Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ECOPOLÍTICA (D)E EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DE CONTROLE

Autores e infomación del artículo

Antonio Henrique Maia Lima*

Josemar de Campos Maciel**

Lucélia da Costa Nogueira Tashima***

Universidade Potiguar, Brasil

henrick_maia@hotmail.com

Resumo
O artigo é fruto de reflexão bibliográfica. Objetiva apresentar os conceitos de ecopolítica, de governamentalidade planetária, dentre outros, a partir da avaliação feita por leitores de Michel Foucault sobre o exaurimento da biopolítica e o advento da ecopolítica pela linha do “desenvolvimento sustentável”. Apresenta, ademais, a partir deste referencial, como as políticas planetárias de desenvolvimento sustentável se incorporaram às políticas públicas nacionais e locais de educação, afetando e transformando os currículos escolares. Por fim, defende que a chamada Educação para o Desenvolvimento Sustentável não se propõe a discutir o conceito de desenvolvimento ou formar indivíduos dotados de reflexão crítica sobre esta questão (educação emancipadora e libertadora), mas somente assegurar a longevidade daquilo que chamamos provisoriamente de Projeto Sustentável, educando indivíduos em prol dos interesses do capitalismo globalizado.
Palavras-chave: Sustentabilidade, Ecopolítica, Governamentalidade Planetária, Educação para o Desenvolvimento Sustentável.

Education for susteinable development: ecopolitics of education in the society of control
Abstract
This article was written by bibliographic reflection. Aims to introduce the concepts of "ecopolitics" of "planetary governmentality", among others, from the assessment made by Michel Foucault's readers about the depletion of biopolitics and the advent of ecopolitics through "sustainable development". It also presents, from this reference, as the planetary policies for sustainable development were incorporated into national and local education policies, affecting and transforming the curriculum matrices of schools. Finally, it argues that the so-called Education for Sustainable Development is not intended to discuss the concept of "development" itself or train individuals endowed with critical reflection on this issue (emancipating and liberating education), but only ensure the longevity of what we call provisionally of "Sustainable Design", educating individuals in the interests of globalized capitalism.
Keywords: Sustainability. Ecopolitics. Governmentality Planetary. Education for Sustainable Development.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Antonio Henrique Maia Lima, Josemar de Campos Maciel y Lucélia da Costa Nogueira Tashima (2017): “Educação para o desenvolvimento sustentável: ecopolítica (d)e educação na sociedade de controle”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (abril 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/atlante/2017/04/ecopolitica.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1704ecopolitica


O PROJETO SUSTENTÁVEL: BREVE REVISÃO TEÓRICA

            Sustentabilidade! Muito provavelmente esta tem sido uma das palavras mais ditas, repetidas e reeditadas das últimas décadas. Afinal, o que é sustentabilidade? Trata-se de um conceito ou de um contraconteito? Segundo a vertente teórica dominante, a ideia ou o ideal de sustentabilidade perfaz um contraconceito na medida em que se consubstancia a antítese da noção tida por ultrapassada de “desenvolvimento enquanto crescimento econômico”. É resultado de larga experimentação, seja nas práticas políticas ou econômicas, até se concluir, por verificação, pela sua “insustentabilidade”, dados os autos índices de degradação dos recursos naturais. Segundo Fenzl (2009), a lógica da insustentabilidade é fundamentalmente utilitária, antropocêntrica e egocêntrica, pois estaríamos, segundo este autor, “descontando do futuro”, vivendo à custa das gerações futuras.
            Ainda para Fenzl (2009) os efeitos mais críticos, que escancarariam a insustentabilidade do processo (ou projeto) desenvolvimentista economicista, encabeçado por uma lógica de um extrativismo não-repositor seriam: impactos ambientais de dimensões planetárias, por exemplo, desgaste da camada de ozônio, aceleração contínua do efeito estufa etc.; níveis de injustiça social crescentes; voracidade desenfreada em relação aos recursos naturais, dentre outros. Tais constatações levaram a seguintes indagações: as formas de desenvolvimento vigentes, isto é, extrativas, teriam futuro? Como equacionar no avanço do desenvolvimento econômico, da globalização e da industrialização a finitude dos recursos naturais disponíveis e do próprio planeta?
            Segundo sua definição clássica, exposta no livro Nosso Futuro Comum (1991), da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas (ONU) estaríamos diante da necessidade de uma quebra paradigmática acerca da compreensão do “desenvolver” e precisaríamos incorporar, dadas as irrefutáveis constatações da insustentabilidade planetária um novo “modelo”: o desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave:
•        O conceito de “necessidades”, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade;
•        A noção de “limitações” que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras (ONU, 1991, p. 46).

