Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O DEBATE POLÍTICO SOBRE EVANGELIZAÇÃO, LIBERTAÇÃO E JUSTIÇA SOCIAL NA PERSPECTIVA DA AMÉRICA LATINA*

Autores e infomación del artículo

César Augusto Costa

LIEAS/UFRJ, Brasil

csc193@hotmail.com

Resumo: O Concílio Vaticano II (1962-65) marcou uma nova etapa para a caminhada da Igreja. A partir daí, encontramos uma Igreja aberta aos questionamentos da história e aos sinais dos tempos. Desse modo, a Igreja saiu de si mesma, para encontrar uma identidade evangelizadora (Evangelii Nuntiandi, n. 14), e por isso, missionária (Ad gentes, n. 2), refletindo sua condição dentro da história e compartilhando seus anseios com uma humanidade chamada a estabelecer sua própria dignidade. Assim, o objeto de nosso estudo é a relação entre a evangelização, libertação e justiça social no limiar da Igreja Latino-americana, procurando apontar pistas e perspectivas para a problemática da evangelização libertadora no quadro atual.
Palavras-chave: Evangelização libertadora, Concílio Vaticano II, Igreja latino-americana, Justiça social,  libertação.

Abstract: The Vatican Council II (1962-65) marked a new stage in the Church's path. From then on, we find a Church open to the questionings of history and to the signs of times. In that way, the Church broke out of itself, to find an evangelizing identity (Evangelii Nuntiandi, n.14), and so, missionary (Ad Gentes, n. 2), reflecting its condition in history and sharing its yearnings with a humanity summoned to establish its own dignity. Thus, the object of our study is the relation between evangelization and libertation on the brink of the latin-american Church and its ecclesiology, seeking to poinpont clues and perspectives for the evangelization problematic in the current frame.
Key-words: Vatican Council II; evangelization, libertation; Church. 



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

César Augusto Costa (2016): “O debate político sobre evangelização, libertação e justiça social na perspectiva da América Latina”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/evangelizacion.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-evangelizacion


A problemática dos pobres e da sua evangelização teve relevância de maneira particular a partir do Concílio Vaticano II 1, onde neste momento histórico deu-se o surgimento de uma nova consciência no continente latino-americano, ou como em tudo que podemos designar de Terceiro Mundo ou “mundo das não-pessoas”2 . Sendo que a evangelização, a libertação e promoção humana estão ligadas por laços de ordem antropológica, teológica e de caridade. Assim, as situações de injustiça sob as quais se encontram povos e raças devem ser penetradas pela força do Evangelho (Evangelii Nuntiandi, n. 31).
O compromisso em favor da libertação e da promoção humana constitui algo de intrínseco à ação evangelizadora (Evangelii Nuntiandi, n. 38), máxime na América Latina onde as desigualdades sociais unidas a outros problemas de ordem social e política fazem desta sociedade uma das mais injustas no mundo. Ao dar sua contribuição, a Igreja cumpre sua vocação evangelizadora (Evangelii Nuntiandi, n. 14), porque as razões que a motivam devem se inspirar em sua missão religiosa e em sua consciência de ser a Igreja de Jesus Cristo (Gaudium et Spes, n. 42). Mas para falar da Igreja dos pobres obriga a falarmos do Papa João XXIII3 . Para ele, três pareciam ser os grandes temas que deviam ser enfrentados pelo Concílio da Igreja: a abertura ao mundo moderno, a unidade dos cristãos e a Igreja dos pobres 4. Falar dos pobres implica uma consciência sobre a relação entre a Igreja e o mundo dos pobres, que não somente pode se reduzida a tal questão, trata-se da pobreza de países que constituem a maioria dos povos, e onde a Igreja tem também a missão de atingir em seu ser e missão. Esta consciência despertada pelo Papa João XXIII nos idos do Concílio Vaticano II, centrou nos seus documentos (Lumen Gentium, n. 8; Gaudium et Spes, n. 1; Ad Gentes, n. 5) de maneira evangélica sua preocupação com esta perspectiva. Assim, tal reflexão eclesiológica pode ser descrita como uma concepção de Igreja que concretiza no continente latino-americano as intuições do Concílio Vaticano II, na visão da Conferência de Medellín.
Neste artigo, pretendemos num primeiro momento, abordar a relação entre a evangelização e a libertação no limiar da Igreja latino-americana. Num segundo momento, procuramos situar às questões levantadas a partir da Exortação Evangelii Nuntiandi em vista dos desafios para a evangelização.           

1 A Eclesiologia da libertação

A Eclesiologia da libertação 5 parte de uma evidência história: a situação de miséria e opressão da imensa maioria das pessoas no continente latino-americano. A primeira constatação partindo da situação posta, é de que “a inteira família humana” (Gaudium et Spes, n. 2) de que aborda o Concílio Vaticano II é, exatamente o contrário de uma família, ou seja, quando contemplamos o mundo a partir do mundo dos pobres. A novidade colocada por esta perspectiva consiste em realizar a Igreja a partir de uma situação concreta na América Latina.
Também tal concepção apresenta uma consciência que constitui nova em relação ao período anterior ao Vaticano II, por contemplar uma visão de desenvolvimento da sociedade valorizando os progressos e a autonomia do mundo. Vê Jesus Cristo como Senhor da história e que também interpela a Igreja. Trata-se de uma eclesiologia que não teve como não emergir, e que se tornou uma profunda interpelação para toda eclesiologia. Pois na medida em que opta pelos pobres e oprimidos6 , fazendo-se evangelizadora entre eles, ela realiza seu ser e missão não somente no âmbito da América Latina, mas também da Igreja Universal7 .         

1.1 A Igreja e a missão libertadora

A Eclesiologia libertadora sublinha um ponto decisivo para a própria constituição da Igreja e para a reflexão eclesiológica: a sua missão. A consciência de que a realidade da Igreja não reside nela própria, mas numa missão a realizar. Pois a Igreja não é um ser para si, mas um ser para os outros, consistente em referência aquilo a partir do que existe e para o que existe. Sendo assim, “a Igreja não tem uma missão, mas é a missão que tem a Igreja e, por conseguinte, não se pode entender a missão a partir da Igreja, mas, ao contrário, a Igreja a partir da missão”8 . O Concílio Vaticano II vai se tornando comum, no contexto da América Latina9 , pois não se trata de questões teóricas, mas de redimensionar uma práxis onde o que está em jogo é a vida ou a morte de milhões de seres humanos.
A problemática incidente não é como dar sentido à missão da Igreja, mas sim, a questão é reencontrar sua missão nas circunstâncias dramática do continente latino-americano (Evangelii Nuntiandi, n. 30). Este reencontro tornou-se possível no surgimento de uma nova práxis, que está na base desta eclesiologia. Frente a isso, afirma Velasco:

Uma práxis que surgiu, em primeiro lugar, da consciência emergente de que a atual situação social é injusta e desumana, e não pode ser querida por Deus (. . .) E que consiste, em segundo lugar, na irrupção dos pobres no cenário histórico eclesial. Abriram-se-nos olhos e vimos que não é possível continuar ignorando o sofrimento e a opressão injusta dos pobres. (. . .) Compreendemos que não podíamos evangelizar sem nos comprometermos historicamnte com a libertação dos pobres e nos demos conta de que eram os pobres o sujeito prioritário dessa libertação evangelizadora (. . .) 10.           

