Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


REFLETINDO SOBRE ESCALAS: a relação entre a Zona de Fronteira Brasil/Bolívia e o Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca

Autores e infomación del artículo

Roberto Mauro da Silva Fernandes

Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil

roberto_mauro.78@hotmail.com

Resumo  
O objetivo do presente artigo é refletir sobre a relação conflituosa entre as normas de Estado e o território, em especial àquela que tange as dinâmicas transfronteiriças das cidades-gêmeas. Deste modo, no foco de nossa discussão está na Zona de Fronteira Brasil/Bolívia e mais especificamente as cidades de Corumbá/MS (Brasil). Trata-se de uma análise a respeito dos instrumentos regulatórios para o comércio (varejista) destinados a zona fronteiriça em questão. Para tal, fizemos uso de levantamento bibliográfico e realizamos trabalho de campo na mencionadas cidade.

Palavra-chave: Zona de Fronteira, Lojas Francas, Brasil, Bolívia, território.

Abstract
The purpose of this article is reflect about the conflicting relationship between the standards of State and the territory, particular with respect to that cross-border dynamics of the twin-cities. Thereby, in the focus of our discussion is the border area  Brazil/Bolivia and more specifically the cities of Corumbá/MS (Brazil). This is an analysis about the regulatory instruments to the trade (retailer) destined to the border area in question. Thus we used literature review and conducted fieldwork in the mentioned city.
 
Keyword: Border Zone; Free Shops, Brazil; Bolivia; territory.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Roberto Mauro da Silva Fernandes (2016): “Refletindo sobre escalas: a relação entre a Zona de Fronteira Brasil/Bolívia e o Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/fronteira.html


1 – Introdução

Recentemente, o Ministério da Integração Nacional, por meio da Portaria nº 125, de 21 de março de 2014, estabeleceu um conceito oficial acerca das cidades-gêmeas. Segundo o artigo 1º da normativa, cidades-gêmeas são aqueles municípios cortados pela linha de fronteira, seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura, conurbada ou semi-conurbada com localidade de país vizinho que apresentem grande potencial de integração econômica, cultural e manifestações "condensadas" dos problemas característicos da fronteira (BRASIL, 2014).
Mediante isso, as cidades-gêmeas são àquelas que melhor representam a Zona de Fronteira, esta que é composta pelas “[...] faixas territoriais de cada lado do limite internacional estatal, caracterizada por interações que criam um meio geográfico próprio de fronteira, somente perceptível na escala local/regional das interações transfronteiriças” (BRASIL, 2005, p. 152). Oficialmente são trinta as cidades classificadas como “gêmeas” ao longo da extensa fronteira terrestre brasileira.
Deste modo, no estado (UF) de Mato Grosso do Sul está localizada a Zona de Fronteira Brasil/Bolívia, composta pelas cidades brasileiras de Corumbá/MS e Ladário/MS, bem como, por Puerto Quijarro (seu distrito Arroyo Concepción) e Puerto Suárez, urbes da Província de Germán Busch do Estado Plurinacional da Bolívia. Tais centros são caracterizados por intercâmbios nas áreas de educação, saúde, segurança, meio ambiente, lazer e, sobretudo, no comércio.
Comumente, os moradores de Puerto Suárez e Puerto Quijarro utilizam os serviços de saúde e matriculam suas crianças e adolescentes em escolas no lado brasileiro daquela fronteira. Os cidadãos bolivianos também atuam profissionalmente (principalmente nas feiras livres) em Corumbá/MS e Ladário/MS, bem como, os centros comerciais instalados nos municípios bolivianos são assídua e cotidianamente frequentados por brasileiros para consumir e trabalhar. Portanto, as pessoas que vivem na fronteira em questão interagem elaborando seus códigos básicos de sobrevivência e de convivência para além dos limites estatais estabelecidos para delimitar o “território” 1.
Essas interações são decorrência dos estreitamentos entre os governos de Brasil e Bolívia ao longo do século XX. Os acordos assinados entre os anos de 1930 e 1990 versaram sobre temas tradicionais para os dois países: a energia, sob o interesse de compra e venda do gás boliviano; a comunicação, através da construção de uma ferrovia e rodovia entre Corumbá/MS e Santa Cruz de la Sierra e, sobretudo, questões relacionadas à fronteira (SOUZA, 2004, p. 76-160). As cidades em questão, portanto, apresentam estreitas relações. Logo, bolivianos e brasileiros protagonizam movimentos que ultrapassam as “linhas” oficiais, produzindo relações que se baseiam, em grande parte dos casos, em suas referências socioespaciais. De igual modo, convivem com códigos jurídicos que os definem como nacionais dos seus respectivos Estados, reforçando os laços de pertencimento e identificação com “territórios” dessemelhantes em meio a um contexto espacial que também não “guarda bandeiras” e tampouco “lados”.
Desta maneira, o nosso objetivo é refletir acerca da relação conflituosa entre o território e as deliberações normativas do Estado brasileiro, especificamente buscaremos as interferências da Lei nº 12.723/2012 e da Portaria MF nº 307/2014 (que respectivamente cria e regulamenta o Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca em fronteira terrestre) sobre a Zona de Fronteira ora em discussão. Para obtenção do que nos propomos a realizar, utilizamos levantamento bibliográfico e trabalho de campo na cidade de Corumbá/MS que consistiu em entrevistar aqueles que estão diretamente envolvidos com as dinâmicas transfronteiriças de comércio. Nesse caso, optamos por entrevistas não direcionadas, com o escopo de permitir a livre expressão dos sentimentos e percepções dos entrevistados.
Além desta introdução, o artigo contém outras três seções. A segunda apresenta uma reflexão sobre a publicação das normativas de regulação do comércio internacional que desconsideram a realidade de fronteira, neste caso a Zona de Fronteira Brasil/Bolívia (Mato Grosso do Sul/ Província de Germán Busch) é o foco. No secionamento seguinte advogaremos a respeito do processo de instalação das Lojas Francas em Corumbá/MS. No quarto segmento apresentaremos nossas considerações finais.

2 - Território versus normas de Estado: Lojas Francas para aniquilar a concorrência internacional

No dia 10 de outubro de 2012 fora publicado no Diário Oficial da União a Lei nº 12.723, de 09 de outubro de 2012, esta inseriu novo dispositivo no Decreto-Lei nº 1.455/1976, dispondo sobre a instalação de Lojas Francas em cidades-gêmeas localizadas na Faixa de Fronteira brasileira:

Art. 1º O Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 15-A:
Art. 15-A. Poderá ser autorizada a instalação de lojas francas [grifo nosso] para a venda de mercadoria nacional ou estrangeira contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira.
§ 1º A autorização mencionada no caput deste artigo poderá ser concedida às sedes de Municípios caracterizados como cidades gêmeas de cidades estrangeiras na linha de fronteira do Brasil, a critério da autoridade competente.
§ 2º A venda de mercadoria nas lojas francas previstas neste artigo somente será autorizada à pessoa física, obedecidos, no que couberem, as regras previstas no art. 15 e demais requisitos e condições estabelecidos pela autoridade competente (BRASIL, 2012).

