Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


PLENITUDO POTESTATIS: APONTAMENTOS CRÍTICOS ENTRE IGREJA E ESTADO E A BIOPOLÍTICA NA PÓS-MODERNIDADE

Autores e infomación del artículo

Jonas Daniel Menegatti

Elaine Cristina Francisco Volpato

UNIOESTE

elacrisfr@hotmail.com

Resumo:
O artigo busca repensar a política e de certo modo a democracia representativa, na complexidade do momento histórico contemporâneo, a partir do horizonte teórico e crítico. Tecendo uma análise não exaustiva da biopolítica e da política, a partir do nexo entre religião e Estado, sob o prisma histórico e dialógico, de modo a recuperar a importância da compreensão da plenitudo potestatis, como antecedente do estado de exceção, que nestes dias tende a ser um paradigma preponderante para atuação do poder estatal.

Palavras-chave: Poder, Política, Biopolítica, Democracia.

Plenitudo potestatis: notas críticas entre Iglesia y Estado y biopolítica en la posmodernidad

Resumen:
Este artículo pretende repensar la política y en una democracia representativa manera, la complejidad del momento histórico contemporáneo, desde el horizonte teórico y crítico. Tejiendo un análisis no exhaustivo de la biopolítica y la política, desde el nexo de la religión y el estado, desde la perspectiva histórica y de diálogo, con el fin de recuperar la importancia de comprender la plenitudo potestatis como antecedente del estado de emergencia, que en estos días tiende ser un paradigma importante para el rendimiento del poder del Estado.

Palabras clave: Energía; Política; Biopolítica; Democracia.


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Jonas Daniel Menegatti y Elaine Cristina Francisco Volpato (2015): “Plenitudo Potestatis: apontamentos críticos entre Igreja e Estado e a Biopolítica na pós-modernidade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 29 (julio-septiembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/03/biopolitica.html


INTRODUÇÃO

A Democracia que integra de modo dialógico a esfera privada e a pública, parece ser uma dinâmica mais apta de resguardar a dignidade humana, assegurando condições mínimas de existência e de desenvolvimento humano. Para isso, faz-se necessário repensar o poder para além do Estado nacional. Investigando o sentido da política, para além das práticas de controle disciplinar e da biopolítica coexistem no atual panorama do poder.

Na sociedade complexa desses dias uma perpassa a outra, incessantemente, por isso, ganha relevo a tomada de consciência do indivíduo, que “senhor de si” pode interferir nas políticas públicas. Para tanto, é preciso ampliar o conhecimento da “máquina” estatal, quais seus componentes e mecanismos funcionais. Talvez para participação popular mais efetiva falte, justamente, estes conhecimentos mínimos para compreensão da missão do Estado na sociedade civil contemporânea.

O tema precisa, em sua análise, quis ater-se a dinâmica dos plenos poderes, que hodiernamente se referem à ampliação dos poderes do Poder Executivo em detrimento do Legislativo. De tal modo, que parece interessante para melhor perceber as peculiaridades contemporâneas, conhecer de mais perto, suas origens ligadas ao direito canônico.

Longe de apresentar uma resposta definitiva à questão posta, esse é o relato de estudo que uma busca por conhecer melhor a natureza humana, a sociedade e o tempo contemporâneo (pós-moderno). Socializado, para ser confrontado e complementado, dado que o intelecto humano sozinho é capaz apenas de resultados parciais.

O modesto estudo que ora se apresenta, é dividido em duas partes, na primeira tem por foco considerações teóricas e históricas centrais para análise da problemática; no segundo, o nexo que une o campo de atuação do poder e o espaço da vida, considerando a importância da linguagem e da política, na esperança de transformação social.

A união entre o bìos e zoé repercute entre as formas de intervenção do Estado de acordo com o sistema jurídico estatal e são aqui analisadas sob um enfoque apenas, numa conjuntura específica da sociedade entre a modernidade e a pós-modernidade, sendo que os quesitos que lhes são peculiaridades não serão exaustivamente abordados.

Isto é, não se há de tratar de forma direta do controle individual, dos dispositivos disciplinares e do estado de exceção, como regra de atuação política. Essa temática é demasiado complexa e exige um estudo pormenorizado e amplo, que escapa aos limites deste humilde trabalho. Portanto, dadas as suas dimensões restritas, este ensaio não especializa seu estudo sobre estes quesitos em especial, mas se tangencia por eles. Um estudo peculiar já realizado por Michel Foucault e posto em contínua “reverberação” por Giorgio Abamben. 1

2. Origem da política e da biopolítica

            Para Aristóteles (367 a.C) o Estado é uma criação da natureza e o homem é um animal político naturalmente, não por mero acidente. E como natureza, não faz nada em vão, o homem é o único animal a ter o dom da palavra (fala articulada numa linguagem). Ela se destina a expor o conveniente (o justo) e o inconveniente (o injusto). De seu exercício advém a propriedade humana de discernir entre o bem do mal, a qual, por sua vez, acaba por possibilitar a existência de uma opinião comum (política) capaz de gerar não só a família, mas, sobretudo, o Estado. (ARISTÓTELES, 2004: p. 146).

            A fala e a linguagem são atributos exclusivos do ser humano que, para seu exercício, precisa viver em comunidade. Segundo Santo Tomás de Aquino2 é certo pensar à cidade como a suprema comunidade humana, na qual a fala é instrumento que auxilia os homens a se realizarem.