A evangelização é missão da Igreja e a principal tarefa de uma evangelização libertadora é a de dar testemunho desta experiência cristã ajudando os homens a encontrar-se com Deus revelado em Jesus Cristo. Por isso, Jesus não pode deixar de ser o centro da evangelização (Evangelii Nuntiandi, n. 27). Ou, como alude Gopegui sobre a questão: “A finalidade de uma evangelização libertadora é, portanto, a ajudar os homens a caminhar para a fé cristã, a crescerem nessa fé na direção na plenitude da “idade adulta” do homem que se manifestou em Jesus Cristo”11 . Se a evangelização conseguir tal tarefa, terá sido fiel à sua missão (Evangelii Nuntiandi, n. 5). Ainda assim, o nosso autor se mostra incisivo com o fim da evangelização, para ele:

O problema que se coloca para a evangelização é encontrar os caminhos mais apropriados dentro de cada situação concreta para que esta fé – a verdadeira fé cristã – possa nascer no coração dos homens. È claro que para realizar sua missão, com verdade, o evangelizador deve ser um homem comprometido com a libertação integral do homem12 .      

Perante a injusta opressão de muitos povos marginalizados, constitui uma exigência inadiável a denúncia profética do mal e o anúncio do imperativo da conversão, já que a realidade da América Latina aparece como complexa em sua problemática humana e religiosa. Segundo a visão de Félix Pastor,

A Igreja da América Latina deverá convocar realmente os povos do continente para escutar a boa nova da salvação, anunciando profeticamente Jesus Cristo e procurando uma renovação espiritual de si mesma que possa incidir sobre a mesma vida cultural e social da América Latina. Para isso, deverá primeiramente escutar e viver o evangelho, para depois proclamá-lo com sinceridade e autenticidade, perante todos os povos e particularmente em favor dos pobres e marginalizados do continente latino-americano 13.  

Assim muitos crentes compreenderam, a partir das exigências de sua fé, a necessidade de um êxodo para as periferias onde vivem os pobres. Nisso, deu-se o florescer das comunidades eclesiais de base entre os pobres, onde os próprios pobres foram compreendendo o Evangelho como força de Deus e força para a sua libertação14 integral. Uma outra significativa novidade, foi no que devemos entender por “Povo de Deus”. Antes de tudo, são os pobres e oprimidos nas quais a glória de Deus está desfigurada. Sobre a possibilidade de reducionismos na maneira de entender a categoria “Povo de Deus”15 , assim postula Velasco:
Intra-eclesialmente, “povo de Deus” pode ser entendido em oposição a uma determinada estruturação hierárquica da Igreja em que o povo força reduzido à condição de submetido e dirigindo, sem outra função que a de deixar-se conduzir docilmente por seus pastores e segui-los. (. . .) “Povo de Deus” está em relação mais direta com o conceito e a realidade do “reino de Deus” do que com o conceito a realidade da Igreja, pois é mais claro que um reino tenha um povo e não que uma Igreja o tenha.16 .       

Se Levarmos em conta a preferência de Deus pelos mais pobres, podemos até obter uma visão redutiva, pois seria afirmar que o povo de Deus é preferencialmente o povo histórico dos pobres, nos quais Deus pôs sua preferência e aos quais ele chama para ser seus eleitos. Mas dentro de uma visão mais ampla, por Povo de Deus devemos entender toda a Igreja, sem cairmos em juízos históricos. Pois todos nós (entendidos como Povo de Deus) recebemos sua plenitude da obra de Deus, por meio do serviço amoroso prestado pela Igreja na qual Deus reservou a sua graça, nos convertendo sim, no verdadeiro Povo de Deus no sentido amplo da Nova Aliança. Assim, isto não diminui em nada a dignidade nem a necessidade da Igreja, mas a torna mais clara de sua missão 17 e seu direcionamento para o mundo (Gaudium et Spes, n. 40).

1.2 As CEBs: dimensão eclesial e libertadora 

Quando o Concílio Vaticano II ensinou que Deus quer santificar e salvar os homens em comunidade (cf. Lumen Gentium, n. 9; Gaudium et Spes, n. 37; Ad Gentes, n. 2; Apostolicam Actiositatem n. 18) e que a Igreja universal está verdadeiramente presente nas legítimas comunidades locais (Lumen Gentium, n. 26), nos deu uma excelente fundamentação para as pequenas comunidades cristãs que depois ficaram conhecidas como comunidades eclesiais de base (CEBs)18 . Nos documentos da Conferência de Medellín (1968) são recomendadas como comunidades de base e só então começaram a ser conhecidas fora do Brasil. Já em Puebla (1979) “as comunidades eclesiais de base que em 1968 eram apenas uma experiência incipiente sobretudo em alguns países” (Puebla, n. 96). Tal documento as proclama como motivo e sinal de esperança e alegria (n. 69, 629, 1309) e as denomina também, e talvez melhor, “pequenas comunidades (n. 111, 269, 565, 629, 640, 644, 648), “comunidades menores” (632,644,650), “célula da grande comunidade” (641)19 .
O problema da eclesialidade das Comunidades de base talvez seja um dos temas que suscitam maior interesse e donde se sobressai grande parte das controvérsias em curso. Tal questão já tinha sido levantada com clareza por documentos do Magistério da Igreja, como na Exortação Evangelii Nuntiandi e os documentos das Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín e Puebla. “A eclesialidade é um traço essencial que acompanha a experiência das Comunidades Eclesiais de Base desde os seus primeiros passos”20 . A Evangelii Nuntiandi já traz com sua pertinência estas comunidades: “Elas nascem da necessidade de viver mais intensamente ainda a vida na Igreja” (n. 58). As Comunidades de base se entendem como presença de Igreja, como vivência mais comunitária do Evangelho e como presença de salvação e de libertação no mundo. Elas constituem o primeiro e fundamental núcleo eclesial (Medellín, Pastoral de conjunto, n. 10). Também é o “lugar onde se realiza a emergência local da Igreja universal: é a Igreja acontecendo na base do povo de Deus” 21.
Sua identidade manifesta-se na sua experiência de fé, na sua prática da caridade e na sua comunhão de vida com seus pastores. Nestas comunidades partilha-se a fé, o amor e a esperança. Para Faustino Teixeira:

A dimensão da fé não é ali algo de secundário ou relativo, mas constituí o dado mais precioso e significativo. É o horizonte fundamental a partir do qual todas as práticas comunitárias são globalizadas. É portanto, uma fé compreendida e vivida em seu significado totalizante, que envolve e dinamiza a vida 22.

Outro elemento nas comunidades eclesiais é o da prática da caridade. As comunidades não apenas vivem e celebram a sua fé, mas a praticam na história. Não estão somente voltadas para dentro de si, mas inserem-se no dinamismo da sociedade mediante práticas concretas visando uma sociedade mais fraterna. A comunhão de vida com seus pastores constitui o elemento que compõe o quadro da eclesialidade das CEBs (Evangelii Nuntiandi, n. 58). Tais comunidades não se definem em oposição ou ruptura à Igreja instituição, mas consolidam uma progressiva comunhão com seus pastores.
Sobre a questão da crítica ao modelo de Igreja instituição a Evangelii Nuntiandi se mostra bastante contundente:

Em outras regiões, ao contrário, agrupam-se comunidades de base com um espírito de crítica acerba em relação à Igreja, que elas estigmatizam muito facilmente como “institucional” e à qual elas se contrapõem como comunidades carismáticas, libertas de estruturas e inspiradas somente no Evangelho. Estas têm, portanto, como uma característica evidente atitude de censura e de rejeição em relação às expressões da Igreja, como a sua hierarquia e os seus sinais. Elas contestam radicalmente a Igreja. (. . . ) A diferença já é notável: as comunidades que pelo seu espírito de contestação se separam da Igreja, cuja unidade prejudicam, podem muito bem denominar-se “comunidades de base”, mas em tais casos há nesta terminologia uma designação puramente sociológica. Elas não poderiam, sem se dar um abuso de linguagem, intitular-se comunidades de base, mesmo que elas, sendo hostis à hierarquia, porventura tivessem a pretensão de perseverar na unidade. Essa designação pertence às outras, ou seja, àquelas que se reúnem em Igreja, para se unir à Igreja e para fazer aumentar a Igreja (Evangelii Nuntiandi, n. 58). 

