Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA PRÉ-AMAZÔNIA
Uma análise seniana da atuação do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Bascarán na promoção do desenvolvimento humano no Maranhão

Autores e infomación del artículo

Marcelo de Oliveira Silva

Julia Elisabete Barden

Jane Márcia Mazzarino

Fagno da Silva Soares

UNIVATES/RS, Brasil

marcelo.oliveira@ifma.edu.br

Abstract

This article analyzes the contributions of the Defense of Life and Human Rights Carmen Bascarán of Açailândia/MA (CDVDH/CB) for the promotion of human development of the enslaved workers, from the Capability Approach. Slave labor deprive an employee of access to education, health and income and depriving their freedom. Thus, the CDVDH / CB is a welcoming environment of these workers and aims to create opportunities redemption conditions of dignity and promote the integration of the individual to the labor market. The method used in the survey was based on a literature review, documentary and field for data analysis was used content analysis. The results indicate that people had accepted range of the five freedoms proposed by Sen (transparency guarantees, protective security, economic facilities, social opportunities and political liberties) and demonstrate satisfaction and security for their support.
Keywords: Slave Labor, Human Development, the Capability Approach.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Marcelo de Oliveira Silva, Julia Elisabete Barden, Jane Márcia Mazzarino y Fagno da Silva Soares (2016): “Trabalho escravo contemporâneo na pré-amazônia”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/defesa.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-defesa


Trabalho escravo contemporâneo

A história brasileira foi marcada pelo processo de escravidão, que foi iniciado por volta do século XV com a chegada dos navegantes portugueses e espanhóis, que vinham em busca de riqueza e prosperidade. A primeira força de trabalho utilizada nas terras brasileiras foram os índios, porém o índio não se deixou dominar facilmente pelos europeus. Mello (2005, p. 18) destaca que “os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intenso, regular e compulsório exigido pelos europeus. [...] Por isso, resistiam à escravidão pela guerra, pela fuga e pela recusa ao trabalho compulsório”. Com a necessidade de mão de obra para manter o crescimento econômico, os portugueses que já conheciam e tinham contato com o tráfico de escravos africanos, iniciaram a alternância da mão de obra escrava.
Por anos a escravidão no Brasil foi considerada legal, somente em setembro de 1971 foi dado o primeiro passo para a proibição do trabalho escravo, com a promulgação da Lei nº 2.040, denominada Lei do Vente Livre. Em continuidade a este avanço, em setembro de 1885 o legislativo publicou a Lei nº 3.270 denominada Lei dos Sexagenários.
Mesmo as duas leis não tendo garantido liberdade total aos escravizados, foram consideradas por Jardim (2007) um avanço paulatino no processo de abolição da escravatura, que veio ocorrer em maio de 1888, pela Lei nº 3.353, que tinha apenas dois artigos, conhecida como Lei Áurea.
A Lei Áurea pôs um fim no termo escravidão, mas ela não deixou de existir. É comum encontrar pessoas submetidas à condição análoga de trabalho escravo. Contudo algumas diferenças pontuais se apresentam em relação ao trabalho escravo na época do Brasil colônia e atualmente, denominado como de trabalho escravo contemporâneo. A ONG Repórter Brasil traçou uma análise comparativa entre o antigo e o novo modelo de escravidão, com base nos estudos do sociólogo Kevin Bales1 .
Segundo a revisa Escravo, Nem Pensar (2012, p. 33) o perfil do trabalhador escravo no Brasil é de 96% homens e 4% mulheres. Destes homens, 80% têm entre 18 e 44 anos, analfabetos ou até com dois anos de estudo, oriundos na sua grande maioria, dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Ceará.
Em 2013, no Maranhão, foram realizadas nove operações e dez estabelecimentos foram inspecionados, resultando em 71 libertações (DETRAE, 2014). Conforme a OIT (2006), Açailândia/MA está entre as cidades com maior número de trabalhadores mantidos em regime de escravidão, considerando a quantidade de pessoas libertadas, o município ocupava a 10ª posição no País, atrás de municípios do Pará, Bahia e Mato Grosso. No entanto, o município ocupa a primeira posição no ranking estadual.
Diante deste cenário, as Organizações não Governamentais (ONGs) e os movimentos sociais surgem como alternativas de combate contra o trabalho escravo e luta pela cidadania. Objeto deste estudo, O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Bascarán (CDVDH/CB), localizada na cidade de Açailândia/MA, é fruto de uma mobilização social. Idealizada por um grupo participante de movimentos populares e pessoas ligadas à Igreja Católica, tendo como objetivo “defender a vida onde for mais ameaçada e os direitos humanos onde forem menos reconhecidos com atenção privilegiada aos mais pobres e explorados” (CDVDH/CB, 2008, p. 1). A estratégia era oportunizar um espaço onde as pessoas, independente de raça, gênero e religião pudessem ser recebidas e ouvidas, onde os oprimidos e cerceados de direitos humanos pudessem recuperar sua dignidade.
Para a operacionalização das ações, o CDVDH/CB conta com uma estrutura formada por 34 funcionários e 20 voluntariados, além de 110 associados, sendo 63 de Açailândia/MA e 47 municípios circunvizinhos. As ações são divididas por eixos: Prevenção, Repressão e Inserção. Sendo que, o setor jurídico e o serviço social são responsáveis pela repressão, a Cooperativa de Produção de Artefatos de Origem Vegetal, Mineral e Recicláveis (CODIGMA) pela inserção e a prevenção é responsabilidade de todos.
Em 2004 o CDVDH/CB recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos na categoria Combate ao Trabalho Escravo, em 2008 uma voluntária do CDVDH/CB foi premiada pelo Movimento Humanos Direitos (MHuD) com o prêmio João Canuto e, também, recebeu o prêmio Monumento Al Minero da Mieres Del Camino - Astúrias/Espanha pelo reconhecimento a sua luta contra o Trabalho Escravo.
Portanto este artigo tem como objetivo identificar as contribuições do CDVDH/CB de Açailândia/MA no combate ao trabalho escravo e a promoção do desenvolvimento humano, a partir da Abordagem das Capacitações. 

