Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


PROGRAMA BOLSA VERDE NOS PROJETOS DE ASSENTAMENTOS INSERIDOS NO BIOMA PAMPA: QUANDO UMA POLÍTICA PÚBLICA NÃO ATINGE SEUS DESTINATÁRIOS - IMPACTOS E EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS

Autores e infomación del artículo

ROSA, Rosana Gomes da*

COSTA, José Ricardo Caetano**

Universidade Federal do Rio Grande, Brasil

rosana.rosa@gmail.com

Resumo: O Programa Bolsa Verde é política pública socioambiental regulamentada pela Lei nº 12.512/2011. Sua criação teve duplo objetivo: conciliar uma política pública de complementação de renda com o incentivo à conservação de ecossistemas. Para fazer jus ao Bolsa Verde prevê o artigo 4º da Lei nº 12.512/2011 que os beneficiários devem ser família em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação ambiental, inseridas – entre outras – em Projetos de Assentamento (PA’S) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra (artigo 3º, II). O Rio Grande do Sul é a única unidade federativa brasileira que não apresenta registro de beneficiários, em que pese a existência de 343 PA’s e contemple 100% do Bioma Pampa em seu território. Ainda assim, apesar da presença de população em extrema pobreza nos projetos de assentamentos do Estado e de sua inserção em áreas de significativo interesse ambiental – contemplada pelo Bioma Pampa – o Bolsa Verde não contempla nenhum beneficiário no Rio Grande do Sul. O objetivo do presente trabalho é analisar quais os impactos decorrentes da falha de uma política pública socioambiental, ao não atingir seu público alvo, e como seus efeitos estendem-se sobre a biodiversidade do Bioma Pampa. Para a análise proposta utilizar-se-á análise doutrinária e legislativa, visando definição e conceituação dos termos. Como técnica de pesquisa é utilizada a documentação indireta, com fontes secundárias e interpretação de preceitos normativos federais buscando definir a natureza, impactos e efeitos da ausência do Programa Bolsa Verde nos PA’s inseridos no Bioma Pampa.
Palavras-chave: Bioma Pampa, Bolsa Verde, Impactos Socioambientais, Políticas Públicas.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

ROSA, Rosana Gomes da y COSTA, José Ricardo Caetano (2016): “Programa bolsa verde nos projetos de assentamentos inseridos no Bioma Pampa: quando uma política pública não atinge seus destinatários - impactos e efeitos socioambientais”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/bolsa.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-bolsa