No documento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, é ressaltada a importância da comunhão pastoral das comunidades de base: “Estão ligadas entre si, com a paróquia, com a Igreja, com a Igreja particular em que se inserem, com  a Igreja universal, mantendo uma comunhão sincera com seus pastores”23 . Esta comunhão é considerada como problema de vital relevância para essas comunidades, e de fato as experiências vêm mostrando que a sobrevivência delas está relacionada com o reconhecimento e apoio institucional. Tais comunidades em comunhão com a Igreja Universal sentem-se convidadas ao anúncio do Evangelho, á proclamar sua Palavra, dando aderência à missão dos apóstolos. “O exercício de sua missão evangélica explicita o significado universal de sua vocação”24 . E animadas com o espírito de Cristo assumem até o fim as conseqüências do Reino, sendo que a partir de sua missão no mundo é que vai se estruturando a unidade das comunidades eclesiais, na comunhão da fé e nos sacramentos encontram comunhão com a Igreja.
Esta experiência de comunhão recíproca entre as comunidades e seus pastores significou um alento ao crescimento, participação e vitalidade das comunidades de base. A presença junto às comunidades e a dinâmica de conversão aos pobres favoreceram uma re-definição dos ministérios clássicos. As comunidades vão exigindo uma forma de serviços mais simples, disponíveis e articulados com sua caminhada e aberta para as novas iniciativas que vão surgindo em seu interior. Dom Aloísio Lorscheider 25, citado por Teixeira, refere-se à influência que estas comunidades exerceram em sua vida pessoal e apostólica: “As CEBs ajudaram-me a ser bispo de modo diferente. O múnus de pregar, santificar, governar, adquiriram conotação diferente” (. . .). A Evangelii Nuntiandi já alude a relevância no tocante à vivência eclesial:

Em algumas regiões, elas brotam e desenvolvem-se, salvo em algumas exceções, no interior da Igreja, e são solidárias com a vida da mesma Igreja, alimentadas por sua doutrina, e conservam-se unidas aos seus pastores. Nestes casos, elas nascem da necessidade de viver mais intensamente a vida da Igreja; ou então, do desejo e da busca de uma dimensão mais humana do que aquela que as comunidades eclesiais mais amplas dificilmente poderão revestir (Evangelii Nuntiandi, n. 58).

Tal experiência também repercute na vida de toda Igreja, em princípio na caminhada destas comunidades com uma mística de amor, confiança e serviço libertador, realizando uma opção de inserção plena no universo do povo e comungando com seu estilo de viver a fé. Sobre tal questão a Evangelii Nuntiandi afirma sua pertinência:
Elas poderão muito simplesmente prolongar, a seu modo, no plano espiritual e religioso – culto, aprofundamento da fé, caridade fraterna, oração, comunhão com os Pastores – a pequena comunidade sociológica, a aldeia ou outras similares. Ou então elas procurarão se congregar para ouvir e meditar a Palavra, para os sacramentos e para o vínculo do ágape, alguns grupos que a idade, a cultura, o estado civil ou a situação social tornam mais ou menos homogêneos, por exemplo cais, jovens, profissionais e outros; ou ainda pessoa que as circunstâncias fazem com que vivem já reunidas nas lutas pela justiça, pela ajuda aos irmãos, pobres, pela promoção humana (Evangelii nuntiandi, n. 58).

Os Bispos reunidos na Conferência de Puebla qualificaram tal opção pelos pobres como “a tendência mais notável da vida religiosa latino-americana” (Puebla, n. 733). Entre outras coisas, a dimensão eclesial das comunidades de base tem desenvolvido um novo tipo de ecumenismo, de base. Tal perspectiva realiza-se através da comunhão na prática libertadora dos pobres 26. São pensadas celebrações litúrgicas, orações e leituras da Palavra de Deus em grupos, onde a discussão de temas teológicos cedem espaço para as experiências de oração em comum. (Evangelii Nuntiandi, n. 58).
Também as CEBs procuram enfrentar a questão da religiosidade popular. “Num primeiro momento, tanto a TdL como líderes das CEBs com sua preocupação social e com reflexões de natureza sócio-analítica causaram um impacto secularizante sobre muitos membros das CEbs” 27. A eclesiologia das comunidades de base tem dedicado um amplo debate e uma reflexão sobre tal temática em vista de conseguir um maior equilíbrio entre o respeito às formas de piedade popular, de um lado, e de outro, a um processo de re-descoberta de algumas dessas formas. Assim, procura-se buscar uma atitude crítica que assimile uma capacidade de análise, mas que não se deixe contaminar por seu elitismo intelectual, reconhecendo e descobrindo as riquezas da sabedoria popular (Puebla, n. 444-469).  Assim a Evangelii Nuntiandi apresenta a piedade popular, tomada com seus valores que por certo contribuem na evangelização:
Se essa religiosidade popular, porém, for bem orientada, sobretudo mediante uma pedagogia da evangelização, ela é algo rico de valores. Assim ela traduz em si tal sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar; ela torna as pessoas capazes a terem expressões de generosidade (. . .) Em virtude desses aspectos, nós a chamamos de bom grado “piedade popular”, no sentido religião do povo, em vez de religiosidade (Evangelii Nuntiandi, n. 48). 

Sobre as relações entre as formas de piedade popular e as formas de inculturação da fé, a exortação apostólica Ecclesia in América também assinala a importância:
Uma característica particular da América consiste na existência de uma intensa piedade popular radicada nas diversas nações. Ela se encontra em todos os níveis e setores sócias, assumindo uma importância especial como lugar de encontro com Cristo para aqueles que, com espírito de pobreza e humildade de coração, buscam a Deus com sinceridade (Mt 11,25). (. . .) A piedade popular, se for convenientemente orientada, contribui também para aumentar nos fies a consciência da própria pertença à Igreja, nutrindo o seu fervor e oferecendo assim uma válida resposta para os seus desafios atuais da secularização. Uma vez que, na América, a piedade popular é expressão da inculturação da fé católica e muitas das suas manifestações assumiram formas religiosas autóctones, não se deve subestimar a possibilidade de recolher dela também. Sempre iluminados pela prudência, válidas indicações para uma maior inculturação do Evangelho(Ecclesia in América, n. 16).                                     

