Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ACESSO AO MEDICAMENTO PÓS-PESQUISA: REFLEXÕES SOBRE O CASO DA LARONIDASE

Autores e infomación del artículo

Selma Rodrigues Petterle

UNILASALLE, Brasil

selma.petterle@unilasalle.edu.br

RESUMO: Trata-se de estudo sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), em ações judiciais com pleito do medicamento Laronidase (nome comercial Aldurazyme), cujo pedido foi formulado por participantes de ensaio clínico, após o seu término. Delineados os pressupostos jurídico-constitucionais para análise do tema, realizado à luz de elementos da teoria geral dos direitos fundamentais, foram tecidas algumas reflexões críticas sobre o modelo regulatório brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Ensaio Clínico, Laronidase, Aldurazyme, Jurisprudência, TJRS

POST-TRIAL ACCESS TO DRUGS: A FEW THOUGHTS ABOUT LARONIDASE

ABSTRACT: This is a study on the decisions of the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul (TJRS)in the lawsuits claiming for access to the drug Laronidase (trade name Aldurazyme), whose request was made by former clinical trial participants, after the end of the research.. Once outlined the legal and constitutional requirements for analysis of the topic, conducted in light of the elements of general theory of fundamental rights, some critical reflections on the Brazilian regulatory model were made.

KEYWORDS: Clinical Trials - Laronidase - Aldurazyme – Jurisprudence - TJRS



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Selma Rodrigues Petterle (2015): “Acesso ao medicamento pós-pesquisa: reflexões sobre o caso da Laronidase”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 30 (octubre-diciembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/04/laronidase.html


1 Introdução

O panorama fático vivido pelas pessoas que participam de pesquisas clínicas com medicamentos no Brasil tem desaguado em várias demandas propostas perante o Poder Judiciário. No Estado do Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça (TJRS) já apreciou vários casos envolvendo teste do medicamento Laronidase, para doença genética, estudo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e do qual participaram crianças de quatro a cinco anos. Trata-se do caso de menores com a doença mucopolissacaridose do tipo 1, incluídos em ensaio clínico com medicamento experimental (princípio ativo Laronidase, nome comercial Aldurazyme), estudo que foi patrocinado por laboratório farmacêutico e que teve resultados positivos, resultando, após o término da pesquisa, no registro do referido medicamento junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). 
Ocorre que, finalizados os estudos, o laboratório parou de fornecer o medicamento, situação que levou os pais das crianças a ajuizarem ação judicial para fornecimento do remédio, ação promovida contra o Estado do Rio Grande do Sul. A Procuradoria do Estado, além de contestar a ação, formulou pedido de chamamento do laboratório ao processo, para aumentar o número de réus, ampliando o pólo passivo da ação judicial, pedido acolhido pelo juízo de primeiro grau e mantido em sede de Agravo de instrumento pelo referido Tribunal. No ano de 2009, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou recurso de apelação (Apelação Cível 700312356331 ) e, por maioria, deu parcial provimento ao recurso do laboratório patrocinador dos estudos (Genzyme do Brasil Ltda), apenas no que tange à modalidade de intervenção de terceiros eleita, alterada pelo juízo sentenciante para denunciação à lide (e não o chamamento ao processo), afastando também a condenação das empresas que formam a joint venture Biomarin/Genzyme, já que não eram parte na ação.
Na mesma linha, envolvendo outra menor que também participou da mesma pesquisa clínica no HCPA, com o mesmo medicamento (Laronidase/Aldurazyme), estudo patrocinado pelo mesmo laboratório (Genzyme do Brasil Ltda), foi a decisão da Oitava Câmara Cível do TJRS, que deu provimento a recurso de agravo (Agravo Interno 70025785486 2) para restaurar o entendimento de que se impõe, no caso concreto, a participação do laboratório no processo (como litisconsorte necessário), na medida em que houve fornecimento do medicamento a título gratuito e experimental pelo laboratório, retomando posição adotada anteriormente, em Agravo de Instrumento, pela Oitava Câmara Cível do TJRS, sob outra relatoria 3. Ressalte-se que em ambos os casos concretos referidos há vários incidentes processuais apreciados pelo TJRS.
O conteúdo construído em sede jurisprudencial, a partir desses casos apreciados pela justiça gaúcha, é de que há obrigação do laboratório patrocinador da pesquisa clínica de continuar fornecendo, ao participante do ensaio clínico, o referido medicamento, após o término do estudo.  Abstraídas as questões processuais, as razões de fundo levantadas no âmbito do julgamento pela 7ª e 8ª Câmaras Cíveis do TJRS, giram em torno principalmente da incidência do princípio da boa-fé objetiva, situação que consubstancia obrigações bem mais amplas do que aquelas obrigações a que o contratante normalmente estaria obrigado, isso em virtude do comportamento ao longo da relação contratual, fundamentos construídos essencialmente à luz do direito privado 4. Ressaltou-se, ademais, que o próprio protocolo de pesquisa continha previsão de continuidade de fornecimento do medicamento, obrigação, portanto, assumida pelo laboratório patrocinador do estudo, no que diz com a manutenção do fornecimento da medicação aos menores. 
Nesse contexto, advirta-se, não se pretende aqui analisar pormenorizadamente os fundamentos dessas decisões judiciais sobre o caso da laronidase na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul. Nosso objetivo é (re)discutir o tema (da garantia de acesso ao medicamento às pessoas integrantes de projeto de pesquisa clínica, levada à cabo pela via judicial) à luz de alguns elementos centrais da teoria dos direitos fundamentais, em complemento à construção já delineada em sede judicial, no Rio Grande do Sul. Tal discussão há de ser travada também a partir do marco jurídico-constitucional, já que a saúde foi consagrada expressamente como direito (e dever) fundamental, impondo-se, portanto, o debate acerca dos (outros) possíveis mecanismos protetivos dos direitos fundamentais dessas pessoas que ingressaram em juízo.