O homem, diferentemente dos demais animais, faz uso da linguagem e por intermédio dela (signos – significados e significantes) toma consciência de si, do outro e do meio em que vive, é assim capaz de entender e de comunicar. A política, nesta linha de argumentação, é originalmente o resultado do ajuste promovido entre a natureza, o intelecto e a vontade humana. E seu objeto de estudo racional é a cidade, tipo ideal de todas as comunidades humanas.

A política é, dito de outro modo, a ciência responsável por considerar tudo o que diga respeito ao bem que é próprio da cidade. Ela visa organizar a cidade a fim de alcançar o bem comum, motivo pelo qual tem por consideração as ações humanas “na medida em que estas visam a algum bem”. (OLIVEIRA, 2012, p. 58)

Daí a importância do conhecimento para o homem, quer seja ele teórico ou pratico, pois ele pode guiar melhor o desejo, que antecede a ação. Se conhecer a justiça é insuficiente para ser justo, e desejar a justiça, já é um bom começo, tudo só é possível a partir da noção em si, no esforço de articulação da fala diante da leitura do mundo, em busca do conceito de justiça. De fato, o caráter da pessoa não é bom pelo simplesmente conhecer algo, mas pelo fato de existir nele o desejo de agir em conformidade com o que seja a justiça3 .

Se conhecer a virtude não faz homens virtuosos, para que conhecer? A questão, de certo modo, é já tem sua resposta encaminhada. Porquanto o grande desafio da natureza humana é se humanizar, a natureza animal da pessoa é um “algo” a ser educado de forma adequada, para tanto o conhecimento teórico e prático são essenciais. Escolher o bem, próprio e o da cidade, é um processo dialógico que o homem só consegue atingir a partir dos conhecimentos teóricos (o capacitam reconhecer o que é bom, útil e justo) e dos conhecimentos práticos (dirigidos para ação consciente).

Os conhecimentos são importantes por possibilitar ao homem realizar o que é bom (ética), o que é útil (política) e o que é justo (direito). É nesse panorama que deve entender sua afirmação: “O Estado tem mais importância do que o indivíduo ou a família”, pois segundo a razão analítica de Aristóteles “o conjunto é necessariamente mais importante do que as partes” (ARISTÓTELES, 2004: p. 146). E sua comprovação de que o Estado é prioritário advém do instinto social, derivado de uma análise racional, não de uma descrição fenomenológica existencial.

A natureza no ser humano tem sua expressão maior é na justiça, que implica num vínculo entre os homens e o Estado (cidade), uma vez que, administrar a justiça é o princípio da ordem numa sociedade política. (ARISTÓTELES, 2004: p. 147). Desse modo, pode-se reconhecer uma resposta provisória para a questão, que leva a re-pensar o poder para além do Estado nacional? Sob o prisma filosófico o Estado é a cidade (pequena comunidade local) e, sob o prisma histórico, a família é anterior ao Estado. Desse modo, o exercício do poder parece existir para bem mais além do Estado nacional, tal qual se conhece na modernidade.

            Essa breve recuperação do pensamento aristotélico se justifica em especial pela práxis, cuja essência do homem na modernidade é, de certo modo, uma radicalização deste projeto. Essa é a análise com a qual não se pode discordar da concepção marxista da política, por exemplo, que é uma tarefa histórica de recuperar a herança da antiguidade. Sintetizada por Castro, em poucas palavras, nestes termos: “o homem é um ser que pertence a um gênero porque, à diferença do animal é imediatamente uma coisa com sua atividade vital, o homem produz de maneira universal”. (CASTRO, 2012: p. 25).

            Agamben, na obra “L’uomo senza contenuto” (1994), retoma também esse ponto, ou seja, o homem é produtor porque pertence a um gênero, e a vida de gênero leva-o a uma práxis. De modo, que gênero e práxis são partes de um círculo hermenêutico contínuo, no qual são, respectivamente, origem e fundamento entre si4 . Agamben para enfrentar a questão delineia a relação do homem com a história, em especial com o passado, percebendo que o homem “perdeu a tradição”: o passado deixou de ser critério de ação.

Assim, a tarefa mais importante para o homem é reencontrar a unidade da palavra, entre o conhecimento do objeto e seu uso. Um bom exemplo é a analise do verbete propriedade. Do uso coletivo a apropriação pessoal, considerada um direito fundamental sagrado, a propriedade na modernidade e nesses dias, assume um uso “fetichista”, marca peculiar já denunciada por Marx in “O Capital”, na quarta parte do livro primeiro. Para Agamben, o fetiche é a presença de uma ausência (cf. in “O homem sem conteúdo”)5 .

            O eixo dominado pela questão da política e a vida, a partir do século XX, acaba por potencialmente esvaziar de sentido e as categorias políticas da antiguidade clássica. A politização da vida biológica incluída na esfera política conduz a criação progressiva de zonas de indiferença entre o público e o privado. Enquanto, o campo de concentração e os refugiados rompem o nexo aristotélico entre o homem e a cidade. Por isso, é preciso re-pensar o poder soberano em sua atuação sobre a vida nua6 . Em “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I”, Giorgio Agamben reconhece que a vida política tem em questão a vida natural, sua atuação rompe com a tradicional vida política qualificada, isto é, como um status particular de vida. (AGAMBEN, 2002, p. 9)

            Michel Foucault analisa com detalhes esse processo histórico, que resultou na inclusão da vida natural na esfera do poder estatal. Nela a política, o animal vivente e capaz de existência política, se transforma em biopolítica, um animal que tem em suspenso a sua vida de ser vivente.7 A Modernidade altera, portanto, o que por milênios permaneceu o que era para Aristóteles. O corpo vivente torna-se a “aposta” que está em jogo nas estratégias políticas. O Estado territorial cede lugar ao Estado população, dotado de sofisticadas técnicas e da simultânea possibilidade de proteger a vida, ou de autorizar seu holocausto. É a partir dos conceitos de biopoder e de biopolítica que se pode melhor identificar o processo de formação na Modernidade dos Estados nacionais, que se pautam numa prática política especializada em gerenciar: a vida biológica, dos indivíduos e das populações.