Desenvolvimento humano sob a ótica Seniana

A Abordagem das Capacitações segue a concepção aristotélica de uma boa vida. A ética de Aristóteles trata de uma fundamentada ordenação dos diferentes bens que asseguram um ciclo de vida completo e decente dentro de um contexto social. As inúmeras realizações humanas ocorrem por escolhas livres e racionais, concretizadas por diversos modos individuais. Dois autores apresentam importantes contribuições para a Abordagem das Capacitações: Amartya Sen e Martha Nussbaum.
Segundo Sen (2000), o conceito de desenvolvimento humano demonstra a necessidade de perceber o ser humano como centro das atenções combatendo os males que os privam da capacidade de escolha, oportunidades, liberdades e igualdade.
 A ótica do desenvolvimento humano deve ser destituída da visão da renda, da capacidade de compra e da aquisição de bens e riquezas, e enfocar a perspectiva do bem-estar, das necessidades humanas, da qualidade de vida, das oportunidades e das liberdades de escolha que cercam a vida humana em sua plenitude, para Sen (2000, p. 109) “a pobreza deve ser vista como privação das capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda”.
             Na Abordagem das Capacitações, “o desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (SEN, 2010, p. 55) e sob este prisma, atribui como sentido de bem-estar o conjunto de funcionamentos [achieved functionings], que referem-se aos estados de existência [beigns] ou de ações [doings], que podem ser realizados pelos indivíduos (SEN 2010). “O conceito de funcionamentos, que tem raízes distintamente aristotélicas, reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter” (SEN 2010, p. 104). Os funcionamentos são as atividades e condições do indivíduo, tais como ter uma boa saúde, ter uma boa residência, ter acesso a uma boa educação, entre outros.
O conjunto e as combinações desses funcionamentos resultam nas capacitações [capability], “portanto, a capacidade é um tipo de liberdade: a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos” (SEN 2010, p. 105). Em suma, é a capacidade de escolher para auferir boas condições de vida. “The capability of a person is a derived notion. It reflects the various combinations of functionings (doings and beings) he or she can achieve. It takes a certain view of living as combinations of various ‘doings and beings””2 (KUKLYS e ROBEYNS, 2004, p. 4).
Para Sen (2000) a sociedade tem sua eficácia quando seus integrantes podem desfrutar de liberdade de escolha, serem agentes ativos e capazes de provocar mudanças.  “O papel instrumental da liberdade concerne ao modo como diferentes tipos de direitos, oportunidades e intitulamentos contribuem para a expansão da liberdade humana em geral e, assim, para promoção do desenvolvimento” (SEN 2010, p. 77).  O desenvolvimento passa a ser medido pela expansão do conjunto de capacitações das pessoas que, como dito, é formado pelo conjunto de todas as opções possíveis de funcionamentos. No entanto, tal conjunto, que por hora é denominado de capacitação, apresenta uma amplitude de liberdades instrumentais que contempla seu desenvolvimento no campo político, econômico e social.
Neste sentido, Sen (2010) apresenta cinco liberdades humanas: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora, onde:

  1. Liberdades Políticas: incluem os direitos civis, e referem-se à oportunidade que as pessoas têm para determinar seus governantes, além de fiscalizar e criticar as autoridades;
  2. Facilidades Econômicas: oportunidades que as pessoas têm para utilizar recursos econômicos com objetivos de consumo, produção ou troca;
  3. Oportunidades Sociais: são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde e outros, nas quais contribuem para uma liberdade do indivíduo;
  4. Garantias de Transparência: necessidade de sinceridade que as pessoas esperam uns dos outros;
  5. Segurança Protetora: rede de segurança social, impossibilitando que as pessoas sejam afetadas a miséria, fome e seus males (SEN, 2010, P. 57-58).

