
Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito
Universidade Estadual da Paraíba
RESUMO. A  presente pesquisa está inserida no debate do Direito Penal brasileiro com a  finalidade de demonstrar que a adoção de medidas restaurativas para solução de  conflitos na área da violência doméstica e familiar é uma forma eficaz de  aproximar o autor do crime, a vítima, as famílias e a comunidade em conjunto  com o aparelho judiciário com o objetivo de restaurar as relações sociais entre  estes atores. Nesse sentido, o estudo se divide na análise da construção do  conceito de Justiça Restaurativa para encontrar fundamentação teórica que  comprove a viabilidade de aplicação dos métodos restaurativos naquela área do  Direito Penal, principalmente o monitoramento eletrônico como forma de reflexão  acerca do sistema punitivo. Para tanto, a pesquisa bibliográfica e o método  hipotético-dedutivo foram utilizados para o estudo do fenômeno.  
  Palavras-Chave: Direito  Penal, Monitoramento Eletrônico, Justiça Restaurativa, Solução de Conflitos,  Violência Doméstica. 
EL CONTROL ELECTRÓNICO APLICADO COMO MEDIDA RESTAURATIVA EN TRIBUNALES DE VIOLENCIA DOMÉSTICA Y FAMILIAR
RESUMEN. Esta  investigación es parte del Código Penal brasileño del debate con el fin de  demostrar que la adopción de medidas de reparación para la resolución de  conflictos en el ámbito de la violencia doméstica y familiar es una forma  eficaz de abordar el agresor, la víctima, las familias y la comunidad en  relación con el poder judicial con el fin de restablecer las relaciones  sociales entre estos actores. En este sentido, el estudio se divide en el  análisis de la construcción del concepto de justicia restaurativa para  encontrar fundamento teórico para demostrar la viabilidad de la aplicación de  métodos de restauración en el ámbito del derecho penal, especialmente la  vigilancia electrónica como medio de reflexión sobre el sistema punitivo. Por  lo tanto, se utilizó la literatura y el método hipotético-deductivo para  estudiar el fenómeno.
  Palabras-Clave: Derecho  Penal, Control Electrónico, Justicia Restaurativa, Resolución de Conflictos, Violencia  Doméstica.
ELECTRONIC MONITORING APPLIED AS RESTORATIVE MEASURE IN DOMESTIC VIOLENCE AND FAMILY COURTS
ABSTRACT. This  research is part of the Brazilian Criminal Law of the debate in order to  demonstrate that the adoption of restorative measures for conflict resolution  in the area of domestic and family violence is an effective way to approach the  perpetrator, the victim, families and the community in conjunction with the  judiciary in order to restore social relations between these actors. In this  sense, the study is divided in analyzing the construction of the restorative  justice concept to find theoretical foundation to prove the feasibility of  applying restorative methods in the area of criminal law, especially electronic  monitoring as a means of reflection on the punitive system. Therefore, the  literature and the hypothetical-deductive method was used to study the  phenomenon.
  Key-Words: Criminal Law,  Electronic Monitoring, Restorative Justice, Conflict Resolution, Domestic  Violence.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato: 
 Laryssa Mayara Alves de Almeida, Felix Araújo Neto y Vinícius Leão de Castro (2016): “O monitoramento eletrônico aplicado como medida restaurativa nos juizados de violência doméstica e familiar”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/violencia-domestica.html
INTRODUÇÃO
            Diante do ineficiente sistema de Justiça Convencional  brasileiro, baseado em teorias retribucionistas e prevencionistas, no qual as  preocupações são apenas com o ofensor/agressor e com o Estado, cresce em nosso  país o número de adeptos ao modelo de Justiça Restaurativa. Esse novo modelo de  resolução dos conflitos na seara criminal baseia-se no envolvimento da  comunidade e, tão logo, da própria vítima, na busca por uma solução dos  conflitos.
   As práticas  restaurativas ressurgem no cenário internacional a partir da década de 1970 consolidando-se  nos anos 2000 quando a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a recomendar  aos Estados, através da Resolução n. 2002/12, a adoção de métodos de Justiça  Restaurativa, principalmente, nos países em desenvolvimento.