A 12.723/2012 amplia o regime de Lojas Francas que somente era permitido em zonas primárias de portos ou aeroportos. A normativa possibilita aos concessionários do regime a trabalhar no mesmo sistema de isenção tributária existente nos free shops situados em terminais de transportes internacionais. A lei em referência é resultante do Projeto de Lei nº 6.316/2009, proposto pelo Deputado Federal Marco Maia, posteriormente renumerada para PL nº 11/2012, assim passando a tramitar no Senado (FERNANDES, 2015, p. 192).
Mesmo com a publicação, muitas preocupações existiam por parte dos sujeitos interessados, visto ser uma lei autorizativa e carecer de regulamentação da Secretaria da Receita Federal para definir de que forma os free shops em cidades-gêmeas iriam operar. A regulamentação ocorreu por meio da Portaria MF nº 307, de 17 de julho de 2014, que dispõe sobre a aplicação do Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca em fronteira terrestre.
De acordo com a norma: a) O regime aduaneiro especial de Loja Franca permite vender mercadoria nacional ou estrangeira, com isenção de impostos, a pessoa em viagem terrestre internacional, cujo pagamento poderá ser efetuado em moeda nacional ou estrangeira e b) A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá autorizar as lojas francas a manter depósito para guarda das mercadorias que constituam estoque. Além disso, segundo o artigo 6º da Portaria nº 307/2014:

Art. 6º O regime de que trata esta Portaria será concedido, em caráter precário, mediante ato específico da RFB, a pessoa jurídica estabelecida no País que atenda aos requisitos e condições estabelecidos para a sua concessão.
§ 1º Os estabelecimentos e depósitos autorizados a operar o regime também serão relacionados em ato específico da RFB.
§ 2º São requisitos e condições para a concessão do regime:
I - a existência de Lei Municipal que autorize, em caráter geral, a instalação de lojas francas em seu território;
II - a existência, no município, de unidade, serviço, seção ou setor da RFB com competência para proceder ao controle aduaneiro;
III - a comprovação de regularidade fiscal da beneficiária perante a Fazenda Nacional;
IV - a implementação de sistema informatizado de controle de entrada, estoque e saída de mercadorias, de registro e apuração de créditos tributários, próprios e de terceiros, devidos, extintos ou com pagamento suspenso, integrado aos sistemas corporativos da beneficiária, que atenda aos requisitos e especificações estabelecidos pela RFB;
V - a utilização do estabelecimento autorizado exclusivamente para venda de mercadorias ao amparo do regime;
VI - a comprovação de valor de patrimônio líquido mínimo, ou a prestação de garantia em valor equivalente, conforme estabelecido em ato específico da RFB; e
VII - outros requisitos ou condições estabelecidos em ato específico da RFB.
§ 3º O regime de que trata o caput subsistirá enquanto cumpridos os requisitos e condições para sua concessão e aplicação (BRASIL, 2014 (b)).

De igual modo, a Portaria nº 307/2014 alterou o artigo 7º da Portaria nº 440/2010. Lê-se no artigo 22 da primeira:

Art. 22. O art. 7º da Portaria MF nº 440, de 30 de julho de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:
b) US$ 150,00 (cento e cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre (BRASIL, 2014 (b)).

Verificava-se, desta maneira, a diminuição da quantia de US$ 300,00 para US$ 150,00 da cota anteriormente estabelecida para compra de produtos no estrangeiro por via terrestre sem tributação. É necessário destacar que a Receita Federal do Brasil ao publicar a Portaria nº 440/2010 casou descontentamentos entre os comerciantes bolivianos da Zona de Fronteira Brasil/Bolívia em foco, pois reduziu de US$ 500,00 para US$ 300,00 o valor da cota de compra para brasileiros no exterior por via terrestre. Bem como, é preciso registrar que no ano de 2011 inúmeras manifestações ocorreram contra o Estado brasileiro naquela fronteira (FERNANDES, 2015, p. 190). 
A restrição quantitativa de US$ 300,00 influenciava diretamente na realidade efetiva daquela Zona de Fronteira, porque a cota estabelecida ao brasileiro apresentou-se assimétrica em relação ao valor de US$ 1.000,00 predisposto pelo governo boliviano ao seu cidadão para consumo (sem tributação) no exterior. Esta deliberação está prevista no artigo nº 188, alínea d, do “Reglamento a la Ley General de Aduanas”, norma do Estado Plurinacional da Bolívia que regulamenta as operações aduaneiras (BOLÍVIA, 2000). Não podemos nos esquecer de que existe um processo de complementaridade cotidiana entre brasileiros e bolivianos no que diz respeito ao comércio, as pessoas ultrapassam as “linhas” estatais praticamente todos os dias para consumir bens e serviços.
Se o artigo 7º da Portaria nº 440 outrora casou indignação no “lado de lá” da fronteira, a redação do artigo 22 da Portaria nº 307/2014 ocasionou certa surpresa nos sujeitos envolvidos com o comércio das cidades-gêmeas no “lado de cá”, ou seja, nos comerciantes brasileiros. Em Foz de Iguaçu, por exemplo, o Prefeito Reni Pereira asseverava:

Recebemos a notícia como um presente de Grego. Ao mesmo tempo em que podemos abrir as lojas francas, baixaram a cota. A gente sabe que parte do dinheiro que circula aqui, principalmente nos bairros, vem desse turismo de compras. Falta de respeito com Foz do Iguaçu2 .

A Portaria nº 307/2014 foi posteriormente alterada pela Portaria MF nº 320, de 22 de julho de 2014: “Art. 3º. Fica restabelecida a vigência da redação original da alínea "b" do inciso III do art. 7º da Portaria MF nº 440 de 30 de julho de 2010”. Isto é, a cota para consumo, com isenção, por via terrestre voltava a ser no valor de US$ 300,00, assim como, ficou estabelecido com a publicação da nova normativa que o artigo 22 da nº 307/2014 entraria em vigor somente em 01 de julho de 2015 (BRASIL, 2014 (c)). De acordo com o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto:

Vamos prorrogar a vigência do que hoje existe em termos de cota (US$ 300 via terrestre) por não menos de 6 meses. Mas deve ser em torno de um ano. Depende de autorização de cada município onde vão funcionar [as lojas francas], de sistemas de preparação dos investidores 3.

A intenção da Receita Federal, aparentemente, era aguardar até que as Lojas Francas estivessem em funcionamento. Entretanto, tal protelação não estava relacionada apenas aos fatores destacados pelo servidor público. Como o artigo 6º da Portaria nº 307/2014, parágrafo IV, estabelece como uma das condições e requisitos para o funcionamento das Lojas Francas a implementação de sistema informatizado para controle de entrada, saída, estoque, registro e apuração das mercadorias e créditos tributários, a operabilidade dos free shops também está condicionada a confecção do software que viabilizará as operações do referido sistema. Isso se confirmou com a publicação da Portaria MF nº 415, de 26 de junho de 2015. Lê-se no artigo 1º:

Art. 1º  O art. 24 da Portaria MF nº 307, de 17 de julho de 2014, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 24. Esta Portaria entra em vigor a partir da data de sua publicação no Diário Oficial da União, exceto o seu art. 22, que entra em vigor a partir:
I - de 1º de julho de 2016; ou
II - do 1º (primeiro) dia do 3º (terceiro) mês subsequente à implementação do sistema de controle informatizado previsto no inciso IV do § 2º do art. 6º acompanhada da edição do ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil referido no art. 23, se anterior à data estabelecida no inciso I.” (BRASIL, 2015).