Introdução

O presente artigo visa aprofundar uma análise acerca do Programa de Apoio à Conservação Ambiental Bolsa Verde, enquanto instrumento de valoração socioambiental e das políticas públicas tanto de inclusão social quanto de preservação ambiental, em busca da consolidação do desenvolvimento sustentável. Em que pese o Programa Bolsa Verde tenha uma destinação para ampla categorização de beneficiários, o foco da pesquisa está centrado em Projetos de Assentamentos do INCRA no Estado do Rio Grande do Sul, e em especial aqueles situados dentro da área de abrangência do Bioma Pampa.
A pesquisa desenvolvida utiliza como técnica de pesquisa a documentação indireta, com fontes secundárias (documental e bibliográfica), e interpretação de preceitos normativos federais buscando definir a natureza do Programa Bolsa Verde entre a política de transferência de valores e o pagamento por serviços ambientais, bem como caracterizar a parcela brasileira do Bioma Pampa. Busca aplicar uma análise qualitativa e quantitativa na análise dos relatórios gerados tanto pelo INCRA pelo Relatório Consolidado do Programa Bolsa Verde 1, para avaliar a situação dos efeitos e impactos socioambientais vinculados aos assentados em área do Bioma Pampa, no Estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, é necessário compreender o significado, características e abrangência do Programa Bolsa Verde, em suas características enquanto política pública, tendo sido concebido como uma ferramenta importante para conciliar desenvolvimento econômico, inclusão social e preservação do meio ambiente.
Em seguida, buscar-se á estabelecer as peculiaridades dos Projetos de Assentamento (PA’S) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra no Rio Grande do Sul, com especial atenção àqueles que estão situados dentro da área que concentra o Bioma Pampa. O Rio Grande do Sul é a única unidade federativa brasileira que não apresenta registro de beneficiários do Programa Bolsa Verde, em que pese a existência de 343 PA’s e concentre 100% da parcela brasileira do Bioma Pampa em seu território.
Pretende-se demonstrar que a ausência de beneficiários do Programa Bolsa Verde no Estado do Rio Grande do Sul traz impactos e efeitos que possuem abrangência ambiental e social. A extensão temporal desses impactos e efeitos pode afetar definitivamente o Bioma Pampa e/ou a consolidação dos programas fundiários, situação em que sofre a área ambiental e sofrem os assentados, diante da ineficácia na destinação das políticas públicas socioambientais.
1 A INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA BOLSA VERDE
Tratar de políticas públicas socioambientais implica reconhecer o ambiente sujeito de direitos, de modo a romper com paradigmas tradicionais onde a concepção antropocêntrica somente enxerga a titularidade de direitos exclusiva da pessoa humana, dos indivíduos em si. Em decorrência, na discussão acerca dos direitos socioambientais deve-se entender a natureza como um núcleo referencial da realidade social (WOLKMER & WOLKMER, 2014), com a necessária ênfase biocêntrica ao ambiente, como “área silvestre” e superorganismo vivo, que deve ser protegido para fins de permitir a sobrevivência do homem, integrante daquele complexo organismo.
Assim, com a percepção de que quaisquer danos causados ao meio ambiente afetam diretamente à coletividade, fica evidente a necessidade de estabelecer políticas públicas que assegurem a sustentabilidade do ambienta na mesma medida em que tragam possibilidade e qualidade de vida aos cidadãos. Em decorrência, ressaltam Wolkmer & Wolkmer (2014) que deve haver uma redefinição de sociedade sustentável, para que sejam erradicada as formas produtivas de extrativismo e de visões mecanicistas de crescimento econômico. Deve-se, portanto, privilegiar a capacidade de afastar a biodiversidade das ameaças globais, em busca da conscientização para a construção de uma sociedade que seja parte da natureza e que conviva harmonicamente com ela.
É exatamente nesse contesto de erradicação de formas produtivas e visão mecanicista aliada à ideia de crescimento exponencial da produtividade agropecuária e do uso do solo em geral que se insere o Programa Bolsa Verde. Sua concepção parte da premissa de que as políticas públicas devem constituir diretrizes elaboradas para enfrentar os mais diversos problemas públicos (SECCHI, 2013).
Em assim sendo, o Programa Bolsa Verde constitui um exemplo de política pública socioambiental justamente por contemplar entre seus objetivos aspectos sociais e ambientais: incentivo à conservação dos ecossistemas (manutenção e uso sustentável); promoção da cidadania e melhoria das condições de vida; elevação da renda da população em situação de extrema pobreza, que exerça atividades de conservação dos recursos naturais no meio rural; desenvolvimento de ações de capacitação ambiental, social, técnica e profissional aos beneficiários (MMA, 2015).
Devido ao fato de ser elaborado e estabelecido pelo Governo Federal, o Bolsa Verde é caraterizado como política pública governamental (SECCHI, 2013). Desde sua criação essa dualidade entre social e ambiental ficou clara Programa Bolsa Verde, visto que até mesmo na página institucional que o define há expressa referência ao fato de que constitui um “Programa de Apoio à Conservação Ambiental” e que se trata de um “novo benefício, parte do Programa Brasil Sem Miséria” (MMA, 2015).
Ao realizar uma análise envolvendo o Bolsa Verde, como uma política pública de caráter socioambiental, é necessário considerar que a questão ambiental surge “como sintoma de uma crise de civilização” (LEFF, 2000. p. 302). Daí a necessidade de elaboração e execução de políticas públicas com a integração de saberes interdisciplinares e com governança transetorial, tal como foi a formulação do Bolsa Verde em suas bases.
Sua instituição como política pública socioambiental ocorreu através da edição da Medida Provisória nº 535, de 2 de junho de 2011 (MP nº 535/2011), sendo regulamentada pelo Decreto nº 7.572 de 28 de setembro de 2011. Em outubro do mesmo ano a MP nº 535/2011 foi convertida em lei, através da publicação e entrada em vigor na mesma data, da Lei nº 12.512/2011. Em sua origem jurídica o Programa Bolsa Verde constitui uma política pública de transferência de renda, visto que atribui “uma transferência monetária a indivíduos ou a famílias” (Silva; Yazbek; Di Giovanni; 2004). No entanto, possui finalidade alargada, uma vez que dispõe que a transferência de renda se dá mediante componente compensatório relacionado ao ambiente como elemento estruturante.
Assim, o Programa Bolsa Verde também pode ser considerado pagamento por serviços ambientais (PSA), nos termos da Lei nº 12.651/2012) que prevê o “Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente” (Capítulo X). Referida Lei determinas em seu artigo 41 que o governo Federal está autorizado a “instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente”, e inclui no inciso I o “pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais”.
                   