2 Direito à saúde e pesquisa em saúde

Preliminarmente há que fazer um recorte, qual seja, o da proteção jurídico-constitucional do direito à saúde e sua relação com a pesquisa científica nessa área do conhecimento humano. Tomando como ponto de partida o conceito de saúde adotado pela da Organização Mundial da Saúde (OMS), como “estado de completo bem-estar físico, mental e social”5 , e não a mera ausência de doença ou enfermidade, não há como deixar de colocar em destaque uma importante dimensão da saúde: a dimensão da qualidade de vida da pessoa humana, conceito inclusive já acolhido na legislação brasileira (art. 3º da Lei 8.080/1990).
Isso significa que, para muito além dos indispensáveis cuidados médicos, há outras questões essenciais à efetiva proteção e promoção da saúde humana. Nos debates travados em conferências internacionais6 sobre saúde já foram explicitados vários desses aspectos, que evidentemente abrangem a questão da renda (já que a pobreza é uma das maiores ameaça à saúde), a alimentação, a habitação, a educação, o meio-ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros, o que, por si só, indica uma multiplicidade de fatores envolvidos Verifica-se, portanto, que existem zonas de sobreposição com outros bens constitucionais igualmente protegidos e interdependentes (LOUREIRO, 2006), como a vida, a alimentação, a integridade física e psicológica, a habitação, a educação, a informação, o trabalho e o meio ambiente.
Nesse amplo contexto é que o “Grupo de Qualidade de Vida” da Divisão de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL Group), formado no início da década de 90 e orientado no sentido de que um conceito de qualidade de vida deve congregar três aspectos centrais, quais sejam, subjetividade (a depender do ponto de vista do próprio indivíduo e não de um perito), multidimensionalidade (abarcando diferentes dimensões) e presença de dimensões positivas e negativas. A partir destes elementos definiu-se qualidade de vida como "a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objectivos, expectativas, padrões e preocupações" (CANAVARRO, 2010, p, 16) 7.
A Organização Mundial da Saúde, através do Grupo WHOQOL e no âmbito de um projeto internacional, desenvolveu dois instrumentos gerais para medir esse índice de qualidade de vida da pessoa: o WHOQOL-100 e o WHOQOL BREF. Esta questão efetivamente não é estranha aos ensaios clínicos com medicamentos, que têm introduzido a avaliação da qualidade de vida dentre os seus padrões, a exemplo de medicamentos para câncer e para hipertensão arterial (SERRA, 2010, p, 29).
O primeiro instrumento da OMS para avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-100) é composto de 100 questões de auto-avaliação, abrangendo seis (6) domínios: o físico, o psicológico, o nível de independência, as relações sociais, o meio-ambiente e a espiritualidade. Já o segundo instrumento é uma versão mais abreviada do primeiro, composta por quatro (4) domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente).
Em que pese os múltiplos fatores indispensáveis à saúde humana, a abordagem realizada aqui realizada restringe-se a um enfoque específico. Frente às possibilidades abertas pelas novas terapêuticas em prol do bem estar biopsicossocial da pessoa humana, não há como negar a existência de uma conexão entre direito à saúde e a investigação científica na área da saúde, que remete à analise do âmbito de proteção do direito fundamental à saúde.
O direito fundamental à saúde está expressamente consagrado no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, seja no título que trata dos direitos e garantias fundamentais (título II), no capítulo que trata dos direitos fundamentais sociais (art. 6º), seja no título que trata da ordem social (título VIII), dispositivo constitucional (art. 196), que, para além de quaisquer controvérsias em torno de seu alcance (mais acirradas no âmbito das prestações estatais), indubitavelmente contém normas jurídicas fundamentais, já que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
À guisa de uma concretização do recorte efetuado, remete-se à noção de multifuncionalidade do direito fundamental à saúde, que pode ser vislumbrado como direito de defesa (SARLET, 2004; ALEXY, 1997) e como direito a prestações (ALEXY, 1997; CANOTILHO, 2004; SARLET, 2004). Como direito de defesa afirma-se que o direito fundamental à saúde pode ter um objeto que consista em uma abstenção por parte do Estado, qual seja, a de que o Estado não impeça que uma pessoa receba adequado tratamento de saúde. Sob esta mesma ótica, o Estado não deve criar óbices intransponíveis às pesquisas científicas na área da saúde, direcionadas à descoberta de novas terapêuticas e à melhoria da qualidade de vida humana. Há que enfatizar que o direito de receber adequado tratamento de saúde (que é uma das facetas do direito à saúde) tem também uma dimensão negativa, qual seja, aquela que não depende, necessariamente, de uma prestação estatal.
Por certo que uma função defensiva do direito fundamental à saúde não afasta a sua dimensão prestacional, e o exemplo da antecipação do parto de feto anencefálico8 é paradigmático tanto acerca da compreensão da noção de multifuncionalidade do direito fundamental à saúde, quanto no que se refere às perspectivas abertas pelo diagnóstico por ecografia, na 12ª semana de gestação. Pode-se verificar, neste caso, uma dimensão defensiva do direito fundamental à saúde, como direito a uma abstenção estatal, qual seja, a de que o Estado não impeça que a mulher receba tratamento de saúde (até mesmo porque diante dos fatos concretos da vida não seria possível exigir, através de norma jurídica, uma conduta diversa). De outra banda, evidencia-se também uma dimensão positiva por parte do Estado, qual seja, o atendimento pelo sistema único de saúde (além do pedido de prestação jurisdicional), isso na sua dimensão prestacional.
Referentemente ao problema da anencefalia, há que destacar também o papel central das pesquisas na área de saúde, na medida em que se sabe, a partir do conhecimento construído a partir de pesquisas científicas, que a ingestão de ácido fólico é uma medida preventiva de defeitos na formação do tubo neural (FLETCHER, 2006, p. 51):