Dentro da missão evangelizadora as comunidades de base, constituíram uma novidade do que ocorreu na Igreja da América Latina dos acontecimentos pós- conciliares. “Salvação e libertação são dois conceitos que se encontram profundamente integrados na experiência das Comunidades Eclesiais de Base” 28. As Comunidades de Base abriram um novo espaço no interior da igreja para a participação do povo na missão da evangelização através da luta pela justiça 29. O Documento da Conferência de Puebla frisou a relevância das comunidades enquanto constituem centros de evangelização e motores de libertação (Puebla, n. 96). A libertação no contexto das Comunidades de base toca ao problema central da realidade dos seus participantes. Pois não constitui um objeto de abstrações, mas sim furto de uma necessidade que brota da vida.
Acentuando a urgência da libertação concreta, os membros dessas comunidades não reduzem o seu significado mais amplo. Afirma-se o sentido integral da libertação, onde seu horizonte é o da libertação total, no interior da qual situa-se a libertação histórica30 . No centro do compromisso libertador 31 está o chamado de Jesus. Na perspectiva de Teixeira,
Trabalhar pela libertação total do homem é corresponder a este chamado. O compromisso com a justiça e com a vida é compreendido nas pequenas comunidades não como uma opção passageira ou uma escolha facultativa, mas como uma condição essencial para sermos hoje testemunhas de Jesus 32.                     
Para os pobres em comunidade, a luta pela libertação não é somente ligada a salvação em Jesus, mas constitui uma condição fundamental da vivência eclesial. Pois o grande impulso que motiva tal ação é a tomada de consciência de que a construção de um mundo mais justo é a expressão da vontade de Deus. Sendo fiel a Deus, estamos sendo coerentes ao seu projeto de vida, sobretudo no comprometimento com os irmãos. Do mesmo modo, as comunidades de base, onde se renova a vida dos cristãos à luz do Evangelho, é um grande motivo de esperança (Evangelii Nuntiandi, n. 58). Tais comunidades constituem um instrumento pastoral privilegiado para a evangelização dos pobres e para o anúncio da libertação cristã.
Do mesmo modo, tal comunidade também é chamada a dar um testemunho evangélico, assim como propõe Bruno Forte:
A comunidade cristã é chamada a dar resposta em força de sua pretensão de ser anunciadora da salvação em Jesus Cristo. Essa comunidade anuncia que o Deus da cruz está presente onde quer que exista dor, como Aquele que sofre no homem e com o homem, e que faz o seu grito dilacerante das dores do mundo, por Ele assumidas em sua paixão. Ao mesmo tampo, ela anuncia que o Deus da esperança palpita com a esperança do mundo e está presente onde quer que o homem espere, para sustentar a sua luta vigilante contra a injustiça e a dor. Assim, o Deus da Igreja se oferece, antes de tudo, como o Totalmente Dentro, o grande companheiro e o invencível apoio do vigiar e do padecer humano. Segue-se o dever, para Igreja cristã, de prestar contas a seu Senhor, colocando-se antes de tudo em comunhão e solidariedade profunda com os sofrimentos dos homens e com a práxis orientada pela esperança, que é a práxis de libertação. Se o Deus da Igreja é Totalmente Dentro, a Igreja de Deus deverá estar totalmente dentro das angústias dos desolados, oprimidos e explorados desta terra. Ao mesmo tempo, ela deverá estar totalmente dentro da luta diária pela libertação do homem; ela é uma Igreja em comunhão com a paixão e a esperança dos homens, e a serviço da libertação deles. (. . .) Uma Igreja empenhada no testemunho é a voz do Pai e a voz da verdadeira esperança, é a contestação e crítica de todas as míopes realizações das esperanças dos homens33 .      

Nestas comunidades de modo algum se supera a escandalosa divisão de ricos e pobre e se assume a chamada “cultura da pobreza”34 . Assim, os pobres da América Latina, que em verdade constituem a maior parcela da população, podem ouvir o Evangelho e encontrar na Igreja uma voz profética cheia de esperança. Da mesma maneira, concordamos com Félix Pastor quando ele afirma que:

A Igreja da latino-americana pretende favorecer certos bens fundamentais da sociedade humana, como a promoção da unidade e colaboração continental, a reforma das estruturas sociais, a garantia dos direitos humanos fundamentais e a defesa das exigências concretas da paz e da justiça. Por isso, a Igreja da América Latina apela não só para uma evangelização abstrata, mas para uma evangelização autenticamente libertadora35 .           

2 Evangelização, Libertação e perspectivas

Uma vez definida a vocação da Igreja em termos de evangelização (Evangelii Nuntiandi, n. 14), este termo adquire na eclesiologia pós-conciliar uma acepção mais ampla 36. Tal tendência consiste em passar de uma noção restrita de evangelização, em que nela se identifica o anúncio do Evangelho, para uma noção segundo à qual outras perspectivas se abrem para a evangelização. Sendo assim, escolhemos três autores para darem suas contribuições sobre a questão, como também três desafios, por já trazer intuições da qual a Exortação Evangelii Nuntiandi no permite antever. Entre as perspectivas estão: o desafio da evangelização das culturas (Evangelii Nuntiandi, n. 20), o desafio do diálogo inter-religioso (Evangelii Nuntiandi, n. 53), e por fim, o desafio da evangelização no mundo moderno (Evangelii Nuntiandi, n. 55).

2.1 O desafio da evangelização das culturas

Desde o seu princípio a libertação se preocupou com a transformação das estruturas sociais em vista da libertação dos pobres. A temática da cultura, da raça não tinha ganhado ainda o seu destaque. Alguns países do mundo hispanio-americano têm uma forte presença indígena. Para tais, países, uma teologia a partir desta perspectiva tem a sua importância. Nos outros, é fundamental perguntar-se pelo rosto índio de Deus. Para Libânio: “Neste contexto pode-se pensar o processo de libertação em busca da “terra sem males”. Pode-se aprender da tradição teológica de tais culturas e como elas fizeram sua assimilação do cristianismo”37 .
No Brasil e em outros países da América Latina, existe significativa presença de negros. Segundo o mesmo autor, a libertação tem-se preocupado com esta realidade superando a unilateralidade sócio-estrutural. A partir desta situação, desenvolve-se uma teologia negra, em que os negros são duplamente oprimidos, racialmente e socialmente38 . A questão da cultura já vem sendo muito agitada desde os tempos da Conferência de Puebla. Ou seja, já um tempo antes a Exortação Evangelii Nuntiandi havia abordado tal problemática:
O Evangelho, e consequentemente a evangelização, não se identificam por certo com a cultura, e são independentes em relação a todas as culturas. E no entanto, o reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens profundamente ligados a uma determinada cultura. (. . .) O Evangelho e a evangelização independentes em relação às culturas, não são necessariamente incompatíveis com elas, mas suscetíveis de as impregnar a todas sem se escravizar a nenhuma delas. A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como foi também de outras épocas. Assim, importa envidar todos os esforços no sentido de uma generosa evangelização da cultura, ou mais exatamente das culturas (Evangelii Nuntiandi, n. 20).    

Também a exortação Ecclesia in América afirma a sua relevância para a Igreja da América:
O Filho de Deus, quando assumiu a natureza humana, encarnou-se no âmbito de um determinado povo, embora a sua morte redentora tenha trazido a salvação a todos os homens, qualquer que seja a sua cultura, raça ou condição. O dom do seu Espírito e o seu amor são destinados a todos e cada um dos povos e culturas para os unir entre si à imagem daquela perfeita união que existe em deus Uno e Trino. Para que isso seja possível, é necessário inculturar a pregação, de forma que o Evangelho seja anunciado na linguagem e na cultura de quantos o ouvem. Simultaneamente, porém, é preciso não esquecer que só o mistério pascal de Cristo, suprema manifestação do Deus infinito na finitude da história, poderá ser válido ponto de referência para toda a humanidade peregrina à procura da unidade autêntica e da verdadeira paz (Ecclesia in América, n. 70).  

