Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833

UM ESTUDO SOBRE A CONTINUIDADE INTENSIFICADA E O ESTILO DE JAMES GRAY: UMA ANÁLISE DA ENCENAÇÃO NO FILME AMANTES

Autores e infomación del artículo

Thiago Rodrigues Silveira

thiago.rge@gmail.com

Resumo
Esse artigo busca contribuir para a investigação de questões relativas a continuidade intensificada e ao estilo cinematográfico, realizando uma análise da encenação do filme Amantes (2008), dirigido por James Gray. Parte-se da revisão teórica acerca do estilo cinematográfico e da noção de continuidade intensificada, como definida por David Bordwell (2013), a fim de relacionar essa poética com o estilo de James Gray, evidenciado aqui através da análise de uma cena representativa do filme Amantes.

Palavras-chave: estilo cinematográfico, encenação, David Bordwell, James Gray, Amantes

Resumen
Este artículo busca contribuir a la investigación de temas relacionados con la continuidad intensificada y el estilo cinematográfico, desde la realización de un análisis de la puesta en escena de la película Los Amantes (2008), dirigida por James Gray. Lo artículo se inicia con la revisión teórica sobre el estilo cinematográfico y la noción de continuidad intensificada, según la definición de David Bordwell (2013) con el fin de relacionar esta poética al estilo de James Gray, expuesto aquí mediante el análisis de una escena representativa de la película Los Amantes.
Palabras clave: estilo cinematográfico, puesta en escena, David Bordwell, James Gray, Amantes

Abstract
This article seeks to contribute to the research of issues concerning the intensified continuity and the film style, through an analysis of the cinematic staging in the film Two Lovers (2008). At the beginning of it will be made a theoretical review of the concept of film style and the notion of intensified continuity, as defined by David Bordwell (2013), with the intention of relating this poetic with the style of James Gray, evidenced here through the analyses of a representative scene of the movie Two Lovers.

Key words: film style, cinematic staging, David Bordwell, James Gray, Two Lovers



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Thiago Rodrigues Silveira (2015): “Um estudo sobre a continuidade intensificada e o estilo de James Gray: uma análise da encenação no filme Amantes”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 29 (julio-septiembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/03/amantes.html


1. Introdução                                                  

Esse artigo busca observar práticas da poética 1 da continuidade intensificada, inserida dentro do contexto do estilo cinematográfico, a partir do que é proposto por David Bordwell2 , em seus estudos nos quais busca traçar uma linha historiográfica estilística do cinema. Reune-se essas ideias aqui com o intuito de estudar e verificar de que maneira o estilo da obra do diretor norte-americano James Gray relaciona-se com tais práticas. Faz uma análise da encenação em uma cena do filme Amantes (2008), ainda que se atente para elementos estilísticos da carreira do diretor. Aspectos estíliticos de seu cinema, tal como a decupagem e a encenação, contribuem para que haja essa verificação, onde nota-se um deslocamento do estilo do diretor em relação a continudiade intensificada no cinema hollywoodiano contemporâneo.