O documento prorrogou por mais um ano a entrada em vigor do artigo 22 da Portaria nº 307/2014, que consequentemente havia alterado o artigo 7º da Portaria nº 440/2010 (o prazo estabelecido anteriormente: 01/07/2015). Bem como, sinalizou um prazo para a estruturação do sistema informatizado que vai dar suporte para os trâmites realizados nas Lojas Francas.
O sistema em referência será viabilizado por meio do desenvolvimento de um software que permitirá o controle da emissão de tickets de venda. A Receita Federal está adotando um modelo de fiscalização eletrônica automática que vai possibilitar que o viajante ao adquirir produtos nas Lojas Francas não necessite se encaminhar a Unidade da Receita Federal para declarar as suas compras. Assim, nas ocasiões em que realizá-las, o comerciante que atua nos free shops acessa o sistema da Receita Federal e pede autorização para emissão do ticket, deste modo, há o controle da cota e o pagamento da mercadoria, assim como, caso o turista/viajante ultrapassar os US$ 150, 00 previstos efetua pagamento com o próprio vendedor no estabelecimento (produtos acima da cota são tributados em 50% do valor no que exceder. Isto está disposto nos artigos 101 e 102 do Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009). Portanto, o consumidor sai da loja com a obrigação tributária já cumprida e não precisa se encaminhar a órgão aduaneiro ou fiscal para fazer nenhum procedimento 4.
Embora a lei nº 12.723/2012 seja inovadora, haja vista estender o funcionamento de Lojas Francas para fronteiras terrestres e instalar uma tecnologia interessante para fomentar o desenvolvimento econômico nas cidades-gêmeas brasileiras, o artigo 22 da Portaria nº 307/2014 (que versa sobre o artigo 7º da Portaria nº 440/2010 e especialmente acerca da cota de US$ 150, 00 para compra no exterior por via terrestre sem tributação) é um retrocesso para o comércio fronteiriço, sobretudo, para a Zona de Fronteira Brasil/Bolívia na qual se localiza Corumbá/MS. As cotas continuarão assimétricas, assim como, a norma da Receita Federal acomete sobre as atividades do trabalhador/comerciante boliviano.
O consumo por via terrestre no “lado” boliviano da fronteira, sem tributação, será de até US$ 150,00 partir de julho de 2016. No “lado” brasileiro, o boliviano poderá gastar, de acordo com as normas aduaneiras de seu país, até US$ 1.000,00. Deste modo, a Receita Federal ao publicar as Portarias nº 307/2014, nº 320/2014 e nº 415/2015 novamente desconsiderou as dessemelhantes realidades efetivas da extensa faixa de fronteira terrestre brasileira e as distintas complementaridades comerciais/cotidianas entre os fronteiriços.
A Portaria nº 307/2014, ao que parece, instrumentalizou uma tecnologia que tem como escopo impingir concorrência ao comerciante boliviano e aniquilá-lo, haja vista diminuir o valor da restrição quantitativa de US$ 300,00 para US$ 150,00 e estabelecer um limite para consumo (por pessoa), sem tributação, nas Lojas Francas de US$ 300,00:
 
Art. 14. O limite de valor global de isenção, para a venda de mercadoria importada em loja franca de fronteira terrestre ao viajante que ingressar no País, será de US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, por pessoa, a cada intervalo de 1 (um) mês (BRASIL, 2014 (b)).

            Assim, está sendo institucionalizado um cenário que a priori favorece o comerciante brasileiro e o consumo nas cidades brasileiras (algo que já se ensaiava com a Portaria nº 440/2010). Teoricamente as restrições quantitativas para os bolivianos somarão US$ 1.300,00. Este valor corresponde aos US$ 1.000,00 estabelecidos no artigo nº 188 do “Reglamento a la Ley General de Aduanas”, dispositivo que regula a margem de compra individual, com isenção, do cidadão boliviano no exterior e ao limite de consumo estabelecido pela Portaria nº 307/2014 de US$ 300,00 nas Lojas Francas (estas que serão instaladas no “lado” brasileiro da fronteira), caso queira consumir em tais estabelecimentos. Em contrapartida, o brasileiro poderá consumir em Puerto Quijarro ou Puerto Suárez, sem tributação, a quantia de até US$ 150,00.

3 – O processo de instalação do Regime de Loja Franca em Corumbá/MS: dilemas e possibilidades

Especificamente em Corumbá/MS, no dia 21 de outubro de 2014 foi publicado o Decreto municipal nº 1.432 que dispôs sobre a criação de Grupo de Trabalho para discussão, organização e criação de um plano de ação visando à implantação do regime de Loja Franca no município. Nos artigos 1º, 2º e 3º do documento é possível ler:

Art. 1º Fica constituído o Grupo de Trabalho para discussão, organização e criação do Plano de Ação para viabilizar a implementação de loja franca no Município de Corumbá.
Art. 2º O Grupo de Trabalho terá a seguinte composição:
I – um representante da Secretaria Municipal de Indústria e Comércio, na qualidade de coordenador;
II – um representante do Sindicato do Comércio Varejista de Corumbá – SINDVAREJO;
III – um representante da Associação Comercial e Industrial de Corumbá – ACIC.
Art. 3º O Grupo de Trabalho poderá ser composto, ainda, por representantes das seguintes instituições convidadas:
I – um representante do Poder Legislativo Municipal;
II – um representante da Agência Fazendária Estadual (AGENFA);
III – um representante da Receita Federal do Brasil;
IV – um representante do Departamento de Polícia Federal;
V – um representante da Federação do Comércio do Estado de Mato Grosso do Sul (FECOMERCIO);
VI – um representante da Federação das Associações Comerciais do Estado de Mato Grosso do Sul (FAEMS);
VII – um representante da Camara de Industria, Comercio y Servicio da Provincia German Bush – Bolívia (MATO GROSSO DO SUL, 2014).

Em relação ao artigo 3º, não deveria existir o fator discricionário (“poderá”) para a participação de alguns membros no Grupo de Trabalho. Os sujeitos mencionados do inciso I ao VII devem ser membros efetivos, pois:

  • A instalação do regime de Loja Franca depende de Lei municipal, portanto, é preponderante a assiduidade de um membro (ou de uma comissão) do Poder Legislativo nas discussões;
  • Polícia Federal, Agência Fazendária Estadual (AGENFA) e Receita Federal do Brasil, sendo órgãos de atuação na esfera federal e estadual devem assessorar os debates, auxiliando os participantes no que tange aos impedimentos e permissividades legais. Dinâmica de extrema relevância para confrontar as normas dos municípios fronteiriços com a legislação federal e da unidade federativa. No caso da Receita Federal, esta deve estar presente em todas as etapas e atualizada quanto os resultados obtidos;
  • A Federação do Comércio do Estado de Mato Grosso do Sul (FECOMERCIO) e a Federação das Associações Comerciais do Estado de Mato Grosso do Sul (FAEMS), para além de suas funções e objetivos econômicos, são organizações políticas que possuem representação direta nos Parlamentos Estaduais (Câmaras de Deputados) e no Congresso Nacional e podem realizar diálogos de maior contundência com os órgãos estaduais e federais e, deste modo, devem estar amiudados aos trabalhados para que possam intercambiar informações entre os seus contatos e os membros do Grupo de Trabalho; e
  • As decisões tomadas no GT necessitam da participação de todos aqueles que se articulam diretamente e diariamente com a Zona de Fronteira, nesse caso, a Câmara de Indústria, Comercio e Serviço da Província Germán Bush deve ter cadeira cativa nos altercamentos.

 

Outro detalhe importante, o decreto não menciona os órgãos públicos e as entidades/organizações vinculadas ao setor de comércio da cidade de Puerto Quijarro/Arroyo Concepción. Por quê? Nessas urbes encontram-se os principais centros comerciais daquela Zona de Fronteira, ademais inúmeros cidadãos bolivianos que nelas residem trabalham na cidade de Corumbá/MS. A participação desses comerciantes e do Poder Público “do lado de lá” é de extrema relevância, sobretudo, no que diz respeito à criação de diretrizes que possam mitigar os confrontos de classe no setor e possibilitar discussões sobre futura produção de harmonizações legislativas que contemplem os dois “lados” da fronteira. Pensamos que é impossível discutir a instalação de Lojas Francas sem envolver a classe trabalhadora boliviana do “outro lado”. Bem como, o édito não faz menção ao Núcleo Regional de Integração da Faixa de Fronteira do Mato Grosso do Sul (NFMS), instituído pelo Decreto estadual nº 13.303, de 22 de novembro de 2011.
Os Núcleos Regionais são instâncias de planejamento que fazem parte do arcabouço institucional pensado pelo Grupo de Trabalho Interfederativo de Integração Fronteiriça (GTI), coordenado pelo Ministério da Integração Nacional. O GTI foi prescrevido em 2010 para atualizar os dados do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (2005) e consequentemente elaborou outro relatório contendo propostas que tem por objetivo fomentar o desenvolvimento e a articulação de ações de integração fronteiriça. Entre as asserções do documento está o estabelecimento da Comissão Permanente de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira (CDIF), um colegiado composto por representantes de órgãos federais e estaduais. Logo, para a execução dos objetivos traçados foi engendrada a seguinte composição: uma Secretaria Executiva, Núcleos Regionais e Grupos Técnicos (BRASIL, 2010).  
Os Núcleos Regionais, entre outras coisas, são responsáveis por colher e sistematizar as demandas dos atores locais e articular soluções de âmbito local e regional para as diligências identificadas (BRASIL, 2010). No caso do NFMS, sua coordenação executiva ficou a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC) e da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo (SEPROTUR). Portanto, um desses órgãos estaduais deveria compor o Grupo de Trabalho estatuído para discutir a implantação do Regime de Loja Franca em Corumbá/MS.    
O artigo 5º, do Decreto municipal nº 1.432/2014, versa especificamente sobre as atribuições do Grupo de Trabalho, encarregado: a) da realização de reuniões com os representantes das instituições e órgãos envolvidos e pela proponência de atribuições aos mesmos, b) da realização de estudos para avaliar a viabilidade de instalação das Lojas Francas em Corumbá/MS, c) pelos diálogos necessários a criação do Plano de Ação concernente à operação dos free shops na cidade e, de igual modo, d) cabe ao GT criar o Plano de Ação e propor os métodos de execução após a sua conclusão (MATO GROSSO DO SUL, 2014).
O documento também especifica o dia 21 de outubro de 2015 como data cabal para o término das estratégias supracitadas: “Art. 6º O prazo para conclusão dos trabalhos do grupo é de 1 (um) ano a contar da data de publicação [21/10/2015] deste Decreto” (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Entretanto, até o dia 29 de setembro de 2015, de acordo com as informações que obtivemos em nosso trabalho de campo, o Grupo de Trabalho não havia sido criado. Sobre esta questão, o Sr. Pedro Paulo Marinho de Barros, Secretário de indústria e Comércio do município de Corumbá/MS, declarou-nos o seguinte:

Nesse momento [29/09/2015] existe um decreto que criou um Grupo de Trabalho, mas ainda não foi formado esse Grupo de Trabalho. Aqui no município nós enxergamos que a questão dos free shops ainda precisa ser melhorada, a questão do regulamento, a normativa que saiu [Portaria nº 307/2014]. Em conversa com empresários e comerciantes daqui, acreditamos que não é a melhor forma para se trabalhar, sobretudo porque somente se observa o estrangeiro que tem que estar saindo do país ou entrando. Hoje quem entra aqui [Corumbá/MS] e consome é o boliviano da fronteira, acredito que é o nosso grande cliente; os turistas de pesca, também consomem muito na fronteira, também são brasileiros que vem e não estão com a intenção de sair do país. Então, pelo que a normativa da Receita Federal “fala”, eles [viajantes] tem que ter documento hábil de estrangeiro para poder consumir dentro de uma free shop. E os comerciantes aqui, a gente também apoia (a parte da prefeitura), é que isso também seja favorável [compra nas lojas franca] para o pessoal daqui, que não exija essa documentação de estrangeiro e sim que seja controlada pela Receita Federal, por CPF [Cadastro de Pessoa Física] mesmo só no município, que qualquer loja possa usufruir desse benefício fiscal de isenção e não só uma free shop. A gente enxerga que o turista que tá aqui na cidade, seja o turista de compra ou aquele que vem contemplar o Pantanal ou pescar. Eles vêm não com a intenção de sair para o estrangeiro. Quando a população vai a Bolívia comprar existe a fiscalização da cota de US$ 300,00, porém não se exige documentação para se fazer a compra. E o que a receita quer é que para se comprar no Brasil, em dólar, ele tem que ter o documento fiscal de estrangeiro que está entrando no país ou saindo. As cidades que tem comércio na fronteira, no país vizinho, não se exigem essa documentação. O brasileiro não pode comprar. Essa é uma luta nossa. O turista vem para cá [Corumbá/MS] e acaba indo na Bolívia, consome e não se exige documento 5.

Mediante tais palavras, percebe-se que o Grupo de Trabalho até então não havia sido instalado (restando apenas vinte dias para o fim do prazo estabelecido no Decreto municipal nº 1.432/2014) porque existiam discordâncias, por parte dos envolvidos no processo, quanto ao que estava posto na Portaria nº 307/2014, nesse caso, em relação a quem pode comprar nas Lojas Francas.
A interpretação do secretário municipal gira em torno de certa restrição que fora estabelecida a respeito do estrangeiro ser o único com possibilidades de adquirir mercadorias nos free shops. No artigo 13 da norma em referência pode-se ler: Art. 13. Somente poderá adquirir mercadoria de loja franca de fronteira terrestre o viajante que ingressar no País [grifo nosso] e for identificado por documentação hábil” (BRASIL, 2014 (b)). Nota-se que no dispositivo não há qualquer menção sobre o comprador ser estrangeiro, o artigo 13 especifica que somente viajantes podem comprar. A nacionalidade não é critério para qualificar ou desqualificar futuros usuários da tecnologia [Loja Franca].
Em dezembro de 2014, o Sr. Adilson Valente, Inspetor Chefe da Receita Federal em Santana do Livramento/PR (cidade-gêmea que compõe juntamente com Rivera/UR a Zona de Fronteira Brasil/Uruguai), concedeu entrevista a uma emissora uruguaia da cidade de Rivera/UR – CANAL 10 RiveraUY – e ressaltou: “A lei fala que são viajantes, nela não há restrição sobre a nacionalidade. Então tanto os uruguaios, argentinos, quanto os brasileiros poderão comprar nas Lojas Francas. Desde que sejam viajantes”6 .
Esta é uma referência que faz as cidades-gêmeas de Rivera/UR e Santana do Livramento/BR e que também cabe às urbes da Zona de Fronteira Brasil/Bolívia e a qualquer outra que possua dinâmicas fronteiriças terrestres de comércio.
Ao dar a declaração, o Inspetor da Receita Federal fazia alusão ao Decreto-Lei nº 1.455, de 07 de abril de 1976, a Lei nº 12.723, de 2012 e aos artigos 13 e 14 da Portaria nº 307/2014, a segunda norma altera o artigo 15 da primeira, incluindo o artigo 15-A. No parágrafo 2º do artigo 15-A está especificado que a venda de “[...] mercadoria nas lojas francas previstas neste artigo somente será autorizada à pessoa física, obedecidos, no que couberem, as regras previstas no art. 15 e demais requisitos e condições estabelecidos pela autoridade competente” (BRASIL, 2012). 
No paragrafo 2º, de igual modo aos artigos 13 e 14 da Portaria nº 307/2014, não há menção a respeito de venda apenas para estrangeiros e quanto ao artigo 15 do Decreto-Lei nº 1.455/76, este trata de vendas em Lojas Francas instaladas em zona primária de portos e aeroportos “[...] a passageiros de viagens internacionais, na chegada ou saída do País, ou em trânsito, contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira” (BRASIL, 1976). O que não se enquadra a free shops em fronteira terrestre. Entretanto, novamente percebe-se que não se menciona estrangeiro, mas sim passageiros em viagens internacionais, ou seja, pode ser qualquer passageiro, independe a nacionalidade.
A “dúvida” sobre quem poderia realizar compras nas Lojas Francas, aparentemente, incorre porque no artigo 13 está entabulado que somente terá acesso as novas tecnologias comerciais “[...] o viajante que ingressar no País”, bem como, no artigo 14 está especificado que o limite de isenção (US$ 300,00) para a venda de mercadoria importada é destinada  “[...] ao viajante que ingressar no País”. A respeito de tais assertivas, na mesma entrevista que mencionamos, o Inspetor da Receita Federal, ao ser questionado pela jornalista uruguaia sobre a possibilidade do morador de Santana de Livramento não poder realizar compras, respondeu:

Na verdade nós tivemos essa discussão interna, mas superamos rapidamente. Tecnicamente se eu vou até ali do outro lado da praça [Rivera] eu fiz uma viagem internacional, para todos os efeitos legais inclusive. Se eu saio daqui [Santana do Livramento/BR] atravesso a rua, eu estou em outro país que é o Uruguai, sujeito a uma ordem jurídica, inclusive, então não há como negar que eu fiz sim uma viagem internacional. Então a gente superou essa questão presumindo que toda pessoa que for declarar as compras tenham feito uma viagem internacional, assim os moradores [Santana do Livramento] poderão sim comprar7 .