A vida biológica tende a ocupar a centralidade da vida política, também para Hannah Arendt, na obra “A condição humana”, de modo que ela indo para além da tanatologia da biopolítica, considerar a natalidade, e não a mortalidade, como “categoria central do pensamento político, em contraposição ao pensamento metafísico”. Em suas palavras:

(...) a ação é a mais intimamente relacionada com a condição humana da natalidade; o novo começo inerente a cada nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recém-chegado possui capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir. Neste sentido de iniciativa, todas as atividades humanas possuem um elemento de ação e, portanto, de natalidade. Além disso, como a ação é a atividade política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode constituir a categoria central do pensamento político, em contraposição ao pensamento metafísico. (ARENDT, 2007, p. 17).

Ao levar as ultimas consequências às reflexões de Foucault e Arendt, em especial de sua obra “As origens do totalitarismo”, o advogado e professor, Giorgio Agamben, reconhece o campo de concentração como paradigma político da modernidade (cf. “Estado de exceção”), como estrutura peculiar dos grandes Estados totalitários dos Novecentos 8. Uma síntese ampla, com fins didáticos, do pensamento deste autor, quanto à temática central da biopolítica contemporânea, pode ser formulada em três frentes diferenciadas e conexas:

  1. Os direitos do homem expressos nas declarações de direitos, que não são meras “proclamações gratuitas de valores eternos metajurídicos” (AGAMBEN: 2002: p. 134), mas um modo efetivo de inscrição da vida natural na ordem jurídico-política do Estado nação;
  2. A eugenia como prática estatal e política, com o deslocamento da decisão soberana é sobre a vida natural o Estado no século XX mostra ao mundo sua face genocida e suicida, que tem no nazismo, sobretudo, um exemplo a ser mais profundamente estudado;
  3. O debate sobre a noção de morte, eloquente na necessidade de redefinir, de modo continuado, a vida em seu limiar, de modo a demarcar o que esta dentro e o que esta fora dela, ou seja, a vida que deve ser preservada e aquela que se é “adequado” dispor.

Desse modo, o campo de concentração e de extermínio são espaços que potencializaram que o estado de exceção se convertesse em regra de atuação política neste momento histórico, na pós-modernidade9 .

2.2. Plenitudo potestatis

            A plenitudo potestatis é a expressão maior da supremacia moral e política da Igreja, que tem seu auge nos século XIII e, curiosamente, é a partir dela que surge a expressão “plenos poderes” (pleins pouvoirs), que tem caracterizado algumas vezes o estado de exceção na modernidade e na pós-modernidade (AGAMBEN, 2004: p. 17).

A questão religiosa é afeta a questão do Estado. Não se pode desconsiderar que a Igreja Católica surge nos domínios do Império Romano e com a sua decadência, assume seu legado de ordenar e de administrar o que restou do império. Como a única instituição organizada a permanecer sólida, desde então e, especialmente na Idade Média, ela parece a exercer um duplo papel, muito fundamental, aliás: custodiar as fontes clássicas de pensamento (traduzindo e estudando os pensadores antigos) e manter a unidade na diversidade medieval (centro referencial entre os poderes pulverizados na sociedade do medievo)10 .

            No período medieval, a Igreja passa a ser a única instituição organizada e com capacidade de produzir uma síntese das contribuições romanas e germânicas para a política. (BEDIN, 2008, p. 22). Os poderes políticos terrenos e esparsos do medievo foram ainda mais fragilizados pelas invasões bárbaras, portanto, pode-se dizer que existiu um certo “consenso” em fazer do papado a única força política efetiva, nessa época.

Ao se firmar a plenitudo potestatis papal sobre o poder dos reis, o Papa como juiz supremo dos conflitos sociais e capaz de organizar a ofensiva militar contra os bárbaros fez da Igreja um “laboratório” para o futuro Estado nacional, ainda inexistente. E, não por acaso que o direito público, sobretudo o direito administrativo atual, ainda guarde similitude com o direito canônico e a influência cristã11 . Pietro Costa reconhece no período medieval que o papa deixa de ser o chefe da ordem espiritual, mero legitimador do poder temporal, para deter plenos poderes, inclusive políticos.

Como o filho de Deus supera a natureza (“non solum praeter, sed et contra humanam naturam conceptus et incarnatus et”), assim o poder do pontífice tem uma plenitude que transcende os limites da “normal” jurisdictio: “(...) potest dici Papa uti plenitudine officii, quando secundum iuria ius reddit, quando vero transcendit iura, tunc utitur plenitudine potestatis.” (COSTA, 2010: p. 124)

            O confronto histórico entre o Papa e o Imperador se acirra nos últimos séculos da Idade Média. Dois fatos históricos bem ilustram o confronto o poder transcendental e o temporal, se o Papa Gregório VII, no século XI, humilha e submete o imperador Henrique IV, da Alemanha; o contrário acontece com o Papa Bonifácio VIII, no século XIII, frente ao rei francês Felipe, o Belo12 .