É possível extrair dessa definição de desenvolvimento sustentável duas palavras-chave que permitem problematização: a primeira seria “necessidades”, que pressupõem, portanto, “satisfações”. Necessidades, segundo o conceito citado, presentes e futuras, o que implica na derivação da segunda palavra-chave: “futuro” ou “gerações futuras”. Trata-se, consequentemente, de uma tentativa de assegurar satisfação para as necessidades das gerações presentes e para as gerações futuras, a partir do pressuposto de que as gerações futuras teriam as mesmas necessidades (ou ao menos necessidades semelhantes) das gerações presentes. Ainda é possível definir um segundo pressuposto: a universalização dessas necessidades e de seus modos de satisfação, seja na escala temporal, presente/futuro, seja na escala espacial, abrangendo, portanto, o planeta, o seu presente e o seu futuro, e também a humanidade, o seu presente e o seu futuro.
Segundo ainda o texto das Nações Unidas (1991), com o desenvolvimento econômico as necessidades humanas têm crescido de forma exponencial, tanto em quantidade, quanto em qualidade e as distâncias existentes entre as camadas empobrecidas e as camadas ricas da sociedade se perpetua e se intensifica, o que tem gerado aprofundamento dos dilemas sociais contemporâneos e direcionado a reflexão a respeito dos limites da satisfação de determinados padrões de vida: “[...] padrões de vida que estejam além do mínimo básico só são sustentáveis se os padrões gerais de consumo tiverem por objetivo alcançarem o desenvolvimento sustentável a longo prazo” (ONU, 1991, p. 47). Com isso, o projeto de desenvolvimento sustentável se corporifica com algumas características fundamentais: universalidade, a pretensão de eternidade, a preocupação com a questão ambiental e a preocupação ético-social, tendo como discurso de fundo a ideia de que as mazelas da desigualdade social seriam “efeito colateral” do projeto de desenvolvimento anterior: o econômico.
A partir dos estudos de Ignacy Sachs, Enríquez (2008) chega à conclusão que o Projeto Sustentável se prontifica a objetivos bem definidos em diferentes dimensões da vida, e, assim, seria possível fazer um corte no espectro de incidência dessa nova forma de desenvolver e diferenciar cinco dimensões possíveis dessa incidência: social, econômica, ecológica, espacial ou geográfica e cultural.

ECOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE 1 PLANETÁRIA NA SOCIEDADE DE CONTROLE

A história do Projeto Sustentável está imbricada à história da Organização das Nações Unidas, que, por sua vez, está imbricada na história do pós-Segunda Guerra Mundial.  Após o conflito são feitos os primeiros traçados da constituição de um sujeito de direitos a nível planetário, a ONU (PASSETTI, 2013). Essa organização de nações “unidas” se enverga durante o século XX como referência de governamentalidade, se estabelecendo como tal a partir da sombra do hegemon Estados Unidos da América. No seu primeiro momento a governamentalidade se incidia sobre o corpo individualizado, na forma de biopolíticas, no seio da sociedade disciplinar, conforme ilustrado por Michel Foucault em diversas obras. Com o advento da empresa da governamentalidade planetária, as biopolíticas já não seriam mais eficazes (ou mesmo necessárias), dado que a sociedade de controle se apresenta no horizonte, as técnicas de governamentalidade já não recaem mais sobre corpo-espécie ou sobre a relação população/território (Estado-nação), mas na relação com o todo, com os demais, com o planeta, o foco não é mais o indivíduo, mas a multiplicidade de divíduos, eis que surge a ecopolítica.
Passetti (2013) contextualiza contundentemente essa “passagem”:   
Pela biopolítica se pretendia governar os corpos vivos, a população, instituindo que a vida de cada um dependia da política. A biopolítica se constitui, portanto, tendo por alvo totalizante o corpo-espécie (população e território) e funciona articulada com os poderes disciplinares individualizantes (utilidade e docilidade), atrelando o conjunto e o individual, e intimamente relacionada aos dispositivos de segurança [...] compõe a série população – processos biológicos – regulações e regulamentações relacionadas ao corpo-espécie como gestão calculista da vida; as disciplinas, por sua vez, estão vinculadas ao corpo máquina como administração dos corpos e estão compostas na série corpo – disciplina – instituições. São tecnologias políticas que visam normalizações (PASSETTI, 2013, p. 3).

O conceito de biopolítica em Foucault especifica a “gestão da vida” biológica daquilo que se torna problema de governo – a população, por meio de dispositivos de poder servis à “administração” das estatísticas de mortalidade, de aumento de expectativa de vida, etc. Implica no assujeitamento da subjetividade àquilo que se convenciona, a partir dos próprios dispositivos de poder (TÓTORA, 2016). Estes “bipoderes”, locais, se ocuparão de gerir a população na medida em que determinadas características (saúde, higiene, sexualidade, etc.) na medida em que elas se tornam preocupações políticas (REVEL, 2005). “Neste sentido, ocorre a construção da verdade, um saber sobre a população pela economia política e também seu embate contra o histórico investimento de Estado sobre a população como contenção de revoltas populares” (PASSETTI, 2013, p. 4).