 

Assim, o problema da cultura não podia ser elucidada, quer na sua forma da cultura moderna subjugante de todas as outras formas de cultura, quer sob a não menos séria questão da inculturação do Evangelho na cultura mestiça e negra do continente39 . A libertação volta-se para a cultura, onde tal tema foi escolhido pelo Papa João Paulo II para a Conferência de Santo Domingo que incluiu a questão da cultura intimamente vinculada com a evangelização e a promoção humana. Partindo dessa temática, a evangelização libertadora abre-se para um novo centro de reflexão, examinando as culturas diante da libertação nas suas formas de dominação, mimetismo, resistência ou emancipação 40.

2.2 O desafio da evangelização no diálogo inter-religioso

De acordo com a exortação Evangelii Nuntiandi, a evangelização também deve atender as relações com as religiões não-cristãs. Sendo assim, o documento alude a relevância deste anúncio:
Um tal anúncio destina-se também a porcos imensas da humanidade que praticam religiões não-cristãs que a Igreja respeita e estima, porque elas são a expressão viva da alma de vastos grupos humanos. Elas comportam em si mesmas o eco de milênios de procura de Deus, procura incompleta, mas muitas vezes realizada com sinceridade e retidão de coração. Elas possuem um patrimônio impressionante de textos profundamente religiosos; ensinaram gerações de pessoas a orar; e, ainda, acham-se permeadas de inumeráveis “sementes da Palavra” e podem constituir uma autêntica “preparação evangélica”, para usamos a palavra feliz do Concilio Vaticano II (Evangelii Nuntiandi, n. 53).        

O diálogo traz uma experiência humana fundamental, uma vez que pessoa se afirma como tal na relação com um tu. O diálogo inter-religioso constitui um dos âmbitos de realização do diálogo, envolvendo como peculiaridade a relação entre indivíduos e comunidades religiosas distintas. No entender de Teixeira, “o diálogo inter-religioso implica sempre atenção, respeito e acolhimento do universo da alteridade. Ele só se realiza quando se garante o espaço de expressão da singularidade do outro e o direito inalienável de preservação de suas condições pessoais”41 . No respeito à singularidade do outro, esse diálogo possibilita uma comunicação e um compartilhar de vida, de experiência e de fé. Ainda para o mesmo autor: “O diálogo inter-religioso é sobretudo um “ato espiritual”, cujo motor essencial é o amor. Não é capaz de cumprir essa jornada espiritual senão aquele que se encontra aberto e sensível à linguagem do Espírito, que não impõe resistência ao seu sopro de gratuidade”42 .
No diálogo navega-se na certeza da universalidade da graça, na dinâmica do mistério do Deus que se dá, do Deus que vem, do Deus que é surpresa permanente e sobre o qual não podemos exercer nenhum controle43 . Isto se dá em vários níveis, e envolve tanto os indivíduos como as comunidades: é diálogo de vida e de colaboração de projetos comuns, de partilha teologal, de comunhão. È antes de tudo, um modo de ação e uma atitude e um espírito que anima. Espírito que deve envolver toda a missão cristã em todas as suas dimensões, desde o ato inicial de encontro com o diferente até o serviço mais explícito do anúncio evangelizador.         
A emergência de uma nova sensibilidade macro-ecumênica constitui uma das grandes novidades da reflexão teológica na América Latina nestes últimos anos. Tal reflexão ajudou a ampliar a visão da libertação, que em sua fase inicial concentrava-se na questão do pobre. Abre-se, espaço para a percepção da especificidade étnica, que não pode se reduzida à questão da classe social, ou seja, a percepção de outros planos da opressão social44 . Em sintonia com a problemática, alguns teólogos introduziram na reflexão latino-americana a questão da inculturação. Sua singularidade foi mostrar a relevância da dimensão cultural e da necessidade de conjugação da evangelização da sociedade com a evangelização da cultura.    
A temática do diálogo inter-religioso na teologia também foi favorecida pela experiência dos diversos encontros dos teólogos do Terceiro Mundo e o reconhecimento da pluralidade cultural. Para Faustino Teixeira, “O modo brasileiro de vivera religião, o influxo do sincretismo e a dinâmica peculiar da compreensão da religião como porta de entrada da consciência favoreceram essa trajetória dialogal” 45. O Concílio Vaticano II reconheceu no Decreto sobre o ecumenismo (Unitatis Redintegratio), ao falar sobre a índole da teologia oriental. O Decreto sublinha que “alguns aspectos do mistério revelado” podem ser “captados mais congruamente e postos em melhor luz por um que por outro” (Unitatis Redintegratio, n. 17). A revelação cristã pode, ser enriquecida pelas experiência reveladoras suscitadas pela práxis e por atitudes religiosas presentes nas tradições religiosas de nossos irmãos. 
Na perspectiva do diálogo inter-religioso, a missão não perde sua razão de ser, mas vem acompanhada numa nova perspectiva. No entender de Teixeira: “O sentido da missão vem enriquecida pelo amplo sentido de evangelização, que não pode se restringir a uma de suas dimensões, a do anúncio”46 . Evangelizar, como afirma a exortação Evangelii Nuntiandi no número 18 é “tornar nova a própria humanidade”. Tal compreensão mais abrangente da evangelização repercute na maneira de compreender a missão, desta vez, entendida como trabalho de afirmação do Reino de Deus e da história. A missão consiste em compartilhar com os outros a alegria de conhecer e seguir Cristo. Significa o resultado de uma experiência de amor, e não simplesmente de um simples mandato (Evangelii Nuntiandi, n. 5).
Ou, como conclui Faustino Teixeira sobre a questão:
O desafio está em proclamar Jesus, sem que isso signifique desconhecer ou relativizar as experiências religiosas partilhadas por “nossos amigos” em suas tradições singulares. Não se quer negar a prioridade do anúncio, que é pertinente, mas reconhecer que ele tem uma prioridade lógica e ideal, e não necessariamente temporal47 .   

Finalizando, o próprio Papa João Paulo II assinalou que o diálogo constitui “a única maneira de prestar um sincero testemunho de Cristo e um generoso serviço ao homem” (Redemptoris missio, n. 57).     

2.3 O desafio da evangelização no mundo moderno

Segundo a perspectiva da Evangelii Nuntiandi, significativo é também a preocupação que diz respeito à esfera do mundo moderno, da qual é possível lançar um desafio à evangelização:

A primeira dessas esferas é aquilo que se pode chamar o crescer da incredulidade no mundo moderno. O mesmo Sínodo aplicou-se a descrever esse mundo moderno: sob tal nome genérico, quantas correntes de pensamento, quantos valores e contravalores, quantas aspirações latentes, quantos germens de destruição, quantas convicções antigas desaparecem e quantas outras convicções novas se impõe! (. . .) Por outro lado e paradoxalmente, neste mesmo mundo moderno não se pode negar a existência de verdadeiras pedras de junção cristãs, valores cristãos pelo menos sob a forma de um vazio ou de uma nostalgia. Não seria exagero falar de um potente e trágico apelo para ser evangelizado (Evangelii Nuntiandi, n. 55).         

Assim, o esforço de inteligência da fé (a teologia), está ligada a duas questões provenientes da vida e dos desafios enfrentados pela comunidade cristã em seu testemunho. A teologia vincula-se ao momento histórico e ao mundo cultural no qual surgem tais desafios. E é esse é um dos elementos que a definem como uma função eclesial. Por causa de seu aspecto mutável, as teologias nascem num marco preciso, contribuindo para a vida de fé dos fiéis e para a missão evangelizadora da Igreja, sendo que seus acentos, suas categorias e seus enfoques, vão perdendo capacidade de provocação na medida em que a situação que as originou não é mais a mesma48 . Assim, pensa Gutierrez sobre o problema,
Talvez uma boa forma de tratar do futuro de uma perspectiva teológica seja confrontá-la com outras orientações atuais, submeter a um novo exame o seu propósito e os seus eixos centrais em relação ao momento presente, dando, como conseqüência, uma olhada sobre as tarefas que ela tem pela frente49 .     

