Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


SOCIEDADE MIDIATIZADA E RESSIGNIFICAÇÕES EM DIFERENTES CAMPOS: UM OLHAR SOBRE AS MANIFESTAÇÕES SOCIAIS DE JUNHO DE 2013

Autores e infomación del artículo

Ivan Daniel Müller

Gustavo Roese Sanfelice

Norberto Kuhn Junior

Universidade Feevale

ivanmuller@feevale.br

RESUMO: O presente artigo busca abordar, a partir do conceito de sociedade midiatizada (VERÓN, 1997; 2014; SODRÉ, 2006; GÓMES, 2006), os imbricamentos dos campos político, midiático e dos agentes presentes nas Manifestações de Junho de 2013. Buscando suscitar mais questionamentos do que afirmações, o texto procura levantar diferentes aspectos relacionados as práticas de cidadania, sobretudo relacionadas a participação política efetiva e suas relações com o campo midiático, mais específicadamente a mídia tradicional brasileira. A sociedade midiatizada aponta para aspectos interessantes no que tange à possiveis relações mais democráticas na produção de notícias, fator que pode ser utilizado em relação ao campo político, mas preocupa em outros aspectos ligados a sua moral mercadológica e a individualização dos indivíduos.
Palavras Chave: Manifestações de Junho de 2013, Midiatização, Cidadania, mídia tradicional brasileira, política.

Media-centric Society and its implications in different fields: a look into the social Demonstrations in Brazil, June 2013.
ABSTRACT:
The purpose of this article is to address the interrelations between the fields of politics and media and the factors of the June 2013 Demonstrations in Brazil, based on the concept of a media-centric society (VERÓN, 1997; 2014; SODRÉ, 2006; GÓMES, 2006). This text seeks to evoke questions more so than answers, and addresses various aspects related to citizenship practices, particularly those related to effective political participation and their relationships with media (traditional Brazilian media, to be more specific). Media-centric society indicates interesting aspects of possibly more democratic relationships in news production, a factor which could be utilized by the political field, yet with concern over other aspects connected to its marketing morality and the individualities of persons.
Keywords: Citizenship, June 2013 Demonstrations, Media coverage, Traditional Brazilian media, politics.

Sociedad mediatizada y nuevos significados en distintos campos: una mirada sobre las manifestaciones sociales de junio de 2013 en Brasil
RESUMEN:
Este artículo busca abordar, a partir del concepto de sociedad mediatizada (VERÓN, 1997; 2014; SODRÉ, 2006; GÓMES, 2006), las fusiones entre los campos político, mediático y de agentes presentes en las Manifestaciones de junio de 2013 en Brasil. Con el objetivo de plantear más cuestiones que afirmaciones, el texto busca tratar distintos aspectos relacionados con las prácticas de ciudadanía, sobre todo las relacionadas con la participación política efectiva y sus relaciones con los medios, más específicamente los medios tradicionales brasileños. La sociedad mediatizada  apunta a los aspectos interesantes en lo que se refiere a las posibles relaciones más democráticas en la producción de noticias, un factor que puede ser utilizado en relación con el campo político, pero que preocupa en otros aspectos vinculados a su moral de comercialización y a la individualización de las personas.
Palabras clave: Ciudadanía, Manifestaciones de junio de 2013, Mediatización, medios tradicionales brasileños, política.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Ivan Daniel Müller, Gustavo Roese Sanfelice y Norberto Kuhn Junior (2015): “Sociedade midiatizada e ressignificações em diferentes campos: um olhar sobre as manifestações sociais de junho de 2013”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 27 (enero-marzo 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/01/manifestaciones.html