Governar a população é algo diferente e especial, pois ela deixa de estar relacionada ao soberano, como na razão de Estado derivada do mercantilismo, para se tornar objeto do governo. Governam-se gentes e, deste modo, dirigem-se consciências, pondo em funcionamento a capacidade liberal de assimilar contra-condutas e de se fortalecer diante da ameaça da rebelião e da revolução . Trata-se, por conseguinte, do investimento liberal em marcar a proteção dos interesses coletivos diante dos excessos dos interesses individuais (a necessidade de se perpetuar a permissividade indispensável) e, ao mesmo tempo, proteger os interesses individuais (econômicos e políticos) dos interesses coletivos (revolucionários ou mesmo reformistas que exigiam maior intervencionismo estatal) (PASSETTI, 2013, p. 5).

Ainda segundo Passetti (2013), com o desfecho da Segunda Grande Guerra a estratégia biopolítica começa a apresentar seus limites. Se até então havia investimento do Estado sobre a população com vistas à profilaxia frente às classes perigosas, por exemplo, pois havia um “inimigo dentro do Estado”, após a derrota do Reich e com a bipolarização do planeta aparece um “inimigo fora do Estado”: a ameaça socialista. A resposta encontrada para tal é a própria formação da ONU, um entidade supranacional. “A biopolítica não tratava mais da população em conjunto, mas a considerava diante de um novo quadro de profilaxia, paradoxalmente complementado pela disseminação de direitos, estratificando a população, e respaldada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948” (PASSETTI, 2013, p. 9).
Como desdobramento, primeiramente dos horrores da Segunda Guerra, cujo marco referencial de justificativa de existência da própria ONU: a promessa “da justiça e da paz no mundo”, a partir do ponto de vista dos vitoriosos do conflito, especialmente dos Estados Unidos da América; depois, com a Guerra Fria e o colapso do Estado soviético, a ONU não só mantém, mas potencializa seu estatuto de referência para o mundo e para a humanidade.
Em 1965 surge o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD que tem por objetivo promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo. Frise-se: do mundo. Referido programa se torna, a partir da visibilidade da própria ONU, o maior orientador de políticas públicas voltadas para a questão do desenvolvimento em todo o mundo. Políticas planetárias, portanto, de avaliações, assistência e financiamento de pesquisas para intervenções nos países ou territórios, especialmente aqueles que ganharam o selo de “não desenvolvido”. Vale ressaltar que o paradigma do “desenvolvimento” se edifica a partir da centralidade dos países do norte global, vitoriosos da Segunda Guerra, industrializados e ricos, tornando-se estes os objetivos de toda sorte de nações do planeta: desenvolver-se.
A partir do PNUD, as diretrizes planetárias de políticas para o desenvolvimento ganham larga projeção, porém, o interessante desse novo modelo gestacional é o abandono das estratégias biopolíticas, por conta do seu exaurimento, e a adoção de um novo formato de política: a ecopolítica. Segundo Passetti (2013) ecopolíticaé a “prática de governo do planeta nos tempos de transformação (de si, dos outros, da política, das relações de poder e do planeta no universo), com desdobramentos transterritoriais e variadas estratificações conectadas”. Estratégias ecopolíticas se dão a partir da produção da verdade capitalista sustentável (PASSETTI, 2013).
A ebulição da estratégia ecopolítica culmina no que chamamos de “Projeto Sustentável”, com suas peculiaridades já citadas, mas aqui repetidas: universalidade, a pretensão de eternidade, a preocupação com a questão ambiental e a preocupação ético-social, tendo como discurso de fundo a ideia de que as mazelas da desigualdade social seriam “efeito colateral” do projeto de desenvolvimento anterior: o econômico. Concomitante a isso, Foucault, que muito bem demonstrou os funcionamentos da sociedade disciplinar, admitiu que a noção de biopolítica não é universal, está imbricada àquela sociedade. A ideia de ecopolítica, no entanto, está imbricada à sociedade de controle, anunciada por Deleuze no Post Scriptum Sobre as Sociedades de Controle (1992).
Como se desenhou o Projeto Sustentável? Com o protagonismo do PNUD, as Nações Unidas a partir da década de 1970 consolidaram a ideia de desenvolvimento sustentável sistematicamente, a partir de uma série de pactos, acordos, conferências, etc: em 1971 aconteceu a Conferência de Founex (Suíça); em 1972 ocorreu a Conferência de Estocolmo e o Clube de Roma publica Os limites do crescimento. Em 1973 foi cunhado o conceito de ecodesenvolvimento, que foi radicalizado em 1977 sob a argumentação de uma necessidade de dissociação entre os países centrais e os países periféricos, para garantir o desenvolvimento dos últimos, defendido por Ul-Haq e Senghaas. Em 1974 foi promulgada a Declaração de Cocoyok na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio-Desenvolvimento e do PNUMA e o Relatório Dag-Hammarskjöld, da ONU. Em 1980 foi lançada a Estratégia de Conservação Mundial da UICN - União Internacional para Conservação da Natureza, filiada à UNESCO. Nesse documento, já consta uma seção intitulada “Em direção ao Desenvolvimento Sustentável”, talvez a primeira vez em que o termo tenha sido usado como um objetivo a ser alcançado. Em 1987 houve a formação da Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMD). A sustentabilidade é declarada como estratégia de desenvolvimento, publicação do Relatório Brundtland que define desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade que as próximas gerações terão de satisfazerem as suas próprias demandas. O documento também chama a atenção para uma nova postura ética, caracterizada pela responsabilidade tanto entre as gerações quanto entre os membros contemporâneos da sociedade atual (ENRÍQUEZ, 2008).
Em 1992 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92 ou Eco-92 realizada no Rio de Janeiro. Com o objetivo de debater as questões ambientais em nível de mundo, esta foi, sem dúvida, o marco zero das políticas planetárias de desenvolvimento projetadas para o século XXI. Na referida convenção se sistematizaram os seguintes documentos fundamentais: a Carta da Terra, a Declaração de Princípios Sobre Florestas, a Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21 que racionaliza a ideia de desenvolvimento a partir da lógica sustentável.
A Agenda 21 estabelece a forma de participação de cada país no Projeto Sustentável estabelecendo parâmetros de planejamento de políticas públicas e metas a serem atingidas já nas primeiras décadas do século XXI, envolvendo sociedade civil, governos e a própria ONU. Segundo a página do próprio Ministério do Meio Ambiente Brasileiro (MMA-BR):
179 países participantes da Rio 92 acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”. O termo “Agenda 21” foi usado no sentido de intenções, desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI. A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica (grifos nossos) (MMA-BR, 2016).

