Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


PROPRIEDADE PRIVADA E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Autores e infomación del artículo

Carlos Henrique Eyng

Lissandra Espinosa de Mello Aguirre

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

carloseyng@gmail.com

RESUMO:
A propriedade privada será tratada diante da perspectiva da função social. O direito de propriedade é resguardado pelo artigo 5º da Constituição Federal Brasileira como direito fundamental. Além disso, ele é previsto por inúmeros artigos ao longo do texto do Código Civil de 2002. Entretanto, a Constituição Federal Brasileira também prevê no artigo 5º, que a propriedade atenderá a sua função social. Sendo assim, o presente artigo descreve os aspectos históricos evolutivos tanto do direito de propriedade como da função social, bem como, ressalta a sua importância para a coabitação e para a sociedade e sua aplicabilidade nos dias atuais.
Palavras-chave: Direito Civil, Direito Constitucional, Direitos de patrimônio, Direito fundamental de Propriedade, Função Social da propriedade, Aspectos sociais do direito civil.

PRIVATE PROPERTY AND SOCIAL ROLE OF PROPERTY

ABSTRACT:
This article aims to explain the private property, its concept, its historical evolution, as well, its social role. The right of private property it’s guaranteed by the article 5 of the Brazilian Federal Constitution as a fundamental right. Furthermore, the right of private property is foreseen in countless articles in the Brazilian current Civil Code. However, the Brazilian Federal Constitution also foresaw in article 5º, that the private property will satisfy its social role. Therefore, the present article describes the historical and evolutional aspects of private property and of social role, as well, rebound the magnitude of the social role of the property for the cohabitation and society and its applicability nowadays.
Key-words: Civil Law, Constitucional Law, Patrimony rights, Fundamental right of private property, Social role of private property, Social aspects of civil law.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Carlos Henrique Eyng y Lissandra Espinosa de Mello Aguirre (2015): “Propriedade privada e função social da propriedade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 30 (octubre-diciembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/04/propiedade.html


Introdução

Através da Constituição Federal Brasileira de 1988 é garantido o direito de propriedade e fica imbuída a propriedade de cumprir a sua função social. Sendo assim, o presente trabalho se propõe a esclarecer os aspectos históricos e conceituais dos temas e correlaciona-los, visando explicar a importância da função social para o convívio harmonizado entre os indivíduos.
A propriedade ao longo da história sofreu inúmeras modificações em seu conceito e em sua utilização. Passando pelo conceito romano, pelo conceito medieval e então pelo liberalismo.  A propriedade mais comumente conhecida é a capitalista, qual seja, a propriedade que pertence a um indivíduo que pode se opor contra qualquer tentativa de limitação, restrição ou outro cerceamento da plenitude de seu direito de propriedade por parte de outros indivíduos e do estado.
Entretanto, hodiernamente há uma convergência para a constitucionalização dos direitos e, portanto, do direito civil e patrimonial. Além disso, há também uma busca da solidariedade como objetivo do estado. Nesse sentido, procura-se a melhor forma de viver em sociedade de maneira harmônica e respeitando cada uma das individualidades, sendo dever do estado dar as diretrizes e dos indivíduos cumprir seu dever ante a sociedade.
Para isso, não há que se falar em socialização do direito de propriedade e, sim, funcionalização. A função social apareceu pela primeira vez e na Constituição Federal Brasileira em 1934, com um significado vago e quase nenhuma aplicabilidade. Com as transformações culturais e sociais a noção de função social também sofreu mudanças e a partir da Constituição Federal de 1967 ganhou status de princípio, previsto pelo artigo 5º, XXIII.
A previsão do princípio na Constituição Federal Brasileira de 1967 já tinha contornos do entendimento atual a respeito da Função Social. Entretanto, não há como negar que a Constituição Federal Brasileira de 1988 – Constituição Cidadã – trouxe maior aplicabilidade a esse princípio.
Durante muito tempo, o princípio da Função Social, foi entendido como um limitador do direito de propriedade, tendo em vista ser a função social uma finalidade social imposta a um direito patrimonial extremamente individual que antes era tido como pleno.
Por isso, inúmeros debates acerca do tema foram suscitados, e sendo assim, esse trabalho tem como objetivo explicar possíveis pontos controversos sobre o assunto.
            Além disso, o presente trabalho tem como objetivo principal destacar o histórico da propriedade e da função social da propriedade, bem como sua importância para a convivência em sociedade de maneira harmônica.
            A metodologia usada para a produção do presente artigo foi a pesquisa bibliográfica, analisando os momentos históricos da propriedade e da função social de maneira cronológica, bem como destacando a importância da função social da propriedade para a convivência em sociedade.