A ingesta de ácido fólico por mulheres no início da gestação, em níveis mais baixos que os de muitas mulheres, mas muito acima daqueles necessários para prevenir a anemia, foram associados a defeitos no tubo neural de seus filhos. A suplementação de ácido fólico em mulheres de alto risco preveniu cerca de três quartos dessas malformações. Portanto, um novo nível de ingestão ‘normal’ de ácido fólico emergiu, devido às novas informações sobre os níveis necessários para prevenir a doença. O nível mais adequado é pelo menos duas vezes (e alguns sugerem oito vezes) maior do que o critério anterior de ingestão normal. Em termos práticos, esses níveis de ingesta são factíveis para a maioria das pessoas somente através de suplementos vitamínicos e não apenas através de alimentos.
De outra banda, o direito fundamental à saúde como direito a prestações estatais (LOUREIRO, 2006) exige uma prestação positiva dos destinatários dos direitos fundamentais, o Estado, em primeira linha, e também os particulares, notadamente no que diz com a sua proteção e promoção. O objeto, nesse contexto, é um fazer do destinatário, um direito a prestações contra o destinatário. As prestações estatais fáticas e jurídicas englobam uma série de complexas questões que podem ser agrupadas genericamente sob a rubrica das políticas públicas em matéria de saúde, essenciais à efetiva proteção e promoção da saúde humana como bem jurídico-fundamental, que vão desde as prestações fáticas (materiais) às prestações jurídicas (ou normativas), englobando um complexo de prestações estatais, a exemplo do atendimento médico, do fornecimento de medicamentos, das ações de vigilância sanitária e de vigilância epidemiológica, segurança sanitária, aspectos nutricionais, condições de habitação e de educação, que, via de regra, encontram efetividade, notadamente acima de um patamar mínimo (SARLET, 2004), na legislação infraconstitucional que implementa políticas públicas efetivas que abarquem essa multiplicidade de fatores.
Ocorre que, no âmbito da teoria geral dos direitos fundamentais, os particulares também são destinatários dos direitos fundamentais, o que, na sua dimensão negativa não provoca maiores digressões, no plano teórico e prático. De outra banda, quando a posição a construir (considerado o complexo de posições jurídicas fundamentais da pessoa humana) consiste em um fazer do particular, ou um direito a prestações contra o particular, o tema agrega acirradas controvérsias.
Interpretando o art. 196, que consagra o direito fundamental à saúde, um princípio constitucional, uma ordem de otimização (ALEXY, 1997; CANOTILHO, 2004), em consonância com o art. 5, que consagra o direito fundamental à vida e, ainda, com o art. 218 da Constituição Federal de 1988 (que estabelece que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação) é possível apontar que a melhor interpretação constitucional aponta para a preservação de todos esses bens, constitucionalmente protegidos. 
Uma breve análise de alguns indicadores sociais brasileiros indica que alguns importantes passos já foram trilhados nessa longa caminhada rumo à implementação concreta dos direitos fundamentais, e também do direito fundamental à saúde.
Segundo os dados publicados em 2008 9, 2010 10 e 201311 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verificam-se alguns avanços, se analisados os dados dessas séries de dez (10) anos. Primeiro, houve redução da taxa de fecundidade (número médio de filhos que uma mulher teria ao final do seu período fértil) do ano de 1997 (2,54 filhos) para 2007 (1,95 filho) e também em 2009 (1,94 filho) e 2012 (1,8 filho). Segundo, igualmente uma redução da taxa de mortalidade infantil, no primeiro ano de vida (quociente entre o número de mortes de crianças até 1 ano de idade e o número de nascidos vivos em determinado ano e local) que era de 35,20 ‰ em 1997 e reduziu para 24,32 ‰ em 2007 e 22,50 ‰ em 2009, reduzida ainda mais no ano de 2012, para 15,7 ‰, em que pese as desigualdades regionais (Nordeste: 20,5‰; Norte: 19,8 ‰; Centro-Oeste: 16,0 ‰; Sudeste: 12,0‰; Sul: 10,8 ‰). Terceiro, um aumento da esperança de vida ao nascer, que em 1997 era de 69,3 anos de idade (homens: 65,5 anos; mulheres: 73,2 anos), elevada para 72,7 anos de idade dez anos após, em 2007 (homens: 69 anos; mulheres: 76,5 anos), elevação que se manteve em 2009, com 73,1 anos de idade (homens: 69,4 anos; mulheres: 77 anos), assim como em 2012, de 74,5 anos (homens: 70,9 anos; mulheres: 78,2 anos).
Todavia, em que pese os avanços, segundo os dados comparativos da ONU, apresentados na síntese de 2010 do IBGE, vê-se que o caminho a trilhar é ainda mais longo. Apenas para exemplificar12 , em 2008, a taxa de mortalidade infantil em âmbito mundial era de 45‰ e as disparidades são de grande magnitude: o continente africano desponta com 79‰, seguido da Ásia (41‰) e da América Latina e Caribe (19‰). De outra banda, em países industrializados a taxa de mortalidade infantil é de 5‰, enquanto em países em desenvolvimento é de 49‰, seguidos na ponteira de baixo pelos países menos desenvolvidos, em que a mortalidade infantil atinge cifra de 82‰.
De tal sorte, vislumbrando o direito à saúde em conexão com outros direitos fundamentais, inafastável é a constatação de que promover políticas públicas que visem reduzir o risco de doenças e outros agravos, como consagrado expressamente no art. 196 da CF 88, inclui também um fomento ativo à pesquisa científica na área da saúde, também no sentido de buscar novas terapêuticas e novas formas de prevenção, o que remete a uma série de ações estatais positivas nessa seara do conhecimento humano.
Nesse contexto, não há como negar que existe uma estreita ligação entre o direito à saúde (tanto na dimensão defensiva quanto na sua dimensão prestacional) e a investigação científica na área da saúde (GONZÁLEZ-TORRE, 2002). Esse entrelaçamento inclusive transparece no voto do Ministro Carlos Ayres Britto, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3.510, julgada improcedente, que salientou que a norma impugnada (art. 5 da Lei de Biossegurança, que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento) constitui um bem concatenado bloco normativo que, sob condições de incidência explícitas, cumulativas e razoáveis, contribui para o desenvolvimento de linhas de pesquisa científica em matéria de saúde humana.