   Nesse diapasão,  esta pesquisa se propõe a contribuir com o fortalecimento da implantação da  Justiça Restaurativa no Brasil, refletindo a respeito da possibilidade de  adotar o monitoramento eletrônico como instrumento de restrição e vigilância, a  ser utilizado com eficácia nas causas envolvendo violência doméstica e  familiar. Para tanto ao lado da revisão da literatura pertinente à temática, o  método hipotético-dedutivo foi o mais adequado para a análise do fenômeno. 
   O artigo  está dividido em quatro tópicos, nos dois primeiros o foco da discussão é em  torno da Justiça Restaurativa, seu histórico e seu conceito, o qual se encontra  em construção. A partir do terceiro tópico é observada a viabilidade de  aplicação de métodos de Justiça Restaurativa nos casos de violência doméstica e  familiar. Por fim, no quarto tópico a discussão é estruturada a partir da  análise da hipótese de utilização do monitoramento eletrônico como ferramenta  restaurativa para os casos de violência doméstica e familiar.
1 O MOVIMENTO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA
Percebe-se, a  partir da leitura da legislação penal brasileira, que o sistema  jurídico-criminal deste país adotou a teoria mista ou eclética, comprometendo-se  em conciliar a teoria da retribuição com a teoria prevencionista, admitindo que  a função do Direito Penal constitui a proteção da sociedade.
   Desse modo,  o modelo de Justiça Penal brasileiro preocupa-se em identificar o causador e/ou  culpado pelo fato considerado ilícito, típico e culpável para punir,  acreditando que por meio dessa punição evitará o cometimento de novos crimes. 
   Nesse  ínterim, o fundamento está arraigado na Teoria Dialética da União, construída  por Claus Roxin (1976), “posicionando o estado sucessivo de manifestação da  pena em, tão somente, três momentos distintos: a cominação (pena em abstrato),  a mediação (aplicação da pena) e a execução (cumprimento da pena)” (ARAÚJO  NETO; CARDENETE, 2014: 149). 
   Declara-se  também que, em regra, durante as diferentes etapas referentes ao processo de  manifestação punitiva do Estado, o olhar central das discussões recai sobre o  próprio Estado e o agressor.  Em inúmeros  casos, tem sido desprezado o compromisso com a identificação de formas de  recomposição da paz social a partir da reparação dos danos sofridos pela  vítima. Logo, “na justiça convencional, o olhar é voltado ao passado,  direcionado para a culpa, visando à aplicação da pena, tendo como eixo  relacional, exclusivamente o Estado e o ofensor” (PRUDENTE; SABADELL. 2008:  54).
              Na esfera internacional, as  reflexões mais atuais reclamam por novas formas de solucionar conflitos em  termos de direito penal, contrapondo-se ao modelo punitivo, ainda predominante.  A Justiça Restaurativa é o caminho reverenciado por aqueles que entendem ser  este o mecanismo adequado para alcançar uma ordem jurídica verdadeiramente  justa, isto porque ela assume “o compromisso de restaurar o mal causado às  vítimas, famílias e comunidades, em vez de, se preocupar, somente, com a  punição dos culpados” (PRUDENTE & SABADELL, 2008: 51).
              A Justiça Restaurativa baseia-se no  envolvimento da comunidade e, tão logo, da própria vítima, na busca por uma  solução holística do conflito, retomando o modelo dominante de justiça criminal  desenvolvido ao longo da maior parte da história humana. Segundo destaca Rolim  (2007: 3):
Antes da “Justiça Pública”, não teria existido tão somente a “Justiça Privada”, mas, mais amplamente, práticas de justiça estabelecidas consensualmente nas comunidades e que operavam através de processos de mediação e negociação, ao invés da imposição pura e simples de regras abstratas. O movimento da Justiça Comunitária em direção a um sistema público de Justiça Retributiva pode ser observado na Europa ocidental a partir dos séculos XI e XII com a revalorização da Lei Romana e com o estabelecimento, por parte da Igreja Católica, da Lei Canônica. As práticas antigas sobreviveram em muitos países, de uma forma ou de outra, até, pelo menos, o século XIX quando o modelo contemporâneo se impôs como a única regra aceitável. Essa mudança operou uma revolução cujo centro foi a criação de um modelo de justiça criminal separado do modelo de justiça civil, o estabelecimento do monopólio estatal para lidar com os conflitos definidos como “criminais” e a idéia de que a punição deveria ser normativa.