2. Sobre o estilo cinematográfico

O estilo cinematográfico é uma área que abrange outras diversas. Isso está evidente na definição de Bordwell, para quem o estilo é a textura tangível das imagens e dos sons do filme, “a superfície perceptual com a qual nos deparamos ao escutar e olhar: é a porta de entrada para penetrarmos e nos movermos na trama, no tema, no sentimento – e tudo mais que é importante para nós” (BORDWELL, 2009, p. 58). Tal conceito envolve elementos de diferentes domínios como a encenação, o enquadramento e outros aspectos da cinematografia, da edição e do som3 . Ainda é possível falar de estilos individuais (o estilo de Clint Eastwood ou de John Carpenter) e de estilos grupais (o estilo de fazer filmes da Montagem Soviética ou dos estúdios de Hollwood na década de 30), bem como de propriedades narrativas ou temas recorrentes.
James Gray faz parte de uma geração de jovens diretores surgidos na década de 90, e pode-se dizer que seus filmes questionam e problematizam o estilo no cinema hollywoodiano contemporâneo 4. Seus três primeiros longas aproximam-se e buscam retrabalhar o gênero policial, sendo eles Pequena Odessa (Little Odessa, 1994), Caminho sem volta (The Yards, 2000) e Os donos da noite (We Own the Night, 2007), tendo realizado ainda o drama Amantes (Two Lovers, 2008), que é objeto de estudo aqui, e o melodrama épico Era uma vez em Nova York (The Immigrant, 2013). Desse modo, através de uma análise do trabalho do diretor, pretende-se vislumbrar de uma maneira abrangente o tema do estilo, traçando uma relação entre os diferentes padrões de encenação em voga no passado, até os moldes presentes no cinema contemporâneo.
A escolha de Amantes enquanto objeto vem de sua representatividade na filmografia de James Gray. Omesmoune elementos presentes em todos os seus filmes, como a ambígua relação com o seio familiar, seus conturbados dilemas morais e problemáticos relacionamentos amorosos, podendo ser dito que o filme até mesmo se aprofunda  nessas questões, por não estar dependente de certas regras dos filmes policiais como os outros filmes de Gray.  Assim, questiona-se acerca da maneira com que o estilo e a encenação do cinema de James Gray relacionam-se com a continuidade intensificada, como definida por Bordwell (2006, 2009), observando o caso do filme Amantes.

Nesse trabalho tem-se como referência metodológica o padrão utilizado por Bordwell (2009), no qual se estuda a encenação por sua lógica experimental (o desenho da denotação e da expressão momento a momento), embora aqui, devido ao recorte realizado, também se analisem os aspectos temático-simbólicos advindos da encenação. Essa estratégia destaca cenas particulares, observando como um andamento dramático pode se desenvolver pictoricamente, e embora não contemple a estrutura geral do filme, pode demonstrar como determinada sequência ecoa ou altera sequências anteriores ou posteriores (2009, p. 306). Assim, será eleita uma cena significativa para os fins das questão proposta, justificando sua relevância, apresentando um esqueleto da decupagem da mesma, para analisar e considerar a encenação enquanto a movimentação dos personagens, o comportamente dos olhares, a composição e a movimentação de câmera.

3. Esquemas de encenação e a poética da continuidade intensificada

Ao analisar correntes conceituais que buscam definir um processo histórico evolutivo do cinema através do estilo, Bordwell (2013) nota incongruências dentro das mesmas5 . Para ele, "não há nenhuma razão para crer que a mudança estilística obedeça a quaisquer leis de grande escala. Um estilo pode ir do complexo ou da complexidade para a simplicidade" (2013, p. 64). Em virtude disso, Bordwell insere-se em um programa Revisionista calcado em um paradigma de problema/solução, que busca trabalhar através da identificação e análise dos problemas e das soluções concretas encontradas por cineastas em períodos históricos diferentes (com enfoque especial na questão de como dirigir adequadamente a atenção do espectador).
Tendo por base essas questões, Bordwell (2009) analisa períodos específicos da história do cinema, apontando para esquemas de encenação. Ele observa um modo de prática vigente no cinema Hollywoodiano da década de 1930, intitulado de cinema de continuidade clássico, onde os diretores combinavam táticas de montagem fundadas na continuidade com planos alongados nos quais os corpos podiam se mover com alguma liberdade pelo quadro, nos quais os diálogos podiam ser mais longos e os atores podiam reagir tanto por expressões faciais quanto por gestos e posturas.
Bordwell (2009), ao observar o cinema contemporâneo, elabora uma poética denominada de continuidade intensificada, que teria emergido nos anos 1960 e se difundido enormemente nos anos 1980. Nesse contexto, ele percebe o domínio de dois esquemas de encenação, “levanta-e-fala” e “anda-e-fala”, os quais revisariam práticas do cinema de continuidade clássico buscando justamente intensificá-las 6. Dessa forma, esse estilo caracteriza-se por, através da montagem, acelerar o ritmo das cenas, enfatizando cada fala em uma tomada separada e se utilizando de planos únicos que progressivamente aproximam-se com o intuito de concentrar o drama nos rostos, especialmente em olhos e bocas. Na abordagem “levanta-e-fala” os personagens normalmente tomam posições em um plano-sequência. Através de um eixo de ação que orienta as linhas de olhares dos atores proposto, sucedessem tomadas de vários ângulos, porém do mesmo lado do eixo. Os movimentos dos atores são coordenados pelo corte, e, conforme a cena se desenvolve, a tendência é que os planos aproximem-se dos atores, como que nos conduzindo a essência do drama. Quando esses personagens mudam suas configurações dentro desse espaço surge um novo plano geral para nos informar. Na solução “anda-e-fala” os personagens estão em uma rua ou em um escritório, em um longo corredor, e andam em direção à câmera acompanhados por um travelling. Bordwell (2009) acredita que graças as câmeras mais leves e os suportes manuais, os longos travellings que companham os personagens começaram a tornar-se praticamente obrigatório nos anos 1980.
O teórico ainda fala de um cinema da mise en scène, uma tradição de encenaçãorica em possibilidades, na qual o diretor busca fixar a câmera e apresentar simultaneamente olhares, gestos e variações de posição, imprimindo um arco dramático a um plano-sequência. Esse modelo de encenação possibilita uma liberdade ao olhar e o desenvolvimento de uma ação secundária, que pode servir como contraponto ou até mesmo rivalizar com a ação principal. Esse esquema não renega necessariamente os recursos de montagem, pois como defende Bordwell (2009), a dicotomia montagem/mise en scène é demasiada simplista para ter valor crítico, e pode até mesmo apoiar-se neles para a obtenção de um efeito máximo através da mudança de plano.
A partir dessas premissas, busca-se analisar de que maneira o estilo de James Gray relaciona-se com essas práticas, com especial destaque para a continuidade intensificada.

