Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O IPTU PROGRESSIVO COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA URBANA

Autores e infomación del artículo

Clarice Gonçalves Pires Marques

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

Universidade Federal do Rio Grande

claricegpires@gmail.com

RESUMO

Aborda-se no presente a relevância do IPTU progressivo como instrumento de política urbana na medida em que pode se despir da função meramente arrecadatória para servir de contribuição à política urbana para o desenvolvimento sustentável das cidades. Analisa-se a previsão do IPTU progressivo no Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001. Observa-se como ocorre a sua implementação nos municípios e como se relaciona com a intervenção do Estado no direito de propriedade a fim de garantir o cumprimento de sua função social.  

Palavras-chave:
IPTU, Direito Tributário, Intervenção do Estado na Propriedade, Direito Ambiental, Estatuto da Cidade.

ABSTRACT

It is in this the relevance of IPTU progressive as an instrument of urban policy to the extent that you can undress of purely arrecadatória to serve as a contribution to the urban policy for the sustainable development of cities. It analyzes the forecasting of IPTU progressive City Statute, Law 10,257 /2001. It is observed as its implementation in municipalities and how is it related to the intervention of the State in the law of property in order to ensure the fulfilment of their social function.  

Keywords: property taxes; Tax Law; State Intervention in Property; Environmental Law; Statute of the City.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Clarice Gonçalves Pires Marques y Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (2015): “O IPTU progressivo como instrumento de política urbana”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 28 (abril-junio 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/02/iptu.html


Introdução

O presente estudo busca realizar uma breve análise do emprego do IPTU como forma de alcançar a reestruturação do espaço urbano. O sistema jurídico evolui constantemente, assim, também ocorre com o Direito Tributário, componente deste sistema. A Constituição de 1988 deixou clara a proposta de estabelecer mecanismos de busca da diminuição da desigualdade social, o que inevitavelmente perpassa por temas que envolvem a função social da propriedade e a política urbana.
Em sua origem a tributação possuía o caráter meramente arrecadatório, destinado apenas a custear as despesas do Estado, no entanto, atualmente se destaca também como ferramenta de gestão das cidades, instrumentalizando os comandos da política urbana já referida.
Ressalte-se que não mais se admite a compreensão do meio ambiente apenas como meio natural e fragmentado, dissociado dos diversos aspectos sócio-políticos-econômicos que impactam diretamente no equilíbrio e manutenção do meio em que se vive e é nos centros urbanos que se detecta alguns dos piores problemas ambientais.
O Estatuto da Cidade, em vigor desde 2001, veio a regulamentar os artigos 182 e 183 da Lei Maior que estabelecem a Política Urbana no país. Verificar-se-á nesta pesquisa que para a aplicação do IPTU progressivo um longo caminho deve ser percorrido e que o resultado desta aplicação resulta em duas situações que produzem efeitos diferenciados, dentre elas umas das formas mais intensas de intervenção do Estado na Propriedade destinada a garantir o cumprimento da sua função social.
Destarte, será possível compreender como ocorre esta relação e como o referido imposto assume o caráter social, o que, diante da necessidade de evolução do Direito e do Estado é de suma importância e relevância. Igualmente, se esmiuçará os prós e contras da manutenção de cobrança do imposto em alíquota máxima por tempo.

1.  Justificativa do estudo

1.1 Por que focar a pesquisa na relação entre o IPTU e a política urbana?

Inicialmente destaca-se que é de suma importância o estudo da relação entre o IPTU e a política urbana, pois grandes problemas ambientais são observados nos centros urbanos como a falta de moradias, favelização e expeculação imobiliária.
            Darcí Reali afirma que:

O meio urbano atual, respeitadas as particularidades encontradas nos diferentes locais, guarda uma identidade semelhante na maioria das comunas: a degradação ambiental, em maior ou menor grau. Exemplos dessa degradação são a crescente poluição da água destinada ao abastecimento, a industrialização e a produção de serviços com deficiente controle dos resíduos, o lixo domiciliar não-tratado adequadamente, a diminuição de áreas verdes a multiplicação de favelas e de moradias sem as adequadas condições de higiene, aeração e luminosidade e a poluição do ar, do solo, do ambiente como um todo. Crescem os problemas urbanos na proporção em que aumenta a população, somatizando os efeitos negativos ao ambiente. 1

De outra banda, é comum a existência de imóveis subutilizados nos municípios, os quais muitas vezes geram outros problemas ambientais como descarte de lixo em terrenos abandonados e a proliferação de vetores causadores de doenças, ferindo a saúde pública.
Desse modo, um dos mecanismos de política urbana previstos pela Lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade é o IPTU conforme destaca-se abaixo:

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
[...]