              Destarte, inspirado nas formas de  Justiça dos povos antigos do ocidente e oriente que veem, fundamentalmente, o  crime como danoso às pessoas (ONU, 2002/2012), como também no abolicionismo  penal e no movimento vitimológico iniciado na década de 1980, a Justiça  Restaurativa, da mesma forma conhecida como Justiça Transformadora ou  Transformativa, Justiça Relacional, Justiça Restaurativa Comunal, Justiça  Restauradora, Justiça Recuperativa ou Justiça Participativa surge como  alternativa ao sistema de justiça criminal atual que exalta a privação da  liberdade, enfatizando objetivos assentados sobre o terreno duvidoso do  pensamento retribucionista, conjugando-o com fins prevencionistas. Por essa  razão, a Justiça Restaurativa se apresenta como resposta ao crime que respeita  a dignidade e a igualdades das pessoas, constrói o entendimento e promove  harmonia social mediante a restauração das vítimas, ofensores e comunidades (ONU,  2002/2012). 
                A década de 1970 é apontada pelos  pesquisadores como marco do ressurgimento das práticas restaurativas. Em 1974, o  Canadá inaugurou o programa de Victim-Offender-Mediation (VOM), ao promover o encontro de dois acusados de vandalismo com as suas  vítimas, possibilitando o entendimento conjunto quanto à restauração dos danos  causados. No ano de 1977, Albert Eglash acunhou, pela primeira vez, a expressão  “Justiça Restaurativa” (ROLIM, 2007: 4). Nesta década, as práticas  restaurativas desenvolvidas no continente americano chegam a alguns países  africanos e na Europa na década seguinte.
   No  final dos anos 1980, foi implantado na Nova Zelândia o primeiro modelo de Justiça  Restaurativa aplicado a crianças e adolescentes infratores, o programa Children, Young Persons and their Families Act,  a partir do qual a família, a vítima, a polícia e o assistente social  participam ativamente da mediação.
   Observa-se  que o sucesso da iniciativa de restauração se deve ao grau de satisfação  demonstrado, na maioria dos casos, pelos envolvidos (autor/vítima), com o  modelo adotado para a resolução do conflito, que prima pela excelência no  tratamento conferido às partes, estimulando a redução da reincidência (BORGES  & PRUDENTE, 2012). 
   Atualmente,  diferentes Estados desenvolvem modelos de mediação e marcos jurídicos a fim de  implantar a Justiça Restaurativa. Não custa aduzir que tal prática, aliás,  apresenta raízes históricas também nos processos de mediação dos povos  indígenas.
  É  certo reconhecer que o termo “Justiça Restaurativa” ainda se encontra em  processo de ebulição, tornando-se grande desafio para os pesquisadores tratar  os seus limites conceituais e a magnitude de seus objetivos. No entanto, há uma  ampla manifestação de estudiosos que admitem que, para esta vertente do  pensamento, o foco do delito é a vítima e a sociedade de modo geral. 
   Neste  sentido, Gouvêa (2014: 14) esclarece que “o termo de justiça restaurativa  presta-se a uma série de definições, no entanto, para os fins desta  regulamentação, deve ser considerado que: crime não é apenas um ato contra o  Estado, mas contra determinadas vítimas e à comunidade em geral”. 
   Na  mesma orientação ressalta-se a necessidade de verificar, após a introdução de  práticas restaurativas, os resultados de pacificação social alcançados, segundo  o enfoque assentado nos paradigmas ora defendidos. Por isso afirma-se que:
A concepção teórica moderna da Justiça restaurativa, todavia, oferece uma ideia sistematizada sobre objetivos e procedimentos de tal forma que, antes de tudo, se identifique quando estamos lidando com práticas restaurativas e, ato contínuo, para que seja possível avaliar concretamente os resultados alcançados com o paradigma proposto (ROLIM, 2007: 7).