Conceito e determinação de Propriedade

O direito de propriedade está positivado na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, XXII, de onde se extrai que “é garantido o direito de propriedade”, bem como no código civil, ao longo de todo o corpo do texto são previstas as situações jurídicas relacionadas a propriedade.
Para Washington de Barros Monteiro (2012), a propriedade é o mais importante entre os direitos subjetivos, é o centro do direito das coisas e a sua melhor conceituação é feita da seguinte maneira:

Sua conceituação pode ser feita à luz de três critérios: o sintético, o analítico e o descritivo. Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei. (GOMES, 2012 p. 103)

Cabe ainda ressaltar que nenhum dos três critérios é suficiente de maneira isolada. É preciso a análise conjunta, para obter o conceito exato. Igualmente, deve-se destacar que o direito de propriedade é um direito absoluto ao proporcionar para o titular o poder de optar por usar a coisa, abandoná-la, destruí-la e aliená-la. (GOMES, 2012 p. 105).
Em outro sentido, para Flávio Tartuce e José Fernando Simão, a conceituação mais moderna de propriedade refletida na Constituição e no Código Civil de 2002 é:

A propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1228). (TARTUCE; SIMÃO, 2012 p. 102)

Cabe realçar que os autores afirmam o direito de propriedade como direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988 e que destacam a necessidade de ser preservada a função social.
De mesma importância é o ressalto de que o Código Civil de 2002 não trouxe o conceito de propriedade, haja vista sua difícil determinação. Por tal fato, preferiu expor seu conteúdo, faculdades e direitos
São as faculdades do artigo 1.228 do Código Civil: usar, gozar e dispor da coisa, e os direitos são reaver a coisa do poder de quem injustamente a detenha ou a possua. Então, verifica-se que ao titular cabe o poder de usar ou optar pela destinação da coisa. Cabe ainda explicar pormenorizadamente as faculdades e o direito da propriedade.
A primeira faculdade é a de gozar ou fruir da coisa, ou seja, é a faculdade que o proprietário possui de retirar os frutos provenientes da coisa. A segunda faculdade é a de usar a coisa, pode o proprietário usar a coisa desde que respeitado o ordenamento jurídico (Direito de vizinhança, Estatuto da Cidade, etc.). A terceira faculdade é de dispor da coisa, que pode se dar de forma onerosa ou gratuita através de contratos de compra e venda, doação, testamento e etc. (TARTUCE; SIMÃO, 2012 p. 103)
Além das três faculdades da propriedade existe o direito de reivindicar a coisa contra quem injustamente a possua ou detenha, previsto no artigo 1.228, caput, do Código Civil de 2002, direito que deve ser exercido por meio de demanda judicial fundado na propriedade. (TARTUCE; SIMÃO, 2012 p. 103)
Cabe ainda verificar a etimologia da palavra propriedade. Nesse sentido, há duas possibilidades. A palavra propriedade pode vir do sentido de proprietas, derivado de proprius (o que pertence a uma pessoa). Ou então, o vocábulo propriedade vem de domare, que significa “domar”.