Ao convocar o Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII perguntava como dizer o que hoje os cristãos pedem todos os dias: “Venha a nós o vosso Reino”. Assim o Papa recuperava um tema bíblico significativo: a necessidade de saber discernir os sinais dos tempos. O trabalho teológico consistirá em olhar tais questionamentos, e ao mesmo tempo, discernir neles, à luz da fé, o novo campo hermenêutico que lhe é proporcionado para pensar a fé e para falar de Deus50 . A partir disso, procuramos na perspectiva de Gustavo Gutiérrez, abordar o desafio do mundo moderno (e pós-moderno), cujo problema constitui um desafio à evangelização (Evangelii Nuntiandi, n. 55), pois o trabalho teológico consiste em olhar face a face tais questionamentos, que se apresentam como sinais dos tempos.
Tendo suas raízes nos séculos XV e XVI, a mentalidade que começará a designar como moderna causa um impacto na vida das Igrejas cristãs dos séculos XVIII em diante. Tem por características, afirmação do indivíduo, a convivência social e conhecimento humanoe e uma razão crítica que não aceita mais o que foi submetido ao seu exame. A fé cristã, parceira da supertição e de corte autoritário segundo este pensamento estaria fadada ao desaparecimento e, a ser delimitada ao âmbito privado 51.
Na visão de Gutiérrez,
O Vaticano II, tomando as distâncias daqueles que não viam o mundo moderno senão como um mau momento destinado a passar, e diante do qual tratava-se simplesmente de resistir com firmeza até que a calmaria retornasse depois da tempestade, procurou e conseguir responder a muitos desses questionamentos (não sem dificuldades e incompreensões iniciais, certamente52 .               

A questão se tornou mais complicada nos últimos tempos por causa do que decidiu chamar, por comodismo, da época pós-moderna. Sendo uma crítica a modernidade, acusada dentre outras coisas de conduzir ao totalitarismo em contradição com sua fervorosa reinvidicação de liberdade, e de confinar-se em visão estreita e instrumental da razão, a visão pós-moderna aguça o individualismo que já marcava o mundo moderno. Segundo o nosso autor,
Tal postura é, sem dúvida um dos motivos do desinteresse pelo social e pelo político, que presenciamos em nossos dias. Fica claro, todavia, que ela traz também contribuições importantes: será preciso estar atento, por exemplo, ao que pode significar, com todas as suas ambivalências, a valorização da diversidade cultural ou étnica 53.     

O fato da pós-modernidade ser uma rejeição da modernidade ou seu prolongamento, não muda o essencial que representa em si, um desafio à consciência cristã. Para o teólogo, longe de representarem uma recusa inspirada pelo medo, não só enfrentarem com liberdade evangélica e fidelidade à mensagem cristã as interpelações do mundo moderno e seus reflexos, mas fizeram ver toda a contribuição que esse mundo poderia dar no sentido de revelar a importância da fé aos que não haviam sido no passado ou que, haviam se eclipsado ao longo da história54 . Assim, é preciso evitar a tentação que consiste em distribuir tais desafios aos vários continentes: o da modernidade, ao mundo ocidental; o da pobreza, à América Latina e á África; e o do pluralismo religioso, à Ásia.
Pois é evidente que existem ênfases, segundo as diversas áreas da humanidade, da qual somos chamados a uma tarefa teológica que empreenda novos rumos, como a da particularidade como a da universalidade da situação em que vivemos. Encargo que deve ler levado a sério com sensibilidade às inúmeras interpelações, tendo como ponto de partida um diálogo respeitoso do qual vise à dignidade do ser humano 55.

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* O presente artigo é parte da Dissertação de Mestrado (Unitas et Differentia. Estudo sobre a relação entre a Evangelização e a Libertação cristã na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi do Papa Paulo VI), orientada pelo Prof. Dr. Geraldo Luiz Borges Hackmann e apresentada como requisito parcial para à obtenção do Título de Mestre em Teologia Sistemática no semestre acadêmico de 2005/2, na Faculdade de Teologia da PUCRS.

1 O Concílio Vaticano II pode se visto como ponto de partida de um longo processo, em que a fé procurava dar resposta aos desafios da época moderna. Com a constituição conciliar Gaudium et Spes, a Igreja passa de uma relação de inimizade com o mundo moderno – que encontrara expressão no Silabo (1864) de Pio IX – a um  “novo espírito de solidariedade dos novos cristãos com os homens de hoje, especialmente os oprimidos”. Mas o Concílio havia sido também genérico sobretudo a respeito do tema dos pobres, na medida em que não aprofundara a análise dos mecanismos que geram a pobreza no mundo. Na América Latina, o Concílio não funcionou apenas como ponto de chegada, mas também como ponto de partida de uma nova consciência de ser Igreja. De acordo com esta análise, a Igreja latino-americana realizou uma “recepção criativa” do Concílio à luz da realidade latino-americana, na perspectiva dos pobres: a Igreja que vive essa solidariedade é a Igreja dos pobres, e a teologia que acompanha com a reflexão este caminho e esse processo é a teologia da libertação. Cf. GIBELLINI, Rosino. A Teologia do século XX, p. 370.    

2 Cf. FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus da História, p. 18.

3 Toda esta efervescência, porém não se teria certamente cristalizado sem a figura providencial de Roncalli, o papa João XXIII. Eleito por ocasião da morte de Pio XII, em 1958, como papa de transição, realizou verdadeira revolução eclesial. Suas origens pobres em uma família muito cristã de camponeses bergamascos, seus estudos históricos sobre Gregório Magno e sobre a figura reformadora de Carlos Borromeu, o ter sofrido a suspeita de ser modernista nos tempos de Pio X, sua experiência da guerra, seus contatos com os orientais na Turquia e com a cultura moderna em Paris, fizeram deste homem, simples e bom, o instrumento providencial para iniciar uma nova época eclesial e encerrar a Igreja da cristandade e da Contra-Reforma. (. . .) Sem temer no ridículo, com uma humildade cheia de simplicidade, e não isenta de humor, confiando no Senhor, se lança a uma empresa revolucionária. No discurso inaugural do Vaticano II reconhece a origem espiritual e carismática daquela convocação: “No que se refere à iniciativa do grande acontecimento que nos tem aqui congregados, baste, a simples título de orientação histórica, revelar uma vez mais nosso humilde testemunho pessoal daquele primeiro momento em que, de improviso, brotou em nosso coração em nossos lábios a simples palavra concílio ecumênico. Palavra pronunciada ante o sacro colégio dos cardeais, naquele felicíssimo dia 25 de janeiro de 1959, festa da conversão de São Paulo em sua Basílica. Um toque inesperado, um feixe de luz do alto, uma grande suavidade nos olhos e no coração, mas, ao mesmo tempo, um fervor, um grande fervor que com surpresa despertou em todo o mundo à espera da celebração do concílio. Cf. CODINA, Victor. Para compreender a Eclesiologia a partir da América Latina, p. 167-168.