              A ONU, através da Resolução n.  2002/2012 recomendou aos Estados a adoção de práticas de Justiça Restaurativa,  mediante a difusão de informações sobre a matéria e desenvolvimento de pesquisas,  capacitação e outros programas. Buscou prover assistência técnica voluntária aos  países em desenvolvimento e com economias em transição que estão implantando  programas de justiça restaurativa.
                A supracitada resolução apresenta,  em seu texto, princípios básicos para a utilização de programas de Justiça  Restaurativa em matéria criminal, reconhecendo que tal prática não prejudica o  direito público subjetivo dos Estados de processar os transgressores de suas  leis internas. Significa dizer, por outro lado, que esse programa é,  verdadeiramente, uma alternativa ou complemento – e não substituição! – ao modelo  de justiça convencional.
                A ONU (Resolução 2002/2012)  definiu o processo restaurativo como sendo “o processo no qual a vítima e o  ofensor e quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da  comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões  oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador”. Logo, o modelo de  Justiça Restaurativa se caracteriza pelo esforço em evitar a estigmatização do  ofensor, promovendo a responsabilização consciente de seu ato. 
                Para alcançar tal responsabilização  consciente, a mediação, a conciliação, a reunião familiar (ou comunitária), os  círculos decisórios, a reparação de danos causados à vítima (e à comunidade)  são instrumentos indispensáveis. Ademais, para concretização desse processo é  essencial a participação voluntária e livre tanto do agressor quanto da vítima,  os quais devem ter a possibilidade de revogar esse consentimento a qualquer momento,  durante o processo. 
   Ressalte-se,  ainda, que a participação do ofensor não deverá ser usada como prova de  admissão de culpa em processo judicial ulterior, sob pena de o processo  restaurativo perder sua identidade e ao longo do tempo passar a ser apenas um  meio de obtenção da confissão do réu. Segundo Gouvêa (2014: 14), “[...] o crime  não é apenas um ato contra o Estado, mas contra determinadas vítimas e à  comunidade em geral. Ofender, então, é principalmente uma violação das relações  humanas e só secundariamente uma violação da lei”.  
   Portanto,  a Justiça Restaurativa é um movimento em construção, que cria novo paradigma  para o sistema criminal, a partir do ressurgimento de antigos valores e  práticas esquecidas com a implantação do Estado Moderno. E que vem  possibilitando a reflexão sobre o atual sistema punitivo Estatal, visando  solucionar e restaurar as relações entre vítima, ofensor e comunidade através  de meios restaurativos de solução de conflitos.
2 A UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS RESTAURATIVOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A Justiça  Restaurativa surgiu e começou a ser colocada em prática, primeiramente, nos  países de sistema jurídico Common Law,  devido à discricionariedade que possui a promotoria nesses países em decidir  processar ou não, conforme aplicação direta do princípio da oportunidade.
   No  ordenamento jurídico brasileiro não existe legislação específica que discipline  a matéria, apesar deste sistema jurídico estar inserido no Civil Law é possível afirmar que, a partir da Constituição de 1988,  o legislador brasileiro desenhou um cenário jurídico apropriado à introdução de  conceitos inovadores e de mecanismos alternativos às tradicionais respostas  punitivas. A implantação de juizados especiais e a consolidação das penas  alternativas são reflexos desse novo panorama legislativo que acena  favoravelmente à adoção da justiça restaurativa. 
   Nesse  contexto, explica Pinto (2010: 21) que após a promulgação da Constituição de  1988 e, principalmente, com o advento “da Lei 9.099/95, abre-se uma pequena  janela, no sistema jurídico brasileiro, ao princípio da oportunidade” para implantação  da justiça restaurativa.
   A atual  Constituição brasileira autorizou a criação de juizados especiais, admitindo a  conciliação e a transação, em casos de infrações penais de menor potencial  ofensivo, fortalecendo, com isso, o princípio da oportunidade, sem reduzir o  espaço de manifestação estatal nem desrespeitar o princípio da  indisponibilidade da ação penal pública.