Introdução

Com base nos conceitos de midiatização da sociedade (VERÓN, 2007; 2014; SODRÉ, 2006; GÓMES, 2006) o presente artigo visa realizar uma  análise acerca das Manifestações Sociais de Junho de 2013 ocorridas no Brasil, também chamadas de Jornadas de Junho ou mesmo Manifestações de Junho de 2013. Tais manifestações, que tiveram seu estopim a partir de demandas sociais como a mobilidade urbana, levaram em um só dia mais de um milhão de pessoas as ruas, e sucederam-se em período concomitante a realização da Copa das Confederações FIFA 2013 no Brasil e, guardadas suas devidas peculiaridades, seguiram o rumo de outras manifestações mundo afora por estarem de certo modo conectadas em rede, como a Occupy Wall Street, os Indignados, ou mesmo a Primavera Árabe (CASTELLS, 2013).
À sombra de características presentes nos conceitos de midiatização, como a complementaridade entre as ações do emissor e do receptor, e a presença constante do feedback, que aponta para uma sociedade na qual meios, sujeitos e organizações influenciam-se mutuamente, em uma concepção em direção justamente oposta a da fórmula tradicional, Emissor-Canal-Receptor (VERÓN, 1997) buscar-se-á interpretar e trazer à tona tal acontecido. O próprio processo de midiatização da sociedade, também lança luzes sobre a crise evidenciada entre a instituição política, ou o campo político e os agentes sociais, explicitado através das manifestações (CASTELLS, 2013).
As instituições e os agentes, e mesmo o poder central que ainda tem a grande mídia tradicional (LIEDTKE, 2003), também inserida e com grande poder nos meios digitais, opera significados que necessitam de uma  contextualização social e histórica, ainda que sejam ressignificados também à partir de uma sociedade midiatizada.
Nessa direção, evidencia-se aqui a relação do campo midiático para com o campo político, e a caracterização dessas instituições em consonância com uma prática clientelista e de cooptação presente nas instituições políticas (SCHWARTZMAN, 2007). Posteriormente, ao evidenciar-se o conceito de não cidadania (FEDOZZI, 1997) constituído no país e de não participação política efetiva, buscar-se-á abordar o habitus 1referente aos atores individuais.
 Por fim, o que procura-se trazer são sobretudo diversos questionamentos, em especial no que tange as estruturas objetivas dos campos e as estruturas incorporadas (habitus) referentes aos indivíduos, sociedade civil, e as Intituições políticas, evidenciadas em crise à partir das Manifestações de Junho de 2013, onde também demonstrou ressignificação o campo midiático, sobretudo referente a postura adotada pelos meios de mídia tradicionais, em consonância com a teoria de uma sociedade midiatizada. Tais questionamentos visam a busca de respostas que dialoguem com essa sociedade, com as novas formas de participação política, mas sem esquecer das questões históricas, sociais e sobretudo culturais que estão imbricadas nesse processo. Conforme sugere Véron (2014), a sociedade midiatizada, através de seus sistemas midiáticos próprios e suas mudanças, pressupõem sistemas sociais mais complexos.
1 - A midiatização
Conforme explicíta Muniz Sodré (2006), o enorme impacto da chamada “economia digital” sobre o mundo do trabalho e sobre a cultura contemporâneos, elencam o fato de que as ciências sociais voltadas para o fenômeno midiático devam buscar um melhor posicionamento epistemológico em relação ao objeto, e ao acompanhamento das mutações sociais alavancadas pela mídia e pela realidade virtual. Segundo Sodré, a natureza do espaço público tradicionalmente animado pela política e pela imprensa escrita se somam a novíssimas formas de representação da realidade, como o virtual, o espaço simulativo, ou telerreal. Tudo isso, conforme o antropólogo brasileiro, confirmam a hipótese de que a sociedade contemporânea rege-se pela midiatização, ou seja, pela tendência a virtualização das relações humanas, gerando assim, uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo.
Eliseo Véron, filósofo e sociólogo argentino, foi um dos pioneiros no trabalho da midiatização enquanto tema de estudo, servindo de referência para diversos autores brasileiros. Foi Véron (1997) quem propôs um esquema de análise midiático que vai além do tradicional, pensando na autonomia de cada parte no processo comunicacional. O autor identifica fluxos que compõem a midiatização, sendo que nesse processo, destacam-se características como a complementaridade entre emissor e receptor, a horizontalidade na troca de mensagens e a presença do feedback.
No esquema ilustrado, o círculo denominado “instituições” designa o que tratamos no presente artigo como sendo o campo político. Já os meios, lugar do campo midiático como um todo, que ocupa a centralidade que se justifica pelos pressupostos da midiatização. Por fim, os atores, que são designados como individuais para se caracterizarem como membros inseridos em complexas relações sociais. As flechas duplas indicam a interação.
Véron alerta não se tratar de um modelo teórico, mas antes de um esquema que permite realizarmos análises acerca dos processos presentes na sociedade midiatizada, que, conforme alerta Sodré (2006), tratar-se-á de uma sociedade com um novo bios, com uma qualificação cultural própria chamada “tecnocultura”, uma espécie de quarta esfera existencial juntamente com as outras três determinadas por Aristóteles em Ética a Nicômaco: vida contemplativa, vida política e vida prazerosa. A questão central, segundo Sodré (2006), para toda sociologia ou antropologia da comunicação contemporânea, é saber como essa qualificação, a tecnocultura, atua em termos de influência ou poder na contrução da realidade social, ou seja, na moldagem de percepções, afetos, significações, costumes e produção de efeitos políticos. 
Da mídia para o público não parte apenas influência normativa, mas principalmente emocional e sensorial, com o pano de fundo de uma estetização generalizada da vida social, onde identidades pessoais, comportamentos e até mesmo juízos de natureza supostamente ética passam pelo crivo de uma invísivel comunidade do gosto, na realidade o gosto “médio”, estatisticamente determinado. Estimula-se, assim, uma extroversão sistemática, na forma de um emocionalismo desabrido, cuja influência sensorial – relacionamento das tecnologias comunicacionais com o aparelho perceptivo dos indivíduos – conforma o sentido de nossa presença no território que habitamos, no nosso espaço humano de realização. (SODRÉ, 2006: 23-24)