3 Pesquisa em saúde e ensaios clínicos

Classicamente divide-se a investigação científica em pesquisa básica e pesquisa aplicada (CARNEIRO, 2008). Embora ambas tenham como escopo gerar conhecimentos científicos, a pesquisa básica (ou fundamental) é aquela pesquisa precursora e desenvolvida ainda em laboratório (e posteriormente com animais), na busca de (novos) conhecimentos que possam representar um avanço no campo científico. Já no que tange à pesquisa aplicada, esta busca uma finalidade mais imediata, qual seja, a aplicação prática desse conhecimento gerado inicialmente (pela pesquisa básica), o que no caso da pesquisa biomédica envolvendo seres humanos corresponde à pesquisa clínica.
Constata-se, na prática, que está se promovendo, paulatinamente, uma crescente aproximação dos laços entre a pesquisa básica (fundamental) e a pesquisa aplicada (clínica), o que é levado a efeito pela denominada investigação translacional, que preconiza um processo único e integrador de equipes multidisciplinares na área da saúde, em que o investigador translacional trabalhará da bancada ao laboratório, produzindo algo que ele próprio levará à cabeceira do paciente, medindo inclusive os resultados ali encontrados. Portanto, já é possível afirmar que na prática podem ser tênues as fronteiras (JORGE, 2009) que separam a investigação que se costuma(va) designar como básica (ou fundamental) da investigação dita aplicada.
De fato, a separação entre ciência pura da sua aplicação na prática, como se fossem módulos estanques, gera algumas perplexidades, visto que atualmente busca-se um processo mais integrado, que englobe desde a descoberta em laboratório e os estudos em animais (ensaios pré-clínicos, que devem fornecer elementos que justifiquem a pesquisa com humanos) até os ensaios em humanos (ensaios clínicos) e, complementando esse processo, a observação da prática clínica de volta ao laboratório, o que se traduz em um dos focos específicos da investigação translacional 2008. Aliás, uma das principais ferramentas para solidificar esses estreitos elos de ligação entre a pesquisa básica e pesquisa aplicada são os biobancos, bancos de tecidos humanos tanto os de origem clínica, a exemplo de alguns bancos de tumores,  quanto os proveniente da pesquisa (SEQUEIROS, 2008;  GALEGO, 2008; ASHTON-PROLLA, 2009; FERNANDES, 2010).
Cabe também enfatizar que a pesquisa em saúde humana em geral está, sim, associada à prática clínica, não se concebendo, aliás, esta desvinculada daquela, e vice-versa. Vale, portanto, a observação (GRACIA, 2009), a partir do exemplo da oncologia, de que há necessidade de integrar os registros em nível internacional, “a fin de ir corrigiendo errores y perfeccionando la práctica” .
Quanto aos diversos desenhos dos estudos (FLETCHER, 2006), há que referir, em apertada síntese, que consistem em: a) estudos de coorte (que reúne grupo de pessoas que tem algo em comum e as acompanha por um período de tempo, com olhar no futuro ou no passado, prospectivo ou retrospectivo; estudo longitudinal é o coorte ao longo do tempo; estudos sobre riscos são em geral observacionais, sem intervenção, seja de coorte, sejam caso controle; a desvantagem é estarem mais sujeitos a viés); b) estudos de caso controle (estudos que olham para trás, por isso as vezes denominados de estudos retrospectivos, comparando dois grupos de pessoas, pacientes que desenvolveram a doença e pessoas que não desenvolveram a doença, por isso caso-controle); c) ensaios clínicos ou pesquisa clínica, estudos que buscam avaliar as intervenções, que podem ser aberto ou sem cegamento (open label, aberto com fármacos), sendo que o ensaio clínico randomizado é o padrão ouro para o estudo das intervenções.
A pesquisa clínica, inclusive aquela que testa medicamentos (como a do medicamento Laronidase), é realizada no Brasil e em todo o mundo, diariamente. Diminuição do sofrimento, e, enfim, todo o caminho percorrido na luta contra as doenças humanas, tem sido o objetivo mais elevado das pesquisas científicas na área da saúde, especialmente da pesquisa biomédica. Como frutos dessas pesquisas é que foram concebidos novos medicamentos, novas vacinas, novas técnicas cirúrgicas e as terapêuticas atualmente conhecidas e disponíveis aos homens (sejam antigas ou novas), o que tem proporcionado uma melhoria tanto da quantidade quanto da qualidade de vida.
São quatro as fases dos ensaios clínicos (SERRÃO, 2008) e, em se tratando pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos, há Resolução específica, exarada no Brasil pelo Conselho Nacional de Saúde sobre o tema (Resolução CNS no. 251/1997). As três primeiras fases são aquelas que antecedem o registro do produto perante a autoridade estatal competente, no caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), seguidas, pós registro, dos estudos de fase 4, que se referem ao uso fora das modalidades (ou indicações, ou doses, ou vias de administração) autorizadas quando do registro, e dos estudos de biodisponibilidade e ou bioequivalência.
Com os ensaios clínicos de fase 1 busca-se obter informações sobre a segurança da intervenção testada (FLETCHER, 2006), sua tolerabilidade bem como os efeitos de um novo produto, a exemplo de um novo fármaco. Envolvem um pequeno grupo de pessoas, entre 10 e 80 voluntários (GOLDIM, 2007), geralmente sadios, existindo exceções a essa regra, a exemplo de alguns estudos de câncer  (GRACIA , 1998).
Transposta a primeira fase, objetiva-se, na fase 2 (de estudo terapêutico piloto), ampliar os conhecimentos sobre a segurança do produto, assim como verificar a eficácia e a calibragem da dose (relação dose-resposta), em grupos de pessoas enfermas ou afetadas por alguma condição patológica. No início, qual seja, na fase 2a, é pequeno o grupo de voluntários (FLETCHER , 2006). Posteriormente, na fase 2b, este grupo se amplia, podendo chegar a 100 e até 1000 voluntários (GOLDIM, 2007). Nesta etapa, mais avançada, já é possível colher informações sobre os efeitos adversos e estabelecer a relação existente entre o dano e o benefício, assim como informação mais precisa quanto ao risco associado ao novo produto testado, o que será essencial à decisão de avançar, ou não, à fase seguinte.
Com os ensaios clínicos de fase 3 (FLETCHER , 2006), também denominados de estudos terapêuticos ampliados, há um incremento no tamanho da amostra, que conta, em geral (GOLDIM, 2007), com um grande (3.000 ou mais) e variado (por idade, sexo, etc.) grupo de voluntários enfermos, investigação que é realizada em vários centros e com base em um único protocolo de pesquisa. Por tais razões são denominados de projetos multicêntricos. Estes são frequentemente desenvolvidos ao mesmo tempo, em vários países, até mesmo pela necessidade de ampliar a amostra, o que é difícil de se conseguir sem a ampliação do número de centros envolvidos na pesquisa. Avaliar-se-á, a relação risco-benefício do princípio ativo a curto e a longo prazo, assim como o efeito terapêutico, sua relevância clínica e estatística (GOLDIM, 2007), inclusive considerando as alternativas terapêuticas, o que, se bem sucedidos os ensaios, resultará em registro do produto perante as autoridades competentes. Relevante enfatizar, ainda, quanto ao desenho dos estudos (CARNEIRO, 2008), que na fase 3 em geral são randomizados, ou seja, há uma distribuição aleatória, bem como, quanto ao tipo de mascaramento, geralmente duplo-cegos, o que significa que o grupo de doentes não sabe quem recebe e quem não recebe o fator causal, assim como a pessoa que o ministra.
De outra banda, os estudos de fase IV ocorrem após o registro perante as autoridades estatais e, portanto, com o produto disponível ao público para comercialização, portanto já testado, aprovado e incorporado. Destinam-se a avaliar possíveis efeitos secundários ainda desconhecidos, sendo necessários para a vigilância pós-comercialização, com o acompanhamento efetivo de um grande número de pacientes, quando o medicamento já está disponível para o público em geral (FLETCHER , 2006), bem como outras novas indicações ou associações (combinações) para o produto, ou quem sabe uma nova via de administração, ou até mesmo realizar uma análise da relação custo-efetividade, do novo fármaco aprovado com outras opções anteriormente existentes (GOLDIM, 2007).
Pode-se verificar, a partir das características de cada uma das fases dos estudos científicos, que os ensaios clínicos consubstanciam intervenções diretas sobre seres humanos, intervenções que indicam tratar-se, por si só, de atividade de risco, tanto maior quanto menos avançadas estiverem as fases dos estudos científicos, como é o caso de estudos de fase 1, de elevado risco. Acrescente-se, ademais, a multiplicidade de atores (CARNEIRO, 200813 ) e os intrincados papéis, como o desempenhado pelos pesquisadores (e equipes multidisciplinares de trabalho), assim como pelos integrantes dos comitês de ética, além das autoridades estatais e comissões nacionais de proteção dos sujeitos de pesquisa, bem como os financiadores do projeto, com distintas contrapartidas, vislumbrando-se, também, diversas tensões em jogo. Face ao panorama traçado, difícil não vislumbrar o papel dos juízes, decidindo conflitos.