A partir das diretrizes da Agenda 21 Planetária, dentre 1996 e 2002 é construída a Agenda 21 Brasil, que é implantada, de fato, em 2003. Referido documento nas palavras do mesmo Ministério do Meio Ambiente é “um processo e instrumento de planejamento participativo para o desenvolvimento sustentável e que tem como eixo central a sustentabilidade”, “resultado de uma vasta consulta à população brasileira, sendo construída a partir das diretrizes da Agenda 21 global. Trata-se, portanto, de um instrumento fundamental para a construção da democracia participativa e da cidadania ativa no País.” “Como programa, ela adquire mais força política e institucional, passando a ser instrumento fundamental para a construção do Brasil Sustentável”. Referido programa se coaduna com diretrizes da “política ambiental do Governo, transversalidade, desenvolvimento sustentável, fortalecimento do Sisnama e participação social e adotando referenciais importantes como a Carta da Terra”, assinada na Rio-92.
As Agendas 21, portanto se estabelecem como a grande “matriz” das políticas públicas no século XXI, de uma agenda planetária, com status “constitucional” se desenhou inúmeras agendas nacionais, como é o caso da Agenda 21 Brasil, que, por sua vez, no nível do Estado se imbui, da mesma forma, de um status “constitucional” para o que se chamou de Agendas 21 Locais. Vale destacar trechos da própria Agenda 21 Brasil e comentários do Ministério do Meio Ambiente (MMA):
Programa Agenda 21 é composto por três ações estratégicas que estão sendo realizadas com a sociedade civil: implementar a Agenda 21 Brasileira; elaborar e implementar as Agendas 21 Locais e a formação continuada em Agenda 21. A prioridade é orientar para a elaboração e implementação de Agendas 21 Locais com base nos princípios da Agenda 21 Brasileira que, em consonância com a Agenda global, reconhece a importância do nível local na concretização de políticas públicas sustentáveis. Atualmente, existem mais de 544 processos de Agenda 21 Locais em andamento no Brasil, quase três vezes o número levantado até 2002 (grifos nossos) (MMA-BR, 2016).