Seguindo o conceito de midiatização, Deuze, Speers e Blank (2010) irão apontar que atualmente vivemos na mídia e não mais com ela. Segundo os autores, qualquer análise contemporânea acerca desse campo, deve levar em conta as imensas modificações culturais e sociais que essa acertativa trás, na medida em que a mídia está tão presente e de certo modo tão invisível em nossas vidas, que se quer nos demos conta disso.
Cabe destacar aqui, que de maneira semelhante, a mídia opera calcada em uma lógica mercadológica que está implicíta em seus discursos, conforme destaca Sodré (2006).
A midiatização da sociedade oferece a perspectiva de um eticismo vicário ou paralelo, atravessado por injunções da ordem de “ter de” e “dever” e suscetível de configurar uma circularidade de natureza moral, fundamentada pela tecnologia e pelo mercado. Não se trata mais, portanto, da moral repressiva que impunha, nos termos freudianos, “grandes sacrifícios” à sexualidade e aos anseios de liberdade individual – a mesma que, na “primeira” modernidade, realizava os constrangimentos civilizatórios – e sim agora de uma eticidade exaltiva do desejo individual, para capturá-lo, em nome da qualificação existencial orientada pelo mercado. Chamar a atenção, atrair e manter sobre si mesmo o olhar do outro, converte-se em valor moral. (SODRÉ, 2006: 28)
Dessa maneira, conforme destaca Kuhn Júnior (2008), a mídia passa do lugar de suporte, veículo e instrumento para engendrar-se em um novo modo de organização da sociedade, onde, passa a ser assimilada aos usos cotidianos, convertida em cultura, e dessa maneira incide sobre a capacidade de decidirmos e de fazermos valer uma decisão, ou seja, sob essa nova égide estabelecida pela sociedade midiatizada, redefinem-se as relações de poder entre os sujeitos e a capacidade de se fazer valer como poder.
É assim, portanto, que a mídia enquanto quarta esfera existencial se  torna:
…uma espécie de suporte da consciência prática na medida em que os fluxos informativos fazem interface, reorganizam ou mesmo inventam rotinas inscritas no espaço-tempo existencial. A própria recepção ou consumo dos produtos midiáticos pode ser vista como uma atividade rotineira, integrada em outras que são características da vida cotidiana. E tudo com um conteúdo moral próprio, que  corresponde, por um lado, ao ethos individualista do universalismo jurídico (o formalismo dos direitos humanos ou da suposta igualdade de todos perante a lei) e, por outro, à abstrata equivalência dos sujeitos da troca na economia monetária. (SODRÉ, 2006: 29)
Cabe o alerta de Sanfelice (2007) porém, de que a sociedade midiatizada não é homogênea, haja visto que os meios penetram e alteram todas as relações mas não produzem uma homogeneização.
Nem todas as práticas sociais são, homogeneamente, midiatizadas de forma igual. As diferenças econômicas, por exemplo, acabam por tornar o processo desigual. A midiatização é relativizada em função do contexto social no qual ela é percebida. (SANFELICE, 2007: 96)
Dessa maneira, cabe o alerta de que é possível analisarmos as estruturas objetivas dos campos, mas sem esquecermos das estruturas incorporadas (habitus), que, conforme Bourdieu (1983), são estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes sem que, por isso, sejam o produto da obediência a regras, dando dessa forma portanto, importância também a ação do indivíduo em si.  
2 - A mídia tradicional brasileira e sua relação com o campo político
Torna-se importante evidenciar no presente artigo, o contexto histórico, social e cultural em que se constituiu a mídia brasileira, sobretudo, em relação aos meios mais tradicionais, os quais optei por nomear aqui, como sendo a mídia tradicional brasileira; Quais sejam: jornais, rádios, e redes de televisão, apontando seus imbricamentos com o campo político, suas práticas e seus grupos de domínio. Importante lembrar ainda, que esses mesmos grupos, também se fazem presentes e operam, nos novos meios tecnológicos.
O que evidencia-se é que a mídia tradicional no Brasil não só está concentrada na mão de poucos grupos, bem como esses grupos seguem uma lógica clientelista e de cooptação política, em acordo a uma política neopatrimonialista (SCHWARTZMAN, 2007)²2 que define também, suas práticas.
Conforme sugere Pieranti (2006), desde o marco da instalação da imprensa no Brasil ainda no século XVIII, parte dos periódicos encontrava-se intimamente ligada ao poder público. Tais relações, seja de certo “controle de conteúdo”, ou de apoio financeiro por parte do Estado, se estenderam da mesma maneira durante o império e os primeiros anos republicanos, sendo que, por vezes, pedidos de ajuda financeira por parte da imprensa se tornavam até oficiais. Tal ajuda a empresas jornalísticas, com verba pública, passou assim a ser uma prática considerada normal, sendo que, em contrapartida, visualizava-se de certa maneira uma compra de opinião de tais órgãos, dispostos portanto a apoiarem os governos. Diversos autores evidenciam que, historicamente se adotou práticas clientelistas em relação a mídia brasileira, e que, à partir do governo Vargas, tais práticas se intensificaram em relação aos meios de comunicação de massa e suas concessões.
Historicamente, a política de concessões de emissoras de rádio e televisão esteve arraigada a interesses de grupos privilegiados. A utilização dos meios de comunicação de massa como prática de manipulação de poder tem sido uma constante na sociedade brasileira. Desde a instauração do Estado Novo de Getúlio Vargas, (1937-1945), os critérios de distribuição das emissoras de rádio tem sido eminentemente políticos. Não por acaso representam a voz do poder. (Caldas, 1998: 40)
Segundo Graça Caldas (1998), foi justamente durante a era Vargas, que o governo passou a utilizar estrategicamente o rádio, como forma de levar adiante seu plano de governo; Incentivou o aumento de emissoras, ao tempo em que distribuiu decretos e portarias atribuindo-se a si, o controle total sobre a radiodifusão, sendo que, tal modelo de comunicação de massa passou a ser então vigiada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
Conforme a autora, até o início dos anos 60, não havia uma política clara de comunicação no país. Segundo ela, somente em 1962, com a regulamentação do Código brasileiro de telecomunicações objetivou-se a possibilidade de regulamentação desse setor, porém, a prerrogativa de concessão exclusiva do presidente da República, possibilitou que os meios de comunicação continuassem sendo usados como moeda de troca de interesses políticos entre representantes dessa elite.
Dois anos após a criação do Código brasileiro de telecomunicações, com o golpe militar e a instauração da ditadura, a relação entre a comunicação de massa e o governo se tornou ainda mais próxima.