4 Cf. VELASCO, Rufino. A Igreja de Jesus, p. 423.

5 Tal eclesiologia: (. . .) vê a Igreja como “sacramento da libertação integral”, e com isto ela pretende superar tanto o reducionismo sobrenatural, que reduz a salvação ao âmbito sobrenatural, como o reducionismo eclesiocêntrico, que praticamente identifica a Igreja com o Reino, como também o reducionismo escatologista, de acordo com o qual a salvação tem caráter exclusivamente supramundano. A eclesiologia da libertação rebate assim a acusação de reducionismo; “Carece de sentido a acusação, direta ou velada, segundo a qual a teologia da libertação propõe apenas a salvação sociopolítica; semelhante redução da salvação não é feita sequer pelo marxismo; o que a teologia da libertação afirma é que a história da salvação não é aquilo que é, se não atinge a dimensão sociopolítica, que é sua parte essencial, se bem que não seja a sua totalidade”. A Igreja é “sacramento histórico de libertação”, no duplo sentido de que ela, em sua totalidade de Igreja, é efeito da salvação que se realiza na história, e ao mesmo tempo, em sua missão, deve significar dinamicamente na história, para o mundo da injustiça e da opressão (. . .) Cf. GIBELLINI, Rosino. op. cit., p. 371-372. Na visão de Codina: Embora a eclesiologia insista na importância do sóciopolítico, não reduz a salvação nem a missão eclesial a isto, do mesmo modo que a doutrina social da Igreja, ao tratar de temas sociais, não nega a graça ou a liturgia. Mais ainda, a eclesiologia da libertação quer prosseguir a tarefa missionária e messiânica de Jesus em sua história, que é de libertação e salvação integral, por mias que cure enfermos ou dê pão aos famintos. O que ocorre é que durante séculos a salvação se entendeu de forma predominante espiritualista, intimista e para depois da morte. Toda a recuperação da dimensão histórica da salvação pode conduzir ao erro ótico de pensar que se nega o transcendente. Semelhante observação pode ser feita sobre o uso de certas ciências sociais e do marxismo em concreto. Os teólogos e eclesiólogos estão conscientes do perigo de absolutizar o sociológico, mas este perigo não pode levar a minimizar a importância da observação atenta da realidade e de suas causas, utilizando todos os meios, frágeis e hipotéticos, que a ciência contribui para isto. (. . .) . Cf. CODINA, Victor. op. cit., p. 204-205.            

6 Como a Igreja pode dar sua contribuição aos projetos humanos de libertação? Para Gopegui: Precisamente levando os homens a realizarem a autêntica experiência cristã. A experiência do amor do próximo que nasce do amor de Deus – como dom do Pai ao coração do homem – e a experiência do amor de Deus encontrado – também como dom – no amor do próximo, é mais do que uma experiência de amor platônico ou de boas intenções. O amor do próximo (em conseqüência o amor de Deus) se realiza através de engajamentos concretos de libertação daqueles que sofrem. No mundo complexo de nosso tempo, através de projetos planificados, que vão ( conforme as circunstâncias) da possibilidade que um sadio relacionamento do eu-você oferece ao próximo de libertar-se de seus complexos e temores e encontrar-se, até a consagração profissional (na complexidade das técnicas e das ciências humanas) ao desenvolvimento econômico, político, social em nível internacional. Nesses campos a Igreja como instituição pouco terá a dizer em termos de realizações concretas. Poderá, sim, exercer uma função crítica e ser um estímulo para a ação generosa dos homens. Prestará sua voz àqueles que se vêem privados dela pelas estruturas de opressão. Mas os caminhos concretos são da competência dos homens e das instituições temporais. Cf. GOPEGUI, J. A. Ruiz de. Caminhos de libertação, Caminhos da Igreja, p. 149.    

7 Para Libânio: Esta presença da Igreja foi possível por várias razões. Havia uma abertura para o social criada sobretudo pelas encíclicas sociais de João XXIII -  Mater et Magistra e Pacem in terris -, (. . .) João XXIII aparece como o homem do diálogo, da abertura, do acolhimento, da preocupação com os problemas sociais e com o pobre. (. . .) Além desse espírito de abertura social iniciado por João XXIII, a própria dinâmica do Concílio Vaticano II instaurava no interior da Igreja um clima de abertura, de possibilidade de novas experiências, de preocupação pelas realidades terrestres, humanas e históricas, sobretudo através da Constituição pastoral Gaudium et Spes. A teologia do mundo do Concílio Vaticano II abriu amplas perspectivas para toda a Igreja e criou um solo fértil para as teologias (. . .) O mundo tornou-se o lugar do homem, não simplesmente na qualidade de seu habitat material, mas principalmente na condição de possibilidade de existência de relações, de significado, de realização de seu ser humano e de sua salvação. A Igreja saía do Concílio animada a confrontar-se com os valores e desvalores do mundo, sem medo, sem ciúmes, sem rancor, sem desconfiança, acreditando nessa raiz de bondade fundamental do mundo dos homens. Estava aberto o espaço para as novas experiências, para os compromissos sociais, para a luta por um mundo mais justo. Estava aberto o espaço para uma profunda transformação da Igreja, (. . ) A constituição dogmática Lumen Gentium produziu profundas mudanças na eclesiologia vigente, ao trabalhar as categorias de Igreja como sinal e sacramento de salvação para todos os homens.  Traduzia e, termos de povo de Deus, de dimensão muito mais dinâmica e voltada para o mundo, (. . .) Colocaram-se então as condições  eclesiológicas para recuperar a relação entre Igreja e Reino de Deus e sua dimensão histórica. Constituição pastoral Gaudium et Spes não só ofereceu uma abertura temática para os problemas sociais, mas assumiu a metodologia do ver, julgar e agir. (. . .) Há um capítulo do Concílio Vaticano muito pouco explorado: sua opção pelos pobres. Um mês antes da abertura do Concílio, João XXIII, numa mensagem de 11 de setembro de 1962, afirmava: Em face dos países subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta tal como é e quer ser: a Igreja de todos e, particularmente, a Igreja dos pobres”. (AAS 54 [1962]: 682). (. . .) Resumindo, pode-se dizer que o Concílio, Vaticano II produziu um processo de aceleração da Igreja na América Latina, abrindo-a para o campo social, despertando-a para os pobres, permitindo-lhe enveredar por caminhos novos, criando-lhe espaço para experiências originais. Cf. LIBÂNIO, João Batista. Teologia da Libertação, p. 66-68.              

8 Cf. VELASCO, Rufino. A Igreja de Jesus, p. 429.

9 O que mais caracterizou a ação da Igreja na América Latina foi certamente seu evangélico amor e solicitude com os pobres e necessitados, como sinal que revela a autenticidade de seu trabalho evangelizador. O extenso documento de Puebla, além de apresentar um capítulo especial sobre a opção preferencial pelos pobres, fala em todos os capítulos dos pobres e de seus problemas de pobreza, angústia, miséria, marginalização, dominação, opressão, dependência, violência e injustiça. Em seu conjunto este documento se apresenta como uma grande opção cristã e pastoral pelos pobres. Episcopados nacionais e numerosos setores de presbíteros, religiosos e leigos tornaram mais profundo e realista seu compromisso com os pobres. Este testemunho levou a Igreja latino-americana à denúncia de graves injustiças derivadas de mecanismos opressores. Alentados pela Igreja, os pobres começaram a organizar-se para uma vivência integral de sua fé, como aconteceu, principalmente, nas boas comunidades de base. A denúncia profética da Igreja e seus compromissos com os pobres causaram-lhe em não poucos casos perseguições e vexames de vários tipos. Surgiram nestes anos depois do concílio verdadeiros heróis da caridade cristã na América Latina. Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. A Igreja na América Latina após o Concílio Vaticano II, p. 64.