            A diferença histórica que se estabelece nessa separação processual entre a esfera de poder divino e terreno, para além de faces diferentes em épocas diferentes, contempla um modo de pensar típico de seu tempo. O papado a partir de então, até esses dias, tem se confrontado com os poderes estatais, em ciclos diferenciados de intensidade e tensão.

E a discussão inaugurada por Santo Tomás de Aquino, já no século XIII, sobre a subordinação do poder temporal ao poder espiritual, na medida em que está encarregado do cuidado do fim último de toda a vida humana (a felicidade), é uma questão ainda entre-aberta. É intensa dentro da própria Igreja que a “pura razão” e a “experiência”, nas objeções do frade franciscano inglês Guilherme de Ockham13 , ganham corpo a partir de sua análise sobre a “liturgia da unção” do rei que, pois:

(...) a unção, consagração e coroação feitas para o rei por meio de um eclesiástico não seria capaz de conferir ao Imperador nenhum poder temporal. O poder do Imperador ou do rei, para Ockham, provém, em última instância do povo que resolveu eleger um governante para si: o povo deve estabelecer se um rei deve suceder a outro por hereditariedade, por eleição ou por qualquer outro meio. Também cabe ao povo decidir se o rei que sucede ao outro hereditariamente obtém o poder antes ou apenas depois de sua coroação ou de outra cerimônia qualquer. (OLIVEIRA, 2012: p. 64).

Visto sob este prisma, a unção eclesiástica nada confere ao rei e pode ser realizada com outros propósitos, como por exemplo, de o rei gozar de mais respeito ou reverência. Ockham acaba por valorizar a política a partir da sua prática, numa instituição voluntária do poder, diferentemente de Santo Tomás de Aquino, defende não existir nada na natureza que seja suficiente para demonstrar a vontade ou a existência de um Deus criador. Logo, o núcleo da política é a vontade do povo que decide escolher para si um rei, que passa a ter liberdade de escolher que tipo de organização será melhor para seu reino. 14

Estabelecido socialmente esta forma de pensar, a política encontrou seus contornos mais próprios, não pode mais se amparar na natureza e na teologia, precisa, assim, de legitimidade para ser e agir. Para Pietro Costa, faz-se necessário despolitizar a Igreja:

 “Para impedir que o papa desempenhe a função de iudex supremo é preciso então simplesmente distinguir entre o temporal e o espiritual, mas atacar frontalmente todo o processo de construção da hierarquia eclesiástica e do seu vértice soberano. É necessário contestar, com Marsílio e com Ockham, a atribuição de uma iurisdictio coativa à Igreja; é preciso, em suma, despolitizar a Igreja, cancelar sua estruturação hierárquica-potestativa e resolver o conflito das soberanias zerando um dos termos da disputa”. (COSTA: 2010: p. 125)

Agamben em “Altíssima pobreza” retrata mais detalhadamente esse panorama de transformação da questão do poder, na medida em que as noções franciscanas de forma-de-vida e de simples uso se insiram num contexto de uma renúncia a todo o direito. O processo de indistinção entre regra e vida se inicia no aparecimento das constituições monásticas e alcança seu grau máximo de desenvolvimento com Francisco de Assis: não se trata de obedecer, mas de viver a obediência 15. (CASTRO, 2012: pp. 193-205). Visto por este prisma, não é possível “despolitizar” a Igreja, dado que sua liturgia é uma declaração pública de pertença a um outro povo (cf. “O reino e a glória”, de Giorgio Agamben).

A partir desse passeio sobre questões teológicas uma constatação importante não pode ficar despercebida: a diferença crucial entre o poder temporal (político) e o poder espiritual (biopolítico). Por isso Agamben reconhece que a biopolítica é tão antiga quanto à política, discordando de Michel Foucaul, que a julga como um advento da modernidade liberal. É certo, no entanto, que a mudança peculiar da modernidade e do tempo contemporâneo é fazer concentrar no Estado estas duas esferas diferenciadas de poder. Se para Deus (e a Igreja) a glória é o homem vivo, para o Estado (sobretudo, o nazista) a glória é o homem dado à morte, destituído de vida (o mulçumano relatado por Agamben no livro “O que resta de Auschwitz”).

Talvez por este motivo, Estado e Igreja, direito e ética têm se confrontado com maior ênfase e frequência nestes dias, nos quais os tribunais laicos discutem questões afetas a religião diariamente 16. O Estado reivindica um espaço novo, um poder sobre a sobrevivência humana, enquanto a Igreja tem defendido seu espólio romano, com declarações jurídicas e públicas de sua identidade política17 . Da onipotência do poder pontifício, que por primeiro se utilizou da “plenitude de poderes” e do poder biopolítico, diante da centralização desses poderes no Estado, concede a pós-modernidade um brilho novo e inusitado: o capitalismo acabou por usurpar, exclusivamente a seu favor, o território, preterindo inclusive o próprio Estado Nacional.

A produção e consumo, mediados pelo dinheiro e o Mercado, acabaram por monetarizar a subsistência humana, de modo que o “triunfo global” da pós-modernidade acaba por procurar soluções locais para problemas globais. A produção de seres humanos afastados da ordem de direitos surge como efeito colateral da ordem e do progresso, fincada em fins exclusivamente econômicos. O território hodiernamente é um espaço transitório, um não lugar, uma não pertença à comunidade18 .