Gize-se que na sua utilização como ferramenta de gestão urbana o IPTU é cobrado de forma progressiva, sistema a ser esclarecido a seguir. Assim, a progressividade visa a modificação da conduta do contribuinte. Outrossim, cabe destacar que tal é a relevância do tema  que emergem diversas pesquisas neste campo atualmente, principalmente pelo fato de que o Estado tem o dever de garantir o fiel cumprimento dos preceitos constitucionais.
A tributação “verde” e a intervenção na propriedade privada subutilizada vêm no sentido de garantir os direitos fundamentais do cidadão como o direito à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no artigo 225 da Lei Maior. Assim, cumpre abordar a justificativa para o estudo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tendo como instrumento de sua eficácia o emprego do IPTU progressivo.

1.2 Por que o estudar direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tendo como instrumento de sua eficácia o emprego do IPTU progressivo?

A importância de estudar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tendo como instrumento de sua eficácia o emprego do IPTU progressivo reside na compreensão do meio ambiente e da tributação através da mudança de paradigmas calcado no bem comum da humanidade.
Diante da necessidade de evolução do Direito e do texto constitucional, o qual adotou valores fundamentais para a defesa dos Direitos Humanos, não é admissível a realização da tributação pelo Estado sem que essa tenha como fim último o bem comum dos cidadãos e a proteção de algo que garante a existência da própria humanidade.
Nesse sentido leciona Celso Antônio Pacheco Fiorillo:

Com efeito, verificamos que a partir da promulgação da Carta de 1988 não se pode, de forma alguma, analisar a relação Fisco-contribuinte ignorando que o valor maior da dignidade da pessoa humana foi alçado a fundamento da República Federativa do Brasil, assumindo nítida feição no sentido de situar a arrecadação de quantia em dinheiro advinda da atividade tributária como um todo, em proveito da pessoa humana, a fim de que o Estado possa cumprir sua função social, assegurada pelo art. 6º do Texto Maior, o chamado Piso Vital Mínimo.2

Assim, o IPTU progressivo além de cumprir a função de angariar recursos aos cofres públicos força a modificação de condutas ambientalmente inadequadas como a subutilização do espaço urbano. Exatamente por possuir essa característica é que é válido pesquisar o emprego deste imposto nas questões urbano-ambientais. Cumpre, no entanto, demonstrar o recorte temporal utilizado para a elaboração da pesquisa conforme abordar-se-á a seguir.

1.3 Recorte temporal

Conforme mencionado anteriormente, a Constituição de 1988 é um marco importante para o direito interno brasileiro. Após vários anos de regime totalitário preocupou-se o legislador constituinte em elaborar um texto que elevasse os valores humanos e sociais.
Fato é que a Lei Maior recebeu vários adjetivos como “Constituição Verde” e “Constituição Cidadã”. Neste contexto foram estabelecidas as linhas mestras da Política Urbana nos artigos 182 e 183. Somado a isso, além do extenso rol de direitos e garantias individuais do art. 5º, direitos sociais dos artigos 6º e 7º, vários outros valores e direitos fundamentais foram inseridos no texto. Ainda ressalte-se o capítulo destinado à proteção do Meio Ambiente, constituído pelo artigo 225.
Desse modo, o lapso temporal analisado consiste no período compreendido a partir de 1988 com a promulgação do texto constitucional, pois embora já existisse a previsão do IPTU progressivo no ordenamento jurídico, este só obteve maior visibilidade com a regulação da Política Urbana prevista na Lei Magna, através da Lei 10.257/0. Para melhor apreensão do tema observar-se-á a seguir a adoção dos Instrumentos Tributários pela política urbana pós Constituição de 1988.