10 Cf. VELASCO, Rufino. op. cit., p. 430.

11 Cf. GOPEGUI, J. A. RUIZ de. Caminhos de libertação, caminhos da Igreja, p. 148.

12 Cf. Idem, p. 148.

13 Cf. PASTOR, Félix. Inculturação e Libertação, p. 201.

14 Segundo Forte, no anseio pela libertação: Os caminhos do homem no mundo – tanto daquelas que tornaram adultos, como das não-pessoas, tanto diante da injustiça e da dor, como diante da obscuridade do futuro – revelam-se, portanto, em seu âmago como caminhos interrompidos: eles apelam para um sentido, para uma justiça, para uma esperança maiores. Surge neles, de maneira velada ou expressa, a consciência de uma finitude, que com freqüência se torna uma inquietante “nostalgia da perfeita e consumada justiça”. Esta nunca pode ser realizada na história. Com efeito, mesmo que uma sociedade melhor viesse a substituir a atual desordem social, não será reparada a injustiça passada e não será eliminada a miséria da natureza ao derredor. Nostalgia, portanto, de algo mais do que a história, ou melhor, de algo totalmente outro, que garanta a obscuridade do futuro absoluto e possa valorizar, com seu poder, o humilde sofrer do homem. Mas, ao mesmo tempo, a partir da libertação e das inauditas contradições da realidade, essa inquietação se apresenta como nostalgia de um além da vida humana. Nostalgia que também esteja totalmente dentro da vida, que sustente conosco o peso da dor e da luta contra a injustiça do mundo, e impeça que sejamos derrotados no embate com a tragédia do tempo. Cf. FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus da História, p. 38-39.    

15 Na visão de Gibellini: A eclesiologia da libertação, além disso, realizou com originalidade a recuperação da categoria bíblica de “povo de Deus”, que se verificou no Concílio Vaticano II e nas eclesiologias pós-vaticanas. Mas, se na eclesiologia européia isto significou principalmente uma exigência de desclericalização, no sentido de que a Igreja, como novo povo de Deus, deve configurar-se historicamente de maneira tal que seja verdadeiro que “todos nós somos a Igreja” (Hans Kung) (. . .). Cf. GIBELLINI, Rosino. A Teologia do século XX, p. 371.   

16 Cf. VELASCO, Rufino. op. cit., p. 433.

17 Sobre a missão da Igreja, alude Muñoz: Sua razão de ser e sua vida estão no anúncio do Evangelho vivo de Jesus Cristo aos homens e aos povos concretos. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que a Igreja tem seu centro fora de si mesma. Implica afirmar, que ela é essencialmente ex-cêntrica – no sentido que não existe para si mesma, pra viver sua própria vida e expandir-se, mas pra o mundo, para o serviço ao homem. Mais especificamente, a Igreja existe para servir aos homens em relação ao Reino de Deus, para revelar e impulsionar o dinamismo libertador do Reino que atravessa a história dos povos. Em segundo lugar, dizer que a Igreja existe para evangelizar significa que ela está chamada continuamente à conversão e à reforma. Implica dizer que a própria Igreja deve estar continuamente saindo de si mesma, deixando-se interpelar por seu Senhor, que a chama através dos outros; e, nesse diálogo comprometido, ela deve ao mesmo tempo ir apreendendo e a anunciando o Evangelho sempre de novo de Jesus Cristo. Cf. MUNÕZ, Ronaldo. A Igreja no Povo, p. 188.   

18 Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. A Igreja na América Latina após o Concílio Vaticano II, p. 294. 

19 Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. A Igreja na América Latina após o Concílio Vaticano II, p. 294.

20 Cf. TEIXEIRA, Faustino. Comunidades Eclesiais de Base, p. 114.

21 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit., p. 114.

22 Cf. Idem, p. 114.

23 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Comunidades Eclesiais de Base no Brasil, n. 34.

24 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit., p. 117.

25 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit., p. 120.

26 Cf. LIBÂNIO, João Batista; ANTONIAZZI, Alberto. Vinte anos de Teologia na América Latina e no Brasil, p. 53.

27 Cf. Idem, p. 53.

28 Cf. TEIXEIRA, Faustino. Comunidades Eclesiais de Base, p. 86.

29 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, n. 63.

30 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit.,  p. 87.

31 Para Ronaldo Muñoz, o compromisso com a libertação: É o anúncio e impulso radical de libertação para os homens e tos povos. Não só no interior de cada pessoa e para a salvação de sua alma, mas também para a totalidade da vida e convivência humanas. Não só para uma realização e felicidade plenas do futuro escatológico, mas também desde já gerando um homem novo e uma nova sociedade na história. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que a Igreja deve anunciar o Evangelho com fatos e palavras. Palavras que proclamam o amor de Deus e a força de seu reinado entre is homens, que revelem a presença de Jesus Cristo libertador na vida humana e na história coletiva. Palavras que denunciem, igualmente, o pecado, pessoal e coletivo, que se opõe ao reino e praticamente nega a Deus. Em ao mesmo tempo, para dar expressão e verdade concreta a essas palavras, Fatos de serviço coletivo na promoção da dignidade humana e no processo de libertação histórica dos povos. São fatos e palavras que se confirmam e se explicam mutuamente. E, mais ainda, a evangelização libertadora diz também respeito ao fato de que os cristãos e a Igreja busquem sempre realizar uma síntese vida da fé, da justiça e do testemunho. Uma síntese viva da FÈ, como adesão cheia de confiança no Pai e esperança de seu Reino, com a JUSTIÇA, com compromisso de luta solidária por uma sociedade mais igualitária e fraterna, e com o testemunho de qualidade de vida e um estilo de convivência mais humanos, que devem ser vividos e revelados desde já. Cf. MUNÕZ, Ronaldo. A Igreja no Povo, p. 189.       

32 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit., p. 88.

33 Cf. FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus da História, p. 39-40.

34 Cf. PASTOR, Félix. Inculturação e Libertação, p. 196.

35 Cf. Idem, p. 202.

36 Cf. DUPUIS, Jacques. Evangelização, p. 299.

37 Cf. LIBÂNIO, João Batista; ANTONIAZZI, Alberto. Vinte anos de Teologia na América Latina e no Brasil, p. 57.

38 Cf. Idem, p. 58.

39 LIBÂNIO, João Batista; ANTONIAZZI, Alberto. op. cit., p. 58.

40 Cf. Idem, p. 59.

41 Cf. TEIXEIRA, Faustino. A interpelação do diálogo inter-religioso para a teologia, p. 418. 

42 Cf. Idem, p. 419.

43 Cf. Idem, p. 419.

44 Cf. LIBÂNIO, João Batista; ANTONIAZZI, Alberto. Vinte anos de Teologia na América Latina e no Brasil.

45 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit., p. 424.

46 Cf. TEIXEIRA, Faustino. op. cit., p. 432.

47 Cf. TEIXIERA, Faustino. op. cit., p. 434.

48 Cf. GUTIÉRREZ, Gustavo. Situação e tarefas da teologia da libertação, p. 49-50. 

49 Cf. Idem, p. 50-51.

50 Cf. Idem, p. 52.

51 Cf. Idem, p. 53.

52 Cf. Idem, p. 53

53 Cf. Idem, p. 54.

54 Cf. Idem, p. 55.

55 Cf. Idem, p. 77. 


Recibido: 04/01/2016 Aceptado: 16/03/2016 Publicado: Marzo de 2016

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