4. O cinema de James Gray

É possível dizer que o pulso vital do cinema de James Gray é a dramaturgia 7. Em seus filmes existe a busca pela imersão dos espectadores nos mesmos. Assim, uma das suas principais características de seu trabalho é a busca, sob certos aspectos, de um guia de transparência.  De maneira que nota-se que Gray não busca atrair a atenção para artifícios do cinema, mas sim para o universo do filme. Podem-se trazer algumas questões como o uso de slow motion em Os donos da noite, mas esses artifícios servem menos a uma questão de quebra da relação do espectador com o filme ou de um virtuosismo técnico do que como uma maneira de obtenção de um efeito dramático eficaz. Ou seja, dessa maneira, o cinema de James Gray também não pode ser considerado como um cinema rígido, acadêmico ou estático. Pelo contrário, é um cinema que se problematiza em diversos momentos, dentro de sua própria coesão: a dramaturgia e o envolvimento do espectador. É nesse sentido que Gray (apud MINTZER, 2011) afirma que a arte é o oposto a distância emocional, sendo o que nos possibilita conhecer a nós mesmos em algum tipo de contexto.
Já as temáticas de seus filmes buscam retratar a vida cotidiana sob uma ótica trágica. Ele busca abordar questões imanentes ao ser humano, como as relações familiares e amorosas. Dessa maneira, os filmes de James Gray trabalham através de narrativas conhecidas do grande público, como o retorno do filho à casa (Pequena Odessa, Caminho sem volta), os irmãos em lados opostos da lei (Os donos da noite) e o triângulo amoroso (Amantes, e, de certa forma, Era uma vez em Nova York). Porém, não é adequado afirmar que seus filmes trabalham confortavelmente dentro das estruturas e gêneros intrínsecos à essas narrativas. Pelo contrário, pode-se notar uma busca por problematizar os mesmos. Para Gray, a estrutura do gênero policial parece servir mais como uma maneira de simplificar – mas também de ampliar – o problema geral da existência social, do que para se filiar ao mesmo. Além disso, seus filmes chamam a atenção por seu trabalho peculiar com a utilização de sombras como elemento dramático, na qual explora de maneira constante o uso de planos sub expostos, compondo constantemente um jogo de luz suave entre áreas claras e escuras: personagens que vão, ou saem, em direção às sombras, rostos e corpos parcialmente iluminados, bem como cenários parcialmente nítidos.
Essas são algumas das características que compõem o estilo de Gray e abarcam parte do universo tátil de seus filmes, servindo, assim, para embasar a análise que é feita a seguir.