As liberdades permitem o reforço da condição de agente do indivíduo e aumentam as capacitações. De acordo com Sen (2010, p. 361) “o trabalhador adscritício nascido na semiescravidão, a menina submissa tolhida por uma sociedade repressora, [...] todos esses indivíduos são privados não só de bem-estar, mas do potencial para levar uma vida responsável, pois esta depende do gozo de certas liberdades básicas”. Ao ser privado dos meios que possibilitam ao alcance de liberdades, o trabalhador escravizado não exerce a sua condição de agente, assim também não poderá desfrutar dos fins provenientes do alcance das cinco liberdades propostas por Sen. Sen (2000, p. 54) enfatiza que “a eficácia da liberdade como instrumento reside no fato de que diferentes tipos de liberdade apresentam inter-relação entre si, e um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos”. Por exemplo, o acesso a liberdades sociais, educação e saúde, aumenta a liberdade de segurança protetora, bem como as oportunidades econômicas.
A responsabilidade no alcance e na expansão das capacitações e liberdades individuais não são unicamente do Estado e poderá envolver todas as instituições e a comunidade. Isto posto, amplia-se a visão de que o indivíduo estaria sobre proteção única do Estado e reconhece o papel de outras instituições (ONG’s, movimentos comunitários, associações e afins) como agentes de desenvolvimento.
O posicionamento de Sen está alinhado com a concepção universal dos direitos humanos, percebendo a necessidade de desvincular  a renda como critério único de mensuração e incluir as capacitações, determinando que para um indivíduo alcançar o desenvolvimento ele necessitará de um conjunto de funcionamentos, que propiciem capacitações, consequentemente liberdades instrumentais, e que sejam capazes de ter ou fazer algo de acordo com suas escolhas e oportunidades. As barreiras que provocam a privação dessas capacitações devem ser eliminadas, pois elas impedem o processo de desenvolvimento humano.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa é qualitativa e tem caráter exploratório. O universo da pesquisa é representado pelo CDVDH/CB/MA, que foi escolhido devido ao apoio dado as vítimas de trabalho escravo na região de Açailândia/MA. A pesquisa de campo foi realizada em 2013 e utilizou-se de entrevistas com seis colaboradores assistidos pelo CDVDH/CB em suas diversas atividades.
Foi utilizada como estratégia de análise dos dados, a técnica de análise de conteúdo. Segundo Bardin (2009), esta análise possibilita o entendimento dos desejos, angústias, emoções, entre outros, facilitando a interpretação do conteúdo, seus significados e encadeamentos.
Para a organização do trabalho e a análise dos resultados, foi criada a sessão Colaboradores com o objetivo foi verificar as melhorias no bem-estar dos assistidos e as oportunidades proporcionadas pelas ações de apoio do CDVDH/CB, que por sua vez foi dividida em duas categorias, liberdade como meio e liberdade como fim, enquadrando as cinco liberdades propostas por Amartya Sen, conforme o quadro abaixo.

4. Resultados e Discussões

4.1 Colaboradores

 Para preservar a identidade dos colaboradores, respeitando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os mesmos   foram denominados como, C1, C2, C3, C4, C5 e C6, respectivamente.

A quantidade de mulheres entrevistadas é um reflexo do perfil do trabalhador escravo  contemporâneo, por serem submetidos a serviços braçais exaustivos e degradantes nas fazendas ou nas carvoarias, o foco dos escravistas são os homens. As mulheres, quando aliciadas, são para trabalhos domésticos. Exceto C1, que é natural do estado do Tocantins, os demais são naturais do interior do estado do Maranhão. Este fato representa a estratégia dos aliciadores, que buscam por trabalhadores em cidades do interior, distantes das fazendas ou carvoarias nas quais serão escravizados, como forma de dificultar as fugas e impedir o contato com as famílias.
Quatro dos colaboradores passaram pelo trabalho escravo em fazendas, enquanto dois deles foram submetidos em carvoarias estas são as duas formas de trabalho escravo comuns na região. A quantidade de escravizados nas fazendas é um reflexo do tipo de trabalho escravo no Brasil, a revista Escravo, Nem Pensar (2012, p. 96 e p. 38) apresenta que entre “[…] 2003 à 2011, 2,6 mil pessoas foram encontradas em condições análogas à de escravo em carvoarias”, enquanto que no mesmo período “[…] 37 mil pessoas foram encontradas em regime de escravidão em fazendas”.
 Outro aspecto verificado em relação ao trabalho escravo contemporâneo, é o curto tempo de escravidão, o que não significa que as consequências sejam minimizadas para quem passou por esta condição. Os colaboradores pesquisados foram escravizados entre três e nove meses, sendo que C4 foi submetido ao trabalho escravo por três vezes, totalizando nove meses.
É comum os trabalhadores se submeterem a essas condições outras vezes, por não terem instrução e serem acostumadas com serviço braçal, suas oportunidades de trabalho são limitadas e tornam-se vulneráveis ao aliciamento.
Para analisar as condições vividas pelos colaboradores durante o trabalho escravo, foi solicitado que relatassem as relações de trabalho que viveram no período.
Ao caracterizarem suas vidas durante a escravidão, os colaboradores denominam-a de “sofrida”, e relembram os momentos de extrema pobreza, fome e trabalho degradante. Como afirma Sen (2010) fome coletiva e pobreza endêmica são males que acarretam sofrimento persistente. C4 relata que “desde 10 anos trabalho na roça, sem oportunidades e estudo. A roça era minha única opção de ganhar um dinheiro e ter meu sustento”.
Conforme os relatos, durante o trabalho escravo os colaboradores viveram em condições sub-humanas: “dormimos com os bichos” (C1); “comíamos só arroz e farinha, quando tinha” (C5); “nunca tinha dinheiro pra receber” (C2); C6 “éramos vigiados 24 horas” (C6);  “quase morro de tanto trabaiar” (C4). Para saírem dessas condições C1, C4 e C6 fugiram. C6 relata: “passei seis dias no mato, comendo raiz de árvore e bebendo água de brejo, até a polícia me achar”. Os demais foram resgatados após as denúncias recebidas pelo CDVDH/CB e encaminhadas para os órgãos competentes.
As agressões são comuns nas fazendas e carvoarias, principalmente quando os trabalhadores são pegos tentando fugir, assim servem de exemplo e amedrontam os demais. C6 conta que um colega, ao tentar fugir, foi baleado e surrado pelo Gato até desmaiar. Dias depois foi resgatado pela Polícia Federal. Essa realidade remete à repudia da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948), tratados nos artigos 4º e 5º, em seu posicionamento contra a escravidão e o tratamento desumano e, também, ao Código Penal (CP, art. 149), que caracteriza como crime o trabalho forçado e as condições degradantes.
Os aspectos a seguir exemplificam as atividades do CDVDH/CB e seu reflexo na vida dos colaboradores, analisando-se de acordo com as cinco liberdades propostas por Sen e sua classificação quanto ao “fim” e ao meio”, conforme o Quadro 2. Segundo Sen (2010, p. 25), “as políticas públicas visando ao aumento das capacidades humanas e das liberdades substantivas em geral podem funcionar por meio da promoção dessas liberdades distintas, mas inter-relacionadas”. O objetivo é perceber quais são contribuições para a promoção do desenvolvimento humano dos colaboradores.
4.1.1 Liberdades como meio