 

Aspecto histórico-evolutivo do Direito de Propriedade

Sabe-se que em seu aspecto histórico-evolutivo, o direito de propriedade teve variações em seu conceito e, por consequência, variações nas prerrogativas do titular do direito de propriedade e, portanto, na utilização da própria propriedade. Nesse sentido, a doutrina apresenta a sequência histórica:

1º) propriedade individual sobre os objetos necessários à existência de cada um; 2º) propriedade individual sobre os bens de uso particular, suscetíveis de ser trocados com outras pessoas; 3º) propriedade dos meios de trabalho e de produção; e 4º) propriedade individual nos moldes capitalistas, ou seja, seu dono pode explorá-la de modo absoluto (DINIZ, 2013 p. 125)

Nesse sentido, nos utilizamos dos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira para explicar o conceito de propriedade no direito romano:

A raiz histórica do nosso instituto da propriedade vai se prender no Direito romano, onde foi ele individual desde os primeiros momentos. Dotada de certo caráter místico nos primeiros momentos. Mescladas de determinações políticas. (PEREIRA, 2014 p. 81)

Após esse conceito de propriedade individualista, tem-se o conceito e propriedade medieval que mostra uma concorrência de proprietários. Um deles concede o direito de propriedade e o outro, apesar de pagar por esse direito, tem o domínio útil perpétuo.

Sobre o mesmo bem, há concorrência de proprietários. A dissociação revela-se através do binômio domínio eminente + domínio útil. O titular do primeiro concede o direito de utilização econômica do bem e recebe, em troca, serviços ou rendas. Quem tem o domínio útil perpetuamente, embora suporte encargos, possui, em verdade, uma propriedade paralela. (GOMES, 2012 p. 111)

No mesmo sentido, deve ser explicado que, a priori, os feudos eram concedidos como usufruto condicional para os beneficiários em sistema de troca de serviços de natureza laboral ou militar. Depois, a propriedade sobre o feudo era perpétua e transmitida somente aos filhos de sexo masculino.
Já no Brasil, insta salientar, que a princípio a propriedade privada existia com peculiaridades de uma propriedade comunitária, ou seja, os indígenas do país viviam sob uma regra de propriedade comum entre os coabitantes de uma mesma oca, com exceção a alguns objetos móveis. (DINIZ, 2013 p. 125)
Além disso, o conceito de propriedade capitalista que durante os últimos três séculos se firmou, resgatou o conceito de propriedade individual, concedendo ao proprietário poderes exagerados sobre uma propriedade que para ele é absoluta.

No regime capitalista, o conceito unitário da propriedade é restaurado e os poderes que ela confere são exagerados, a princípio, exaltando-se a concepção individualista. Ao seu exercício não se antepõe restrições, senão raras, e o direito do proprietário é elevado à condição de direito natural, em pé de igualdade com as liberdades fundamentais. (GOMES 2012 p. 111)

            No mesmo sentido é o entendimento de Arnaldo Rizzardo sobre o período pós Revolução Industrial e o advento do liberalismo.

Com a Revolução Industrial, propagou-se o liberalismo econômico, no sentido de afastar qualquer intervenção do Estado nas atividades privadas, que é sempre prejudicial no domínio econômico, pois não obterá bons resultados na administração da economia, diversamente do que acontece com as empresas e pessoas dedicadas às atividades privadas. (RIZZARDO, 2009 p. 175)

No entanto nos dias de hoje, há uma conceituação diferenciada dessa concepção individualista e absoluta do proprietário sobre a propriedade. Nesse momento histórico-social, o proprietário tem dever e restrição sobre a sua propriedade e não mais um poder total sobre ela.
Conforme destaca Dantas (2012 p. 352) “é imperioso ressaltar que o direito de propriedade não é absoluto, uma vez que o texto constitucional também determina que a propriedade atenda a sua função social.
O absolutismo no exercício da propriedade sofreu a intervenção de ideias que progressivamente construíram a doutrina da denominada função social da propriedade. (FACHIN,1988 p. 17)
Deve ser ressaltada a exegese observada a Constituição Federal:

O Conteúdo da propriedade, contemporaneamente, não pode ser extraído apenas pelo Código Civil, exigindo uma investigação a partir da Constituição Federal. (GOMES, 2012 p. 108)

Consoante com o último excerto, necessário se faz destacar o regime jurídico do direito de propriedade antes de adentrarmos no tópico da função social.  Nesse sentido, o Direito Civil é normalmente concebido como detentor do direito de propriedade.
Contudo, hodiernamente, pós Constituição Federal de 1988, há uma mobilização para a constitucionalização de todas as normas de direito. Nesse sentido, a constitucionalização do direito civil foi bem recepcionada pelas doutrinas e jurisprudências mais recentes (BARROSO, 2006 p. 35).
 Sendo assim, a perspectiva de que direito de propriedade é um direito pertencente exclusivamente ao direito civil é um engano, nesse sentido:

Essa é uma perspectiva dominada pela atmosfera civilista, que não leva em conta as profundas transformações impostas às relações de propriedade privada, sujeita, hoje, à estreita disciplina de Direito Público, que tem sua sede fundamental nas normas constitucionais. (SILVA, 2005 p. 272)

Nesse viés, deve ser, portanto, o direito civil analisado com uma interpretação constitucionalista para que não seja perdida a essência do direito, além de que, o direito não é uno e indivisível e não seria dessa vez que um elo menor deixaria de ser influenciado por um elo maior.  Ou seja, o direito de propriedade é tanto matéria de direito privado quanto matéria de direito público.
Conforme demonstrado, o direito civil e os outros ramos do direito sofreram e vêm sofrendo uma transformação em sua interpretação. A carga de valor na exegese das normas infraconstitucionais deve sofrer sempre o reflexo da Constituição Federal e, por conseguinte, das normas de direitos fundamentais.
Nesse sentido, a responsabilidade social atualmente não é dever somente do Estado, sendo necessária que as obrigações sociais sejam respeitadas pelos próprios indivíduos e, a partir daí nasce para o detentor da propriedade o dever/obrigação de cumprir a função social da propriedade.
Hoje em dia pode-se dizer que existe uma necessidade de relativizar o caráter absoluto da propriedade em prol de uma concepção que privilegie também o fim comum da propriedade, afastando a ideia do liberalismo e do capitalismo de que a propriedade é um direito de caráter absoluto oponível a todos os outros.
A relativização do caráter absoluto da propriedade é devido a obrigação da propriedade de cumprir sua função social. Nesse sentido, se faz necessário explicar o surgimento da função social, bem como seu conceito atual e sua importância para a sociedade.
           
Função social

            A Constituição Federal garante o direito de propriedade, e dita que a propriedade deverá cumprir a sua função social da propriedade, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXIII.
            A expressão “função social” vem do latim, functio proveniente do seu verbo fungor, que significa “cumprir algo”, cumprir uma finalidade. Aqui fica claro que a relação com a propriedade é poder dar destinação, ou dar finalidade a uma propriedade. Ademais, a expressão “função social” é composta também pelo vocábulo “social”, que transmite claramente a ideia de dar uma destinação para a propriedade de maneira que ela atinja fins sociais e coletivos.  (GAMA, 2008 p. 3).
            É imperioso ressaltar que a ideia de que a propriedade, através da função social, atinja fins sociais e coletivos não é relacionado com uma ideia de socialização da propriedade e socialismo harmonização do direito de propriedade que é um direito individual, junto aos direitos alheios e exteriores a propriedade.
            Nas lições de Penteado (2012 p. 216) a função social traz um caráter de licitude e a possibilidade de implementar políticas públicas:

Em face disto, a função social da propriedade tem duas claras funções: 1) criar um espaço geral de licitude a atuação dos direitos sobre bens corpóreos e, ao mesmo tempo, programaticamente, 2) implementar políticas públicas no sentido de produtividade, pra permitir um efeito redistributivo da propriedade para a comunidade em que o titular do direito se insere.