A competitividade do mercado devasta antigas solidariedades, frequentemente horizontais, e impõe uma solidariedade vertical cujo agente é a corporação hegemônica. A normalização local termina por obedecer a interesses globais poderosos, indiferentes ao meio. (...) as corporações apropriam-se do espaço público e o transformam em espaço publicitário; os cidadãos que frequentam esses espaços não o fazem mais como cidadãos, mas como consumidores de informação, comunicação e entretenimento. A sociedade contemporânea abandonou valores essenciais que distinguiam e defendiam o espaço público. Isso se acentua quando governos abrem mão da totalidade de impostos para que empresas definam e operem projetos na sociedade. (CARVALHO, 2011, p. 65)

A expansão global acabou por liberar e dar movimento a quantidades crescentes e enormes de seres humanos destituídos de meio de subsistência. Andarilhos, nômades, sem cidadania, sem Estado. Nesse espaço novo, sem fronteiras, o fluxo planetário tende a ser cada vez mais incessante, enquanto o problema da remoção do “refugo humano” se torna nova pauta de atuação governamental19 (BAUMAN, 2005: pp. 12-13).

A depressão - para Bauman 20 - e a esquizofrenia local - para Marinilza Bruna de Carvalho, José Carlos Vaz e Dias e Antonio Carlos de Azevedo Ritto – são sintomas do mal-estar que se propagam na pós-modernidade, geradas pela falta de perspectivas no mundo líquido de economia global.            É possível repensar o poder para além do Estado nacional? Por certo o Mercado global, que não ostenta cidadania, rosto ou fala, domina o capital e, parece que o mecanismo que resta, curiosamente, é fortalecer o Estado ou mesmo a Igreja. Para tentar encaminhar uma resposta, minimamente articulada, na última parte do texto se busca da Antiguidade uma saída coerente.

Não se pode esquecer que em Aristóteles o Estado não é simplesmente uma comunidade que vive num mesmo lugar (espaço temporal) e protege seus membros (segurança interna e externa), ou promova a troca de bens e de serviços (serviços públicos). Ainda que tudo isso deva estar presente num Estado, para Aristóteles, determinantes não são as suas funções (mecânica), mas sua finalidade, isto é, o “Estado existe para capacitar todos, famílias e aparentados, a viver bem”, com isso ele se refere a viver bem, a ter uma “vida plena e satisfatória”. (p. 228). Nela, segundo suas palavras:

Todas essas atividades são expressões de afeto, pois é nosso amor pelos demais que nos leva a preferir a vida em sociedade; e todas elas contribuem para a vida digna, que é o propósito do Estado. (...) E isso, sustentamos, significa viver com alegria e dignidade. Assim, podemos estabelecer que a associação política à qual chamamos Estado existe não simplesmente com o objetivo da vida comum, mas por causa dos atos nobres. Os que são capazes de praticá-los, portanto, contribuem para a qualidade da associação política, e os que mais contribuem têm direito a uma maior participação, em relação àqueles que, embora sejam iguais ou até mesmo superiores no berço livre e na família, são inferiores em ações nobres e, assim, na virtude essencial da pólis. (2004: pp. 228-229)

O ideal de governo do povo21 , pelo povo e para o povo, a democracia, permanece como algo a ser realizado. Do mundo antigo a atualidade parece que o traço comum é a busca processual de democratização. O Poder Legislativo, como se verá adiante, mais do que um “poder deliberante” 22 , enquanto órgão da soberania estatal tem importância fundamental nesse processo. Não só pelo resultado final de sua atividade típica (a lei), mas pelo modo pelo qual o processo legislativo esta moldado: é uma decisão antecedida por ampla discussão. Hannah Arendt, em sua obra “Entre o passado e o futuro”, confirma que o espaço da Política é o campo do diálogo plural que surge no espaço da palavra e da ação, é nesse mundo público que pode existir liberdade. Política e liberdade são faces do mundo político, articulam esse mundo e expressam em sua atividade um processo contínuo. (ARENDT, 2003: p. 21)

Para Aristóteles o espaço da política é afeto não só ao interesse público, é, sobretudo, o lócus do debate, da discussão pública dos iguais (cidadãos), atributo exclusivo do ser humano e de sua capacidade de comunicação. Ocorre que, em todos os países democráticos, como bem adverte Dahl, a “lógica da igualdade foi eficaz apenas entre poucos – poucos bastante privilegiados”. (DAHL, 2001: p. 34). Por isso, muito ainda precisa ser feito, ainda faltam “peças decisivas”, faltam inclusive nos países mais evoluídos suprimir as “imensas desigualdades” existentes, tais como: diferenças entre direitos e deveres, influência desmedida e a mais-valia predatória da força do trabalhador, desigualdades entre gêneros e entre servidores públicos. (DAHL, 2001)

            Ainda que existam parlamentos eles parecem não conseguir resistir ao império do Poder Executivo. Ao invés de corresponder aos anseios democráticos e representativos, não raro, As assembleias se tornam bastidores de privilégios (negociatas, esquemas variados de corrupção e escândalos). O Judiciário, por isso, tem assumido um papel politicamente cada vez mais ativo, para suprir omissões dos “representantes” eleitos, nem sempre com a decisão adequada aos desejos do soberano: o povo (cf. art. 1º, Parágrafo Único, Constituição da República Federativa do Brasil).

            Os representantes do “povo”, não representavam todo o povo até bem pouco tempo no ocidente, mas uma parcela restrita de homens livres, uma parcela considerável da população adulta, composta por mulheres, até aproximadamente meados do século XX, foi excluída da vida política. Parece que convicções democráticas não conseguiram ser adequadamente concretizadas. Enquanto a liberdade de expressão fora seriamente restrita, em especial para impedir críticas ao Estado. Esse é o quadro que se pode vislumbrar da história da democracia representativa, marcado por sinuosidades, descontinuidade, várias zonas cinzas e pontilhado por incertezas.