A legislação autoritária permitiu que o governo militar, instalado em 1964, promovesse o desenvolvimento tecnológico nacional através da expansão das telecomunicações, área considerada estratégica para o controle político do país. Ao mesmo tempo, facultou a outorga de emissoras de rádio e televisão aos amigos do sistema. Com isto, os proprietários da mídia eram invariavelmente empresários vinculados ao governo ou políticos acostumados à prática do clientelismo. Não por acaso as emissoras são consideras as principais armas eleitorais de um político. (CALDAS, 1998: 41)
É justamente aqui que inicia-se o papel crucial da televisão brasileira, o maior exemplo seria a própria Rede Globo de Televisão que passou a transmitir a partir de 1965 em total acordo com a ditadura vigente e suas imposições. Caso semelhante aconteceu em relação as outras redes de televisão que receberam concessões no período, onde, todos os beneficiados se mostravam “amigos” do sistema.
            Octavio Pieranti (2006), chama a atenção justamente porque do ponto de vista técnico, seria óbvio a necessária regulação da distribuição de concessões, haja visto a finitude em relação ao número de freqüências disponíveis para a transmissão de sinais de rádio e de televisão. Conforme evidencia o autor ainda, foi justamente durante o final da ditadura militar, em um processo de abertura democrática no país, nos governos Figueiredo e Sarney, presidentes eleitos indiretamente, que as concessões foram outorgadas em maior número, visando sobretudo interesses políticos no país.
Quando Antônio Carlos Magalhães assumiu o ministério, em 1985 suspendeu as concessões de emissoras de rádio e TV autorizadas no fim do governo Figueiredo – 144 de um total de 634 – distribuídas principalmente para parlamentares fiéis ao governo e pessoas ligadas a eles. A onda de moralização no que tange à outorga de concessões não se confirmou: no mesmo ano ACM liberou as concessões suspensas e o governo Sarney transformaria em baixos os índices de Figueiredo no setor. As concessões de emissoras de radiodifusão aumentaram consideravelmente durante o governo Sarney, sendo usadas, em muitos casos, como forma de barganha com os parlamentares que compunham a Assembléia Constituinte. De 1985 a 1988, o Presidente da República fez 1.028 concessões – 30,9% de todas as 3.330 concessões outorgadas no Brasil até o governo Collor. Desde 1988, logo depois da promulgação da Constituição Federal, o Congresso Nacional passou a ser responsável pela aprovação ou veto das concessões feitas pelo governo federal. Antes disso, em apenas dois anos, 1987 e 1988, foram distribuídas 747 emissoras de rádio e TV. Em 1988, ano decisivo para a votação da nova Constituição, foram 539 (52% do total do governo Sarney). Em três anos, 168 concessões foram outorgadas apenas para empresas ligadas a 91 deputados federais e senadores. Desses, 82 (90,1%) votaram a favor da emenda que aumentou para cinco anos o mandato de Sarney. (Motter, 1994 apud Pieranti 2006: 107-108).
Ainda conforme Pieranti (2006), apesar de avanços em relação as concessões, é, somente a partir de 1995 no governo de FHC que se estabelece o decreto 1.720 que impõe limites a concessão de outorgas, com necessária abertura de licitação para a concessão de emissoras de radiodifusão, porém, uma brecha na lei ainda iria permitir a manipulação da concessão de retransmissoras de televisão. O autor alerta ainda em seu artigo, para a crise vivenciada pelas empresas de radiodifusão e de imprensa nos anos de 1990, em especial a dívida bilionária que contraiu a Rede Globo de Televisão, sendo sanada através de empréstimos junto ao poder público.
Sobre tal crise, Pieranti (2006: 114) questiona:
A dimensão da crise foi tornada pública quando as empresas de radiodifusão e de imprensa solicitaram ao BNDES, em 2003, linhas de crédito e empréstimos em condições especiais. As associações representativas das empresas do setor pediram R$ 1,2 bilhão para compra de papel-jornal e linhas de crédito de R$ 5 bilhões para o refinanciamento de dívidas. A proposta foi polêmica não só pelo valor solicitado como também pelo setor a que ele seria destinado: uma imprensa independente ou, pelo menos, que tenha condições para tal, e, conseqüentemente, saudável do ponto de vista financeiro é fundamental para a garantia da democracia, colaborando para a fiscalização do poder público. Mesmo sendo clientes fiéis dos bancos oficiais, nunca tantas empresas do setor fizeram, juntas, um pedido de empréstimo tão grande. Até que ponto um empréstimo dessa monta, concedido por um banco federal, não compromete a independência da imprensa? E até que ponto a recusa na concessão do empréstimo não representaria uma crise ainda maior do setor, caracterizada por falências em massa e mais demissões? As discussões nos poucos meios de comunicação sobre o pedido de empréstimo – notadamente os que não o solicitaram – giraram em torno do enfrentamento de um dilema: ou se comprometia a isenção e, conseqüentemente, a liberdade de imprensa, ou se comprometia a existência da imprensa.
Liedtke (2003) ao abordar o tema de políticas públicas e o controle da mídia no Brasil em seu artigo, demonstra estarem os meios de comunicação no país em poder de poucos grupos, e, através de dados, evidencia o fato de o governo federal juntamente com as empresas públicas, serem os maiores anunciantes no mercado de comunicação, que, desde a estabilidade econômica do país passaram a somar lucros absurdos em relação a publicidade. Conforme Liedtke (2003: 62):
Por um lado, percebe-se, portanto, uma concentração empresarial cada vez mais aglutinada sobre os meios de comunicação; por outro, o aumento dos investimentos publicitários, principalmente governamentais, estabelecem uma influência econômica sobre a mídia. O governo, por sua vez, além de investir fortunas em publicidade paga, atuando como o maior cliente dos veículos de comunicação, contribui com políticas de regulamentação no setor das telecomunicações, liberando o mercado para livre exploração das grandes empresas. O controle público é minimizado na legislação, garantindo maior autonomia para os gigantes da comunicação, que não encontram resistências na ampliação de mercados.  