            Como mencionado, a função social visa harmonizar os direitos do proprietário com os direitos dos outros cidadãos. Cabe ressaltar que historicamente o conceito de socialidade evoluiu em direção a uma sociedade mais solidária e que vive em harmonia, nesse sentido destacam-se as lições de Guilherme Calmon Nogueira da Gama sobre o panorama histórico da função social que é essencial para a compreensão da importância da função social na sociedade.
            Como se sabe, o ressalte da propriedade privada é de responsabilidade dos grandes teóricos do liberalismo e do capitalismo, mas anterior a isso a formação teórica era respaldada pelos pensadores da igreja cristã. São Tomás de Aquino concebia a ideia de uma propriedade que não era oponível ao bem comum ou à necessidade alheia, ele propagava a ideia de que aquilo que sobrava ao proprietário deveria ser transferido aos necessitados.
            No Iluminismo, Locke manteve a ideia de que aquilo que sobrepujava a necessidade do proprietário pertencia à outra pessoa, no entanto deveriam ser os bens não duráveis trocados por outros duráveis.
            Na sociedade liberal, por outro lado, a propriedade era vista como meio de determinar a inteligência do indivíduo. O indivíduo buscava sempre acumular o maior número de riquezas, não importando de maneira alguma que isso acarretasse em um crescente número de outros indivíduos incapacitados materialmente.          
A partir da Primeira Guerra mundial o Estado, que antes somente regulava as relações entre os particulares, passou a atuar na economia com a finalidade de diminuir a desigualdade social. Então surgiu a concepção de Bem-Estar Social, emplacada pela constituição de WEIMAR (Alemanha) e também na Constituição Mexicana, que previa que a propriedade das terras era originalmente da Nação e que poderia ser repassada aos particulares através do domínio.
            Como corolário desse entendimento foram definidas condições para que um indivíduo pudesse ser proprietário, não sendo preenchidas essas condições o Estado poderia intervir na propriedade. As condições geraram para o proprietário obrigações e a essas obrigações se deu o nome de função social.
            Já no Brasil, o princípio da função social da propriedade apareceu pela primeira vez na Constituição Federal de 1934, entretanto assim como na sua subsequente, em 1937, ainda era tratado de maneira vaga e apenas dava ao estado a possibilidade de alterar o conteúdo da propriedade de acordo com interesse comum.
            Na Constituição Federal de 1946, apareceu a expressão função social relacionando a propriedade com o bem-estar social. Na constituição de 1967, foi a primeira vez em que a função social da propriedade foi declarada com princípio. E depois, na Constituição Federal vigente, a função social da propriedade foi incluída no rol das garantias fundamentais, artigo 5º, XXIII e previu ao longo do corpo constitucional condições da função social.
            Conforme descrito, a função social passou por inúmeras modificações desde a sua criação, variando de maneira consoante com o contexto e idealismo de cada época para chegar na ideia que é hoje. Os direitos individuais agora sofrem forte influência das teorias de constitucionalização dos direitos, principalmente do Direito Civil, e unicidade do Direito. Se antes o proprietário tinha o direito individual garantido e oponível a todos, hoje ele mantém esse direito, mas deve respeitar condições para atingir a harmonização de direitos e, portanto, uma melhor vivência em sociedade.
A Constituição Federal Brasileira traz em seu artigo 3º como objetivo da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade justa e solidária. Sendo assim, a função social caracteriza-se como uma das ferramentas para atingir a harmonização dos direitos fundamentais de um indivíduo com os interesses e direitos fundamentais coletivos.
Para Maria Helena Diniz, está clara a necessidade da função social para garantir a vida em sociedade:
A função social da propriedade é imprescindível para que se tenha um mínimo de condições para a convivência social. A constituição federal, no art. 5, XXII, garante o direito de propriedade, mas requer, como vimos, que ele seja exercido atendendo a sua função social. (DINIZ, 2013 p. 127)

Nesse mesmo sentido, deve ser acrescido que a propriedade privada está condicionada a convivência em sociedade e, portanto, ao interesse coletivo. Não podemos dizer, portanto, que a propriedade interessa somente ao próprio proprietário e que é absoluta.
            Hodiernamente, deve ser feito a exegese do direito fundamental de propriedade em conjunto com o cumprimento da sua função social. Não deve a função social ser interpretada como limite ao direito de propriedade, e sim como ponto intrínseco ao próprio direito de propriedade.