Se o objetivo das biopolíticas era, grosso modo, a gestão da vida, o objetivo das ecopolíticas, ainda grosso modo, é a gestão do planeta, a partir do Projeto Sustentável. Ainda que reconheçamos o grau de “intromissão” do referido Projeto nas políticas nacionais, e por reação em cadeia, nas políticas dos estados e dos municípios, através das Agendas 21 Locais, no ano 2000 (08 de setembro) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em composição com 191 países membros da ONU assinam a Declaração do Milênio, estabelecendo planos, metas e fixando indicadores– índices quantitativos diversos para acompanharem o processo de cumprimento das diretrizes em cada país, sob a ode de “melhorar o destino da humanidade”.
A Declaração do Milênio estabelece os “objetivos do milênio” e traça 22 metas, que, no caso brasileiro, foram ampliadas para 24. São os objetivos do milênio, segundo a Declaração do Milênio: 1) redução da pobreza, 2) atingir ensino básico universal, 3) igualdade entre os sexos e a autonomia da mulher, 4) reduzir a mortalidade infantil, 5) melhorar a saúde materna, 6) combater a AIDS, a malária e outras doenças, 7) garantir a sustentabilidade ambiental e 8) estabelecer parceria mundial para o Desenvolvimento.
Finalmente em 2012, novamente no Rio de Janeiro se realiza a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio +20. Nesta conferência, realizada duas décadas depois da Rio-92, bem como mais de meio século depois das primeiras normatizações de governamentalidade planetária já se têm definidos “agências regulatórias” planetárias que detém em mãos força institucional, política e econômica até mesmo para “aplicação de penalidades” aos países que descumprirem os parâmetros gerais planetários estabelecidos pela própria Organização das Nações Unidas: no campo econômico o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o FMI e a Organização Mundial do Comércio(OMC); no campo político a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Trabalho (OIT); no campo ambiental o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e no campo educacional a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Rio +20 tem como documento final o texto O futuro que queremos, que reedita os “objetivos” do milênio numa versão para o pós-2015.
Em 20 de dezembro de 2002, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou, por consenso, a resolução estabelecendo a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. A resolução designa o período de dez anos, de 2005 a 2014, e declara a UNESCO como a agência líder para promover a Década. A UNESCO terá um papel duplo a desempenhar: primeiro como agência líder na promoção da Década e segundo como um implementador substantivo da Educação para o Desenvolvimento Sustentável.
No mesmo propósito das agendas-21, a EDS se institui, a partir de então como a grande matriz de políticas públicas voltadas para a educação e para a cultura e, nos mesmos moldes das ecopolíticas globais de “desenvolvimento”, se percebe a estruturação ágil e potente de uma “ecopolítica educacional”, cujos objetivos, nos moldes do próprio conceito de sustentabilidade é educar os indivíduos para a sustentabilidade, isto é, uma “programação” a nível planetário das mentes de crianças e jovens para a sustentabilidade e seus propósitos, já discutidos anteriormente. Nos termos do próprio informativo disponível na página do Ministério do Meio Ambiente Brasileiro (MMA, 2016) “A Educação, em todas as suas formas, pode moldar o mundo de amanhã, instrumentalizando indivíduos e sociedades com as habilidades, perspectivas, conhecimento e valores para se viver e trabalhar de maneira sustentável.”
Procuramos delinear, ainda que de forma muito sucinta o “aparato gerencial do planeta” a partir do que chamamos de Projeto Sustentável, encabeçado pela Organização das Nações Unidas e demais órgãos associados, ainda que não formalmente, mas pela ideia comum de “governar” o planeta, por aquilo que Passetti (2013) e estudiosos afins a esta linha de pensamento, a partir de conceitos de Michel Foucault chamaram de “governamentalidade planetária” através da estratégia ecopolítica.
A reviravolta nas pretensões capitalistas com base no desenvolvimento sustentável evidencia que o alvo não é mais manter a condição de pobreza, mas elevar os indicadores econômicos, auferir índices de felicidade e desenvolvimento humano (saúde, educação e cultura), disseminar uma cultura de paz, educar pessoas e práticas para a resiliência, instituir uma economia verde, encontrando certa qualidade de vida com redutores de vulnerabilidades e gerando condições compartilhadas para uma vida melhor de pessoas, ares, mares, relevos, florestas, enfim, do ambiente. Trata-se de um investimento na ocupação de inteligências, em participações, conexões, múltiplas identificações, assentamento de direitos, segurança e securitização, conservação do planeta que requer, antes de tudo, moderação, e o meio encontrado para tal condição está na vida resiliente (PASSETTI, 2013, p. 12).

Ainda na perspectiva de Passetti (2013, p. 12) a ecopolítica se arquiteta com a ideia de “melhor”, “o que implica no governo dos vivos e condicionantes renováveis para um futuro melhor”. Algo como uma gestão do corpo exterior: corpo, populações, natureza, planeta; estruturas que não só podem ser mapeados, mas monitorados e controlados com vistas a uma vida produtiva, sempre revitalizada pela ideia de resiliência. “Não se trata do governo da população, como na biopolítica, mas do governo com a população” (Passetti, 2013, p. 13) para uma vida sustentável, resiliente, global ou ainda, simplesmente, planetária. É válido lembrar, dentro dessa dinâmica, que uma das características da modernidade tardia ou pós-modernidade, ressalvadas as questões teóricas, a característica desse movimento temporal e espacial é a subsunção do “cidadão” em “consumidor”. Logo, é válido questionar se a preocupação do Projeto Sustentável seria realmente tornar a vida no planeta possível para as próximas gerações. Afinal, seria razoável que houvesse paralelamente uma preocupação em tornar os hábitos de consumo possíveis para as próximas gerações, mantendo “sustentável” não só a vida na Terra, mas o capitalismo enquanto sistema hegemônico na Terra.

ECOPOLITICA E A EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: POR UM PLANETA SUSTENÁVEL OU PELA SUSTENTABILIDADE DE UM APARATO DE GESTÃO DO PLANETA?