2 REQUISITOS PARA INCLUSÃO NO PROGRAMA BOLSA VERDE E ESTATÍSTICAS DE BENEFICIÁRIOS
Em sua origem (MP nº 535/2011 convertida na Lei nº 12.512/2011) o Bolsa Verde foi definido como “Programa de Apoio à Conservação Ambiental”, de modo que os beneficiários inscritos recebem trimestralmente o valor de R$ 300,00 (trezentos reais), durante o período de dois anos, podendo ser prorrogado. A família beneficiada tem, como contrapartida, a obrigação de contribuir para a conservação ambiental, e aderir ao Programa por meio da assinatura de Termo de Adesão, no qual serão especificadas as atividades de conservação a serem desenvolvidas.
No artigo 1º, incisos I, II e III da Lei 12.512/2011, estão previstos seus objetivos: incentivar a conservação dos ecossistemas, entendida como sua manutenção e uso sustentável (I); promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda da população em situação de extrema pobreza que exerça atividades de conservação dos recursos naturais no meio rural, nas áreas definidas no art. 3º (II); e incentivar a participação de seus beneficiários em ações de capacitação ambiental, social, educacional, técnica e profissional (III). 
Pela determinação contida no citado artigo 3º, “poderão ser beneficiárias do Programa de Apoio à Conservação Ambiental as famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação nas seguintes áreas”: Florestas Nacionais (FLONAS), Reservas Extrativistas Federais (RESEX) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável Federais (RDS); Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Projetos de Assentamento (PA’S) florestal ou agroextrativista, instituídos pelo INCRA; territórios ocupados por ribeirinhos, extrativistas, populações indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais; e outras áreas rurais definidas como prioritárias por ato do Poder Executivo.
Para a inclusão no programa, as famílias beneficiárias devem preencher os requisitos previstos no artigo 4º da Lei nº 12.512/2011, atendendo às seguintes condições: encontrar-se em situação de extrema pobreza; estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal; e desenvolver atividades de conservação nas áreas previstas no art. 3º. Ao dispor a cumulatividade de critérios, o legislador determina que a família beneficiária deve, simultaneamente, estar inserida nas áreas determinadas e preservar o ambiente em que vive e trabalha, além de estar em extrema pobreza – para tanto considerada a renda per capita de R$ 77,00 (setenta e sete reais), instituída no parágrafo único do art. 2o do Decreto no 7.492/2011 (Plano Brasil Sem Miséria). Atualmente, de acordo com o Relatório Consolidado do Bolsa Verde2 estão cadastrados 73.323 beneficiários, assim distribuídos entre as Unidades da Federação (Figura 1):
É possível verificar que o Estado do Rio Grande do Sul é a única Unidade da Federação que não registra qualquer família beneficiária junto ao Programa Bolsa Verde, em que pese a existência de famílias que preencham os requisitos legais, conforme restará demonstrado.
Ademais, para fins de situar a presente pesquisa nos Projetos de Assentamentos do INCRA, tal como acima delimitado, importante realizar outra análise: os beneficiários são cadastrados no relatório consolidado de acordo com o órgão de vinculação, ou seja: aqueles cadastrados em áreas previstas artigo 3º, inciso I (unidades de conservação) ficam vinculados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; os ocupantes de Projetos de Assentamentos (artigo 3º, inciso II) ficam vinculados ao INCRA; e os ribeirinhos, extrativistas, populações indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais (artigo 3º, inciso III) estão vinculados à Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Verifica-se, portanto, que dos 73.323 beneficiários em todo o Brasil, 59% estão vinculados ao INCRA, o que resta demonstrado na Figura 2:
É expressivo constatar que o INCRA é responsável por quase dois terços dos benefícios Bolsa Verde concedidos, mormente porque referido índice está diretamente relacionado às áreas de reforma agrária e – portanto – exploração agroextrativista do ambiente em Projetos de Assentamentos (PA’s). A situação socioambiental e a urgência da presença do Programa Bolsa Verde resta ainda mais evidenciada quando analisados os Projetos de Assentamentos existentes em um bioma como o Pampa, com área brasileira localizada unicamente no Estado do Rio Grande do Sul, conforme debatido nos itens 3 e 4 abaixo.