4.1.1.1 Garantias de Transparência

As garantias de transparência estão associadas às relações de confiança que os indivíduos estabelecem entre si, com as instituições e com o Estado. Quanto a isto, Sen (2010, p. 60) afirma que “referem-se à necessidade de sinceridade que as pessoas podem esperar: lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e clareza”.
Contudo, para que o trabalhador escravo procure o CDVDH/CB é necessário que seja ultrapassada a barreira da desconfiança  que foi instituída ao logo do período que fora escravizado. Os colaboradores relatam que, diante de fiscalizações, eram obrigados a mentir quanto ao regime de trabalho a que eram expostos, prolongando, assim, as condições de trabalho escravo à que eram submetidos e favorecendo aos interesses dos escravistas. Devido a isto, tornaram-se descrentes  em relação à atuação dos órgãos públicos.
A confiança em instituições estaria baseada no fato de os cidadãos compartilharem uma perspectiva comum relativa ao seu pertencimento à comunidade política, uma circunstância implícita na justificativa normativa das instituições. Por outro lado, isso ofereceria os fundamentos a partir dos quais os papéis desempenhados pelos responsáveis pelas instituições são estabelecidos. Nessas condições, os julgamentos dos cidadãos para decidir confiar em instituições referem-se à performance destas mas, ao mesmo tempo, tomam por base a avaliação da consistência e da coerência internas de suas normas, mais do que as avaliações estritas do comportamento individual dos seus gestores e administradores (MOISÉS, 2005, p. 42).

Os colaboradores relatam que, ao fugirem das fazendas ou carvoarias e pedirem ajuda na comunidade, são orientados a procurar o CDVDH/CB, o que demonstra que o apoio ofertado tem a credibilidade e o reconhecimento da sociedade.
            Diferentemente da confiança atribuída ao CDVDH/CB, tem-se o descrédito dos colaboradores quanto ao trabalho realizado pelos órgãos públicos que deveriam zelar pelo bem-estar da sociedade e garantir sua segurança protetora.  Em relação a isso, C3 argumenta que “na justiça daqui, quem manda é patrão, chegar cum dinheiro é que é o verdadeiro, aqui não, aqui vai pra frente, por que o CDVDH/CB acredita na verdade”. Mesmo sendo esses órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e punição dos escravistas, a confiança é creditada às ações de acompanhamento do CDVDH/CB. C3 ressalta ainda que, “ao ir na polícia, não deram atenção ao que eu dizia, as coisas só foram pra frente quando o CDVDH/CB denunciou o dono da carvoaria”.
            Observou-se que há transparência nas relações sociais entre o CDVDH/CB e os colaboradores o que garante respeito e possibilita o alcance e a expansão do conjunto capacitório, proporcionando liberdade para fazer escolhas. Neste sentido, além de ter sua denúncia recebida e encaminhada aos trâmites legais, o colaborador pode participar das diversas ações do CDVDH/CB, o que se  constata  via diferentes iniciativas do CDVDH/CB e que proporciona condições para,  evitar, ou reduzir, a  vulnerabilidade e novos aliciamentos.