              Esses procedimentos conciliatórios, que podem ser  mediados pelo próprio magistrado ou por núcleo de justiça restaurativa, podem  obter a extinção de punibilidade, o que, na prática, não deixa de ser método de  justiça restaurativa. Destarte, necessário ressalte-se que “os Juizados  Especiais Criminais, por si só, não são um modelo restaurativo, por não  adotarem os princípios e valores recomendados pela Organização das Nações Unidas,  na já citada Resolução 2002/12” (PRUDENTE; BORGES, 2012: 185).
   Contudo, o ordenamento  jurídico brasileiro conta com outros textos legais que também reforçam o  princípio da oportunidade e permitem a utilização de métodos restaurativos de  resolução de conflitos, como ocorre segundo os ditames das Leis nº.  9.099/95 nº. 8.069/90, nº. 10.741/03 e nº. 12.594/12. 
   No Estatuto  da Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.069/90, os arts. 126 e seguintes prevêem  o instituto da remissão, que implica na suspensão ou extinção do processo,  cabendo ao representante do Ministério Público a sua concessão, atendendo às  circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à  personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato  infracional. O Parquet pode ainda incluir  a aplicação de qualquer das medidas socioeducativas prevista em lei, exceto a  colocação em regime de semiliberdade e a internação. 
   O Sistema  Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) foi criado pela Lei nº.  12.594/12 e regula a execução de medidas socioeducativas destinadas a  adolescentes infratores. O seu art. 35 fixa como um dos princípios que regem a  execução das mencionadas medidas: as práticas ou medidas que sejam  restaurativas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos.
   Portanto, observa-se  que, mesmo sem uma lei que regule o uso e aplicação dos métodos restaurativos,  o ordenamento jurídico brasileiro possui um arcabouço de normas que têm possibilitado  a implantação de iniciativas restaurativas no território nacional.
3 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA A MEIOS TRADICIONAIS E ESTIGMATIZANTES
O sistema  prisional brasileiro, longe de todos os princípios constitucionais que  resguardam os direitos dos apenados, mostra-se falido e incapaz de evitar a  reincidência e promover a ressocialização, principalmente, pelos estigmas sociais  criados que marginalizam, ainda mais, o indivíduo privado de sua  liberdade.  
   Em histórica  decisão, a Corte de Apelações do Tribunal de Bolonha, na Itália, negou a  extradição de Henrique Pizzolato, condenado no Brasil a pena de 12 anos e 7  meses de prisão, por crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de  dinheiro realizados quando, ainda, era Diretor de Marketing do Banco do Brasil.  Uma das linhas de defesa de Pizzolato, acatada pela Corte Italiana, foi de que  o sistema penitenciário brasileiro apresenta condições atentatórias ao  princípio da dignidade da pessoa humana e oferecem risco de tratamento  degradante ao apenado, para tanto, utilizaram-se de relatórios da ONU, da  Anistia Internacional e de organizações de várias partes do mundo. 
   Percebe-se o quanto as instituições políticas  e jurídicas brasileiras estão fragilizadas e ajoelhadas a uma irremediável descrença  que extrapola as fronteiras nacionais. E frente a toda essa cobrança social, as  respostas legislativas, na atualidade, têm sido as mais irrefletidas,  retrogradas e imediatistas, optando desbravar o terreno movediço do populismo  punitivo e do expansionismo do Direito Penal. As demais causas geradoras da  violência como, a falta de investimento em educação de qualidade, as mazelas de  ordem social e o combate à corrupção, em regra, são olvidadas no esconderijo  mais secreto da inoperância, da falta de vontade política e, muitas vezes, da  complacência. 
   De maneira  que mais fácil é enveredar pelo inútil e mais cômodo território da ampliação  das redes punitivas do Estado, do uso exagerado das prisões ou, até mesmo, da redução  da maioridade penal e da introdução da pena de morte. São essas as soluções  midiáticas, emergenciais e impulsivas adotadas como instrumento de manobra  política. Isso acontece com o objetivo de “aumentar o nível de controle e de  restrição da liberdade e para definir quem está dentro e quem está fora,  decretando a exclusão daqueles que, de fora, apertam o cerco à comunidade  compacta” (CORNELLI, 2003: 57).