Portanto, tais práticas clientelistas a muito presentes nas relações políticas e econômicas entre Estado e mídia põem em cheque o poder midiático considerado autônomo, conforme evidencia Liedtke (2003: 63). O autor expõe ainda, um estudo realizado que evidenciou a concentração do controle da comunicação no país, nas mãos de alguns grupos.
Outro estudo, desta vez desenvolvido pelo Epcom (Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação) revelou em 2001, que apenas as seis principais redes nacionais de televisão do Brasil - Globo, SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV! e CNT – dominam um mercado de tv na ordem de US$ 3 bilhões. Através de 138 grupos afiliados, controlam ou estão associadas a 667 veículos no país. São 309 canais de televisão, 308 emissoras de rádio e 50 jornais diários. Direta ou indiretamente, as seis redes operam cerca de 90% das emissoras de TV do país. Às redes de televisão, somam-se outros quatro grandes grupos de mídia: Abril, RBS, Folha e Estado. Estas dez empresas controlam virtualmente tudo o que se vê, se escuta e se lê no país. (LIEDTKE, 2003: 57)
Portanto, qualquer discussão ou análise referente ao campo midiático no Brasil, deve levar em conta sua relação clientelista e de cooptação para com o campo político em consonância com a relação neopatrimonialista presente na relação Estado-sociedade, bem como, a noção de midiatização dessa sociedade e as possibilidades múltiplas que esse fato propõe, desde um discurso mercadológico e de individualização em que está calcado tal setor, até as possibilidades mais democráticas na produção da notícia, que sugere tal midiatização.
3 – Nossa não cidadania – Habitus dos atores individuais
É fato que nossa não participação cidadã, de reivindicação de direitos de toda ordem, e sobretudo de não participação política efetiva que se evidencia ainda hoje, explica-se somente através de um processo histórico e social. Conforme aponta Fedozzi (1997), há diferentes enfoques teóricos nas ciências sociais brasileiras que apontam para uma não cidadania de fato constituída e que para o autor, decorre da forte tradição patrimonialista ainda vigente na cultura política brasileira. Ou seja, nossa não cidadania está de fato entrelaçada com nosso “modo de governar” patrimonialista ou neopatrimonialista, que, conforme aponta Schwartzman (2007), rege-se em leis racionais modernas, porém opera-se efetivamente de forma arcaica, no sentido de ter uma dominação política efetuada pela burocracia e a chamada “classe política”, que sobretudo confunde a esfera pública para com a esfera privada.
Sales (1994) evidencia estar a cidadania brasileira atrelada a uma cultura da dádiva, ou, em outras palavras, que nossa cidadania de fato não se efetiva pois culturalmente aprendemos a esperar pelas benesses que nos são concedidas; sendo que para definir isso, a socióloga cunhou o termo de cidadania concedida.
A noção de cidadania concedida, que está na gênese de nossa construção de cidadania, é a noção oposta à de uma cidadania participativa, do direito de ir e vir, direito ao trabalho, à propriedade, a liberdade individual, conquistada através de lutas, revoluções. Essa cidadania, a qual herdamos historicamente em nosso país, evidencia-se concedida pois, trata-se de um favor do senhor territorial, que detinha o monopólio privado do mando, aos homens livres e pobres, e que portanto, dependiam dos favores dados pelo senhor para que pudessem usufruir dos direitos elementares de cidadania civil.
A autora expõe as possibilidades de fuga e permanência a essa condição de cidadania, sobretudo ligadas ao indivíduo e suas ações, cabe que, conforme Fedozzi (1997) essa inexistência de uma cidadania ainda hoje, que decorre de nossa tradição patrimonialista, ou neopatrimonialista ( SCHWARTZMAN, 2007), que coloca-se como um obstáculo estrutural a seu desenvolvimento.
4 – As Manifestações de Junho de 2013, algumas indagações E ASSERTATIVAS (Ressignificações dos diferentes campos)
Houveram já, diversos apontamentos (CASTELLS, 2013; ZIZEK, 2013; HARVEY, 2013) em relação as Manifestações de Junho de 2013, muitos nos quais, descreve-se a indignação da sociedade civil e o descontentamento em relação a política representativa brasileira, ou, o modo de governar neopatrimonialista brasileiro (SCHWARTZMAN, 2007) e a apropriação do que é público por conta de uma elite, que sobretudo age levando em conta seus interesses privados, dos quais obviamente cabe lembrar, conforme anteriormente exposto, não está desvinculada em grande parte, a mídia tradicional brasileira. 
A ideia aqui, não seria se ater ou explicitar somente o acontecido em relação as manifestações, mas antes, evidenciar as tensões entre os campos político, midiático e os agentes sociais, e questionar-se quanto as estruturas objetivas desses campos e as estruturas incorporadas (habitus) explicitadas e suas possíveis mudanças, ressignificações, que estão imbricadas também em um processo de midiatização da sociedade.
4.1 A democratização e os avanços cidadãos
Antes de mais nada, Orozco Gómez (2006) aponta que, as mudanças envoltas no campo da comunicação social não se devem ao potencial tecnológico mais recente, mas antes, à extensa presença das mídias e tecnologias nascidas na modernidade. Já, sobre a rapidez do desenvolvimento tecnológico, o autor destaca que esse não acompanha sua assimilação cultural, nem perceptiva e nem política, mas sim, mercadológica. Nesse aspecto nos cabe destacar, portanto, que as mudanças nos mais diferentes campos, não são produto dos avanços tecnológicos em si, mas estão envoltos em diversos processos, históricos, sociais e culturais nos quais também se posta, essa sociedade midiatizada que vivenciamos, e suas tecnologias.