A mensagem é valida para a Zona de Fronteira Brasil/Bolívia, na qual se localiza Corumbá/MS, suas dinâmicas se assemelham a fronteira citada pelo Sr. Adilson Valente. Quando o boliviano e o brasileiro ultrapassam as “linhas” estatais (que no caso daquela zona fronteiriça está materializada pelo Posto da Receita Federal do Brasil) tecnicamente (fazendo uso do termo empregado pelo servidor público) realizam viagens internacionais (todos os dias tais movimentos ocorrem, diga-se de passagem).
Ademais, o cidadão boliviano, que é um dos grandes consumidores do comércio corumbaense (de acordo com o próprio secretário municipal de Indústria e Comércio), oficialmente é um estrangeiro, logo, isso não deveria ser fator impeditivo para o início das discussões sobre as Lojas Francas, isto é, elemento que protelasse o andamento das atividades do Grupo de Trabalho. Bolivianos e brasileiros ao atravessarem as “marcas” estatais para consumir em ambos os “lados” da fronteira realizam viagens internacionais e tal infixidez cotidiana está contemplada no artigo 2º da Portaria 307/2014:
 
Art. 2º. O regime aduaneiro especial de loja franca, quando aplicado em fronteira terrestre, permite, a estabelecimento instalado em cidade gêmea de cidade estrangeira na linha de fronteira do Brasil, vender mercadoria nacional ou estrangeira a pessoa em viagem terrestre internacional [grifo nosso], contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira (BRASIL, 2014 (b)).

As viagens internacionais terrestres são inerentes aquela Zona de Fronteira Brasil/Bolívia, portanto, vender somente a estrangeiros não seria um problema. Assim, qualquer pessoa que tenha interesse e possua dinheiro poderá adquirir produtos nos futuros equipamentos comerciais.
Aqui é necessário abrir um parêntese. Em julho de 2015 entrevistamos o Sr. Otávio Philbois, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Corumbá – SINDVAREJO (membro titular do GT estabelecido em decreto), este sabia que não existiam restrições quanto a quem poderia ou não comprar em Lojas Francas. Informação que o órgão encarregado de coordenar o Grupo de Trabalho para a criação e instalação dos free shops, a Secretaria de Indústria e Comércio (conforme o decreto municipal nº 1432/2014), não possuía. A priori, isso se deve, primeiramente, ao fato das redações dos artigos 13 e 14 da Portaria nº 307/2014 serem providas de determinações muito amplas, abrindo margem a diversas interpretações, bem como, os sujeitos envolvidos no processo não estão dialogando de maneira profícua ou não estão efetivamente dialogando.
Outro ponto que diz respeito ao adiamento das ações concernentes a instalação do Grupo de Trabalho está relacionada a inquietações quanto à conciliação do Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca a uma área territorial aduaneira especifica. Quanto a tal questão, o Sr. Pedro Paulo nos asseverava:

A prefeitura quer que os free shops sejam inseridos no centro comercial, não há uma área específica, vemos dessa forma para fortalecer o comércio. Naquele comércio da rua Frei Mariano [área central do perímetro urbano de Corumbá/MS], ou em qualquer outro lugar da cidade que tenha o potencial para ser uma loja free shop. Se a gente instalar seja na fronteira, ou outro local específico, que vá ser estabelecido uma Zona Franca, acreditamos que não vai fortalecer o mercado local. A gente vai abrir uma concorrência para o comércio local, com a abertura de megas lojas, e aí detona o comércio, mata o comércio local. É uma concorrência desleal. Que se crie dentro das cidades, como é o caso das Áreas de Livre Comércio [grifo nosso], onde a cidade inteira está supostamente liberada pra essa questão, onde existe as fronteiras de controle. Por que Corumbá/MS, por ser uma fronteira praticamente conectada, é uma fronteira de livre passagem, não tem um controle alfandegário de saída e entrada 8.

Quanto ao local destinado a instalação das Lojas Francas, a Portaria 307/2014, em seu artigo 6º, parágrafo 2º, inciso I, especifica como requisito e condição a existência de Lei municipal que autorize, em caráter geral, a instalação das tecnologias no “território”.  Portanto, o processo pode ser iniciado a partir de discussões na câmara de vereadores por meio de Projeto de Lei que a título de exemplo poderia propor ao Poder Executivo municipal estipular, baseado nas regras e diretrizes previstas na Lei Orgânica e no Plano Diretor, critérios para expedição de alvará de funcionamento e também dispor sobre quem pode atuar e a respeito dos locais para instalação dos estabelecimentos.  A solução desta problemática, teoricamente, é simples e está mais ao alcance dos órgãos deliberativos do município (por conta disso seria importante a participação dos vereadores no Grupo de Trabalho).
Contudo, levando em consideração o posicionamento do Secretário de Indústria e Comércio, presumivelmente, a intenção do servidor público é que seja possível a coexistência do regime de Loja Franca com uma Área de Livre Comércio (ALC). Esta parece ser a maior das preocupações. As ALCs são contempladas por um regime jurídico tributário privilegiado que favorece as atividades industriais e de comércio. No Brasil existem quatro territórios aduaneiros que se configuram como ALCs:

  • Área de Livre Comércio no município de Tabatinga, no Estado do Amazonas – Lei nº 7.965, de 22 de Dezembro de 1989;
  • Área de Livre Comércio de Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia – Lei nº 8.210, de 19 de julho de 1991;
  • Áreas de Livre Comércio nos municípios de Boa Vista e Bonfim, no Estado de Roraima – Lei nº 8.256, de 25 de novembro de 1991; e
  • Áreas de Livre Comércio nos municípios de Brasiléia e Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre – Lei nº 8.857, de 8 de março de 1994.

 

Em consonância com Emerson Flávio Eusébio, as empresas situadas em Áreas de Livre Comércio, no que concerne ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), podem obter uma redução final de carga tributária de 40% a 65% em função da isenção de impostos estaduais em remessas na Unidade Federativa e interestaduais, no crédito concedido ao contribuinte que adquire mercadorias, bem como:

Os benefícios fiscais se estendem aos tributos federais. As aquisições de mercadorias por contribuintes situados em ALCs são totalmente desoneradas de PIS/COFINS [Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social], o que significa uma redução de 9,25% no preço de custo de todas as mercadorias e que deve constar expressamente na nota fiscal. A entrada de mercadorias nas Áreas de Livre Comércio, destinadas ao consumo, venda ou industrialização, ficam isentas, ainda, do Imposto de Importação e sobre Produtos Industrializados (IPI) (EUSÉBIO, 2011, p. 117).