   Em  contraposição ao atual e falido sistema criminal, ressurge a necessidade de  ponderar sobre um modelo de Justiça eficiente e que responda aos conflitos  sociais sem provocar novas conseqüências para a comunidade. E nessa  perspectiva, surge a Justiça Restaurativa, conforme explica Gouvêa (2014: 12):
Ao propiciar uma oportunidade para as vítimas obterem reparação, se sentirem mais seguras e poderem superar o problema, este tipo de justiça permite aos ofensores compreenderem as causas e conseqüências de seu comportamento e assumir responsabilidade de forma efetiva. Possibilita, ainda, que a comunidade compreenda as causas subjacentes do crime, para se promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade.
A Justiça  Restaurativa se apresenta, portanto, como instrumento indispensável à reflexão  de um novo modelo de Justiça, especialmente porque estimula a responsabilização  consciente do ofensor, a compreensão das causas e conseqüências da  criminalidade, bem como a prevenção de futuros delitos, sem a necessidade de utilização  de meios estigmatizantes e, por consequência, ofensivos à dignidade humana.
   Nesse  contexto, convém é reconhecer que é preciso um chamamento a refletir sobre as  ferramentas que podem ser utilizadas como instrumentos apropriados a aprimorar (ou  fortalecer) o uso de práticas restaurativas.
3.1 A utilização de métodos restaurativos nos casos de violência doméstica e familiar
Nesse  diapasão, alguns pontos precisam ser enfrentados em relação à Lei nº.  11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, primeiramente, que é vedada a aplicação, nos casos  de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou  outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o  pagamento isolado de multa, consoante art. 17 da lei supracitada. A mesma lei  também não admite a aplicação da  Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e  familiar contra a mulher, proibição contida em seu art. 41. 
   Todavia, em  que pese o processo, o julgamento e à execução das causas cíveis e criminais  decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicam-se  as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil brasileiros, segundo os  quais é permitido a aplicação da legislação específica relativa à criança, ao  adolescente e ao idoso, desde que não conflitem com o estabelecido na referida Lei. 
   Como dito, o  SINASE, tem como um dos princípios estabelecidos em lei: as práticas ou medidas que sejam  restaurativas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos.  Logo, abre-se uma possibilidade legal de se aplicar métodos restaurativos nos  conflitos domésticos e familiares, sem que a partir disso se deixe de aplicar a  legislação específica.
   Frise-se  mais uma vez que essa Justiça Restaurativa constitui-se em uma alternativa ou  complemento e não substituição,  ao processo de Justiça convencional, buscando solucionar e restaurar as  relações entre vítima, ofensor e comunidade, principalmente nos casos em que  envolve criança e adolescente, nos quais a vítima e o ofensor tem vínculo  intrafamiliar de filho e pai/mãe, de neto e avô/avó, entre outros.
   Avançando a discussão,  a Lei Maria da Penha inovou ao introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a  concessão de medidas protetivas de urgência à mulher que esteja em situação de  risco, em decorrência da gravidade dos atos violentos que é submetida por parte  do seu agressor (Esposo, pai, irmão, por ilustração). Ocorre que o Estado não  oferece a estrutura necessária para garantir que essas medidas sejam colocadas  em prática e protejam a mulher.
   Diante das  dificuldades e do grande volume de recursos necessários para implantar em todo  o imenso território brasileiro a estrutura necessária da qual necessita a Lei  nº. 11.340/06 para sua eficácia, como então o Estado pode garantir a segurança  da mulher e ao mesmo tempo proporcionar meios à recomposição das relações entre  vítima e agressor?  Esta pesquisa propõe o uso do Monitoramento Eletrônico  para solucionar algumas fragilidades quanto à fiscalização do cumprimento de  determinadas condutas acordadas ou impostas. Apesar de muito polêmico, as  experiências pelo mundo do uso do monitoramento eletrônico tem repercutido  positivamente.