 

2.  Adoção dos Instrumentos Tributários pela Política Urbana pós Constituição de 1988

2.1 Notícia histórica no Brasil

            Convém relatar que a progressividade do imposto em questão não é assunto novo e que existe notícia histórica a utilização com fins urbanísticos muito antes na promulgação do texto constitucional vigente. Trazemos à baila o exemplo do município de Blumenau, situado no Estado de Santa Catarina conforme citado por Márcia Zilá Longen na revista eletrônica Jus Navigandi que a seguir transcreve-se:

O manejo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU com finalidade extrafiscal não é novidade para os municípios brasileiros. Na história de Blumenau, exemplo típico do seu uso foi a concessão de "favores fiscais" pela Lei Municipal nº 2.262 de 1977 às edificações em estilo arquitetônico "Enxaimel" e "Casa dos Alpes" [04]. O objetivo era transformar a paisagem urbana e incentivar o setor turístico. É também consolidada na legislação tributária municipal a aplicação de alíquotas diferenciadas em função da localização e uso dos imóveis. 3
           
Desse modo, resta claro que não se trata de tema desconhecido embora ainda polêmico. Contudo, a progressividade passou a ser debatida com maior veemência após a Constituição de 1988 com as disposições do art. 182 da CF. Pode-se concluir que a progressividade mereceu ser incluída no texto constitucional com base em uma quebra de paradigmas pós sistema ditatorial conforme se verificará a seguir.

2.2 A quebra do paradigma: IPTU X IPTU progressivo

            É possível afirmar que a adoção da progressividade com a finalidade de modificar condutas resulta de uma quebra de paradigma em que o imposto transcende a função meramente arrecadatória destinada a suprir os cofres públicos e passa a ter como escopo outras situações como o equilíbrio ambiental.
            Utilizando de um pensamento sistêmico, onde é possível verificar que temas como meio ambiente, sociedade, economia e saúde estão intimamente ligados é possível compreender a razão da adoção de instrumentos tributários na tarefa da gestão urbana e ambiental.
            Segundo José Marcos Domingues:

A imposição tradicional (tributação fiscal) visa exclusivamente à arrecadação de recursos financeiros (fiscais) para prover o custeio dos serviços públicos. Já a denominada tributação extrafiscal é aquela dirigida a fins outros que não a captação de dinheiro para o Erário, tais como a redistribuição da renda e da terra, a defesa da indústria nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos mais adequados ao interesse público, a promoção dos desenvolvimento regional ou setorial, etc. Como instrumento indeclinável de atuação estatal, o direito tributário pode e deve, através da extrafiscalidade, influir no comportamento dos entes econômicos, de sorte a incentivar iniciativas positivas, e desestimular as nocivas ao Bem Comum. 4

Se faz necessário ainda, esclarecer no que consiste a mencionada progressividade, o que de faz através das palavras de Eduardo Sabbag:

A progressividade é a técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. O critério diz com o aspecto quantitativo, do que decorre tanto a progressividade fiscal como a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo “quanto mais se ganha, mais se paga”, no intuito meramente arrecadatório, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório.5

Nesse sentido, tome-se que a especulação imobiliária e a subutilização de imóveis vai de encontro à noção de Bem Comum e trata-se de conduta a ser alterada, posto que prejudicial à sociedade. Dentro da perspectiva sistêmica é possível observar uma série de fenômenos encadeados por esta prática que atentam ao bem-estar da sociedade e às finalidades do Estado.
Como exemplo pode-se imaginar uma cidade com muitos imóveis subutilizados, neste caso haverá menor oferta de moradias, o que, com o crescimento constante das populações urbanas resultará em ocupações irregulares, o que gerará poluição ambiental devido à carência de infraestrura básica nestes locais como água, esgoto e coleta de lixo, o que gera um problema de saúde pública, pois devido à falta de saneamento surgem doenças, tal situação sobrecarrega o sistema de saúde o que por fim resulta em grande impacto no orçamento público.
Assim, fica fácil compreender a mudança de valores que resultou na adoção da progressividade em relação ao IPTU por força da política urbana nacional. Trata-se de uma necessidade guardadas as suas proporções. O imposto progressivo ou extrafiscal se presta à tarefa de modificar as condutas humanas e foi um dos meios consagrados pela Constituição Federal no sentido de fazer valer os seus comandos, pois a fim de garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no artigo 225, perpassa pela reorganização urbana, pois nestes aglomerados se concentra a maior parte da população do país. A seguir verifica-se os aspectos legais na legislação infraconstitucional.

2.3 Aspectos legais: a previsão na Lei 10.257/2001 e o estabelecimento dos planos diretores nos municípios

            A fim de regulamentar a política urbana prevista nos artigos 182 e 183 da CF foi criada a Lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade. Nesta lei foram estabelecidas as principais diretrizes de gestão urbana nacional. Já nesta lei estão dispostos os instrumentos de política urbana entre os quais se encontram os tributários conforme transcreve-se:

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
[...]
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
[...]