4.1.1.2 Segurança Protetora

            A segurança protetora é realizada através de uma rede de segurança social na qual os indivíduos serão inseridos, para evitar que sejam acometidos por desigualdades sociais. Para Sen (2010) a segurança protetora é necessária para evitar que a população seja exposta a condições de miséria, fome e, em alguns casos, até à morte. Neste sentido, o apoio do CDVDH/CB busca evitar que pessoas em condições de vulnerabilidade sejam expostas a condições de trabalho escravo ou outra violação dos direitos humanos, bem como proporcionar às pessoas que já sofreram tais condições o que for necessário para que não voltem a sofrer tais abusos.
Nas falas dos colaboradores pode-se perceber o sentimento de proteção em relação ao apoio recebido. “Eles sempre m ajudam, tão sempre por aqui” (C6), “Eu gosto de sair da minha casa e ir pro Centro” (C1), “Fui resgatado e acolhido, pra mim eles são uma família” (C5), “Eles acreditam em quem fala a verdade” (C3) e “De hoje para frente o Centro sempre me acompanha e me alerta” (C4).
                Outros órgãos contribuem para esse apoio. C6 cita que “a Políça Federal vem direto na miã casa”. Devido às causas judiciais e trabalhistas movidas contra os escravistas, por vezes, os colaboradores sofrem ameaças contra a vida. O medo faz com que alguns colaboradores “desapareçam”, ou seja, mudem de cidade sem fazer contato. Neste caso o CDVDH/CB acolhe e encaminha a denúncia para as autoridades competentes, contudo não consegue realizar um apoio de forma contínua.
            Outro reflexo do medo é a desistência por parte dos colaboradores dos processos judiciais, evitando o enfrentamento contra os escravistas. C6 relata que, “nu dia da audiência fui ameaçado, mi perguntarum se minha carne era a prova de bala. Eu disse na cara dele: do jeito que a minha fura a sua fura também”. Segundo C6, ele fugiu com outros dois trabalhadores escravos, mas somente ele deu continuidade ao processo, os demais desistiram e voltaram para suas cidades sem receberem os direitos trabalhistas. O processo foi favorável ao colaborador e acompanhado até o término pelo CDVDH/CB.
Costa (2006) desenvolveu uma pesquisa com agricultores em Santo Cristo/RS e a vulnerabilidade social e econômica em períodos de seca, considerando para sua análise a Abordagem das Capacitações. A autora identificou que, quando não há uma rede de segurança protetora, seja ela por parte do Estado ou pelos movimentos socais, a qualidade de vida dos agricultores é prejudicada, pois eles se tornam mais vulneráveis nos períodos de seca. Em seu estudo Costa (2006, p. 101) considera que “a ajuda em si é um intitulamento 3, já o sentimento que ela é capaz de proporcionar, como proteção e melhoria da qualidade de vida, são funcionamentos segurança protetora”. Portanto, segundo Costa (2006) a segurança protetora por si só não proporciona o desenvolvimento humano, mas são meios fundamentais para que o indivíduo atinja este fim.    
As liberdades de garantia e transparência e de segurança protetora atuam como meio para o alcance de outras liberdades, pois permitem que o apoio desenvolvido pelo CDVDH/CB tenha credibilidade e auxílio da comunidade e dos órgãos públicos. Em virtude desse acompanhamento, os colaboradores têm a oportunidade de inter-relacionar as capacitações adquiridas, contribuindo para a melhoria das oportunidades sociais e as liberdades políticas. Conforme a realidade verificada, os informantes atribuem ao CDVDH/CB a capacidade de poder escolher e desfrutar de uma vida digna.