As Áreas de Livre Comércio tem uma ampla abrangência no que diz respeito aos privilégios tributários e são instituídas e regidas por lei federal. Em relação à conciliação do regime especial de Loja Franca com Área de Livre Comércio em fronteira terrestre, há o caso da Zona de Fronteira Brasil/Bolívia, respectivamente localizada no estado de Rondônia e no Departamento de Beni. O Poder Executivo estadual de Rondônia, no dia 28 de junho de 2014 sancionou a Lei nº 3.364 que autoriza a concessão de isenção total ou parcial do ICMS nas operações realizadas por Lojas Francas em operação no município de Guajará-Mirim/RO, cidade-gêmea com Guayaramerin (Departamento de Beni/Bolívia).
A supracitada Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 18.897/2014, que instituiu o Regime Especial de Tributação para Loja Franca instalada na Área de Livre Comércio de Guajará-Mirim (ALCGM). Mediante os atos administrativos, o Poder Executivo do município encaminhou a Câmara de Vereadores, para verificação e discussão, o Projeto de Lei nº 063 de 08 de outubro de 2014, que trata da implantação das Lojas Francas em Guajará-Mirim, que, entre outros pontos, pretende definir o local de funcionamento dos free shops na extensão da Área de Livre Comércio operada na cidade. Portando, no caso desta fronteira, existe uma convergência de ações em âmbito municipal e estadual, restando pontos a serem definidos pela Secretaria da Receita Federal.
Caso realmente seja desejo das “lideranças” corumbaenses e da Secretaria de Indústria e Comércio harmonizar Regime de Loja Franca com Área de Livre Comércio, a estrutura estabelecida em Guajará-Mirim/RO é o exemplo mais recente a ser seguido. Todavia, na Zona de Fronteira da qual Corumbá/MS faz parte os interessados precisam levar em consideração algumas questões.  Primeiro, não existe lei que verse sobre Área de Livre Comércio para o município, isso demanda grande mobilização política no âmbito federal. Quais senadores e/ou deputados dispostos a “lutar” por tal questão? Como afirma Marta Arretche (2012), a criação de políticas no Congresso Nacional é pautada pela concepção partidária e tudo começa e termina em Brasília. O aspecto favorável nesta questão é que o GTI tem como uma das propostas de ação para o desenvolvimento econômico da Faixa de Fronteira a criação de regime especial e/ou diferenciado para exportações e importações entre micro e pequenas empresas, entre as estruturas de fomento estão as Áreas de Livre Comércio (as demais são as Zonas de Integração Fronteiriça e Zonas de Processamento de Exportações).
A mobilização política, igualmente, é fundamental em âmbito estadual, especialmente, porque o Plano de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira/MS, publicado no ano de 2012 e elaborado pelo NFMS, apresenta como meta estratégica para simplificar e agilizar a formalização dos empreendimentos comerciais na Faixa de Fronteira, “[...] a criação de novos centros comerciais e Free Shoppings nas cidades gêmeas” (MATO GROSSO DO SUL, 2012). Daí, a relevância dos órgãos que coordenam o Núcleo Regional sul-mato-grossense na cooperação dos trabalhos do GT que versa sobre a instalação de Lojas Francas em Corumbá/MS.
É necessário também observar que as ALCs são instrumentos articuladores dos níveis locais/regionais com o global e abrem precedentes para monopólios e acima de tudo para movimentar fluxos provenientes de atividades ilícitas (MACHADO, 2000), logo, promovem evasão de divisas e são prejudiciais ao Estado. Ademais, o município de Corumbá/MS possui graves problemas no que diz respeito à infraestrutura de transporte, fundamental na circulação de mercadorias (LAMOSO, 2001; FERNANDES, 2012). Condição que por um lado desestimula a atração do setor privado e por outro, com a instrumentalização do regime, os setores corporativos ao assumirem os riscos dos investimentos em uma região com tais deficiências, estruturam o território de acordo com suas lógicas de mercado, implementando sistema logístico à revelia do Estado e da sociedade.
Analisando as palavras do secretário municipal de Indústria e Comércio também se percebe que o desejo de conciliação dos regimes (Loja Franca e ALC) está relacionado à tentativa de proteção aos comerciantes locais contra prováveis prejuízos frente à instalação de Lojas Francas (nem todos os negociadores de Corumbá/MS poderão ser concessionários), haja vista existir a impressão de que com o funcionamento das últimas, venham a exercer forte concorrência, pois os seus produtos terão preços mais acessíveis devido às facilidades concedidas pela legislação.
De igual maneira, existem preocupações quanto à futura atuação de empresas varejistas de elevado capital (megas lojas, como ressaltou o secretário municipal, a exemplo de Shopping China, Walmart, Carrefour e outros) já que poderão atuar no novo regime, sobretudo, pois a Portaria nº 307/2014 cita pessoa jurídica, sem menção a esta ser nacional ou internacional e cota para produtos importados (US$ 300,00). Inquietações que se intensificavam porque a Receita Federal, até então (setembro de 2015), não havia apresentado lista negativa de bens comercializáveis, o que abre a possibilidade de se vender tudo o que a Lei não proíbe. Mas, aqui há outra contradição, as ALCs fomentam a atração de empresas com elevado capital.
Além disso, destaca-se que a criação de uma Área de Livre comércio amplia as possibilidades de atração de investimento para o “lado” brasileiro daquela fronteira frente a uma possível mudança das regras estabelecidas, no ano de 2010, pelo atual governo boliviano no que diz respeito ao Regime Especial de Zona Franca no país. De acordo com o Secretário de Indústria e Comércio da Prefeitura de Corumbá/MS:

A gente sabe que os empresários que tem lojas no “lado de lá da fronteira” já estão se movimentando, lutando dentro da Bolívia para a volta da Zona Franca, que foi extinta, “lá” [Puerto Quijarro, Arroyo Concepción] estão sendo cobrados os impostos. Mesmo assim “lá” é favorável em relação à gente, já tem quantos anos que o nosso comércio acaba tendo uma concorrência, não é uma concorrência desleal, porque temos que ir “lá”, agora não sei se com a instalação de várias lojas [francas] e tal e uma pressão do lado da Bolívia para voltar a ser Zona Franca, de repente começa  ser desfavorável o consumo9 .

Destarte, a criação de território especial classificado como Área de Livre Comércio se justificaria, pois existe receio quanto ao “retorno” do Regime Especial de Zona Franca que contemplaria os estabelecimentos comerciais localizados em Puerto Quijarro/Arroyo Concepción. No entanto, é preciso destacar que essas áreas aduaneiras especiais na Bolívia não foram extintas, ocorreram modificações no regime especial que trata das Zonas Francas em “território” boliviano. Por meio do Decreto Supremo nº 470, de 07 de abril de 2010, o Estado Plurinacional da Bolívia criou um novo “Reglamento de Régimen Especial de Zonas Francas” [Regulamento de Regime Especial de Zonas Francas], modificado posteriormente pelo Decreto Supremo nº 2.390, de 03 de junho de 2015 que realizou incorporações e modificações a redação original.
O “Reglamento de Régimen Especial de Zonas Francas” trouxe novas disposições quanto à criação de Zonas Francas privadas e concessão destas, estabeleceu critérios para apresentação de projetos, para solicitação de concessão, criou um sujeito (Comité Técnico de Zonas Francas - CTZF) para análise das solicitações, determinou prazos para concessão (cinco anos para Zona Franca comercial, com possibilidades prorrogação por mais cinco e dez anos para Zona Franca industrial, podendo ser prorrogado por mais cinco), determinou para os concessionários a criação de bancos de dados para controle de estoques, a cobrança de tributos sobre importados e entre outras questões, versa sobre a possibilidade de criação de empresas públicas ou mistas para administrar as Zonas Francas (BOLÍVIA, 2010; BOLÍVIA, 2015). Em outras palavras, o Estado boliviano, com a publicação do decreto, ampliou os mecanismos de regulação e vigilância sobre os seus territórios aduaneiros especiais.
No caso da Zona de Fronteira Brasil/Bolívia em questão, especificamente em Puerto Quijarro, o Decreto Supremo nº 470/2010 levou alguns estabelecimentos, que trabalhavam mediante as condições do regime anterior de Zona Franca, a atuarem no regime comum, pois aparentemente não atenderam as novas regras publicadas, todavia outras lojas que negociam mercadorias importadas permanecem no regime especial, precipuamente, aqueles de elevado capital. O fato é que enquanto o Estado boliviano tenta estar mais presente na fronteira, sobretudo, para arrecadar divisas e controlar os fluxos do comércio, as instâncias públicas e privadas em Corumbá/MS pretendem com o desejo de criação de Área de Livre Comércio o afastamento das instâncias estatais. Seria uma incoerência?
De acordo com o Sr. Otávio Philbois, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Corumbá – SINDVAREJO, os motivos que protelaram o início da criação e das atividades do Grupo de Trabalho, destinado a discutir a instalação e operação das Lojas Francas, estão circunscritos a confecção e instalação do software que vai dar possibilidades de operabilidade ao sistema de controle destinado ao regime especial, bem como, havia a necessidade de complementação entre a norma federal e estadual. Para o entrevistado a política federal de isenção tributária não era favorável ao nacional que possui estabelecimento comercial no “lado” brasileiro daquela fronteira e muito menos favorece investimentos de setores empresariais. Novas regras, segundo as palavras do líder sindical, ensejaria equidade tributária para os dois “lados” da fronteira e beneficiaria a população. Tal preocupação estava relacionada à mobilização de alguns dos setores empresariais da Bolívia em prol da reinstalação do regime especial de Zona Franca em Puerto Quijarro10 .
Nesse caso, os posicionamentos do secretário municipal e do presidente do SINDVAREJO se cruzam. Ao que parece, ambos os setores estão descontentes com a legislação federal vigente que trata sobre regime de isenção tributária. Embora o segundo não expresse abertamente, nas entre linhas é possível ler: Área de Livre Comércio. Logo, não se trata de obter equidade, mas sim buscar vantagens frente a um possível retorno das atividades comerciais no “lado” boliviano da fronteira sob condições de um território especial de Zona Franca, este que impinge, em consonância com a ótica do envolvidos com o comércio corumbaense, concorrência ao “comércio local”.
Equidade significaria igualar ou harmonizar condições. Aqui está a incoerência.  O novo regime especial de Zona Franca estatuído pelo Poder Executivo boliviano tem como objetivo controlar as atividades de comércio internacional e evitar evasão de divisas, as Áreas de Livre Comércio promovem o oposto, assim como, é litigante em relação ao Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca, que embora beneficie o concessionário com isenção tributária, tem como escopo controlar as operações de comércio em pontos e zonas de fronteira, por isso a Receita Federal especifica como requisito a existência de um sistema informatizado de controle, como está previsto no artigo 6º, inciso IV, da Portaria nº 307/2014.
Os setores brasileiros, da Zona de Fronteira em questão, envolvidos com as atividades de comércio deveriam pleitear aos órgãos federais a criação de regime-jurídico territorial que esteja harmonizado com as normas aduaneiras para territórios especiais do Estado boliviano e conciliá-lo com o regime de Loja Franca. Tal estruturação poderia propiciar o estabelecimento de equidade tributária e maiores estreitamentos para aquela fronteira11 .
Quanto ao sistema informatizado, a Portaria MF nº 415, de 26 de junho de 2015, que alterou a Portaria nº 307/2014 no que se refere à data para entrada em vigência da cota de US$ 150,00 (sem tributação), de igual modo, deixa a entender que o software estará à disposição no ano de 2016. Pensamos que a ausência da estrutura informatizada é fator impeditivo para o funcionamento dos Free shops e não para postergar a criação do Grupo de Trabalho, sobretudo, porque existem inúmeras questões a serem tratadas. Os participantes do GT, caso este estivesse em atividade, poderiam estar discutindo:

  • Formas de harmonização jurídico-territorial entre Brasil e Bolívia que possibilitem a conciliação entre o regime de Loja Franca e Zona Franca (que são distintos) e, talvez, com a estrutura de Área de Livre Comércio (haja vista isso ser um desejo de alguns sujeitos do “lado” brasileiro);
  • A formulação de assessoria jurídica para pensar em alternativas, caso os regimes não possam a ser conciliados;
  • A formação de subgrupos de trabalho, formados por sociólogos, geógrafos, antropólogos, historiadores economistas e outros para pensar/elaborar políticas públicas que possam estar associadas à rede de relações que está por ser estabelecida com a instalação do regime de Lojas Francas;
  • A criação de subgrupos de trabalho para discussão/elaboração de diagnósticos (estudos) que identifiquem as futuras inarmonias na relação entre regime aduaneiro comum e especial, bem como, para elaborar planos (de prevenção e emergência) que visem mitiga-las;  
  • A idealização de subgrupos de trabalho para realizar levantamentos a respeito de quem pode ser concessionário do regime de Loja Franca (comerciantes brasileiros e bolivianos? Somente brasileiros? Qual espécie de loja varejista? de grande, médio ou pequeno capital?);
  • A elaboração de catálogo dos produtos comercializados nos estabelecimentos das cidades-gêmeas que compõem aquela Zona de Fronteira, instrumento importante para auxiliar a Receita Federal quanto à confecção da lista negativa dos bens;
  • As lacunas da Portaria nº 307/2014, como por exemplo, a inexistência de isenção tributária para bens nacionais, o artigo 13 especifica produtos importados;
  • A realização das reuniões participativas para recolher subsídios junto aos diversos segmentos da sociedade daquela fronteira, metodologia importante, pois possibilita a aproximação da pluralidade de ideias dos cidadãos interessados no assunto com a concepção técnica dos órgãos de planejamento;
  • Os prazos para apresentação, aos setores sociais interessados, dos relatórios referentes ao processo (Este procedimento é relevante para o andamento das reuniões participativas);
  • As diretrizes do projeto de Lei municipal para instalação dos free shops. Os subsídios colhidos nas reuniões participativas são de grande valor para os membros do legislativo chegarem a um consenso quanto a aprovação da norma (requisito para o funcionamento das tecnologias comerciais); e
  • A realização das audiências públicas para expor os resultados.

 

Esses são alguns pontos que poderiam estar sendo debatidos, são questões gerais que possuem espraiamentos por conta das especificidades. Bem como, o Grupo de Trabalho, caso estivesse em atividade, poderia estar realizando diálogo mais consistente com os órgãos federais, especialmente a Receita Federal. Esta infere no território por meio de política do tipo Top-down, ou seja, de cima para baixo, porque dá primazia a escala estatal e centraliza a política de tomada de decisões, método de ação que no caso das cidades-gêmeas acarreta dissonâncias, visto a escala do território (micro) atravessar normas mais generalizantes. Deste modo, o GT, mediante os resultados que fossem sendo obtidos, estaria trazendo a baila às particularidades do território, o que auxiliaria a Receita Federal na realização das adequações normativas necessárias.
É preciso registrar, que a ausência de liame entre Receita Federal e os setores envolvidos com o comércio em Corumbá/MS é o que mais incomodava o Sr. Pedro Paulo, Secretário municipal de Indústria e Comércio:

Deve haver uma discussão em relação a essa regulamentação [Portaria nº 307/2014], e ela deve ser feita internamente entre os estados [Unidades Federativas], o mais rápido possível, porque senão vem de cima para baixo e aí fica do jeito como eles [Receita Federal] acham que tem que ser e não como a gente pensa. Eu acho que tinha que ser mais debatido, mais discutido em cada fronteira, já que são diferentes. Isso tinha que ser debatido antes de qualquer regulamentação. Primeiro se conversa na base, para ver como é que funciona na localidade e aí seguir para uma mudança, e o que a gente está vendo é que vem de cima para baixo. Já tivemos uma conversa com a FECOMERCIO [Federação do Comércio do Estado de Mato Grosso do Sul], até pedimos para que eles criassem uma coordenação estadual, composta por municípios que tenha essa mesma característica para questão dos free shops, então a ideia é que isso vire uma única luta só para o estado [Mato Grosso do Sul]. Acreditamos que nós Corumbá sozinho(s), formando um Grupo de Trabalho não vamos conseguir lutar pela mudança de uma regulamentação federal. Acreditamos que precisamos nos unir e com a liderança de uma FECOMERCIO e batalhar com outros estados pra que isso mude. Aqui, existe uma conversa com o Sindicato do Comércio Varejista que também divide da mesma ideia, junto com a Associação Comercial de Corumbá/MS e já tivemos uma conversa com a FECOMERCIO12 .