Indo ao encontro do exposto, evidenciou-se anteriormente que o conceito de não cidadania, ou, de uma cultura da dádiva presente em nossa participação política efetiva por exemplo, demonstra o quanto historicamente somos indivíduos afastados dessa “praxis” política efetiva, em um habitus perpetuado através da estrutura de uma política patrimonialista ou neopatrimonialista conforme Schwartzman (2007). Ainda assim, para o que também atestam as Manifestações de Junho de 2013, é o fato de que a sociedade brasileira não pode ser tomada como que monolítica, e sim como diversa e contraditória, e que sobretudo, apresenta avanços na questão cidadã (habitus dos indivíduos), especialmente a partir da redemocratização e do combate a desigualdade social no país, e de experiências alternativas de envolvimento da população na formulação e execução de políticas públicas sobretudo em âmbitos municipais (FEDOZZI, 1997; CARVALHO, 2002), embora ainda haja muito para se avançar.
4.2 A lógica clientelista e de cooptação da mídia tradicional brasileira “versus” a lógica mercantil da sociedade midiatizada
 É fato pensar, portanto, que tais manifestações sociais não são comuns enquanto agenda dos meios midiáticos, vide as diversas manifestações realizadas no país todos os anos por diferentes movimentos sociais (Via Campesina, MST, MPL, MNLM, MTST e outros) que não recebem espaço na agenda dos meios de mídia tradicionais. Semelhante as Manifestações de Junho de 2013, devido a sua imensa proporção,foram vivenciadas nas últimas décadas no país somente dois momentos, sendo esses, as imensas manifestações em prol das “Diretas Já” na década de 1980 e as Manifestações ocorridas durante o processo de impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, “Os caras pintadas”, já no período democrático, em 1992.
Aqui, conforme destaca Benenedito Tadeu César (2013) ainda há e havia, um sentimento de insatisfação quanto as instituições de representação política que aí estão colocadas, que, não dão mais conta de suprir as demandas e a pluralidade da sociedade contemporânea, que se diferencia, conforme evidencia Bauman (2001) em diversos aspectos das sociedades industriais do século XX.
Ernesto Laclau (2014), ao se referir aos mais heterogeneos levantes políticos, destaca:
… sempre que o povo se reúne em torno de demandas não atendidas – que podem ser completamente diferentes e circunstanciais, mas que passam a ter uma conexão entre si por terem sido "abandonadas" pelo governo – e passa a confrontar o poder constituído. Cria-se uma ruptura no sistema, opondo o povo às instituições formais, onde se abrigam as elites e as forças conservadoras. (LACLAU, 2014, “Entrevista Jornal Zero Hora”)
 Nesse sentido, talvez o principal fator exposto em relação ao campo comunicacional, e em especial, a mídia tradicional de massa brasileira, é o fato da mesma estar relacionada as elites políticas, e portanto, as forças conservadoras em relação a estrutura. Se, inicialmente e de súbito, suas classificações em relação as Manifestações de Junho foram no sentido de destituir a legitimidade das manifestações, classificando sobretudo os participantes como vândalos, exatamente na mesma direção que toma em relação as manifestações executadas por movimentos sociais de esquerda, classificando-as como sendo de cunho “não morais” ou deslegítimas legalmente, como evidencia por exemplo, por si só, a conotação da palavra “invasão”, utilizada para descrever as ocupações de terra realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Em um segundo momento, como que em uma cooptação das manifestações por parte da grande mídia, pela percepção da opinião pública que era favorável às mesmas, e decorrente do processo de feedback necessário ao campo comunicacional na sociedade midiatizada, onde o fim último passa a ser a lógica mercadológica, a mesma mídia tradicional, passou a apoiar tais manifestações.
Tal fato é claramente exposto pelo documentário produzido pela Folha de São Paulo chamado: Junho – o Mês que abalou o Brasil, que demonstra o fato de que diversos jornalistas e meios voltaram atrás após procurarem denegrirem em seus comentários e afirmações, as manifestações e os próprios manifestantes. O próprio Jornal Folha de São Paulo, conforme evidenciado em outro artigo (MULLER et al, 2013), seguiu tal rumo em relação a classificação das manifestações e dos manifestantes, que inicialmente também eram classificados como deslegítimas e como sendo, ações práticas de vândalos.
Portanto, fica claro que, no caso específico em relação as Manifestações de Junho de 2013, a lógica clientelista e de cooptação da mídia tradicional brasileira em relação a manutenção das estruturas políticas postas foi deixada de lado, ou se opôs, nesse caso em específico, a lógica mercantil da sociedade midiatizada, a qual nesse caso, obteve prioridades.
4.3 As possibilidades democráticas na produção da notícia e o necessário senso crítico frente a lógica conservadora da mídia tradicional brasileira
Nos caberia aqui o alerta de Orozco Gómez (2006) novamente, que procura compreender as mediações do processo comunicativo como algo envolto nos processos culturais, sobretudo como processos estruturantes que provêm de diversas fontes, onde ainda, a mediação tecnológica ganha uma força desmedida. Tal afirmação vai bem ao encontro do que se viu, onde as redes sociais passaram a ressignificar os apontamentos realizados pelas mídias tradicionais.
Obviamente, a preocupação de tal mídia tradicional, foi, sobretudo mercadológica, haja visto que, conforme salienta Orozco Gómez (2006), essa crescente dependência tecnológica na vida cotidiana está orientada por esse viés e não está enquadrada por razões de desenvolvimento humano. O fim último do discurso midiático na sociedade midiatizada, conforme expõem também Sodré (2006) em um ethos, é de cunho mercadológico.
Cabe lembrar, que a grande massa que se encontrava presente nas manifestações, conforme alerta André Singer (2013), através da análise de pesquisas realizadas por alguns institutos presentes nas manifestações, era de jovens pertencentes a classe média tradicional que também contava com o apoio de um grande número de pessoas que não estava nas ruas, logo, passa a ser interessante mercadológicamente falando, a grande mídia tradicional, não se opor a tal opinião.