3 CARACTERÍSTICAS E IMPORTÂNCIA DO BIOMA PAMPA
Inicialmente importa caracterizar e situar a importância e a abrangência de um bioma como o pampa. Um bioma é constituído pelo “agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma diversidade biológica própria” (DIEESE/DA, 2011).
No Brasil são encontrados seis biomas (Pantanal, Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e o Pampa), que distribuem-se entre os 26 Estados brasileiros e o Distrito Federal. Dos seis biomas existentes no Brasil, o Pampa é o único que se encontra em somente uma Unidade da Federação, no Estado do Rio Grande do Sul. Ou seja: embora o Pampa estenda-se ainda por Uruguai (20%), Argentina (58%) e Paraguai (4%), e a parcela brasileira do Pampa equivale a 18% do total do bioma existente na América do Sul, é importante considerar que 100% do Pampa existente no Brasil encontra-se única e exclusivamente no Rio Grande do Sul (Alianza del Pastizal, 2015), o que resta demonstrado na Figura 3:
A característica principal do Pampa está em apresentar predomínio dos campos nativos, com extensas regiões de planícies, relevo suave, altimetrias que não ultrapassam  200m entre tabuleiros e coxilhas. Ocupa 63% do território do Rio Grande do Sul, uma área de 176.496 km² (IBGE, 2004), o que equivale a 2,07% do território brasileiro, sendo o restante área da Mata Atlântica. Tradicionalmente, o Pampa tem servido ao convívio com a cultura humana há mais de 300 anos para o exercício de atividades ligadas em grande parte à produção pecuária (SUERTEGARAY E SILVA, 2009). Segundo dados do PROBIO 3 (MMA, 2007) a perda da vegetação nativa do pampa supera 49% e as áreas campestres ou florestais sem qualquer intervenção antrópica estão reduzidas a 11,7%. Até mesmo unidades de conservação como a Reserva Biológica do Ibirapuitã e o Parque Estadual do Espinilho apresentam impactos decorrentes de ação antrópica, tendo como causa principal a pecuária.
Verifica-se, portanto, que a pecuária é reconhecidamente um fator de degradação do bioma pampa. Na definição dada por Sánchez (2008) essa degradação ambiental pode ser definida como “qualquer alteração adversa dos processos, funções ou componentes ambientais, ou alteração adversa da qualidade ambiental”. Sendo assim, ainda que não houvesse qualquer atividade agroextrativista no local, servindo somente como moradia às comunidades locais, seria impossível a inexistência de degradação.
Importante ressaltar, diante da informação de que somente está preservada 11,7% da área brasileira do Bioma Pampa, que o Brasil assumiu compromisso de aumentar suas áreas protegidas quando aderiu às Metas Globais de Biodiversidade – Metas de Aichi 4 (CDB, 2010). Assim, ao elaborar suas meta nacionais (CONABIO, 2013), o Brasil comprometeu-se em:
META NACIONAL 11. Até 2020, serão conservadas, por meio de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC e outras categorias de áreas oficialmente protegidas, como APPs, reservas legais e terras indígenas com vegetação nativa, pelo menos 30% da Amazônia, 17% de cada um dos demais biomas terrestres e 10% de áreas marinhas e costeiras, principalmente áreas de especial importância para biodiversidade e serviços ecossistêmicos, assegurada e respeitada a demarcação, regularização e gestão efetiva e equitativa, visando garantir a interligação, integração e representação ecológica em paisagens terrestres e marinhas mais amplas. (Resolução CONABIO nº 6/2013). [grifamos]

 Daí a importância de estimular políticas públicas de cunho socioambiental no Estado do Rio Grande do Sul. Embora seja reconhecido que não há como afastar a necessidade de utilização do Bioma Pampa para a produção agroextrativista, é preciso estimular sua preservação e exploração sustentável, medidas que constituem objetivos precípuo do Programa Bolsa Verde e atendem às metas assumidas pelo Brasil para a conservação da biodiversidade.