5. Amantes

Amantes é um filme sobre Leonardo (Joaquin Phoenix), um jovem bipolar e solitário, dividido entre a mulher que seus pais gostariam que ele casasse, a despretensiosa e discreta Sandra (Vinessa Shaw), e sua extrovertida e problemática vizinha Michelle (Gwyneth Paltrow). É um filme que permeia a obra do diretor James Gray, desenvolvendo alguns dos temas mais caros ao seu cinema, como as relações familiares e amorosas.
Ao analisar uma cena de Amantes, bem como o estilo de James Gray, Jean Douchet 8 (2011) defende que o mesmo reduziu seu estilo ao essencial, ao frame como pura expressão de seu pensamento. Um estilo, que segundo ele, nasce com Griffith, é desenvolvido por Murnau e finalmente aperfeiçoado por John Ford: “se alguém não está no quadro, não existe. Não há hors-champ, nenhum mundo para além dos limites do quadro, e quanto mais ele avança, mais James Gray utiliza a moldura e o quadro somente como uma ferramenta narrativa”9 (DOUCHET, 2001, p. 14). Isto é, para Douchet (2001) esse estilo está particularmente evidente em uma cena de Amantes,na qual Sandra está falando com Leonard em seu quarto:
Inicialmente, ela é enquadrada sob diferentes ângulos, mas durante o momento crucial da cena – onde ele diz a ela sobre a mulher que ele amou mas acabou perdendo – Sandra é vista exatamente no centro do quadro. Para Leonard, isso significa simplesmente que não há como escapar a mulher que tanto seu passado e família vão força-lo a amar, e a mise en scène coloca-se nua diante dele. Ela é o alvo dos desejos de qualquer um, mas não dos seus. 10 (DOUCHET, 2001, p. 14)
A cena referida pelo crítico é construída em cima dos padrões da continuidade clássica (apresentação do espaço através de um plano geral, utilização de montagem analítica, campo/contracampo e planos únicos) e se relaciona de maneira específica com a continuidade intensificada. Ao utilizar-se de uma intensificação do uso de campos/contracampos, Gray não busca acelerar a cena, mas sim a prolongar e pontuar pequenos gestos e inflexões (figuras 1, 2, 3 e 4) de cada personagem. Nesse sentido, embora a encenação de fato limite-se aos rostos dos personagens, ainda é possível realizar um questionamento acerca dessa cena: se ambos os personagens estão sentados, o uso de um plano mais aberto com mais movimentação entre os personagens, não poderia distrair o espectador das importantes informações fisionômicas dadas com o intuito de apresentar a personalidade de Sandra e também do que será sua relação com Leonard? Pois, mesmo se utilizando de planos mais fechados, Gray consegue durante a cena, através de uma decupagem coesa, apresentar uma série de elementos significativos do quarto de Leonard.