Se por um lado portanto, as ferramentas tecnológicas passam a oferecer possibilidades mais democráticas, pois abrem a produção da notícia também aos agentes, indivíduos, e também oferecem maiores possibilidades interpretativas, como o ocorrido nas redes sociais, e de feedback por parte da grande mídia, por outro, evidencia-se uma mídia tradicional, inserida obviamente nos meios digitais, que de maneira geral opera em uma lógica mercadológica, afastada portanto, da práxis política efetiva, visto que visa interesses individuais e não coletivos. E ainda, em se tratando da mídia tradicional brasileira, uma vinculação à lógica conservadora das estruturas políticas que aí estão postas, dada suas relações de interesse.
Importante lembrar que a relação entre os indivíduos e as instituições, nesse caso, em específico a política, está mediada pela produção midiática. E aqui entra o destaque dado a esse campo, seja pelos agentes, seja pela própria instituição política e seus representantes. Nesse sentido, o alerta de Fedozzi (1997) portanto, de que a inexistência de uma cidadania ainda hoje, é derivada de um obstáculo estrutural a seu desenvolvimento decorrente de nossa política neopatrimonialista se evidencia válido, onde também se evidenciam válidas as assertativas de Sales (1994), que propõe serem as ações dos indivíduos, as responsáveis por fazerem com que hajam fugas à essa cidadania concedida ou não cidadania, ações essas que também irão trazer, senso crítico frente a lógica conservadora da mídia tradicional brasileira.    
4.4 Indagações quanto as peculiaridades das Manifestações de Junho de 2013 e o conceito cidadão
Segundo Benedito Tadeu César (2013) a violência policial elencada pela polícia militar de São Paulo, reprimindo com força desproporcional um movimento, liderado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que de fato representava interesses de distintos grupos sociais, foi o estopim que desencadeou um processo nacional, e fez com que uma multidão partisse para as ruas. Aqui, caberia lembrar que a repressão policial também foi intensamente noticiada pela mídia tradicional, especialmente, porque atingia a classe média presente nas manifestações e sobretudo, os próprios jornalistas.
Cabe portanto, nos indagarmos se nas periferias das grande cidades brasileiras, onde muitas vezes, a violência por parte do Estado é válida, e onde, muitos dos sujeitos não dominam a práxis do aparato tecnológico ou deles não dispõem, diferentemente do que se evidenciou nas Manifestações de Junho, a visibilidade e a necessária cobertura da mídia tradicional se daria da mesma maneira? Ou, questionando-se de outra forma, em que ponto os novos aparatos tecnológicos não causam ainda uma maior distinção e desigualdade cidadã, entre os aptos e os não aptos? Cidadãos e não cidadãos? Ou na prática contribuem para o exercício da cidadania de alguns e afasta ainda mais dessa “práxis” outros? O quanto a violência desmedida por parte do Estado é válida quando utilizada contra um extrato social (classes menos favorecidas) e não válida para outros (classe média, jornalistas)?
4.5 A individualização na sociedade e a lógica midiática tradicional descontextualizada do histórico e social
Outras indagações também surgem em relação a violência, pois, a mesma como se viu, esteve presente nas manifestações pelo lado dos manifestantes, e em especial, após a entrada em cena dos “Black Blocks” e o afastamento de apoio por parte da grande massa, sobretudo da classe média tradicional. A partir daí, todos os meios de comunicação da grande mídia tradicional, voltaram-se a se pautar pela desqualificação dessas atitudes e manifestações, ou seja, não discute-se mais o fato em si, nem seus porquês, mas simplesmente, a notícia do dia, o aqui e agora, a violência em si. Conforme destaca Orozco Gómez (2006: 94):
Uma fonte de incerteza encontra-se nos destempos que salpicam e influenciam o devir cotidiano dos sujeitos-audiência. Um primeiro destempo reside em que a televisão (e talvez mais o computador, na medida em que se generalize seu uso) hoje transforma o acontecer em presente efêmero, sobretudo através da programação de notícias. A instantaneidade das transmissões televisivas, ao mesmo tempo que transforma a informação em novidade, a esvazia de historicidade. O resultado é um fluxo constante, sem princípio nem fim, intermitente, que transmite um presente contínuo como oferta e que prossegue nas reiteradas visões das audiências. O que aconteceu ontem, sem adquirir história, pode voltar a ser visto hoje ou amanhã, sem que volte a acontecer, mas sempre em presente, não em passado, até que volte a encontrar um novo presente midiático (virtual) no real.
Não por menos, talvez uma das frases mais apresentadas pelos meios de comunicação da mídia tradicional, foi: “contra tudo o que está aí” conforme evidenciou Benedito Tadeu César (2013). Ora, o que ela diz? O que seria o tudo que está aí? Mesmo na concepção trazida pelo teórico, de que tais instituições políticas não mais correspondem aos anseios da sociedade midiatizada e da modernidade líquida de Bauman (2001), o “contra tudo” não apresenta perspectiva nenhuma de futuro estável, e talvez por isso, não indique mudança alguma. A mesma frase, também atesta para a pluralidade de reinvidicações presentes nas manifestações, e expressa um perigo referente a questão da individualização na modernidade e sua constante mutação, conforme destaca Bauman (2001).
Se o indivíduo é o pior inimigo do cidadão, e se a individualização anuncia problemas para a cidadania e para a política fundada na cidadania, é porque os cuidados e preocupações dos indivíduos enquanto indivíduos enchem o espaço público até o topo, afirmando-se como seus únicos ocupantes legítimos e expulsando tudo mais do discurso públlico. O “público” é colonizado pelo “privado”; “o interesse público” é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida a exposição pública das questões privadas e a confissões de sentimentos privados (quanto mais íntimos, melhor). As “questões públicas” que resistem a essa redução tornam-se quase incompreensíveis. (BAUMAN, 2001: 46)