4 OS PROJETOS DE ASSENTAMENTO NO BIOMA PAMPA: IMPACTOS E EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS
Os projetos de assentamento são registrados junto ao INCRA, sendo este o órgão responsável por implementar políticas de apoio técnico e social para a distribuição de renda e regulamentação do extrativismos nas áreas. Assim, o INCRA define três rotas de articulação de políticas públicas: Rota Brasil Sem Miséria, para superar a pobreza nos assentamentos priorizados, garantindo renda, habitação, infraestrutura (estradas, água e luz), Atendimento Técnico (ATES) e fomento (MDS); Rota Assentamentos Verdes, para promover a recuperação ambiental e combater o desmatamento, associado a geração sustentável de renda nos assentamentos, regularização fundiária e ambiental; e a Rota Estruturação Produtiva, para promover organização e agregação de valor na produção, estimulando a comercialização e a ampliação de renda produtiva. (MDA, 2014).
No Estado do Rio Grande do Sul existem atualmente 343 projetos de assentamentos, que abrigam 12.522 famílias, de acordo com o Painel dos Assentamentos (INCRA, 2015). Essas famílias estão divididas entre as rotas de políticas públicas forma demonstrada na Figura 4:
Uma vez que inexistente beneficiário ao Programa Bolsa Verde cadastrado no Estado, resta justificada a ausência de famílias e assentamentos contemplados pela Rota Assentamentos Verdes. No entanto, no Painel dos Assentamentos é possível ainda obter a informação de que do total de famílias que vivem atualmente5 em PA’s do Rio Grande do Sul (12.522), cerca 71,30% das famílias já estão inscritas no CADúnico, e destas inscritas mais de 51,64% já recebem o Bolsa Família. Entre as famílias que recebem o Bolsa família, mais de 83,52% famílias estão inseridas  no conceito de extrema pobreza (renda per capita menor que R$ 77,00), o que resta representado graficamente na Figura 5:
Ou seja, dos dados disponíveis no Painel dos Assentamentos, verifica-se que com base unicamente no critério social, ao menos 3.805 famílias, equivalente  30,38% das famílias assentadas no Rio Grande do Sul, fariam jus atualmente ao benefício previsto pelo Programa Bolsa Verde. Considerando a cumulatividade entre a necessidade de inscrição no CADúnico e extrema pobreza a vinculação à projetos de assentamentos, então igualmente 30,38% dos assentados do Rio Grande do sul estariam aptos a receber o benefício, de modo que satisfeitos todos os requisitos sociais. Em termos ambientais, igualmente os assentados gaúchos merecem ser inseridos no programa, o que indica o cumprimento de ao menos três critérios e objetivos de políticas públicas atuais: a preservação do ambiente, a complementação da renda, e a possibilidade de atendimento à meta de ampliar a proteção ao bioma pampa.
A Figura 6 demonstra a relação entre a área do Bioma Pampa no Rio Grande do Sul e os pontos-base dos Projetos de Assentamentos existentes em cada local. Sinale-se que por se tratar do ponto-base, a localização das áreas de cada família assentada gera um raio de ocupação que vai bastante além daquela marcação inicial:
É possível verificar ainda que, no período de 2002 a 2010 houve uma expansão significativa dessa ocupação, quando comparado às ocupações existentes desde 1970 até o ano de 2001, conforme demonstrado nas Figuras 7 e 8. Referidas ocupações foram devidamente regulamentadas pelo INCRA, o que certamente ocasiona uma sobrecarga ao bioma pampa, e gera a necessidade de que juntamente com o assentamento deve haver um acompanhamento técnico para direcionar as atividades agroextrativistas à efetiva sustentabilidade do pampa.  