5.1 Análise da cena do terraço

 Na cena escolhida para a análise de Amantes, Leonard encontra-se com Michelle no terraço do prédio onde ambos moram. A mesma é significativa pois serve para delinear os sentimentos de Leonard: mesmo tendo feito sexo com Sandra na cena anterior, declara-se para Michelle. Durante a cena, Michelle quer saber sua opinião sobre seu amante, Ronald Blatt (Elias Koteas), e se Leonard acredita que o mesmo poderia abandonar sua família. Enquanto isso, Blatt espera por Michelle no apartamento da mesma.
A cena é composta por um plano-sequência que dura 2 minutos e 20 segundos, sendo uma das cenas mais estendidas do filme. Aqui, Gray realiza um “balé” coreográfico, inserido na tradição da mise en scène, ganhando em uma intensidade dramática que dificilmente poderia ser obtida de outra maneira, pois, durante a discussão de ambos, podemos variar o olhar conforme o nosso interesse, de modo que podemos acompanhar simultaneamente o desdobramento de suas inflexões emocionais sem sermos guiados com esse fim, o que também acaba por, de certa forma, preservar a integralidade moral dos personagens.
A cena ainda pode ser dividida em três enquadramentos principais. O primeiro mostra Leonard aproximando-se de Michelle. Leonard está no plano de fundo enquanto Michelle está de perfil para a câmera (figura 5). Ele se aproxima dela na diagonal, de maneira que a câmera move-se em uma panorâmica para a esquerda até chegar ao enquadramento final (figura 8). A mesma permanece fixa durante o ápice dramático da cena, quando Leonard afirma que não acredita que Ronald Blatt vai abandonar sua família para ficar com Michelle, declarando-se para a mesma em seguida. Michelle afirma que vê Leonard como um irmão e que se ele a conhecesse melhor não afirmaria isso. Assim, Leonard vai embora, e a câmera o acompanha em uma panorâmica semelhante à anterior, dessa vez em direção à esquerda, interrompendo o movimento apenas enquanto Leonard afirma que não se importa com Michelle (figura 10), até retornar ao enquadramento inicial (figura 11). Através desse acompanhamento da câmera, James Gray dá espaço para os atores se moverem com liberdade, trabalhando através de um conceito de gradações, na medida em que, após cada enquadramento dentro do enquadramento, a dramaticidade parece se intensificar e subsequentemente diminuir. De maneira que, o momento mais complexo entre a interação de olhares na cena remete-se a figura 8, quando ambos estão frente a frente, quando ambos evitam constantemente entrecruzarem seus olhares. Como visto anteriormente, enquanto Leonard afirma que Blatt não vai ficar com Michelle, ele está de perfil para a mesma (figura 8), olhando brevemente para ela, mantendo seu foco de visão em um ponto no chão. É difícil precisar se ele realmente acredita nisso, pois está influenciado pelo julgamento daquele que seria seu oponente. Enquanto ouve Leonard, Michelle mantem seu olhar no horizonte. Após isso ele se vira, ficando de costas para o espectador, e diz que certamente deixaria tudo por ela. Ele retorna a ficar de perfil para a câmera e prossegue sem olhar os olhos de Michelle. Ela o rejeita, dizendo que se Leonard a conhecesse melhor não faria isso, enquanto analisa seu rosto e seus olhos. Dessa maneira, Leonard reafirma seu interesse não somente pelo mistério que cerca Sandra, mas também por preservá-lo, dizendo, olhando em seus olhos, que não se importa com seu passado. Eles mantêm esse olhar recíproco, mas quando Michelle diz que eles são como irmãos, Leonard de imediato vira a cabeça e começa a ir embora. Enquanto vai atrás dele, Michelle o acompanha com o olhar, mas Leonard só volta a olhar em seus olhos ao virar e dizer que não se importa, que ela deve viajar e ficar com Blatt.

6. O estilo híbrido de James Gray

            A partir da análise dessa cena podemos perceber a presença de certas características do cinema da tradição da mise en scène nos filmes de James Gray, o que representa, sob certos aspectos, uma oposição as práticas da continuidade itensificada. Através da cena trazida pela análise de Douchet (2011), também podemos ver a maneira diferenciada com que James Gray trabalha dentro dos moldes da continuidade intesificada: se, por definição, os diretores buscam acelerar a continuidade com o intuito de intensificar as falas e o textual, Gray utiliza-se dessa estrutura para pontuar o rosto e as expressões fisionômicas de seus personagens, como na reação de Leonard ao saber que Sandra se interessa por ele não por causa da relação de suas famílias (figura 3), na qual ele demonstra mais interesse em Sandra e começa a olhar diretamente nos olhos da mesma, ou como quando Sandra conta que seu interesse surgiu por Leonard quando o viu pedindo para dançar com sua mãe na lavanderia da família do mesmo (figura 4), em que ela evita manter o contato visual com Leonard, como se estivesse retornando aquele exato momento da mesma maneira como ele aconteceu.
Ainda pode-se observar que, embora Gray opere dentro dos domínios da continuidade intensificada, ele busca preservar a complexidade inerente ao sentimento de seus personagens, evitando sistematizar o que os mesmos sentem. Ou seja, apesar de buscar pontuar as inflexões de seus pesonagens, ele preocupa-se também com a preservação de certa margem de ambiguídade. Ele não dita o o que os personagens sentem, não os retrata de maneira puramente objetiva, mas compõe, através da decupagem, personagens que variam dentro de uma gama vasta de sentimentos. Assim, pode-se dizer que Gray busca trazer as reações físicas de seus personagens ao ambiente que constantemente interage com eles, suas ações e reações, mas de maneira sutil e não autoevidente. É, através das considerações acima, que podemos considerar o estilo de James Gray como um híbrido, uma orquestralização de vários elementos com o intuito da criação de um universo palpável e próximo da realidade.
Por fim, a partir do que se considerou aqui acerca do cinema de James Gray, pode-se afirmar que seu estilo híbrido se deve, principalmente, a seu trabalho sob um guia da noção de dramaturgia, da obtenção de um efeito máximo. Gray não busca construir um filme essencialmente virtuossista, composto apenas por longas cenas com complexas interações e coreografias, como também não busca construir seus filmes apenas por esquemas de encenação vigentes dentro da poética da continuidade intensificada. Ele busca, através desse hibidrismo, a obtenção de uma intensidade dramática, na qual cada cena requer detalhe e atenção, seja pela relação de Gray com o filme e do filme com o espectador, seja pela relação de Gray com os próprios personagens, os quais ele constantemente busca preservar em sua complexidade e integridade, como evidenciado na cena analisada nesse artigo, Nessa Gray opta por, ao invés de utilizar-se de uma quebra de planos baseada na introdução do espaço e da concentração do drama em planos únicos, manter-se, de certa maneira, neutro, não sobrepontuando em nenhum momento a fracassada tentativa de aceitação amorosa sofrida por Leonard.