Problematizar a EDS significa trazer à baila, à luz do pensamento passetiano sobre ecopolítica, possibilidades contextuais e discursivas outras, que não aquela apresentada pela própria grande cadeia das Nações Unidas, procurando responder a questão posta no título do presente item. Sustentabilidade para quê? Para quem? Por um planeta sustentável ou pela sustentabilidade de um sistema gestor planetário? Que interesses transitam pelas sombras acerca desta problemática? A sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, como afirmado acima, se torna um projeto global e pouco questionado, dado, como também afirmado acima, o mainstream por trás da questão: os poderes políticos, econômicos e ideológicos hegemônicos o planeta, isto é, os Estados Unidos da América, a Organização das Nações Unidas e o Capitalismo Globalizado.
Em O futuro que queremos a educação é levantada como forma de assegurar para o futuro e para as gerações futuras a manutenção do sistema desenvolvimentista tal como está posto: desenvolvimento como crescimento econômico, só que de uma forma “sustentável”. A matriz conceitual de desenvolvimento não é colocada em discussão, tampouco se propõe discuti-la nos bancos escolares, fomentando um debate amplo e crítico sobre a questão. Acerca disso, o relatório das Nações Unidas é claro:
230. Reconhecemos que as gerações mais jovens são os guardiões do futuro, e que é necessário melhorar a qualidade e o acesso à educação para além do nível primário. Nós, portanto, resolvemos dotar nossos sistemas educacionais de meios para preparar melhor os jovens para a promoção do desenvolvimento sustentável, nomeadamente através de uma melhor formação de professores, do desenvolvimento de currículos em torno da sustentabilidade; do desenvolvimento de programas escolares que abordem as questões ligadas à sustentabilidade; de programas de formação que preparem os estudantes para carreiras em áreas relacionadas com a sustentabilidade; e de uma utilização eficaz de tecnologias de informação e comunicação para melhorar os resultados da aprendizagem. Apelamos para uma maior cooperação entre escolas, comunidades e autoridades, em seus esforços para promover o acesso à educação de qualidade em todos os níveis (grifos nossos) (ONU, 2014, p. 46).

Toda construção do conceito de biopolítica está relacionada à noção foucaultiana de vigilância e punição, sendo o alvo da biopolítica o corpo e a dinâmica das relações. O investimento ecopolítico, no entanto, é o planeta – governamentalidade planetária. Se a vigilância prevalecia na sociedade disciplinar, o controle e o monitoramento prevalecem na sociedade de controle, a partir da multifocalidade.
Do parágrafo 230 de O futuro que queremos é preciso destacar o objetivo de incluir nos currículos escolares o tema “desenvolvimento sustentável”. É de se observar com estranheza que não se objetiva a discussão do desenvolvimento em si, mas sim, estabelecer um molde de educação para a sustentabilidade com objetivos bastante definidos: angariar capital humano. Em grosseiras palavras isso significa formar força de trabalho para os objetivos estabelecidos pela própria gestão planetária. Carreiras sustentáveis, que em termos de marketing são as chamadas “profissões do futuro” nada mais são que “programas” de vida estabelecidos para a manutenção de um sistema. Em termos foucaultianos (1987) a construção discursiva de projetos de vida humana se dá pelas biopolíticas. Em termos passetianos (2013), as biopolíticas já não se posicionam como forma principal de gestão individual, mas como forma auxiliar da gestão total: biopolíticas a serviço da ecopolítica.

Foucault refere-se à biopolítica como a política que trata da vida das populações, ou seja, a política que tem como interesse e preocupação principais a própria vida das populações, em termos de governá-las em função do binômio saúde-morbidade [doença] [...] biopolítica toma a vida humana como o próprio objeto da política; ela promove a distribuição das ações de governamento dos (e sobre os) indivíduos que compõem uma população, no âmbito da vida [...] (VEIGA-NETO, 2014, pp. 36-37).

Se no binômio saúde-doença dos indivíduos a bipolítica afeta o corpo-espécie, quando o corpo-planeta é o doente a ecopolítica distribui as ações de governamentalidade sobre o planeta-hospedeiro e sobre seus hospedados. A educação, como o próprio Michel Foucault muito bem discutiu é implícita a instituição escolar, que segundo o próprio, produz um determinado tipo de sociedade. Como consequência da globalização a sociedade hoje é planetária e, desta forma, há de se ver uma educação globalizada, produzindo uma sociedade planetária empenhada em reproduzir e assegurar a longevidade do Projeto Sustentável. Produzir é verbo sinônimo de criar, fabricar, gerar, manufaturar. A ecopolítica de educação para o desenvolvimento sustentável objetiva, portanto, produzir um indivíduo dócil e complacente à causa do desenvolvimento sustentável, que por sua vez é a estratégia discursiva para uma gestão do planeta: um indivíduo que colabora para tal, sem questioná-la.
No parágrafo 235 de O futuro que queremos é possível ler:
235. Ressaltamos a importância de apoiar instituições de ensino, especialmente instituições de ensino superior em países em desenvolvimento, para efeitos de investigação e inovação para o desenvolvimento sustentável, nomeadamente no domínio da educação, para desenvolver programas de qualidade e inovadores, incluindo o empreendedorismo e formação profissional habilidades, profissional, formação técnica, profissional e aprendizagem ao longo da vida, orientada para preencher as lacunas de competências para promover os objetivos nacionais de desenvolvimento sustentável (grifos nossos) (ONU, 2014, p. 47).