Ademais, importante considerar que dos PA’s existentes no Rio Grande Sul (343), ao menos 21% (73) deles estão inseridos dentre os municípios que mais desmataram o bioma pampa no período 2008-2009 (MMA, 2011), e em todos eles há famílias que estão em condições em extrema pobreza e – portanto – totalmente aptas a integrar o programa Bolsa Verde.
Fica clara a dualidade socioambiental do Programa Bolsa Verde enquanto política publica tanto de preservação ambiental como de efetiva complementação de renda. Neste ponto, importante ressaltar que “a problemática ambiental gerou mudanças globais em sistemas socioambientais complexos que afetam as condições de sustentabilidade do planeta” (LEFF, 2002). Sendo assim, não há alternativa que não internalizar bases ecológicas e sociais de modo a possibilitar a gestão democrática dos recursos ambientais.
A coexistência entre a sociedade e sua atividade agroextrativista e o bioma pampa é secular, a atividade pecuária na região é referência econômica para o estado do Rio Grande do Sul. No entanto ao tratar da limitação da exploração de um bioma é importante considerar que existe uma capacidade de suporte ao ambiente. Da mesma forma, aos assentados existe uma necessidade de sobrevivência social e econômica, em um ciclo, onde qualquer impacto sobre o bioma certamente levará à efeitos diretos sobre a produção agroextrativista exercida na região. Estimular a preservação do ambiente mediante o compromisso em exercer atividades de conservação, com a contrapartida de receber o benefício do Bolsa Verde parece ser a melhor forma de conciliar a conscientização para a sustentabilidade e a complementação de renda.

CONCLUSÃO
De acordo com informações de Martins e Wink Junior (2014), a população extremamente pobre representa 2,1% do total de residentes no Estado do Rio Grande do Sul. Em termos ambientais o Estado é responsável por abrigar 100% do Bioma Pampa. Assim, embora o Programa Bolsa Verde constitua um paradigma para as políticas públicas socioambientais, é importante o estudo e o debate acerca da dualidade gerada entre esses mesmos pontos: social e ambiental, para verificar possibilidades que justifiquem a inexistência de Bolsa Verde no Estado do Rio Grande do Sul.
O que se verifica dos dados coletados junto aos órgãos oficiais (MMA, INCRA, IBGE) é que o Rio Grande do Sul apresenta famílias em condições a integrar o Bolsa Verde, bem como que a inexistência de beneficiados não pode ser justificada com os requisitos da Lei nº 12.512/2011. Em que pese a lei seja destinada à famílias em situação de extrema pobreza residentes em FLONAS, RESEX, RDS e PA’s, é a situação dos Projetos de Assentamentos que chama maior atenção no Rio grande do Sul.
Ao demonstrar que cerca de 21% dos PA’s existentes no Rio Grande do Sul estão situados nos 20 municípios com maior índice de desmatamento do bioma Pampa, e que em cada um desses assentamentos existe pelo menos uma família com renda inferior a R$ 77,00 per capita, resta evidenciado o impacto socioambiental e a dualidade socioambiental na inexistência de beneficiários do programa no Rio Grande do Sul. As constatações apontadas implicam o reconhecimento de que as famílias que preenchem os requisitos para receber o benefício se encontram hoje em situação tanto de exclusão social, quanto de efetiva exclusão ambiental, forçando o reconhecimento de inexistência de justiça socioambiental, com impactos negativos tanto para a sociedade quanto diretamente para o meio ambiente.
Então o que falta para a implementação do Programa Bolsa Verde no Estado do Rio Grande do Sul? Ao que parece falta organização no sentido de introduzir um acompanhamento técnico para elaboração de planos de gestão das áreas. Mas acima de tudo parece faltar informação às comunidades acerca desse importante direito, de onde – espera-se – trabalhos como o presente possa servir para a divulgação da importância do Programa Bolsa Verde como legítima política pública socioambiental, e como uma fonte para instigar a busca pela concretização desse direito de sobrevivência às pessoas e de efetiva proteção ao ambiente. 

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* Mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande, rosana.rosa@gmail.com.

** Doutor em Serviço Social, Professor do Programa de Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande, jrcc.pel@gmail.com.

1 Disponível em <http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/bolsa-verde>.

2 Dados atualizados até setembro de 2015. Disponível em <http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/bolsa-verde/item/9141>. Acesso em 30 de setembro de 2015.

3 Projeto Nacional de Ações Integradas Público-Privadas para Biodiversidade - PROBIO

4 Referem ao Plano Estratégico de Biodiversidade 2011–2020, elaborado durante a 10ª reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, organizada pelo Governo do Japão em 2010.

5 Dados contabilizados até outubro de 2015.


Recibido: 20/03/2016 Aceptado:30/03/2016 Publicado: Marzo de 2016

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