            Ainda no mesmo diploma legal temos a previsão para a criação dos planos diretores, intimamente ligados com a questão da função social da propriedade conforme disposto em seus artigos 39 a 42. O artigo 182 da CF, em seu §1º, determina a obrigatoriedade de plano diretor, aprovado pelas Câmaras Municipais, para municípios com mais de vinte mil habitantes a fim de atender as necessidades de desenvolvimento e expansão urbana. 
Assim, o plano diretor nada mais é do que uma lei municipal que deve instituir os instrumentos mais adequados à realidade dos municípios dentro dos disponíveis dentro da legislação. Nesta lei municipal devem estar contidos os instrumentos tributários destinados à gestão urbana.
Gize-se que não basta que exista apenas a previsão no plano diretor do IPTU progressivo, pois este ainda deve ser regulamentado no âmbito municipal para estabelecer os limites da progressividade a ser aplicada ao imposto.  Sobre os limites da progressividade e regulamentação destaca-se a lição do Prof. Eduardo Sabbag:

Aliás, o art. 182, §4º, II, da CF dispunha acerca da progressividade extrafiscal do IPTU, que, adstrita à previsão no plano diretor do respectivo município, prestigiava a busca da função social da propriedade urbana, tributando-se mais gravosamente os proprietários de bens imóveis da zona urbana que não procediam a seu adequado aproveitamento. Evidenciava-se, assim, a consecução indireta de notável interesse público, ou seja, o adequado uso e gozo  da propriedade territorial urbana. Para a realização da técnica de progressividade extrafiscal do IPTU, constante do preceptivo constitucional acima destacado, eram utilizados variados critérios – sempre se respeitando os limites constitucionais da não-consfiscabilidade -, ligados por exemplo ao tempo de ausentismo da propriedade (especulação imobiliária a partir da inatividade dos bem), ao espaço territorial (localização física do imóvel), à superfície (metragem bruta do terreno), à destinação do imóvel (residencial, comercial ou industrial), à existência de construções (edificações), entre outros.6

Desse modo resta claro que os limites de progressividade não devem ser fixados de modo a confiscar o bem sobre o qual recai o imposto progressivo, sob pena de violação das disposições constitucionais, ademais, diversos critérios são estabelecidos para o cálculo do tributo. Contudo, o IPTU progressivo não é aplicado por si. Apenas será instituído após a aplicação de outros instrumentos de política urbana conforme se verá a seguir.

2.4 Aplicação do IPTU progressivo na tutela ambiental do espaço urbano na atualidade – intervenção do Estado na propriedade privada

  O IPTU progressivo no tempo só pode ser aplicado em caso de descumprimento da obrigação de parcelar, edificar e utilizar compulsoriamente o imóvel conforme a disposição do art. 7º do Estatuto da Cidade:

Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.
§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

Mencione-se que para a aplicação do IPTU progressivo é necessário que além da previsão no plano diretor e regulamentação das alíquotas, tenha o contribuinte descumprido a obrigação de utilizar, edificar ou parcelar propriedade imóvel subutilizada. A fim de ilustrar no que constitui este outro instrumento de política urbana transcreve-se abaixo o art. 5º do Estatuto:

Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;
II – (VETADO)
§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
§ 3o A notificação far-se-á:
I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;
II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.
§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.
§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo.

Assevera-se que a referida obrigação é ônus real, ou seja, acompanha o bem imóvel. Assim, se o proprietário resolver o bem o comprador assume a obrigação mencionada, bem como o pagamento dos tributos que dela decorrem, ou seja, enquanto não cumprir com a obrigação seguirá recolhendo o tributo na forma progressiva.    
Pode-se concluir que é longo o caminho até a aplicação do IPTU na sua forma progressiva, pois outras opções no sentido de adequadamente fazer uso do seu bem imóvel são proporcionadas ao contribuinte. Todavia, uma vez que restem frustradas cumpre ao Estado intervir diretamente na propriedade para garantir o bem estar social. Nesse sentido cumpre observar a liça de do Professor Marcelo Alexandrino:

O art. 7º do Estatuto prevê que, no caso de descumprimento da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar, prevista em lei específica do município e constituída por notificação do poder executivo municipal, será aplicado o IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos (é a majoração que se dá durante cinco anos consecutivos; a cobrança do IPTU majorado pode ocorrer por prazo superior, não limitado pela lei). O Estatuto da Cidade não estabelece essa hipótese como faculdade do município, mas sim determina que o município procederá à aplicação do IPTU progressivo no caso de descumprimento da obrigação aqui referida.7