4 O monitoramento eletrônico como ferramenta adequada a estimular práticas restaurativas
Após  analisar os argumentos deduzidos da literatura pertinente, acerca da Justiça  Restaurativa e de sua finalidade, este estudo propõe a reflexão quanto à  possibilidade legal de criar meios que autorizem o mediador ou conciliador a  pactuar a utilização de monitoração eletrônica nas hipóteses em que o caso  concreto exigir garantias de segurança para vítima ou a necessidade de vigiar e  controlar condutas ajustadas em audiências conciliatórias. Na espécie, é  igualmente indispensável o expresso consentimento do ofensor.
   De sorte que  o monitoramento eletrônico, para esta pesquisa, constitui ferramenta apta a  contribuir com os objetivos de procedimentos restaurativos, facilitando o êxito  do árduo processo de entabular entendimentos pós-crime. 
   Como é  evidente, não cabe a este estudo estabelecer os contornos de uma definição  legal adequada, mas provocar reflexões sobre a necessidade de controlar  determinadas condutas que são ajustadas em audiência e que, muitas vezes, não  são cumpridas posteriormente por seus interlocutores.
  É de se  observar que a proposta de vigilância eletrônica, ora apresentada, é defendida  como uma medida autônoma a ser cogitada como instrumento de pacificação social  – e de obtenção de confiança dos envolvidos – a ser alcançada pelo exercício da  conciliação ou mediação, quando o caso exigir garantias de segurança para  vítima ou o controle de cumprimento de condutas pactuadas.
   Deste modo,  a proposta articulada nestas linhas não se confunde com o objeto da Lei nº.  12.258/2010, que alterou o Código Penal e a Lei de Execução Penal, instituindo  vigilância eletrônica do condenado quando determinado pelo juiz da execução,  especialmente na hipótese de saída temporária e prisão domiciliar (art. 146-B e  SS da LEP). 
   Também  não se insere no contexto da Lei nº. 12.403/2011  que reformou o Código de Processo Penal, no aspecto relativo à prisão  processual, fiança, liberdade provisória, fixando, entre as medidas cautelares  diversas da prisão (art. 319, IX do CPP), a monitoração eletrônica.
  É certo é que, em regra, as cogitações de implementação no  texto legal de autorização para utilização de dispositivos eletrônicos (como  tornozeleiras e pulseiras) sempre enfrentaram importantes resistências de  estudiosos, legisladores e operadores do direito. No entanto, os exitosos  resultados obtidos, especialmente nos Estados Unidos e Inglaterra, provocaram a  propagação de tais dispositivos, destacadamente, nos países ocidentais.
   No Brasil, as mais sólidas discussões no âmbito parlamentar surgiram  no ano de 2001, através das propostas legislativas de autoria dos deputados Marcus  Vicente (PL nº 4.342) e Vittorio Medioli (PL nº 4.834). No ano de 2007, outros  cinco projetos foram apresentados (PL nº 337, 510 e 641 e PLS nº 165 e 175), que,  por tratarem de matérias idênticas, acabaram sendo condenados em um único: o PL  1.288/2007. Enviado para sanção presidencial, o projeto, após sofrer alguns  vetos, acabou sendo transformado na Lei 12.258/2010. No ano de 2011, foi  aprovada a Lei n. 12.403/2011. 
   Ocorre que,  de modo geral, o Brasil ainda não foi capaz de instituir o sistema de  monitoração em todos os estados. Segundo levantamento desenvolvido por SOUZA (2013: 8), até novembro de 2012, apenas “sete estados já  haviam implementado o Monitoramento Eletrônico: Acre, Alagoas, Ceará,  Pernambuco, Rondônia, Rio de Janeiro e São Paulo”. 
   Os  obstáculos para efetivação de tal medida, na prática, são os mais diversos. Em  síntese, destacam-se as seguintes alegações de impedimento: a ineficiência da  medida; a possibilidade de difusão do sentimento de impunidade; dificuldade com  o processo licitatório; áreas que não são contempladas com o sinal satélite ou  de telefonia móvel; inexistência de banda larga em alguns estados;  inviabilidade na relação custo-benefício; embaraços quanto à operacionalidade;  ausência de regulamentação específica.