Cabe a atenção portanto, de que a mídia tradicional, embora tenha noticiado e em certo modo apoiado as Manifestações de Junho de 2013, não o fez senão com uma preocupação mercadológica, desvinculada de contextos históricos e sociais. Portanto, as Manifestações ocorridas por aqui em Junho de 2013 nos expressam questões, que sobretudo devem ser analisadas levando-se em conta os contextos históricos, sociais e culturais, os agentes e as estruturas estruturadas aí presentes.
Trazem perspectivas interessantes em relação a construção e ressignificação da notícia, e possibilidades quanto aos habitus dos agentes referentes a participação política efetiva, mas, por outro lado, conforme evidenciado, sucitam preocupações, sobretudo derivadas de um processo de individualização (BAUMAN, 2001) e de um ethos (SODRÉ, 2006) calcados na lógica mercadológica, afastada da preocupação social de fato, presentes na sociedade midiatizada e líquida contemporânea.
Considerações Finais
O que o presente artigo procura evidenciar, é justamente o fato de que a mídia, conforme evidencia Muniz Sodré (2006), atua especialmente em um conceito moral mercadológico e está imbricada, em tempos atuais, para além de tão somente formação de opiniões. Cabe ainda que, seguindo o exposto no presente artigo, a mídia tradicional no Brasil, está completamente imersa em um processo clientelista para com as elites governamentais e as estruturas políticas que aí estão postas.
Fica o alerta ainda, de que, em uma sociedade midiatizada cada vez mais, as relações entre os indivíduos e o campo político acontecem mediados pelo campo comunicacional, midiático. Portanto, se por um lado a estrutura de uma sociedade neopatrimonialista como a brasileira, de lógica mercadológica como apontam os conceitos da sociedade midiatizada, e de uma mídia tradicional implicada em uma lógica clientelista e de cooptação para com as elites governamentais, apontam para a continuidade de um processo de não cidadania efetiva por parte dos indivíduos; Por outro, as possibilidades mais democráticas na produção da notícia, de crise entre o campo político (instituições) e os agentes sociais, conforme revelado pelas Manifestações de Junho de 2013, a diminuição da desigualdade social no país e as experiências alternativas de envolvimento da população na formulação e execução de políticas públicas, sobretudo em âmbitos municipais ou regionais, suscitam maiores possibilidades de fuga à essa condição.
O fato é que, antes de mais, o manifestar-se em massa, ainda que numa pluralidade sem tamanho como foram as Manifestações de Junho, apontam para algo que não estamos ambientados em nosso país, como bem evidencia nossa não cidadania, ou cidadania concedida, logo, nossas instituições também se evidenciam frágeis frente a esses atos, atitudes. Agora, justamente por questionarem, mas sobretudo não apresentarem propostas efetivas em relação as velhas instituições como partidos, sindicatos, representações políticas, é que as manifestações não lograram objetivar mudanças, caindo em uma pluralidade que ia do conservadorismo extremo e de graus de xenofobismo e violência, até as atitudes mais progressistas em relação a questões sociais e políticas. A leitura que se faz desse fato é no mínimo, perigosa.
Podem as manifestações lograrem mudanças efetivas e benéficas aos conceitos de cidadania, e de maior participação política por parte dos indivíduos? Podem suscitar mudanças estruturais em relação a instituição política e a “práxis” de seus agentes, ou caíram em um não direcionamento devido a pluralidade e não definição de questões práticas? A mídia tradicional de fato passa a evidenciar preocupações frente a um processo como esse, ou vira as costas e volta-se somente as questões mercadológicas mantendo suas práticas clientelistas e de cooptação em relação ao campo político?
Diversos são os questionamentos aqui suscitados, muitos deles talvez, não apresentem respostas concretas nesse exato momento vivenciado, afinal estamos tratando do aqui e agora, da história vivida, onde diversos imbricamentos se somam e se mostram pertinentes a análise, porém, o alerta que Bauman (2001, p.51) nos traz sobre as possibilidades de redesenhar e repovoar a hoje quaze vazia Ágora, lugar de negociação entre o indivíduo e o bem comum, privado e público é, mais do que nunca pertinente.
Segundo Bauman (2001), é necessário reconectar as duas faces do abismo que se abriu, entre a realidade do indivíduo de jure, constituído através da individualização, onde o mesmo passa a ver a si como único responsável e possível redentor de seus problemas, e as perspectivas do indivíduo de facto. Para o sociólogo polonês, se o velho objetivo da teoria da emancipação humana ainda faz sentido hoje, somente então, indivíduos que reaprenderam capacidades esquecidas e reapropriaram ferramentas perdidas da cidadania, serão capazes de erigir essa ponte em particular.

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1 Nas palavras de Pierre Bourdieu, habitus pode ser definido como: “um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente 'reguladas' e 'regulares' sem ser produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser produto da ação organizadora de um regente.” (Bourdieu, 1983, p.60-61)

2 Conforme explica Simon Schwartzman (2007) o termo patrimonialismo, termo crucial da teoria weberiana, seria utilizado para definir formas de dominação onde não haja distinção entre a esfera pública e a esfera privada. Para o autor, os Estados que se modernizaram à margem da revolução burguesa podem ser considerados “patrimoniais”. Sendo o patrimonialismo moderno, ou "neopatrimonialismo", uma forma bastante atual de dominação política por um "estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio", ou seja, pela burocracia e a chamada "classe política”. (SCHWARTZMAN, 2007, p.97)


Recibido: 05/02/2015 Aceptado: 11/03/2015 Publicado: Marzo de 2015

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