As alíquotas de IPTU progressivo variam de 1% até o limite máximo de 15%, tais valores são fixados na mesma lei que determina a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar e não pode superar duas vezes o valor referente ao ano anterior conforme ensinamento do mesmo autor.
Passados cinco anos do início da cobrança do imposto na forma progressiva o município possui a faculdade de manter a cobrança em alíquota máxima ou desapropriar o bem com indenização em títulos da dívida pública. Trata-se de desapropriação-sanção.
Tanto a imposição de parcelamento, utilização e edificação quanto a aplicação do IPTU progressivo no tempo constituem intervenção do Estado na propriedade privada, uma vez que atua diretamente sobre direitos de particulares com o intuito de garantir a função social da propriedade conforme o comando do art. 5º, inciso XXIII.
Repise-se que a aplicação do IPTU progressivo não é realizada ao bel prazer do poder público municipal e convém analisar os ensinamentos de Celso Fiorillo neste sentido:

Resta, com a promulgação da Emenda nº 29/2000, que o legislador estabeleceu ao IPTU uma progressividade que pode ser chamada de facultativa (...poderá ser progressivo...). Todavia, anotamos que esta não pode ser utilizada pelo legislador municipal como este bem entender: haver-se-á que verificar quais são as suas diretrizes, e tal verificação deve ser feita pelos critérios estabelecidos no próprio texto constitucional. Do acima exposto, temos que a baliza imposta pelo Texto Maior no que se refere ao IPTU se encontra no art. 182. A progressividade do IPTU só pode ser aplicada com uma finalidade, a de assegurar o cumprimento da função social da propriedade.8
             
Nesta senda, é consectário do comando legal que o legislador só poderá fazer uso do mecanismo em questão quando do descumprimento da obrigação já referida, não cabendo em nenhuma outra hipótese sob pena de afronta ao princípio da legalidade.

 
3. Aspectos relevantes na adoção do IPTU progressivo

3.1. Possibilidades da adoção do imposto progressivo
           
Conforme destacado anteriormente, dois são os caminhos que podem ser seguidos pelo executivo municipal no que se refere ao IPTU progressivo, pois passados cinco anos de sua aplicação o poder público poderá manter a cobrança máxima da alíquota ou efetuar a desapropriação do bem, sempre no caso de em que proprietário não tenha cumprido com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel.
            Assim, resta o questionamento acerca de qual destas alternativas seria a mais eficiente no que se refere à manutenção da função social da propriedade. A questão manutenção da progressividade X desapropriação produz diferentes resultados conforme se observará a seguir.

3.2. Manutenção da Alíquota máxima
           
Partindo do pressuposto que se mantenha a alíquota máxima, após cinco anos de sua instituição e se seguindo por tempo indeterminado, tal situação, ao menos em uma análise mais detida é possível concluir que seria mantido um estado de coisas inalterado. Diante disso, a cobrança se protrairia no tempo, sob a alíquota máxima de 15% e, considerando a hipótese do proprietário do bem possuir suporte econômico em nada se alteraria a sua conduta, pois o Poder Público seguiria arrecadando o imposto sem que o imóvel recebesse uma destinação que atendesse a função social devida.
            Dessa feita, restaria inócuo o esforço do legislador em adotar a progressividade como instrumento de gestão urbana com a finalidade que lhe é cabível, eis que em lugar de promover justiça social e equilíbrio ambiental quiçá reverteria até mesmo em proveito econômico do proprietário o que não é possível no caso da Desapropriação, o que se observa a seguir.

3.3. Desapropriação
           
Admitindo-se a possibilidade do Poder Público cessar a cobrança do IPTU progressivo no prazo de cinco anos e partir para a desapropriação do imóvel, prevista no Estatuto da Cidade, ter-se-á efetivamente a concretização da destinação do imóvel para que atenda a função social e entenda-se por função social a sua utilização dentro dos parâmetros legais e sociais.
            Diante da desapropriação o proprietário, o qual teve todas as chances e prazos previstos em lei para utilizar o seu imóvel e recusou fazê-lo, receberá a indenização cabível em títulos da dívida pública e o bem será destinado para a própria Administração Pública no atendimento do interesse público ou para terceiros conforme a lição do Prof. Marcelo Alexandrino:
           