Deleuze (1992) em sua grande sacada sobre o advento da sociedade de controle esclarece os seguintes pontos: a punição, que era a principal estratégia da sociedade disciplinar perde força ao longo do século XX, assim como sua geodistribuição, que se dava pelas instituições, escola, igreja, prisão, fábrica. A sociedade de controle por sua via se estrutura numa não-estrutura, isto é, em rede. Ainda para Deleuze (1992), nas redes a modulação dos indivíduos se daria de forma constante e universal e regularia a sociedade em prol de indivíduos de padrões de comportamentos muito semelhantes, pois em rede, a vigilância é constante e não mais se faria pelas mãos únicas do Estado, mas pelos próprios indivíduos. Nas redes sociais, nos jogos de computador, nos meios de comunicação, nos reality shows, nos diversos dispositivos tecnológicos que interligam as pessoas e estas ao Estado, sempre haveria gente vigiando e disposta a denunciar a transgressão ético-político-moral.
Nessa direção, em análise ao parágrafo 235 de O futuro que queremos, vislumbra-se facilmente a amarração feita pelo Projeto Sustentável da educação de base com a educação superior, visando a investigação para a inovação, orientada para atender aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Em tradução bastante objetiva é possível inferir que a pesquisa e a extensão, voltadas para a inovação, se consubstanciariam num dispositivo de produção de tecnologias que buscariam, novamente, reproduzir e assegurar a longevidade do próprio modelo de desenvolvimento sustentável.
As políticas nacionais de educação são alvos diretos do Projeto Sustentável, dado que, por intermédio delas se verifica uma maior garantia da reprodução e da longevidade do modelo de desenvolvimento pautado pela sustentabilidade. Por conta da influência da ONU e suas agências sobre os países membros, como o Brasil, por exemplo, rapidamente se vê a introjeção desse ideário nas políticas públicas voltadas para a educação.
Muitos são os documentos e as resoluções em nível de Brasil sobre a questão do incremento da sustentabilidade nos currículos escolares. Por questões de espaço apenas algumas serão efetivamente citadas:
Lei de Diretrizes de Bases (LDB, 9.394/1996), no art. 32 “o ensino fundamental terá por objetivo a formação básica do cidadão mediante: (...) II – a compreensão do ambiental natural e social do sistema político, da tecnologia das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”.
Lei n. 9.795/99 determina, no âmbito da educação ambiental, a promoção de processos pedagógicos que favoreçam a construção de valores sociais, conhecimentos, habilidades e atitudes voltadas para a conquista da sustentabilidade socioambiental e a melhoria da qualidade de vida.
Lei n. 10.172/2001, Plano Nacional de Educação inclui a Educação Ambiental como tema transversal, que deve ser implementada no Ensino Fundamental e Médio.
Decreto n. 4.281/2002, Regulamenta a Lei n. 9.795/99 e detalha as competências, atribuições e mecanismos definidos para a PNEA pela Lei nº 9.795/99, o Decreto cria o Órgão Gestor, responsável pela coordenação da PNEA, constituído pela Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA), e pela Coordenação-Geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação (CGEA/MEC).
Resolução CD/FNDE n. 18/2013, o Manual das Escolas Sustentáveis “visando incentivar a institucionalização da educação ambiental e o seu enraizamento em todos os níveis e modalidades de ensino. Tem como objetivo apoiar a implementação de projetos de pesquisa e intervenção em escolas da educação básica com vistas à criação de espaços educadores sustentáveis. Tem ainda a intenção de promover a gestão deste processo por meio de Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida (Com-Vida) nas escolas”.
Observe-se que há uma dicotomia conceitual: nos planos nacionais se fala em “educação ambiental” ao passo que, nas diretrizes supranacionais da UNESCO se usa o termo “Educação para o Desenvolvimento Sustentável”. Na origem terminológica, significam coisas bastante distintas, ocorre que, em sendo o Brasil uma nação dita “emergente” visa ocupar um lugar de destaque na geopolítica mundial, anseio entendido como político e economicamente vantajoso – o velho sonho do desenvolvimento permanece tão ou mais vigoroso quanto no século XX, o que se comprova facilmente, bastando ouvir os “especialistas” nas mídias e os próprios governantes. Isso significa que, apesar da bivalência de termos, a educação ambiental no Brasil é tratada como se EDS fosse, tanto no discurso governamental quanto dentre os próprios teóricos da educação. Assim, seguindo à risca das diretrizes das Nações Unidas, a sustentabilidade aos poucos vai se inserindo no currículo escolar de base nacional, bem como no ensino superior.
Segundo o próprio Ministério do Meio Ambiente do Brasil (2016) a EDS procura “aumentar a qualidade e abrangência da educação e reorientar seus objetivos para reconhecer a importância do desenvolvimento sustentável deve ser uma das maiores prioridades da UNESCO [...]”. “[...] deve ser também atenta aos desdobramentos e reformas na educação, particularmente ao Plano de Ação de Dakar de Educação para Todos (EPT), a Década das Nações Unidas para a Alfabetização e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”.
Não se questiona neste trabalho a educação ambiental ou a inserção da questão ambiental no currículo. No entanto, há que se questionar a forma como a Educação Para o Desenvolvimento Sustentável é introduzida na pauta educacional sem maiores discussões. Uma educação verdadeiramente emancipadora procura fomentar a ação crítica, a reflexão e a possibilidade de formulação de sínteses “por conta própria” por parte do estudante. O enquadramento de uma EDS no currículo escolar, pelos argumentos já expostos não abarca a discussão sobre “desenvolvimento”, apenas reitera o discurso corrente desde o fim da Segunda Guerra, qual seja, grosso modo: desenvolver, crescer, aumentar dividendos, enriquecer, acumular, globalizar etc. A inserção do termo “sustentável” à frente de “desenvolvimento” não põe e discussão a velha lógica desenvolvimentista, deitando por terra, o objetivo estampado pelo próprio discurso da sustentabilidade: assegurar a sobrevivência do planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
           