Prefere-se, por isso, pensa-lo como um processo histórico de construção que necessita criar “situações favoráveis”, de critérios capazes de estabelecer uma democracia representativa mais real e comprometida, pautada pela: participação efetiva da pessoa, igualdade de voto, entendimento esclarecido, controle do programa de planejamento e inclusão dos adultos 23.

A nova Àgora24 como espaço de discussão trans-disciplinar ou cooperativo, não deveria ser também esvaziada. Ela parece ser um valioso instrumento na conjuntura atual entre o Mercado e o Estado, como espaço democratizante, que dá voz a pessoa humana e que pode se prestar a estabelecer novas pautas políticas. Talvez esse seja o papel mais benéfico dos dispositivos tecnológicos, apresentados por Michel Foucault e denunciados por Giorgio Agamben, ainda que seus métodos de mediação impliquem num sistema de controle, continuado.

3. CONCLUSÕES

O homem converte-se em humano quando ingressa na linguagem e instaura a temporalidade histórica. Nesse processo, a Igreja e a doutrina cristã, que são para o homem medieval são os referenciais centrais, ainda nestes dias, ainda tem sua importância e seu peso.

É certo que, aquela figura forte de instituição oficial do mundo medieval e a primordial guardiã ou intérprete da cultura clássica, a Igreja hoje não mais ostenta. Porém, suas atividades se confundem na esfera privada e civil, que comandar as diferentes instâncias de poder, tem nela sua origem primeira. As prerrogativas da Igreja que se alargaram para além do antigo Império Romano, hoje são destinadas a destruição, a profanação.

De modo ainda peculiar ela faz uso de sua autoridade como fiel detentora da verdade revelada por Deus, que leva na sociedade uma expressão de poder e sua supremacia moral e político na figura do Papa Bento XVI. De certo modo, a Modernidade inverteu a seu benefício à equação do poder, o com a afirmação de soberania absoluta dos monarcas na ordem temporal.

Neste panorama, buscou-se resgatar, de modo bastante elementar, as origens da Democracia, para além da experiência grega ou romana antigas. A Àgora como espaço geográfico de discussão e de tomada de decisão da política, numa existência não linear ou uniforme, tão pouco se pode, prudentemente, arriscar supor um processo de democratização ascendente de desenvolvimento mundial.

Em se tratando deste tema, quer parecer que as descontinuidades são mais elementares, na verdade, característica central da política, ou melhor, da biopolítica contemporânea. Curiosamente, entre a teoria democrática e a sua prática, um abismo surge, com a não efetividade destes critérios, o esvaziamento do espaço público, que não consegue ser o lugar da discussão dos problemas públicos e políticos.

            Se a democracia acaba por ser o melhor instrumento já inventado capaz de evitar a tirania e defender os direitos essenciais (direitos fundamentais), parece necessário buscar a liberdade geral do povo, concretizar a autodeterminação política e a autonomia moral.

Nesse horizonte de desenvolvimento integral do ser humano, com a proteção dos interesses pessoais essenciais (a partir da igualdade política), a Democracia é um algo a ser realizado, de modo a restaurar a política e colocar em questão o controle e a biopolítica, na pós-modernidade.

Um avanço nas formas de governo atuais, que originalmente não foram concebidas para responder as mudanças rápidas de técnicas, ou de conjunturas econômicas, que se vive, em regime de estado de exceção contínuo.

Tal temática tem sido enfrentada, mais sistematicamente, por muitos pensadores importantes desse tempo, como: Boaventura de Souza Santos, Enrique Dussel e Lawrence Lessig. Eles são referenciais para expansão dessa discussão sobre a Democracia e participação popular, a ética e a política para libertação da opressão e da tecnologia para cultura livre.

O certo, porém, é que o modelo de crescimento econômico capitalista e liberal com subdesenvolvimento social e humano, pautado pela destruição do meio ambiente e extremamente concentrador de renda, não parece ser a saída mais apropriada para superação da crise social e econômica atual.

A história nos mostra que, quando muito, esse modo de produção é mais apto a gerar novas áreas de baixa renda e de mais pessoas destituídas de postura cidadã. Por isso, acreditando em Marx, no que diz respeito à relação de preeminência entre infraestrutura e superestrutura, resta-se oportuno não só reconhecer que a tecnologia influi na vida das pessoas. De modo que, no modo de produção e nas regras atuais do mercado de trabalho (que tende a descartar maiores contingentes de refugos humanos) é preciso reverter à situação, engajar a pessoa, conscientiza-la de sua importância e de suas potencialidades, sugerindo o que há de positivo no atual universo tecnológico a ser utilizado.

REFERENCIAS

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_______. Estado de Exceção. trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. (Estado de sítio)

_______. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). trad. Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008. (Estado de sítio)

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1 Sobre as formas de intervenções estatais sufragadas pelo sistema jurídico do Estado e as formas de controle de “biopolíticas” e “disciplinares” que se operam à margem do direito e ao mesmo tempo por meio do direito, veja-se: Ricardo Marcelo Fonseca, “Introdução Teórica à História do Direito, ed. Juruá, 2004, pp. 109 e ss; bem como, outras obras deste mesmo autor, dentre elas: “Modernidade e contrato de trabalho”, “História do direito em perspectiva – do Antigo Regime à Modernidade”.

2 Nascido entre fim de 1224 e início de 1225, de família nobre foi destinado por seu pai ao sacerdócio com 5 (cinco) anos, ingressa no monastério beneditino, mas acaba sendo consagrado junto a ordem dos dominicanos. Tomás debruçou-se sobre o pensamento aristotélico sendo um dos maiores conhecedores de sua obra. (Oliveira, 2012: p. 56).