A novidade consiste exatamente no fato de serem atribuídas ‘funções’ ao proprietário particular, que sempre se manteve, perante o Estado, numa posição que a este era diametralmente oposta: enquanto ao Estado não é dado agir sob o ímpeto da vontade, é largamente sabido e difundido que ao administrado não é vedado reunir poderes que lhe permitam um comportamento exclusivamente baseado em atos de sua vontade, desde que, é claro, para tanto não exista impeditivo de ordem legal (RABAHIE, 1991, p. 227)

Ou seja, antes do dever de cumprimento da função social pela propriedade, o particular poderia agir em atos (ressalvados o limite da lei) baseados estritamente em sua vontade e autonomia sem nenhuma obrigação solidária ou com fins fundamentados na sociedade.
Mas, conforme mencionado, atualmente o proprietário também possui um dever frente a sociedade.
A expressão função social da propriedade deve ser vinculada a objetivos de justiça social, ou seja, o uso da propriedade deve estar comprometido com um projeto de sociedade mais igualitária ou menos desiquilibrada, na qual o acesso e o uso da propriedade sejam orientados no sentido de proporcionar novas oportunidades aos cidadãos, independentemente da utilização produtiva que porventura já esteja tendo. (GAMA, 2008 p.52)

            Ou seja, deve ser levado em consideração no direito de propriedade os direitos dos outros indivíduos, não com a finalidade de socializar a propriedade, mas com o objetivo de viabilizar e garantir a vivência em sociedade de maneira harmonizada.
Para dar efetividade a função social e atingir a sua aplicação existem as sanções para o proprietário que detentor da propriedade que não cumpre a sua função social.
            Atualmente, para cumprir a função social, deve a propriedade urbana atender as regulamentações dos dispositivos constitucionais e das leis especiais como Estatuto da Cidade e o Estatuto da Terra. Sempre levando em consideração o plano diretor, o estudo de impacto de vizinhança, e outras formas práticas de realização da função social na propriedade urbana.
            É de conhecimento geral que a função social da propriedade rural é atingida com a sua produtividade, no entanto, deve ser ressaltado que justamente visando a melhoria da sociedade e harmonização de direitos faz-se necessário também o cumprimento de outros pontos previstos na Constituição Brasileira em seu artigo 186, como o aproveitamento racional e adequado, a preservação do meio ambiente, observância dos direitos nas relações de trabalho.
            Ressalvados todos os aspectos, percebe-se que a função social é inerente ao direito de propriedade, não sendo um limite desse direito. Ainda deve ser dado o devido destaque, para a necessidade da existência da função social moderna com a finalidade de buscar um melhor convívio tanto a nível regional quanto a nível global.

Conclusão

            A propriedade privada surgiu com os romanos, época em que tinha aspecto individualista. Após esse conceito, surgiu a propriedade medieval, a concorrência de proprietários e o domínio útil com o pagamento de serviços, rendas ou outros encargos. No regime do liberalismo, a propriedade volta a ser o objetivo central e se torna novamente um direito individual exacerbado, tratado de maneira absoluta e oponível a qualquer outro direito.
Nos países capitalistas, que são a larga maioria no mundo, a propriedade privada é a base do modelo econômico e social. No Brasil, que adota o modelo capitalista, a propriedade privada é direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988.
            Entretanto, cabe ressaltar que o país é regido em forma de democracia visando o bem estar social e, por isso, não pode um direito individual ser tratado como direito absoluto oponível ao bem comum.
Em desconformidade ao entendimento capitalista/liberal de propriedade que trazia um caráter absoluto e pleno a propriedade tão somente por ser a base do sistema. Surgiu então o princípio da função social ditando que a propriedade atenderá a sua função social
Infere-se, portanto, que não poderia ser diferente para a convivência entre inúmeros direitos coletivos, difusos e outros individuais, bem como para preservar a propriedade privada encontrou-se a função social como ponto de equilíbrio.
A propriedade no entendimento atual, além de continuar sendo um dos pilares da economia capitalista, tem uma obrigação intrínseca de atingir uma finalidade social. Essa finalidade social não é relacionada com os modelos econômicos de socialização e, sim, com a busca pela harmonização dos indivíduos de maneira que todos possam ter seus direitos preservados.
Portanto, verifica-se extremamente necessária a função social para a harmonização dos direitos e garantias individuais de cada membro da sociedade. Não sendo a propriedade um direito oponível a tudo, absoluto e que se sobrepujava a qualquer outro, como é a ideia do capitalismo radical.  Hodiernamente, a função social é intrínseca a propriedade privada e necessária para a sociedade.

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Recibido: 17/12/2015 Aceptado: 21/21/2015 Publicado: Diciembre de 2015

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