   Apesar das  imensas dificuldades de ordem prática – que devem ser superadas! – para a implantação  do monitoramento eletrônico no Brasil, não se pode descartar a necessidade de  alcançar, através do desenvolvimento tecnológico, meios que colaborem, por um  lado, com a criação de alternativas à prisão e, por outro, com o fortalecimento  do espírito de confiança quanto ao cumprimento das medidas impostas pelo Estado  ou alcançadas mediante processo de conciliação ou mediação.
   Na hipótese  de se obter a tão sonhada responsabilização consciente no caso de violência  domestica, é possível que o parâmetro de convencimento entre os pactuantes  resida na certeza do cumprimento do que foi acordado em audiência. E como ter  certeza de que não haverá descumprimento daquilo que foi assumido, como  compromisso, pelos envolvidos? E se, por exemplo, o ponto de pacificação se  restringiu a não aproximação do ofensor à residência da vítima?
   A  possibilidade de ajustar, mediante consentimento, o uso da pulseira eletrônica  pode facilitar o dispêndio de um processo penal e o risco de uma condenação,  além de imprimir um maior sentimento de confiabilidade e tranqüilidade à  vítima.
   Como é  sabido, o monitoramento eletrônico apresenta, em síntese, três finalidades: detenção  (limitação da liberdade de locomoção), restrição (proibição de invadir  determinada área ou de aproximar de pessoas) e vigilância (controle e  acompanhamento do monitorado). Na hipótese, parece ser indispensável permitir que  o mediador (ou conciliador) disponha do monitoramento eletrônico como forma de  colaborar com o exercício e eficácia de práticas restaurativas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema  prisional brasileiro mostra-se falido e incapaz de evitar a reincidência e  promover a ressocialização, sobretudo, pelos estigmas sociais que marginalizam  na maioria das vezes, ainda mais, o indivíduo privado de sua liberdade. Sem  dúvida é mais fácil e populista enveredar pelo inútil e mais cômodo território  da ampliação das redes punitivas do estado, do uso exagerado das prisões ou,  até mesmo, da redução da maioridade penal e da introdução da pena de morte. 
   Longe de  resolver o grave problema que enfrentamos hoje na segurança pública, essas pseudossoluções  apenas decretam a exclusão dos grupos sociais que vivem fora dos grandes  centros, alheios as melhorias proporcionadas pelos avanços tecnológicos e  relegados a uma injusta divisão de trabalho e salários baixos. 
   Em  contraposição à atual e falida Justiça Convencional, ressurge a necessidade de  ponderar sobre um modelo de Justiça eficiente e que responda aos conflitos  sociais, tendo como centro não apenas o agressor e o Estado, mas também a  vítima e a sociedade. E nessa perspectiva, surge a Justiça Restaurativa que se  baseia no envolvimento da comunidade e, tão logo, da própria vítima, na busca  por uma solução holística do conflito.
   No Brasil  não existe legislação específica que discipline a matéria, todavia, apesar do  nosso sistema jurídico ser Civil Law, a partir da Constituição de 1988 o legislador brasileiro desenhou cenário  jurídico apropriado à introdução de conceitos inovadores e de mecanismos  alternativos às tradicionais respostas punitivas. Logo, hoje o ordenamento  jurídico brasileiro possui meios de aplicação de métodos restaurativos em casos  concretos nos seus tribunais.
   Assim,  aparece a possibilidade de aplicação de métodos restaurativos nos casos  envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. Importante ressaltar  que não se trata de livrar o agressor das sanções previstas na Lei nº.  11.340/06, mas sim, de se observar que a proposta de vigilância eletrônica pode  ser manejada como instrumento de pacificação social e de obtenção de confiança  a ser alcançada pelo exercício da conciliação ou mediação, quando o caso exigir  garantias de segurança para vítima ou o controle de cumprimento de condutas  pactuadas.
   Destarte,  não se pode descartar a necessidade de alcançar, através do desenvolvimento  tecnológico, meios que colaborem tanto com a criação de alternativas à prisão  quanto com o fortalecimento do espírito de confiança em relação ao cumprimento  das medidas impostas pelo Estado ou alcançadas mediante processo de conciliação  ou mediação.
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