7. Considerações finais

Ao adentrar em questões de estilo e sua historiografia e as relacionando para analisar o cinema de James Gray, constata-se que esse se insere de maneira diferenciada nas práticas da continuidade intensificada. Ele busca, através de elementos característicos desse estilo, como a utilização de planos únicos e campo/contracampo, explorar e desenvolver as inflexões pessoais de seus personagens, não as falas e o textual. Através da cena analisada, pode-se afirmar também que seu cinema diferencia-se dos moldes da continuidade intensificada por ocasionalmente retomar a liberdade proporcionada pelos esquemas do cinema da mise en scène, elaborando complexas coreografias e construindo a encenação por meio de uma gradação de ênfase, na qual a câmera permite que, simultaneamente, veja-se e se percorra o quadro através dos sentimentos expressos por cada personagem. São poucos os diretores que, hoje em dia, buscam trabalhar sob esse prisma e possibilitam a coexistência entre esses modelos, cineastas que conseguem harmonicamente coordenar ambos. Assim sendo, a cena analisada nesse trabalho, bem como o exame da cena mencionada por Douchet (2011), exemplificam e evidênciam elementos intrínsecos à encenação e ao estilo de Gray, e a maneira característica com que o mesmo se insere dentro de um panorama do cinema contemporâneo e especialmente das práticas da continuidade intensificada.
Em vista disso, ainda é possível dizer que James Gray articula seu pensamento a partir de um cinema considerado clássico – é como se, assim como Hawks na visão de Rivette 11, Gray emprestasse uma consciência clássica, aproximando-se da concepção de cinema daqueles que vieram antes dele, a uma sensibilidade moderna, representada pelas práticas do cinema atual, da continuidade intensificada – embora ele, por vezes, procure readequar essas práticas no sentido de retratar de uma maneira fidedigna os sentimentos de seus personagens, que os tornam singulares, e ajudam, através da encenação, a compor um universo fílmico sólido e complexo. Assim, pode-se afirmar que enquanto uma parte dos cineastas na atualidade utilizam-se das práticas da continuidade intensificada, com o intuito de operarem através de diálogos e falas, Gray busca operar através de expressões e inflexões.

8. Referências bibliográficas

BORDWELL, David. The Way Hollywood Tells It: Story and Style in Modern Movies. Los Angeles: University of California Press, 2006.

______. Poetics of Cinema. New York: Routledge, 2008.

______. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. São Paulo: Papirus, 2009.

______. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

DOUCHET, Jean. The Art of Thought. In: Conversations avec James Gray. MINTZER, Jordan (org.). Paris: Synecdoche Books, 2011.