Sim, as disposições publicadas na Portaria nº 307/2014 desconsideram a(s) realidade(s) da extensa Faixa de Fronteira brasileira e sim, são de cima para baixo, sobretudo porque a lógica da Receita Federal é macroterritorial. Todavia, discordamos da posição do funcionário público quanto à criação do Grupo de Trabalho, este além de se tornar um instrumento subsidiário para a Receita Federal realizar as adequações normativas necessárias à realidade daquela Zona de Fronteira, permitiria aos envolvidos transformar a escala local em arena política, nesse caso, todos os sujeitos da Zona de Fronteira devem participar e não somente “Corumbá/MS sozinho”. Inclusive, as articulações promovidas pelo GT seriam de grande valia para as instâncias, mencionadas pelo gestor, “liderarem” a tal coordenação estadual.
E o mais importante, o Grupo de Trabalho possibilitaria a busca de possíveis soluções para as futuras assimetrias no que tange ao comércio fronteiriço daquela Zona de Fronteira. A Portaria nº 307/2014, é necessário novamente destacar, fomenta vantagens para as cidades-gêmeas brasileiras, concepção que desconsidera as complementaridades fronteiriças. Tal desdém é incompatível com a própria classificação entabulada no artigo 2º, parágrafo único, do documento:
Parágrafo único. Para efeitos do disposto nesta Portaria, consideram-se cidades gêmeas os municípios cortados pela linha de fronteira, seja esta seca ou fluvial e articulada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural [grifo nosso], podendo ou não apresentar uma conurbação ou semiconurbação com uma localidade do país vizinho, assim como manifestações "condensadas" dos problemas característicos da fronteira, que nesse espaço adquirem maior densidade, com efeito os diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania [grifo nosso], conforme disposto na Portaria MI nº 125, de 21 de março de 2014, do Ministério da Integração Nacional (BRASIL, 2014 (b)).

Assim, o GT proporcionaria o estreitamento dos “dois lados da fronteira”, convocando-os a elaborar (em conjunto) propostas de ação no sentido de contrapor as incoerências legislativas e a buscar consenso(s) que fomentam, em grande parte das conjunturas, a conciliação das divergências de classe em prol de um objetivo em comum, que no caso da Zona de Fronteira Brasil/Bolívia (Mato Grosso do Sul/Província de Germán Busch) é a adequação do “comércio local” a uma zona de relações internacionais na qual os sujeitos são protagonistas de ultrapassamentos das “marcas” estatais.

4 – Considerações Finais

Mediante o exposto, as Portarias da Receita Federal ao implementarem restrições quantitativas sobre consumo sem tributação por via terrestre em país estrangeiro diminuíram o poder de compra do brasileiro no comércio de Puerto Quijarro e Puerto Suárez, ensejando uma “inversão” perversa de papéis que possibilita o cidadão do Estado mais pobre (boliviano) injetar maiores quantias de capital na praça comercial de municípios do Estado mais rico que é o Brasil. Se a Portaria nº 440/2010 não foi bem vista pelos comerciantes bolivianos, a Portaria nº 307/2014 (predisposta pela lei nº 12.723/2012) ajuda a reforçar o sentimento no “lado de lá” (Bolívia) de que o “vizinho” mais forte está tentando prejudicar o propínquo mais frágil.
Poderíamos até pensar que este é um problema do Estado boliviano, afinal foram suas instâncias que estabeleceram uma cota superior de compra com isenção de impostos para bens adquiridos em país estrangeiro, mas na realidade é um constrangimento que também diz respeito à República brasileira e, precipuamente, à Receita Federal.  Esta celeuma poderia ser evitada, visto o momento de estreitamento estatal entre Brasil e Bolívia. Os sujeitos que regulamentaram as deliberações contidas nas normativas deveriam considerar tal conjuntura e, acima de tudo, a(s) realidade(s) de fronteira. Especificamente, para a Zona de Fronteira em questão, poderiam estabelecer, pelo menos, um valor compatível ao artigo nº 188 do “Reglamento a la Ley General de Aduanas”.
As normativas da Receita Federal, no que tange ao comércio de fronteira, nesses últimos cinco anos ao invés de promover estreitamentos, estão ensaiando o afastamento de brasileiros e bolivianos na Zona de Fronteira Brasil/Bolívia (Mato Grosso do Sul/Província de Germán Busch). Destarte, percebe-se a tentativa de aniquilamento da concorrência dos comerciantes bolivianos, bem como, as deliberações oriundas da Receita Federal do Brasil apresentam-se divergentes a realidade de uma área de relações internacionais cotidianas.
No que tange ao processo de instalação das Lojas Francas no município fronteiriço de Corumbá/MS, o que está ocorrendo, no nosso ponto de vista, é que os sujeitos envolvidos e responsáveis pelo setor de comércio corumbaense estão aguardando readequações normativas do âmbito federal sem realizar mobilizações na escala local. A Receita Federal, como salientamos, é um organismo que possui uma lógica macroterritorial de planejamento, quando pensa nas regulações o faz para proteger o “território nacional”, não leva em consideração as particularidades territoriais, assim são os agentes locais os responsáveis pela sinalização das singularidades do território. O Grupo de Trabalho, instituído pelo Decreto municipal nº 1.432/2014, seria um ótimo instrumento para articular os diversos setores que atuam no comércio da Zona de Fronteira Brasil/Bolívia em questão e impingir pressões aos organismos federais. Todavia, o GT, passado quase um ano de sua criação, não havia iniciado as atividades.
Aparentemente, alguns setores não estão dispostos a discutir com o “outro lado da fronteira” questões que são inerentes a ambos os “lados”, especialmente porque a intenção primeira é garantir as melhores condições de operabilidade das Lojas Francas para o “lado de cá”, ou seja, para Corumbá/MS. Isso somente reforça a nossa percepção de que tais equipamentos tem a função de aniquilar a “concorrência internacional”, bem como, nesse sentido há convergência entre a lógica macroterritorial de intervenção da Receita Federal e das “lideranças” corumbaenses, o que é nefasto, pois as políticas de ordenamento do território naquele município, não podem preterir o “lado de lá”. Os diálogos devem ser amiúdes. Deste modo, ficam duas dúvidas acerca dos responsáveis pela elaboração das atividades do Grupo de Trabalho: ou não possuem as mínimas condições (infraestruturais e de concepções técnicas) de estarem à frente das articulações ou não conseguem perceber a fronteira e suas articulações hodiernas.

5 - Referências

ARRETCHE, M. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012.

BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976.

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1 Neste caso, fazemos referência ao aspecto jurídico. Assim, quando nos referirmos ao “território” nesta concepção, sempre o faremos com aspas.Quando utilizarmos território sem aspas, estaremos aludindo ao meio geográfico dotado de relações de poder.

2 “Prefeitos de Foz e Cidade do Leste tentarão suspender diminuição de cota”. Disponível em: <http://www.oaltoacre.com/governo-recua-e-suspende-reducao-de-cota-de-importacao-por terra/>. Acesso em 21 ago. 2014.

3 “Governo recua e suspende redução de cota de importação por terra”. Disponível em:<http://www.oaltoacre.com/governo-recua-e-suspende-reducao-de-cota-de-importacao-por-terra/>. Acesso 21 Ago. 2014.

4 “Inspector Adilson Valente - Jefe Receita Federal Santana do Livramento”. In:<https://www.youtube.com/watch?v=jMy5UWV-Uks>. Acesso em 25 jan. 2015.

5 Entrevista realizada no dia 29/09/2015.

6“Inspector Adilson Valente - Jefe Receita Federal Santana do Livramento”. In:<https://www.youtube.com/watch?v=jMy5UWV-Uks>. Acesso em 25 jan. 2015.

7 “Inspector Adilson Valente - Jefe Receita Federal Santana do Livramento”. In:<https://www.youtube.com/watch?v=jMy5UWV-Uks>. Acesso em 25 jan. 2015.

8 Entrevista realizada no dia 29/09/2015.

9 Entrevista realizada em 29/09/2015.

10 Entrevista realizada em 23/07/2015.

11 Existem exemplos de harmonização de legislação para territórios de fronteira entre Brasil/Colômbia. Para maiores detalhes verificar: Euzébio (2011).

12 Entrevista realizada em 29/09/2015.


Recibido: 26/11/2015 Aceptado: 28/01/2016 Publicado: Enero de 2016

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