4.1.1.3 Facilidades Econômicas

As facilidades econômicas proporcionam aos indivíduos a possibilidade de usufruírem de bens e/ou serviços de consumo. Para Sen (2010) os intitulamentos econômicos dependerão dos recursos disponíveis para compra ou troca. Visto a situação de vida que os colaboradores encontravam-se nas fazendas ou carvoarias, evidencia-se a situação de limitação econômica, pois não possuíam renda nem tão pouco bens para troca. Toda renda do seu trabalho era remetida ao pagamento de dívidas e, mesmo assim, ao final do mês sempre estariam em débito com o escravista. C1 relata que “quando ia acertar nunca tinha lucro”.
            Esta compensação entre o trabalho e despesas realizada pelo escravista, deixando o trabalhador sem salário para receber, além de provocar uma privação econômica, vai contra a Lei nº 5.889/73 que institui as normas do trabalho rural. No seu artigo 9º prevê descontos provenientes de moradia e alimentação, porém, limita esses descontos em 20% e 25% respectivamente, nunca podendo alcançar os 100% dos ganhos do trabalhador, como é praticado nas fazendas e carvoarias da região (BRASIL, 1973).
            Segundo os colaboradores, a jornada diária de trabalho era de aproximadamente 12 horas, sem descanso apropriado. O artigo 5º, da lei em questão, reza que, em jornadas acima de seis horas deverá ser respeitado um intervalo para repouso e um intervalo mínimo de onze horas entre duas jornadas de trabalho. Além de descumprir o estabelecido em lei, elevadas jornadas de trabalho, segundo Delgado (2005), também constitui problema de saúde pública, pois compromete a saúde do trabalhador.  
Segundo os colaboradores, eles foram expostos a atividades perigosas e degradantes. C3 relata que “entrava nos fornos de carvão pegando fogo”  e C4 diz que: “roçava o mato sem proteção, limpava açudes, com o risco de ser mordido por uma cobra”, arriscavam suas vidas a todo momento. Essas situações colocavam em risco a saúde e a vida do colaborador, algo que além de proibido pelas legislações brasileiras é repugnado pela sociedade.
Quanto a isto, Sen (2010) ressalta a importância da valorização dos direitos humanos e desaprova o tratamento desumano, como o sofrido pelos colaboradores. Na concepção de Sen os direitos humanos não necessitariam de legislação para serem praticados e respeitados, pois a ideia de ter uma lei regulamentando algo pressupõe que antes da lei não seria necessário fazê-lo. Contudo, a legitimidade do tratamento igualitário deve ser natural, imediato e constante.
Na condição de escravos, os colaboradores eram privados da capacidade de obter liberdades e, consequentemente, de desfrutar do bem-estar. Sen (2010, p. 124) considera que “maiores capacidades para viver sua vida tenderiam, em geral, a aumentar o potencial de uma pessoa para ser mais produtiva e auferir renda mais elevada, […] ter melhor educação e serviços de saúde elevando diretamente a qualidade de vida”. Questionados sobre o que seria qualidade de vida os colaboradores caracterizaram como “liberdade” (C5)e “dignidade” (C1).
No tocante a qualidade de vida os colaboradores demonstram que os meios para o alcance desta seria, ter renda, um lar e estar no convívio da família, isto os torna livres, dignos e felizes.
Os colaboradores demonstram satisfação na conquista de funcionamentos, algo que o indivíduo considera valoroso ter ou fazer, neste sentido percebeu-se novos anseios pessoais entre os entrevistados. Sen (2010) afirma que a capacidade de utilização das liberdades impacta na formação de valores tanto econômicos quanto sociais. Quando trabalhadores escravos, suas expectativas eram limitadas, somente o trabalho e o sustento, contudo após serem acolhidos pelo CDVDH/CB e reinseridos na sociedade como agentes ativos, seus anseios são de qualificação profissional, melhores oportunidades de trabalho, casa própria, carro e lazer.
            O CDVDH/CB tem como estratégia de reinserção proporcionar para a pessoa oriunda da escravidão a qualificação e/ou integração em um dos polos produtivos coordenados pela CODIGMA. O objetivo é proporcionar para o colaborador “meios” de adquirirem, por meio do seu trabalho, renda suficiente para seu sustento, bem como competências técnicas para galgar oportunidades no mercado de trabalho.
Somente C1 trabalha no CDVDH/CB, em um polo produtivo da CODIGMA, os demais têm outra atividade profissional e as desempenham fora do ambiente do CDVDH/CB  (Quadro 4). C5 tinha a carteira assinada e durante a pesquisa de campo, em 2013, estava recebendo seguro desemprego, enquanto C3 e C6 são aposentados. Os demais trabalham em regime de diárias, com recebimento semanal, relatando ter ganhos entre R$ 1.000,00 e R$ 1.200,00 mês.
Segundo o IBGE (2010), o valor do rendimento nominal médio mensal per capita dos domicílios particulares permanentes da zona rural era de R$ 342,84, enquanto na zona urbana era de R$ 541, 39. Isto posto, percebe-se que os colaboradores obtêm remuneração acima do identificado como média individual na cidade. Contudo C1, que trabalha na CODIGMA e têm ganhos entre R$ 300,00 e R$ 400,00 mês, está abaixo da média.
C1 é a única mulher pesquisada. Sen (2010, p. 247) demonstra preocupação com “a condição de agente ativa das mulheres o que fica demonstrado quando afirma que “[…] tem-se urgência de retificar muitas desigualdades que arruínam o bem-estar das mulheres e as sujeitam a um tratamento desigual”. Conforme o estatuto do CDVDH/CB, não há qualquer tratamento desigual, seja por gênero, raça ou religião no CDVDH/CB. Contudo, no município de Açailândia/MA, segundo o IBGE (2010), há 27.191 homens economicamente ativos, enquanto são 16.533 mulheres economicamente ativas. Portanto, percebeu-se que as oportunidades para o gênero masculino são maiores.
Os colaboradores demonstram um desejo de aprender e estar em constante crescimento, galgando novas oportunidades econômicas. Relatam a importância das formações proporcionadas pelo CDVDH/CB, porém desejam participar de outros cursos como de pedreiro, motorista, pintor e outros. C4 diz que “ainda quero fazer outros cursos”, enquanto C5 está fazendo o curso de operador de máquinas pesadas, em uma escola profissionalizante.
Nota-se uma mudança no estilo de vida dos colaboradores, proveniente das facilidades econômicas conquistadas após serem assistidos pelo CDVDH/CB. O uso de telefones celulares, aquisição de meios de locomoção e outras conquistas. Contudo, as habilidades produtivas e a valorização dessas conquistas vão além dos aspectos econômicos, refletindo-se na qualidade de vida de cada colaborador.