O município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel desapropriado no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público (art. 8º, §4º). O aproveitamento do imóvel poderá ser objetivado diretamente pelo poder público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nestes casos, o devido procedimento licitatório (art. 8º, §5º). Nessa hipótese de aquisição por terceiro, permanecem para o adquirente as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização que antes gravavam o imóvel (art. 8º, §6º).9

            Observa-se, portanto, que a desapropriação melhor atenderia os objetivos da gestão urbana, preservação da função social da propriedade e bem comum. Muitas reflexões podem ser desenvolvidas acerca das possibilidades que o IPTU progressivo proporciona. Destaque-se que é dever do Estado executar as políticas públicas estabelecidas nas diretrizes constitucionais, através dos instrumentos previstos na legislação. Assim, a desapropriação efetiva realmente o que propõe a política de estruturação urbana, de modo que inegavelmente manter a mera cobrança da alíquota máxima por tempo indeterminado denota uma posição de passividade do Poder Público sem a produção dos resultados esperados, ou seja, a destinação do bem.

Considerações Finais

            Foi possível analisar a importância do estudo sobre o IPTU progressivo e seu surgimento calcado na mudança de paradigmas que se estabelece no momento em que a Constituição Federal de 1988 caracterizou-se como Constituição Cidadã, norteada pelos valores de igualdade e justiça social elevando desse modo os direitos fundamentais e, entre eles, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual não pode ser analisado senão dentro de um sistema que transcende, abarcando, dentre outros enfoque a reestruturação do espaço urbano.
            Dentro deste sistema, destacamos a tributação como instrumento da referida reestruturação, eis que, adotada não apenas como simples fonte de arrecadação de recursos financeiros aos cofres públicos, mas voltada para a modificação da conduta do contribuinte, ao qual cabe escolher o meio menos gravoso de se adequar à realidade social. Verificou-se que o Estatuto da Cidade estabeleceu uma série de mecanismos para a reorganização do espaço urbano a fim de atingir o bem comum, o que é operacionalizado nos municípios com população acima de 20.000 habitantes através dos Planos Diretores das cidades.
            Contudo, percebe-se que não basta apenas estabelecer o Plano Diretor para que se adote o IPTU progressivo, é também necessária a regulação da progressividade de suas alíquotas. Ainda, mencione-se que a aplicação do imposto progressivo só ocorrerá após o descumprimento da obrigação de edificar, parcelar ou utilizar bem imóvel subutilizado.
            Não obstante a isso, afirma-se que o poder executivo municipal possui a faculdade de, após cinco anos de cobrança do imposto progressivo, determinar a manutenção desta cobrança em alíquota máxima por tempo indeterminado ou operar a desapropriação do bem, a qual constitui uma das formas mais severas de intervenção do Estado na propriedade.
            Diante destas duas possibilidades disponíveis na legislação existe a necessidade de refletir sobre como cada uma irá atender o imperativo de dar ao imóvel subutilizado uma destinação que atenda a função social da propriedade exigida pela Constituição Federal. Claramente se verifica que a manutenção da cobrança em alíquota máxima não atende diretamente este anseio, pois neste caso o IPTU progressivo assume o mesmo papel do IPTU não sua forma original, pois não força a modificação de conduta por parte de quem o recolhe.
Todavia, no caso de desapropriação tem-se o atendimento pleno da exigência constitucional, pois o bem será retirado da esfera patrimonial do contribuinte, mediante indenização em títulos da dívida pública e será destinado para o Estado ou para terceiros a fim de que seja parcelado, edificado ou utilizado, evitando sobremaneira a especulação imobiliária e a desigualdade social.
           

Referências

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STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

1 REALI, Darcí. Os municípios e a tributação ambiental. Caxias do Sul, RS: Educs, 2006. p.99-100.

2 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, Renata Marques Ferreira. Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.p.37.

3 LONGEN, Márcia Zilá. O IPTU progressivo no tempo e sua aplicação na organização do espaço urbano: uma análise a partir da legislação de Blumenau. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/13979/o-iptu-progressivo-no-tempo-e-sua-aplicacao-na-organizacao-do-espaco-urbano-dos-municipios/2>. Acesso em 01 de março de 2011.

4 OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito Tributário e Meio Ambiente. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.54.

5 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.p.919.

6 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.p.126

7 ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 946.

8 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, Renata Marques Ferreira. Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.p. 93.

9 ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 948.


Recibido: 13/05/2015 Aceptado: 15/05/2015 Publicado: Mayo de 2015

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