Procuramos apresentar a ideia de ecopolítica a partir da perspectiva de estudiosos de Michel Foucault, especialmente Edson Passetti (2013). A partir desse conceito procuramos também apresentar a ideia de Projeto Sustentável, que não se trata de um conceito, mas uma forma de apresentar a estrutura de fatos, documentos, leis, eventos, etc. que serviram de fundamentação para a estrutura atual da Organização das Nações Unidas e sua influência na Terra. Tentamos ainda demonstrar como o Projeto Sustentável está imbricado num objetivo de “governamentalidade planetária”, que vêm definindo padrões, parâmetros, ações, etc. para as políticas públicas de todos os países do mundo, especialmente aqueles ainda “em desenvolvimento” com vistas a assegurar para as gerações futuras a possibilidade de estas satisfazerem suas necessidades. Longe que fazer uma “crítica” ao projeto sustentável, procuramos, tão somente, problematizá-lo a partir do referencial exposto.
Ver a Educação para a Sustentabilidade como um “problema”, não significa que não é defendida uma nova racionalidade com vistas ao respeito ao meio ambiente e aos direitos da natureza. Porém, conforme tentou se demonstrar, a implementação de uma Educação para o Desenvolvimento Sustentável com vistas à manutenção e garantia da longevidade do próprio desenvolvimento sustentável nem de longe se apresenta como uma saída definitiva para os problemas que o planeta vem enfrentando. A crítica não se faz à sustentabilidade em si, mas à ideia de “desenvolvimento sustentável”. É defendido o pensamento de que “desenvolvimento”, compreendido numa linearidade infinita e progressiva, e “sustentabilidade”, compreendida como segurança para o futuro são, em verdade, uma grande contradição de termos.
A propósito da dimensão do conceito de “desenvolvimento”, há uma série de estudos outros vem sendo feita desde os anos 1960, ou ainda antes. As conclusões destes estudos alternativos, isto é, não embebidos na lógica da gestão do planeta, do capitalismo globalizado, etc. sempre são críticos a proposta da sustentabilidade. Veja-se, a título de exemplo, a discussão fomentada por Serge Latouche ou pelos Estudos Pós-Coloniais. Advoga-se, neste sentido, que uma educação preocupada com o “futuro das gerações” deveria iniciar a discussão a partir do próprio conceito de desenvolvimento, não somente travestindo-o numa forma mais palatável e menos agressiva ao planeta como em sua concepção usual e histórica.
A ecopolítica visa a “gestão do planeta”, a partir de uma lógica de universalização, na qual, certamente, não haveria espaço para as infinitas singularidades dispostas pelo seu território de domínio: a Terra. Tal como se tentou demonstrar, a sustentabilidade pretendida e provavelmente alcançada será a do próprio sistema capitalista, especialmente, mais uma vez, “às custas” da porção do planeta tida como não desenvolvida, isto é, mais pobre, dado que os padrões de consumo, de industrialização e seus efeitos colaterais no lado desenvolvido são irreparáveis e irrecuperáveis sem que, com isso, sejam prejudicados os padrões econômicos lá praticados.
A educação, portanto, é uma das principais formas, senão a principal, de assegurar a longevidade e a universalidade do Projeto Sustentável. A pressão das organizações supranacionais sobre os Estados mais fracos economicamente, inclusive na forma de “manuseamento de recursos financeiros” pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e por outros grandes financiadores não é por acaso: objetiva, pois sim, gerir o planeta em função dos interesses do desenvolvimento, fabricando indivíduos dóceis e acríticos, incapazes do questionamento e da emancipação, se pondo finalmente sob a própria gestão em questão e realimentando as matrizes do próprio sistema que o gerou.

REFERÊNCIAS

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* Doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), sendo bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), docente na Universidade Potiguar.

** Pós-Doutor pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP), doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), docente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local – mestrado e doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e do Programa Erasmus Mundus em Desenvolvimento Territorial Sustentável (STEDE) constituído pela Universidade Pantheon-Sorbonne Paris I (França), Universidade de Pádova (Itália), Universidade de Leuven (Bélgica) e Universidade Católica Dom Bosco (Brasil).

*** Doutoranda e mestra em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), coordenadora e docente do curso de Ciências Contábeis da mesma instituição.

1 “[...] em segundo lugar, por governarnentalidade, entendo a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência desse tipo de poder que se pode chamar de "governo" sobre todos os outros - soberania, disciplina, etc [...] MICHEL FOUCAULT (1999b, 291-292).


Recibido: 11/01/2017 Aceptado: 20/04/2017 Publicado: Abril de 2017

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