4 Judicialização no Rio Grande do Sul: fenômeno não isolado

Como já referido nas notas introdutórias, em vários casos julgados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul verificou-se que os demandantes (crianças de quatro e cinco anos) que postularam medicamentos perante o Judiciário haviam participado previamente de pesquisa clínica com o medicamento objeto do pedido (Laronidase), questão que passou a ser enfrentada pela jurisprudência, gaúcha. Anote-se, de outra banda, que a distribuição de demandas judiciais envolvendo essa questão específica (fornecimento de medicamentos a egressos de pesquisa clínica) e a determinação judicial de fornecimento de um determinado medicamento após a conclusão de uma pesquisa clínica não é uma questão isolada no Rio Grande do Sul14 .
Na busca de um tratamento para a mucopolissacaridose do tipo 1, legítima diga-se de passagem, muitos pacientes se deslocaram de outros Estados da Federação, a exemplo do Estado da Bahia e do Paraná, para o Rio Grande do Sul. Sabe-se que na Bahia o Ministério Público Federal (MPF)15 buscou assegurar o fornecimento, pela União e pelo Estado da Bahia, do medicamento Laronidase (Aldurazyme) para menor que participou de pesquisa clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre de 15.03.2005 a 06.09.2005, antes do registro do medicamento da ANVISA (e para todos os pacientes do Estado da Bahia que necessitem do medicamento). Pelo teor da inicial da Ação Civil Pública, evidentemente o MPF tinha à época pleno conhecimento de que o menor era egresso de pesquisa clínica patrocinada por laboratório farmacêutico. Quanto ao pleito via judicial para fornecimento de medicamento para egresso de pesquisa clínica, não é um fato isolado. Nesse sentido há um curioso estudo (curioso pelo título, adequado à pesquisa na área da saúde e no mínimo incomum, em se tratando de análise de jurisprudência) denominado “Estudo observacional, transversal e retrospectivo aprovado pelas instâncias éticas competentes” (BOY, 2010) que ilustra a situação. Verificou-se, analisando dezesseis (16) processos judiciais, que dentre os dezessete (17) demandantes oito (8) eram egressos de pesquisa clínica, ou seja, quarenta e sete por cento (47%).
Ademais, no ano de 2009, ainda que tangencialmente, até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) fez referência ao dever (dos laboratórios) de continuar fornecendo o medicamento após o término do ensaio clínico. Tangencialmente na medida em que não é possível saber, pelo teor das decisões em pedido de suspensão de tutela antecipada do referido ano, se se travava especificamente de caso concreto envolvendo pessoas participantes de pesquisa clínica patrocinada por indústria farmacêutica, participação que pode ser essencial à viabilização de um futuro registro do medicamento perante a autoridade sanitária (ANVISA). São decisões em que o Presidente do STF, à época o Ministro Gilmar Mendes, manifestou-se, no julgamento de duas suspensões de tutela antecipada (STA 17516 e STA 244 17) no sentido de que relativamente a medicamentos ainda experimentais e medicamentos novos “é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término.”. Posteriormente, a decisão foi confirmada pelo Plenário do STF, em 2010, constando, no voto do Ministro Gilmar Mendes (p. 27) que “é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término”, sem manifestação dos demais Ministros acerca deste tema específico naquela época.
Essa questão específica, qual seja, a da obrigação dos laboratórios de continuar fornecendo o medicamento (experimental) aos participantes da pesquisa após o seu término, já foi inclusive objeto de recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), exarada no ano de 2010. Esse órgão, que é integrante do Poder Judiciário, dirigiu-se aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais através da Recomendação no 31/2010, recomendando fossem os magistrados orientados, através de suas corregedorias, a verificarem, junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CONEP), se os demandantes em juízo participaram de pesquisa experimental, situação em que a continuidade do tratamento é de responsabilidade do laboratório.
Cabe referir, a propósito, que na medida em que se ampliam as pesquisas clínicas com novos medicamentos, amplia-se também uma nova gama de produtos disponíveis às pessoas que deles necessitam e, da mesma forma, toda a discussão em torno de saber como se fará a sua incorporação no Sistema Único de Saúde brasileiro.  Essa questão específica será enfrentada a seguir, considerando o caso das pessoas que participaram de ensaios clínicos de medicamentos experimentais posteriormente aprovados pelas autoridades sanitárias, considerando o medicamento Laronidase e a discussão travada no Rio Grande do Sul como exemplo ilustrativo dos campos ainda em aberto para regulamentação legal.