3 Para Aristóteles esse “descolamento” entre o conhecimento e a práxis ocorre por dois motivos: a especificidade da ética frente ao conhecimento teórico e a natureza humana (irracional e racional). Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco e a Metafísica, sendo um estudo didático o texto de Marisa da Silva Lopes e José Carlos Estêvão, “Platão e Aristóteles – O nascimento da Filosofia Política” in “Manual de filosofia política”, organizado por Flamarion Caldeira Ramos [et al], 2012, pp. 20-41.

4 Segundo Agamben: “Na Idade Moderna, a política ocidental foi pensada consequentemente como assunção coletiva de uma tarefa histórica (de uma ‘obra’) por parte de um povo ou de uma nação. Essa tarefa política coincida com uma tarefa metafísica, ou seja, com a realização do homem enquanto ser vivente racional. A problemática ínsita na determinação dessa tarefa ‘política’ com respeito às figuras concretas do trabalho, da ação e em último termo da vida humana, foi crescendo progressivamente. O pensamento de Marx, que se propõe a realização do homem enquanto ser genérico (Gattungswesen), representa nessa perspectiva uma continuação e uma radicalização do projeto aristotélico”. (apud CASTRO, 2012, p. 26).

5 O uso fetichista da propriedade é uma marca da atualidade, denunciada por Marx in “O Capital”, na quarta parte do livro primeiro. Agamben acredita que o fetiche é uma presença de uma ausência in “O homem sem conteúdo”.

6 A vida nua, para Agamben, é a vida abandonada, ou a vida natural enquanto objeto da relação política de soberania.

7 Para aprofundar o tema a partir das obras de Michel Foucault, sugere-se a consulta: “As palavras e as coisas”, “A ordem do discurso”, “Microfísica do poder”, “A verdade e as formas jurídicas”, “A arqueologia do saber”, “História da Sexualidade” e “Em defesa da sociedade”. Para citar algumas obras bastante divulgadas e traduzidas no Brasil.

8 Agamben reconhece a ambiguidade da sacralidade da vida, ao definir a vida nua, sua análise na obra Homo Sacer encaminha uma análise instigante sobre a vida e o devir do Estado Moderno. Ele retoma o writ de Habeas corpus de 1679, cujo objeto é o corpo humano, como uma declaração exemplar do mecanismo de funcionamento por trás da estrutura declarações de direitos do homem, que vinculam os cidadãos a seus respectivos Estados nacionais. De tal modo, passa a caber aos Estados redefinir qual parcela da vida humana é sujeito de direitos, identificando os laços de cidadania. É na articulação, nem sempre suficientemente refletida entre homem e cidadão, que cresceram historicamente os desprovidos de direito a vida (os refugiados). (AGAMBEN, 2002: p. 129 e ss).

9 Para aprofundar o tema, remete-se o leitor a conferir a obra de Agamben que trata especialmente desta questão: “ Estado de exceção”. Nela ele traça paralelos históricos e ideológicos substanciais que encaminham para as conclusões apresentadas.

10 Para aprofundar esta reflexão indicam-se as seguintes obras: HESPANHA, António Manuel. A política perdida: ordem e governo antes da modernidade. Curitiba, Juruá, 2010; COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia – ensaios de História do pensamento jurídico. Curitiba, Juruá, 2010; PIETRO, Costa. O Estado de Direito: uma introdução histórica “in” COSTA, Pietro e ZOLO, Danilo (orgs). O Estado de Direito: história, teoria. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 95/198.

11 Muitos seriam os exemplos que poderiam ilustrar essa constatação histórica, mas se quis ilustrar com um conceito central para o direito administrativo contemporâneo: “bem-comum”.  O conceito universal que melhor expressa esse conceito é do Papa João XXIII, que afirma na Encíclicla “Pacem in Terris”: “bem comum consiste no conjunto de todas as condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. (disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem_po.html).

12 Relata Dalmo de Abreu Dallari dois fatos emblemáticos desse movimento de ascensão e de contenção do poder papal na Idade Média, o primeiro se passa no século XI com Henrique IV, Imperador da Alemanha e o segundo, já no século XIV com Felipe o Belo, monarca da França.

O primeiro rei nomeou feudalistas eclesiásticos para bispados alemães, sendo tais nomeações declaradas nulas pelo Papa Gregório VII. Henrique IV, inconformado e ofendido, convocou uma reunião de todos os bispos alemães, visando a deposição do Sumo Pontífice. O papa Gregório tomando conhecimento dessa iniciativa, publicou um ato de excomunhão e determinou que nenhum Estado cristão reconhecesse mais Henrique como imperador, no que foi obedecido. Impotente para reagir ou resistir e, no dia 27 de janeiro do ano de 1077, peregrina a Canossa (Alpes italianos) vestido de buril e com os pés nus, para pedir perdão ao Papa Gregório,  ajoelhado na neve. O segundo fato envolve Felipe, o Belo, e o Papa Bonifácio VIII, o Rei era acusado de cobrar impostos excessivos sobre os bens da Igreja na França. Criticado duramente pelo Papa, Felipe, em resposta, proibiu que saísse dinheiro da França para Roma e, o papa o ameaçou de excomunhão. A relação tensa entre os dois culminou em 1301, quando um bispo francês foi acusado de conspirar a favor da Inglaterra, sendo preso por Felipe. O Papa Bonifácio VIII, por não acreditar na acusação, desejou que o bispo fosse enviado a Roma para julgamento, condenando publicamente o ato do monarca francês. Felipe retrucou violentamente, acusando o Papa de interferência em assuntos de ordem temporal e pretendeu que se realizasse um concílio para depô-lo. Após violentos ataques verbais recíprocos chegou-se à ação mais drástica: setembro de 1303 o Papa Bonifácio foi preso pelos soldados de Felipe, enquanto repousava no Castelo de Anagri. Os bens que guarneciam o castelo papal foram distribuídos à população local. Dizendo se submeter à autoridade do Papa em matéria espiritual, Felipe argumentou não admitir sua intromissão em matéria temporal. Felipe libertou Bonifácio VIII três dias depois, o qual regressando a Roma, humilhado e abatido, morre no mês seguinte. Esta foi a primeira grande vitória do absolutismo, assinalando de maneira violenta a presença de um novo Estado. (DALLARI, 2009: p. 67-68).