4.1.2 Liberdades como fim

4.1.2.1 Oportunidades Sociais

O trabalho escravo configura-se como uma privação, privando o indivíduo a de fazer escolher e buscar o melhor emprego ou questionar melhores condições de trabalho, o que significa que suas oportunidades sociais e/ou econômicas são limitadas e até cerceadas. Sen (2010) dispõe sobre as oportunidades sociais como as facilidades de condução de uma vida melhor e saudável proporcionadas pela saúde, educação, economia, políticas públicas e outros.
            Identificou-se que dois dos colaboradores entrevistados não são alfabetizados 4, por falta de oportunidade ou pela compreensão que é mais necessário trabalhar que se educar. Sen (2010) considera o analfabetismo como uma barreira para as oportunidades sociais e as atividades econômicas. Pessoas com baixos níveis de educação são sujeitos a trabalhos que tendem a exigir como mais frequência a força braçal e sem lhes serem proporcionadas oportunidades de qualificação, o que faz com que essa condição se perpetue.
Os colaboradores relatam que são proporcionados diversos cursos no CDVDH/CB. C1 afirma: “hoje eu já aprendi de tudo”. Através de parcerias firmadas com Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), os colaboradores são qualificados em diversas áreas como: serigrafia, artesanato, produção de móveis planejados entre outros, para que possam ser inseridos no mercado de trabalho. Eles também demonstram a vontade e a necessidade de aprender, como demonstram seus relatos; C4: “eu tenho vontade de aprender muita coisa ainda”, C5: “quero crescer na minha profissão de motorista”.
            Além da educação, outra barreira que impacta no desenvolvimento humano e na capacidade de usufruir de uma vida melhor é a saúde. C2 relata problemas de saúde ocasionados pela exposição excessiva ao calor das carvoarias: “tenho que tomar remédios às vezes de tanta dor [...] parece que tá queimando tudo aqui dentro”. C3 é aposentado e sofre de problemas respiratórios, ocasionados pela exposição ao calor e a fumaça das carvoarias. Sua locomoção só se dá com auxílio da esposa. As condições a que ele foi exposto impossibilitaram-no de continuar a trabalhar, o que também o priva de outras capacitações. Segundo Macana (2008, p. 150) “as possibilidades que as pessoas têm em termos de saúde determinam o quanto elas podem exercer suas capacidades e liberdades para atingir outras realizações”.
            A esposa de C3 demonstra ter um papel crucial na família, pois é ela a responsável pela locomoção e pelos cuidados com a saúde do marido. Macana (2008) refere-se aos impactos familiares provocados por problemas de saúde, exemplificando que quando um indivíduo está doente ele prejudica as pessoas que estão a sua volta, que por vezes deixam de fazer algo que gostariam para cuidar desse indivíduo. No caso de C3, a esposa vive em função das suas necessidades, fato este percebido no momento da entrevista. A saúde de C3, além de ser uma privação  para  suas capacitações e liberdades, assim também o é para sua esposa.
            Sen (2010) explica que “embora as mulheres trabalhem muitas horas em casa todos os dias, esse trabalho não tem remuneração, sendo com frequência desconsiderado no cômputo das respectivas contribuições de mulheres e homens para a prosperidade conjunta da família” (SEN, 2010, p. 252). O autor considera a necessidade de combater essas desigualdades de gêneros.
Tanto no eixo Prevenção como no eixo Inserção o CDVDH/CB oportuniza qualificação, por entender que simplesmente o resgate não é suficiente para que o trabalhador esteja livre dos riscos de aliciamento. As causas que devem ser sanadas são a falta de qualificação, a incapacidade de gerar renda para o sustento e a conscientização quanto aos seus direitos.

4.1.2.2 Liberdades Políticas

A liberdade é o principal meio para o desenvolvimento humano, que consiste na eliminação de privações que limitam a capacidade de escolha e as oportunidades das pessoas (SEN, 2010). Cada liberdade tem o papel fundamental na construção no desenvolvimento e na promoção de outras liberdades, tendo o objetivo de contribuir na capacidade de viver livremente e fazer escolhas de acordo com seus desejos. Para tanto, considera-se liberdade política os direitos civis relacionados com a garantia de discussão, debate, crítica e oposição para a construção de valores e o exercício da democracia.
As liberdades políticas remetem à capacidade que o indivíduo tem de eleger seus governantes, fiscalizar e criticar as autoridades, além de poder se associar a entidades políticas e sociais. Contudo, para que o colaborador possa ser inserido na sociedade como cidadão e exerça suas obrigações e responsabilidades, ele precisa ter os documentos básicos.
Segundo Sen (2010, p. 31) “Como as liberdades políticas e civis são elementos constitutivos da liberdade humana, sua negação é, em si, uma deficiência”. O indivíduo que não possui todos os documentos de identificação, não existe para a sociedade, ele não pode participar dos programas sociais, não tem acesso à educação, não pode escolher seus representantes, não tem acesso a recursos financeiros, suas relações de trabalho não são regulamentadas, entre outras limitações, ficando alheio aos benefícios sociais.
A obtenção dos documentos pessoais condiciona a participação ativa em sociedade. É neste sentido que converge a pesquisa de Mattos (2011). A autora realizou uma análise seniana do Programa Bolsa Família e identificou que, dentre as estratégias de inclusão social do Governo Federal, uma delas foi a de proporcionar a confecção de documentos de identificação, visto que é rotineiro encontrar, em comunidades carentes atendidas por este programa social pessoas que não possuem estes documentos.
A realidade dos trabalhadores rurais não é distante da apresentada por Mattos. Alguns trabalhadores escravos ao chegarem ao CDVDH/CB não possuíam os documentos de identificação, sendo que, são estes que contribuem para o alcance de certas liberdades. C1 relata: “nunca precisei de documentos, sempre trabalhei na roça”. Trabalhar na roça era um elemento condicionante para que não tivesse uma vida social e política, contudo, como descrito, ter uma vida social e política não eram convicções e anseios desses colaboradores. As relações de trabalho na região são geralmente informais, sendo reflexo da ausência da documentação específica e contribuindo para a vulnerabilidade ao aliciamento e à prática da escravidão.
De acordo com Sen (2010), quando as pessoas são privadas de liberdades importantes para conduzirem suas vidas, sendo elas de ordem civil ou política, essas pessoas passam a ter uma vida social e política restrita, já que as liberdades interagem e influenciam umas às outras, condicionando-se mutuamente.
Ao verificar as idades dos colaboradores e a ausência da CTPS, conclui-se que as relações de trabalho ocorridas antes de serem aliciados, embora fossem remuneradas, não eram regulamentadas, além de serem atividades de curto prazo e com retribuições diárias ou semanais, denominadas na região de “empreitas5 ”.
O CDVDH/CB através do Projeto Cidadania, em parceria com órgãos públicos, que objetiva facilitar a obtenção de documentos, tanto para as vítimas de trabalho escravo quanto para a comunidade em geral, viabilizou a confecção de todos os documentos pessoais para os colaboradores, inclusive a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
De posse de todos os documentos pessoais, os colaboradores poderão obter crédito pessoal, filiar-se a sindicatos, associações e afins, votar, ter seus acordos de trabalhos regulamentados. Contudo, conforme Sen (2010, p. 126), “é perigoso ver a pobreza segundo a perspectiva limitada da privação da renda […] isto seria confundir os fins com os meios”, da mesma forma, não se pode concluir que de porte de tais documentos os colaboradores alcançaram a liberdade política, estes são meios para a expansão desta liberdade.
             A liberdade política é percebida na consciência dos colaboradores quanto aos direitos e deveres em uma relação de trabalho e enquanto cidadão, pois relataram que, para buscar melhores oportunidades de trabalho com carteira assinada, ainda necessitam de qualificação técnica, o que surgiu na fala de todos os informantes como um desejo. C5 ressalta: “após conhecer meus direitos trabalhistas já tive a carteira assinada e hoje recebo as parcelas do seguro desemprego”.
A liberdade política é um fim para o desenvolvimento humano dos colaboradores, ao passo que representa a inclusão em sociedade e a atuação como agentes ativos conhecedores dos seus direitos e deveres. Ainda, em relação à liberdade política, os colaboradores se mostraram participativos em entidades e grupos sociais. C1 e C5, após a libertação e o acolhimento no CDVDH/CB, ocupam cargos de liderança dentro dos movimentos religiosos que participam.
Todos são convidados a participar de discussões quanto às causas do trabalho escravo e amplitude das políticas públicas, ocorridas no CDVDH/CB. Os colaboradores apresentam desenvoltura e clareza ao falar sobre as condições que viveram, sobre a realidade que se encontram e são conhecedores dos direitos e deveres em sociedade.