5 Pesquisa com seres humanos no Brasil: normas organizacionais e procedimentais

Recorde-se que além dos direitos fundamentais, na sua dimensão subjetiva, não se reduzirem a direitos subjetivos públicos (idéia esta atrelada aos direitos de defesa do indivíduo contra os poderes públicos), sob perspectiva jurídico-objetiva, função autônoma que transcende a perspectiva subjetiva, a doutrina tem sustentado uma força jurídica reforçada para as normas jusfundamentais (SARLET, 2009; ANDRADE, 2001). E dentre os vários desdobramentos dessa perspectiva objetiva, as normas de organização e procedimento para proteção e promoção dos direitos fundamentais.
Considerando as pesquisas científicas na área da saúde, a Constituição Federal de 1988 determina expressamente (art. 200, incisos I, II e V) que no âmbito do SUS as autoridades estatais têm a incumbência de, nos termos da lei, controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde, executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica, situação que inclui a pesquisa científica nessa área. Todavia, em se tratando de pesquisa envolvendo seres humanos (e mais especialmente ainda a pesquisa com seres humanos) adotou-se, no Brasil, o caminho da regulamentação por norma secundária, e não por lei, o que sem dúvida gera sobressaltos (GOLDIM, 2010), sobressaltos que, aliás, evidenciam a fragilidade da regulamentação à moda brasileira.
Quanto aos aspectos legislativos, cumpre enfatizar que não há legislação no Brasil que regulamente essas pesquisas científicas. Não há lei, no Brasil que estabeleça quais seriam os órgãos responsáveis, nem quais seriam os procedimentos. Até o ano de 2015 essas questões de ordem organizacional e procedimental foram decididas por ato normativo secundário emanado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão integrante do Ministério da Saúde (MS). Há que colocar em destaque quatro marcantes períodos no que diz com a regulação desse tema no Brasil, após 1988.
O primeiro período, de 8 anos (1988 - 1996), foi regulado pela Resolução CNS no 1/1988, em que o objeto da regulação promovida era bastante restrito: pesquisas na área da saúde, com envolvimento direto de seres humanos, que só poderiam iniciar com autorização dos respectivos Comitês de Ética em Pesquisa institucionais. Eram as pesquisas com novos fármacos, em fases 1 a 4, e também as pesquisas de novos recursos profiláticos, diagnósticos, terapêuticos e reabilitadores.
Já no segundo período, de 16 anos (1996 - 2012), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), através de um ato normativo secundário (a Resolução CNS no 196/1996) criou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e estipulou novos parâmetros regulatórios, que passaram a ser incomensuravelmente amplos, abrangendo toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, definida como toda pesquisa que, individual ou coletivamente envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo manejo de informações e de materiais, definição que abriu o leque regulatório, a abarcar praticamente todas as áreas do conhecimento humano.
Na terceira etapa, iniciada no ano de 2013, com a aprovação, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Resolução CNS no 466/2012, aprovada em dezembro de 2012 e publicada no mês de junho de 2013, explicita-se que o modelo regulatório concebido inicialmente para as pesquisas na área da saúde definitivamente será exportado (o que na prática já se fazia) para outras áreas, inclusive para as pesquisas nas ciências humanas e sociais.
Não bastassem as questões pertinentes às atribuições do Conselho Nacional de Saúde, que não é possível analisar no âmbito deste artigo, há questões de direito material, como a obrigação de fornecer gratuitamente o medicamento após o término da pesquisa clínica com medicamentos experimentais. Veja-se que a Resolução CNS no 466/2012 assegura “a todos os participantes ao final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes” (responsabilidade que também estava inserida na resolução anterior, a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, e na Resolução 251/97 , quando na fase ainda experimental).
De outra banda, na Lei Orgânica do SUS (Lei 8.080/1990), que trata das responsabilidades financeiras dos entes da federação brasileira, inclusive quanto aos (novos) medicamentos, nada consta, expressa e especificamente, sobre esse aspecto. Anote-se ainda que esta legislação (com a redação dada pela Lei 12.401, de 28 de abril de 2011), dentre outros aspectos, trata da assistência terapêutica e da incorporação de tecnologia em saúde quando há protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (e também ante a sua ausência), criando uma Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e estabelecendo uma série de procedimentos. Há inclusive algumas vedações para todas as esferas de gestão do SUS (como a vedação de pagamento, ressarcimento ou reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O quarto período inicia-se no ano de 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), através também de ato normativo secundário (Resolução RDC 9/2015 e Resolução RDC 10/2015), assume para si as normas organizacionais e procedimentais e passa a regulamentar as pesquisas clínicas com medicamentos e as pesquisas clínicas com dispositivos médicos, criando, dentre outras inovações, o instituto da aprovação tácita pela autoridade sanitária após o transcurso de determinado prazo (90 dias) sem manifestação do órgão (art. 36 da Resolução RDC 9/2015), estudo que poderá ser iniciado se já contar com as devidas aprovações éticas, ressalvadas várias pesquisas (“desenvolvimento nacional, desenvolvimento clínico de produtos biológicos - incluindo vacinas - e desenvolvimento clínico em fase I ou fase II”).
Anote-se que embora inexista no Brasil qualquer previsão legal expressa no sentido de que no caso de finalização de pesquisa clínica com medicamento experimental o patrocinador do estudo tem a obrigação de continuar fornecendo o medicamento, essa é uma construção jurisprudencial, como examinado. Por oportuno, esclareça-se, para não correr o risco de interpretações equivocadas, que em momento algum está se afirmando que a falta de lei consistiria em empecilho para a condenação judicial (dos laboratórios patrocinadores). Afirma-se, isso sim, que a existência de legislação infraconstitucional poderia propiciar mecanismos mais eficazes no que diz com a efetiva proteção dos direitos das pessoas que participaram desses estudos científicos. Parece-nos que essa seria uma forma de proteger os direitos das pessoas que participaram de pesquisas clínicas (que resultam em registro e autorização de uso do produto pela ANVISA) e também de garantir (ainda que parcialmente) a incorporação ao SUS, sem o repasse custos para os entes estatais. Outra questão que carece de definição são os prazos dessa obrigação de continuidade do fornecimento do medicamento (por parte do patrocinador do estudo), se seria limitado (ao período da proteção da propriedade industrial) ou se seria ilimitado no tempo, enquanto a pessoa necessitar do medicamento específico para o qual contribuiu com a sua participação pessoal no estudo.