MINTZER, Jordan (org.). Conversations avec James Gray. Paris: Synecdoche Books, 2011.
OLIVEIRA JUNIOR., Luiz Carlos Gonçalves de. Os Donos da Noite. Contracampo – revista de cinema. 2007. Disponível em: <http://www.contracampo.com.br/89/critdonosdanoite.htm>. Último acesso em: 04/05/2014.
RIVETTE, Jacques. “Génie de Howard Hawks”. Cahiers du Cinéma, nº 23, maio de 1953.

1 Utiliza-se poética aqui no sentido exposto por Bordwell (2008), sendo caracterizada como o estudo do processo de construção de uma obra, do princípio geral de acordo com a qual essa é construída, assim como suas funções, efeitos e usos: "qualquer interrogação ao princípio fundamental na qual uma obra é construída em qualquer meio representacional pode cair dentro do domínio das poéticas” (2008, p. 12, tradução do autor).

2 Historiador norte-americano do cinema e professor na University of Wisconsin-Madison.

3 Bordwell (2009) define quatro funções principais do estilo: denotar o campo de ações e circunstâncias ficcionais ou não ficcionais (descrever os cenários e personagens, narrar suas motivações e apresentar os diálogos e o movimento), mostrar qualidades expressivas (representar estados emocionais, tais como grandiosidade, vitalidade ou ameaça), produzir significados mais abstratos e conceituais (sugerir significados mais gerais, tais como os aviões “copulando” no início de Dr. Fantástico [Dr. Strangelove, 1964], de Stanley Kubrick) e ainda operar por si mesmo (essa pode ser considerada como uma função decorativa em momentos pontuais, na qual o prazer visual pode superar o valor comunicativo do conteúdo, como quando “um movimento de grua tece arabescos em volta de uma ação secundária” [2009, p. 60]).

4 Luiz Carlos Oliveira Jr. chama a atenção para essa interrogação acerca de um lugar enigmático da mise en scène na Hollywood atual em sua crítica do filme Os Donos da Noite (We Own the Night, 2007) (Contracampo – revista de cinema, edição 89, setembro/outubro de 2007)­.

5 Bordwell denomina e define as mais influentes dessas correntes como Versão-padrão (a qual os adeptos viam no cinema mudo, das imagens, a verdadeira maturidade do cinema), programa Dialético (na qual o cinema estaria se desenvolvendo em direção a realismo) e o programa Oposicionista (caracterizado por uma dualidade entre o cinema narrativo e o de vanguarda).

6 É importante ressaltar que Bordwell (2006) delimita elementos da continuidade intensificada em diversos campos. Algumas das características ligadas a questões técnico-estilísticas da continuidade intensificada seriam: montagem mais rápida, ações cobertas por múltiplos ângulos, o uso de lentes de distâncias focais variantes, a dependência do uso de closes e planos mais próximos dos atores, assim como de movimentos de câmera amplos (uso recorrente de câmera na mão, traveling e grua), tal como de filtros e efeitos de foco.

7 Utiliza-se dramaturgia aqui em seu sentido aristotélico, como uma arte de organizar coerentemente determinados atos humanos provocando fortes emoções ou um estado irreprimível de encantamento e maravilhamento.

8 Diretor e crítico francês. Importante colaborador da revista Cahiers du Cinéma, tendo participado da chamada “fase amarela” da revista, que vai de abril de 1951 a outubro de 1964. Atuou, ainda, como professor no Institut des Hautes Études Cinématographiques.

9 Tradução do autor. Texto original: “If one is not in the frame, one does not exist. There is no hors-champ, no world beyond the limits of the frame, and the more he progresses, the more James Gray utilizes the frame and the frame only as a narrative tool” (DOUCHET, 2001, p. 14).

10 Tradução do autor. Texto original: “This is particularly apparent in Two Lovers, in the scene where Sandra talks to Leonard in his bedroom. Initially, she’s framed at different angles, but during the scene’s crucial moment - where he tells her about the wife he once loved but ultimately lost - Sandra is shown exactly at the center of the frame. For Leonard, this means quite simply that there is no escaping the woman that both his past and family will force him to love, and the mise en scène lays her bare before him. She is the target of anyone’s desires but his own” (DOUCHET, 2001, p. 14).

11 Cahiers du Cinéma, nº 23, maio de 1953.


Recibido: 17/05/2015 Aceptado: 15/07/2015 Publicado: Julio de 2015

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