5. Considerações Finais

            Uma concepção sobre desenvolvimento humano deve levar em contar elementos, como bem-estar, oportunidades de escolha, capacitações e liberdades.  Sob esta perspectiva, o desenvolvimento humano passa a ser mensurado através da expansão das liberdades e objetiva proporcionar condições para que os indivíduos desfrutem de uma vida saudável, longa e feliz
            Na Abordagem das Capacitações, que delimitou tal estudo, para alcançar as liberdades substantivas, devem ser removidas as privações, ou seja, os elementos que impedem as pessoas de terem oportunidades e consequentemente de determinarem a vida que pretendem levar. Sendo assim, este estudo tratou sobre o trabalho escravo como uma privação e o apoio desenvolvido pelo Centro de Defesa de Vida e dos Direitos Humanos Carmem Bascarán (CDVDH/CB) como um agente  capaz de tirar os trabalhadores escravos desta condição de trabalho e criar oportunidades para a promoção do desenvolvimento humano.
Somente a existência do CDVDH/CB não garante que haja promoção do desenvolvimento, contudo observou-se que o CDVDH/CB, por um lado, remove as situações que impedem as pessoas de gozarem de liberdades, e por um outro lado, via atividades que desenvolve, promove oportunidades para que haja a promoção do desenvolvimento humano.
A validade da sua atuação como um agente  promotor do desenvolvimento, constata-se através dos resultados identificados juntos aos colaboradores entrevistados. Para identificar quais as contribuições do CDVDH/CB junto   aos trabalhadores assistidos, foram utilizadas as cinco liberdades propostas por Sen na Abordagem das Capacitações, e classificadas quanto aos meios e aos fins. Vale ressaltar que a ONG não modelou previamente suas ações no enfoque multidimensional do desenvolvimento humano, nem na Abordagem das Capacitações. Contudo, apesar de suas ações serem limitadas e insuficientes, são contínuas e delimitadas pela  busca da independência econômica e social dos colaboradores e tem auxiliado na expansão das liberdades, na ampliação das oportunidades das pessoas que assiste e, até certo ponto, promove o empoderamento.
Após serem assistidos, os colaboradores apresentaram  confiança no CDVDH/CB e percebem uma rede de segurança protetora, atribuem  as melhorias da sua  vida ao apoio recebido  e continuam participando das suas atividades.
Referências
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BRASIL. Lei n. 5889, de 8 de junho de 1973. Dispões sobre as normas reguladoras do trabalho rural. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5889.htm>. Acesso em: 04 de março de 2014.

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SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

_____. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

1 Co-fundador da ONG Free the slaves e têm como principal obra Disposable People: New slavery in the gobal economy.

2 A capacidade de uma pessoa é uma noção derivada. Ela reflete as várias combinações de funcionamentos (ações e estados de existência) que ele ou ela podem alcançar. É preciso uma certa visão da vida como combinações de várias “ações e estados de existência” (KUKLYS e ROBEYNS, 2004, p. 4).

3 Segundo Sen (2000) os intitulamentos [entitlement] é aquilo que pode ser transformado em funcionamento, em seguida capacitações e consequentemente liberdades.

4 Segundo IBGE (2014, [on line] “analfabeta é a pessoa que não sabe ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece.

5 Acordos verbais para um trabalho de curto prazo, com fim específico. Serviços braçais no campo ou em construções.


Recibido: 20/01/2016 Aceptado: 31/03/2016 Publicado: Marzo de 2016

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