6 Conclusão

O papel das normas jurídicas, no contexto da pesquisa científica com seres humanos, é o de garantir que a análise ética e científica desses estudos efetivamente aconteça, assegurando o respeito aos direitos fundamentais das pessoas que deles participam. Isso se perfectibiliza através do delineamento, pelo Estado, de normas jurídicas de organização e procedimento e que aportem um regime jurídico próprio para a pesquisa clínica.
De outra banda, a evolução do tema à luz do direito internacional, que não é possível analisar no âmbito deste artigo (PETTERLE, 2014), seja em âmbito global (três declarações da UNESCO), seja no direito europeu, tanto no Conselho da Europa como na União Europeia, assim como a harmonização das legislações nacionais européias sobre a pesquisa científica com seres humanos (como é o caso das transposições de diretivas comunitárias sobre ensaios clínicos com medicamentos e sobre ensaios clínicos com dispositivos médicos) são instrumentos que não são distintos no que diz com a espécie normativa eleita para regular tais questões, qual seja, lei em sentido formal. No caso de Portugal, o exercício da função legislativa pela Assembléia da República e exercício da função legislativa pelo Governo e, no caso da Espanha, lei ordinária do Parlamento Nacional.
Como há o elemento do risco mais elevado para outros bens ou direitos fundamentais, que justifica uma intervenção estatal, caberia ao Estado brasileiro definir qual o regime jurídico aplicável às pesquisas científicas de risco na área da saúde. Todavia, as duas grandes leis do SUS não conformaram minimamente as pesquisas científicas na área da saúde que envolvem maiores riscos, tratando-se quase que de mera reprodução de normas explicitadas na Constituição, para os entes da Federação. A legislação do SUS não regulamentou as pesquisas científicas de risco na área da saúde, não estabeleceu precisamente quem seriam os órgãos responsáveis, não estabeleceu quais seriam os procedimentos, questões decididas por ato normativo emanado pelo Conselho Nacional de Saúde (Resoluções), inclusive no que concerne a questões de direito material, e, muito recentemente, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Resoluções)
De outra banda, não cabe aos poderes públicos delinear normas, em termos amplos e gerais, para todas e quaisquer pesquisas científicas que de alguma forma envolvam seres humanos, como realizado pelo Conselho Nacional de Saúde. Ademais, é paradoxal conceber infra-estruturas para apreciar, aprovar e fiscalizar pesquisas científicas de alto risco na área da saúde, que devem (ou deveriam) atuar intensamente na fiscalização das pesquisas clínicas dentro das instituições e, concomitantemente, sobrecarregá-las de um grande quantitativo de projetos a analisar, o que pode ter uma conseqüência grave bem concreta, que é a ausência de uma efetiva fiscalização dos projetos em que se impõe um acompanhamento de perto, que é o caso, dentre outras, da pesquisa clínica com medicamentos.  
As reflexões aqui tecidas constituem apenas uma pálida amostra da necessidade de repensar o marco regulatório brasileiro, para, no caso das pesquisas clínicas talvez estabelecer critérios legais mais rigorosos para assegurar o (processo de) consentimento informado, para além da forma escrita, ou melhor, em complemento a esta, reforçando-se a proteção jurídica das pessoas que ingressam nestas investigações científicas também com regimes de responsabilidade civil diferenciados para os diversos intervenientes (no caso do pesquisador responsável, responsabilidade civil objetiva se descumprido o procedimento previsto em lei, regime também aplicável aos demais pesquisadores integrantes da equipe, se tivessem conhecimento do descumprimento da lei sem comunicar o fato a qualquer das autoridades sanitárias; no caso de entidades patrocinadoras, responsabilidade civil objetiva, presunção de nexo de causalidade e obrigatoriedade de contratação de seguro de responsabilidade civil para pesquisa clínica) assim como, quanto aos produtos passíveis de proteção da propriedade industrial, obrigação do patrocinador da pesquisa clínica de continuar fornecendo o produto (durante o prazo da proteção da propriedade industrial).
O delineamento de normas de organização e de procedimento (e também de alguns aspectos materiais) através de lei, no caso dos ensaios clínicos, viabilizaria uma abordagem mais ampla e uma (re)estruturação do sistema único de saúde para que o(s) particular(es) também cumpra(m) com as suas obrigações, questão que não deveria ficar apenas na dependência do reconhecimento judicial, em cada caso concreto.
Resta evidente, a partir da judicialização do caso Laronidase no Rio Grande do Sul (em que se concretizou o conteúdo do direito de acesso a medicamento após o término do estudo como uma obrigação pós-pesquisa), que a negação de um direito no plano fático, garantido pela via judicial, retroalimenta a discussão acerca da (re)construção do Direito, a partir de suas fontes. É possível vislumbrar, nesse contexto, as mais variadas formas de atuação dos poderes públicos (leia-se legislador, juiz e administrador), e também dos particulares, que desempenham, conjuntamente, um relevante papel no que diz com promoção e a proteção do direito fundamental à saúde.

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WHOQOL-100, Disponível em: <http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html>. Acesso em: 07 mar. 2011.

1 TJRS, Apelação 70031235633, 7ª Câmara Cível, Relator Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, Diário de Justiça de 11.12.2009 (e, anteriormente, o julgamento do Agravo de Instrumento 70018752733, 7ª Câmara Cível, Diário de Justiça de 03.05.2007.

2 TJRS, Agravo Interno 70025785486, 8ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Ataides Siqueira Trindade, Diário de Justiça de 25.03.2009, que restaurou posição anterior da oitava câmara cível, AGI 70023014772. 

3 AGI 70023014772, Relator Desembargador Rui Portanova, que julgou recurso em ação proposta em 18.01.2006 (processo número 001/5080148142-9), perante o Juízo da 1ª Vara da Infância e Juventude, ação julgada procedente pelo juízo de primeiro grau e, face à morte da requerente no curso do processo, acolhimento, pelo TJRS, de preliminar em sede apelação (por perda do objeto) e julgo prejudicado o recurso do Estado do Rio Grande do Sul.

4 Essa tese já foi defendida em sede doutrinária, que além de considerar a proteção da boa-fé nas relações obrigacionais, como dever de proteção, como dever de agir conforme a boa-fé, sustenta que as boas práticas clínicas consubstanciam bons costumes, já que consagradas em vários documentos (especialmente na Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial) e que, como costume, é fonte de direito. CEZAR, Denise Oliveira. Obrigação de fornecimento do medicamento após a conclusão de pesquisa. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. A tese foi recentemente publicada pela Editora Saraiva (Pesquisa com Medicamentos. Aspectos Bioéticos, 2012).

5 Declaração de Alma-Ata. Alma-Ata, URSS, 6-12 de setembro de 1978. Disponível em: <http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2005.

6 Documentos referenciais que norteiam a discussão sobre a promoção da saúde: a) Declaração de Alma-Ata (URSS, 1978); b) Carta de Ottawa (Canadá, 1986); c) Declaração de Adelaide (Austrália, 1988); d) Declaração de Sundsvall (Suécia, 1991); e) Declaração de Santafé de Bogotá (Colômbia, 1992); f) Declaração de Jacarta (Indonésia, 1997); g) Declaração do México (México, 2000); h) Carta de São Paulo (versão preliminar, Brasil, 2002); i) Declaração de Bangkok (Tailândia, 2005); j) Declaração de Nairóbi (Quênia, 2009). Disponível em: <http://www.who.int/healthpromotion/conferences/en/>. Acesso em: 06 mar. 2011 e < http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq>. Acesso em: 06 mar. 2011.