13 Frade franciscano inglês nascido na aldeia de Ockham, em Surrey, nos arredores de Londres, considerado o último grande filósofo medieval, cuja obra marcou a transição para o pensamento renascentista. Entrou para a ordem (1300) e estudou e ensinou filosofia na Universidade de Oxford, onde escreveu Sententiarum Libri para obtenção do título de Baccalaureus Sententiarum (1318). Transferiu-se para o convento da cidade francesa de Avignon (1324), onde foi acusado como adversário do Vaticano na discussão sobre o poder temporal da igreja, e denunciado como herege ao papa João XXII. (disponível em: http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_2102.html).

14 Esta é uma característica importante para fundar a modernidade. Ir contra a metafísica e fixar-se no empirismo, na razão e na contenção dos poderes clericais, serão premissas fundamentais do Iluminismo.

15 Em São Francisco de Assis e em seus seguidores a questão posta é viver segundo a forma de uma vida, que no seguimento do Messias, faz-se coincidente a ela. Só em casos de necessidade extrema, os franciscanos se não o direito de usar as coisas, não de se apropriar delas, segundo um direito natural.

16 O casamento e o nascimento são exemplos de fatos disciplinados antes pela Igreja, a partir dos sacramentos, e depois pelo mundo. Aliás muito interessante Agamben neste pormenor também, para ele os sacramentos são assinaturas, imprimem um sinal indelével de pertença. (cf. Signatura rerum. Sul metodo)

17 A Declaração do Ano da Fé, pelo Papa Bento XI, conclama aos cristãos católicos proferir o credo (enunciado dos dogmas cristãos) todos os dias, pelo espaço deste ano atual. Seguindo o estudo de Giorgio Agamben in “O sacramento da linguagem”, trata-se de uma declaração jurídica de não pertença ao Estado, atuação política que se repete na liturgia, que na obra “O reino e a glória”, deste mesmo autor, já aparece como articulação pública e política (2012, p. 163).

18 Para aprofundar os aspectos sociológicos da pós-modernidade em confronto com a modernidade, sugere-se a obra de Zygmunt Bauman, de nome “Modernidade Líquida”, publicada pela Jorge Zahar editor.

19 Bauman, ao tratar especificamente desta peculiaridade da atuação estatal, esclarece: “Os ‘problemas do refugo (humano) e da remoção do lixo (humano)’ pesam ainda mais fortemente sobre a moderna e consumista cultura da individualização. Eles saturam todos os setores mais importantes da vida social, tendem a dominar estratégias de vida e a revestir as atividades mais importantes da existência, estimulando-as a gerar seu próprio refugo sui generis: relacionamentos humanos natimortos, inadequados, inválidos ou inviáveis, nascidos com a marca do descarte iminente”. (BAUMAN, 2005: pp. 14-15).

20 Em sua obra, “Vidas Desperdiçadas”, Bauman utiliza-se de um relatório da Fundação Joseph Rowntree, para precisar o número de jovens que sofrem de depressão. Segundo os dados apresentados, em 12 anos dobrou, a análise indicou que o aumento ligava-se ao fato do desemprego crescente. (2005, p. 17). O ser humano refugado, portanto, também é o desempregado, bem como, o refugiado e o apátrida, evidentemente em graus de exclusão social diferenciados.

21 Atualmente a política é feita pelo Mercado, que existe mais como ideologia do que como autor. (CARVALHO, 2011, p. 65).

22 Maurice Hauriou apud SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral. 2010. 356f. Tese (Doutorado em Direito no Programa da Pós-Graduação em Direito) – Curso de Doutorado em Direito do Estado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 144. Para aprofundamento do tema, sugere-se a consulta dessa tese que avança inclusive sobre a questão da titularidade do mandato político no Brasil atual e do direito de liberdade do parlamentar.

23 Dahl se dedica a precisar cada um destes requisitos, dado o enfoque restrito do presente texto, referencia-se sua obra para consulta futura, posto que, entre as páginas 49 até a 55, referido autor se dedica aos pormenores de tais indicadores, sua racionalidade e benefícios para o processo de democratização.

24 Na antiguidade, Ágora era o nome dado à praça principal das cidades gregas. Manifestava-se como a expressão máxima da esfera pública, já que era onde ocorriam as discussões políticas e os tribunais populares. Assim sendo, a Ágora era considerada símbolo da democracia direta, em que todos os cidadãos tinham igual voz e direito a voto. (disponível em: http://www4.planalto.gov.br/centrodeestudos/programas-e-projetos/projeto-agora)


Recibido: 20/07/2015 Aceptado: 16/09/2015 Publicado: Septiembre de 2015

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