7 Eis o escopo do WHOQOL-100, da OMS, para avaliação da qualidade de vida: 1º) físico (dor e desconforto; energia e fadiga; sono e repouso); 2º) psicológico (sentimentos positivos; pensar, aprender, memória e concentração; auto-estima; imagem corporal e aparência; sentimentos negativos); 3º) nível de independência (mobilidade; atividades da vida cotidiana; dependência de medicação ou de tratamentos; capacidade de trabalho); 4º) relações sociais (relações pessoais; suporte ou apoio social; atividade sexual); 5º) ambiente (segurança física e proteção; ambiente no lar; recursos financeiros; cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade; oportunidades de adquirir novas informações e habilidades; participação em, e oportunidades de recreação/lazer; ambiente físico: poluição/ruído/trânsito/clima; transporte); 6º) aspectos espirituais/religião/crenças pessoais. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html>. Acesso em: 07 mar. 2011.

8 ADPF 54, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Destaque-se que o Supremo Tribunal Federal, em temas que são tão caros à sociedade, como a controvérsia trazida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 54, anteriormente ao julgamento realizou audiência pública sobre o tema, propiciando que se estabelecesse um debate público entre os mais variados segmentos da sociedade brasileira, debate que municiou a corte com elementos dos mais diversos matizes. Tal situação ilustra não apenas o amadurecimento democrático como também a polarização da sociedade.

9 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Síntese de indicadores sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2008 (período 1997-2007). Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/sintese_indic/indic_sociais2008.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2008.

10 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Síntese de indicadores sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2010 (período 1999-2009). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatisti1ca/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 15 set. 2011.1

11 BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Síntese de indicadores sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2013 (período 2002-2012). Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66777.pdf. Acesso em: 10 jan. 2014.

12 Taxa de fecundidade, em 2010: África (4,44 filhos), Oceania (2,41 filhos), Ásia (2,30 filhos), América Latina e Caribe (2,17 filhos), América do Norte (2,01 filhos) e Europa (1,51 filho por mulher). Taxa de mortalidade infantil, em 2008: Mundial (45‰), África (79 ‰), Ásia (41‰), América Latina e Caribe (19‰), Países industrializados (5‰), Países em desenvolvimento (49‰) e Países menos desenvolvidos (82‰). Esperança de vida ao nascer, em 2010: América do Norte (79,7), Oceania (76,8), Europa (75,6), América Latina e Caribe (73,9), Brasil (72,9), Ásia (69,6), África (55).

13 Mencionando, dentre a multiplicidade de atores, inclusive o autor fantasma e autor por convite.

14 Informe-se, a propósito, que este artigo insere-se no âmbito de projeto de pesquisa coordenado pela autora, projeto financiado pelo CNPq (“Pesquisa Clínica com Medicamentos no Brasil: Observatório de Jurisprudência”), através do Edital Universal 14/2013, que objetiva mapear e analisar o fenômeno da judicialização do direito à saúde no Brasil, considerado um recorte específico, qual seja, o das pesquisas clínicas com medicamentos).

15 Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Estado da Bahia. Inicial da Ação Civil Pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, posteriormente numerada como Processo n. 2005.33.00.023893-1. Disponível em: http://www.prba.mpf.gov.br/links-uteis/manifestacoes/acoes/medicamento_sindrome_de_hurley.pdf. Acesso em: 25 mar. 2010. Essa Ação Civil Pública foi julgada parcialmente procedente, sucumbindo na parte do pedido em que se pretendia incluir o medicamento Laronidase (Aldurazyme) na lista dos medicamentos excepcionais, questões que foram objeto de recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ainda pendente de julgamento.

16 A STA 175 trata de pedido de suspensão de tutela antecipada em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra os três entes da Federação (União, Estado do Ceará, Município de Fortaleza) em favor de pessoa portadora da doença neurodegenerativa progressiva (doença Niemann-Pick Tipo C), para obter o fornecimento do medicamento Zavesca (Miglustat). A ação foi extinta por ilegitimidade ativa, decisão revertida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que reconheceu a legitimidade ativa e deferiu a antecipação da tutela, decisão posteriormente apreciação pelo STF, na suspensão da tutela antecipada (STA 175), pedido este que não foi acolhido, com base, em síntese, nos seguintes fundamentos: 1º) aplicação imediata do direito à saúde; 2º) há uma atuação judicial não em razão de absoluta omissão estatal, mas sim visando o cumprimento de políticas públicas já existentes; 3º) a doença está comprovada clinicamente e por exames; 4º) o medicamento é único conhecido para a doença (seja detendo o seu avanço, seja proporcionando certa qualidade de vida); 5º) a família não tem condições financeiras de custeá-lo (R$ 52.000/mês); 6º) réus não comprovaram a impropriedade do fármaco; 7º) o medicamento possui registro na ANVISA e não consta nos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS; 8º) alto custo do medicamento não inviabiliza, por si só, o seu fornecimento, até mesmo porque há política pública para medicamentos excepcionais; 9º) alegação de ilegitimidade ativa e passiva somente poderá ser debatida em sede de recursal, observada a legislação processual vigente; 10º) a suspensão do medicamento representaria periculum in mora inverso, já que a falta do medicamento poderá resultar em graves e irreparáveis danos à saúde e à vida da paciente; 11º) não se vislumbra grave ofensa à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

17 A STA 244 trata de pedido de suspensão de tutela antecipada em ação ordinária proposta contra o Estado do Paraná e em favor de menor acometido da doença Mucopolissacaridose do Tipo VI, para o fim de obter, pela via judicial, o fornecimento do medicamento Naglazyme (Galsulfase). O pedido de antecipação de tutela foi acolhido em primeiro grau, posteriormente suspenso pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, decisão monocrática posteriormente cassada pelo Órgão Especial deste Tribunal, por maioria, Inconformado, o Estado do Paraná, postulou suspensão de tutela antecipada n. 244 , perante o STF, pedido que não foi acolhido pelo Presidente da Suprema Corte, com base nos fundamentos já explicitados na nota de rodapé anterior.


Recibido: 26/10/2015 Aceptado: 21/12/2015 Publicado: Diciembre de 2015

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