Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


CIÊNCIA E EDUCAÇÃO: uma análise jurídica do Criacionismo e do Evolucionismo*

Autores e infomación del artículo

Ítalo Cardoso Bezerra de Menezes**

Kelly Gianezini**

Universidade do Extremo Sul Catarinense

kellygianezini@terra.com.br

Resumo
A Constituição Federal de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso VI, o direito à liberdade, incluindo a liberdade de consciência e de crença. O Brasil, sendo um Estado Laico, deve se manter neutro frente à diversidade de crenças e credos presentes na sociedade. A laicidade estatal garante, dentre outros pressupostos, a não intervenção da Igreja no Estado. Um aspecto que, a priori, contraria esta premissa é a obrigatoriedade da inserção de conteúdos de caráter confessional na estrutura curricular das escolas brasileiras. O tema ganha visibilidade na medida em que cresce de forma significativa nas bancadas legislativas nacionais, o número de representantes políticos de origem religiosa, na sua maioria cristã, formando a denominada “bancada evangélica”. São recorrentes, por intermédio destes parlamentares, as propostas de alterações à lei visando a inclusão de temas de interesse confessional e doutrinário na estrutura curricular das escolas. O presente estudo terá como foco a análise acerca da viabilidade legal da obrigatoriedade da inserção de conteúdos referentes ao criacionismo na matriz curricular das escolas brasileiras, como alternativa à Teoria da Evolução Biológica das Espécies. Para isso, serão invocados dispositivos constitucionais, infra-constitucionais e princípios gerais que regem o ordenamento jurídico pátrio, objetivando, em uma última análise, evidenciar que tipo de conteúdo deve ser ensinado nas escolas. O foco desta abordagem será na disciplina abrangida pela teoria científica proposta neste estudo e a sua alternativa confessional, qual seja, o Criacionismo. A liberdade sempre será um tema relevante, principalmente quando relacionada à educação, um mecanismo fundamental de desenvolvimento de uma nação e direito fundamental de ordem social. Desta forma, é necessário que os conteúdos ensinados nas escolas brasileiras respeitem a legislação, os princípios constitucionais e o atual estado do conhecimento científico.
Palavras-chave: Direito Constitucional, Princípio da Laicidade, Educação, Teoria da Evolução Biológica das Espécies.

Abstract

The 1988 Federal Constitution guarantees, in article 5, section VI, the right to freedom, including freedom of conscience and belief. Brazil, as a secular state must remain neutral in front of the diversity of beliefs in society. The state secularity ensures, among other assumptions, the impossibility of Church's intervention in the state. An aspect that, in principle, goes in a contrary way to this assumption is the mandatory inclusion of confessional character content in the curriculum of Brazilian schools. The issue gained visibility in that it grows significantly in national congress the number of political representatives with religious origin, mostly Christian, forming the so-called "evangelical bench". Among these parliamentarians, is recurring through proposed amendments to the law aimed at the inclusion of confessional and doctrinal interest topics in the curriculum of schools. This study will focus on the analysis about the legal viability of the mandatory inclusion of content related to creationism in the curriculum of Brazilian schools as an alternative to the theory of biological evolution of species. For this, constitutional provisions will be invoked, infra-constitutional and general principles governing the Brazilian legal system, aiming, in a final analysis, to show what kind of content should be taught in schools. The focus of this approach will be the subject covered by the scientific theory proposed in this study and their confessional alternative, namely creationism. Freedom will always be an important issue, especially when related to education, a fundamental mechanism of development of a nation and a fundamental right of social order. Thus, it is necessary that the content taught in Brazilian schools comply with the law, constitutional principles and the current state of scientific knowledge.

Keyword: Constitutional Law, Principle of Secularity, Education, Theory of Biological Evolution of Species.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Ítalo Cardoso Bezerra de Menezes y Kelly Gianezini (2016): “Ciência e Educação: uma análise jurídica do Criacionismo e do Evolucionismo”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (diciembre 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/atlante/2016/12/criacionismo.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1612criacionismo


1 INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho é o Criacionismo e o Evolucionismo 1 no Estado Laico o qual encontra-se inserido em um contexto de estudos jurídicos e educacionais, tendo como objeto de estudo a relação entre religião, ciência, educação e a obrigatoriedade do ensino nas redes públicas e privadas do Brasil. O estudo analisará o conflito conceitual entre a teoria científica da evolução biológica das espécies e o criacionismo, doutrina confessional cristã que se apresenta como alternativa clássica à primeira, sob o ponto de vista jurídico-educacional. Buscará compreender os mecanismos pelos quais o ordenamento jurídico pátrio garante e protege a liberdade de ensino e a qualidade científica dos conteúdos ministrados nas escolas face à constante pressão exercida por determinados segmentos sociais, especialmente segmentos religiosos. A análise se dará observando-se o conjunto normativo em âmbito nacional, utilizando-se da Constituição Federal, de seu conjunto principiológico e de normas infraconstitucionais federais.
Além da necessária revisão normativa e principiológica, com intuito de elucidar a questão proposta, serão estudados ambos os vieses já citados, o científico e o religioso, conceituando-os e compreendendo as origens da divergência aqui apontada. Isto possibilitará relacionar este conhecimento com as diretrizes, limites e garantias normativas dispostos no rol legislativo nacional.
A fim de solucionar a problemática proposta, será analisado de forma detalhada o princípio da laicidade estatal e da liberdade religiosa, em razão da extrema relevância destes princípios para o tema em análise. Destacam-se, ainda, a utilização de disposições constitucionais, infra-constitucionais e principiológica no que tange o direito à educação no Brasil. Por fim, será analisado a divergência entre religião e ciência existente no conflito entre Teoria da Evolução das Espécies e o Criacionismo, objetivando, em uma última análise, compreender que tipo de conteúdo deve ter disponibilidade obrigatória na matriz curricular das escolas brasileiras.
As divergências entre religião e ciência são milenares. Neste estudo, o viés religioso estudado diz respeito ao cristianismo e suas vertentes. Ao longo da história do cristianismo, poucas ideias causaram tanto impacto no sistema de crenças cristã quanto a Teoria de Evolução das Espécies, proposta por Charles Darwin, em 1829, na obra “A Origem das Espécies”.
É compreensível, dada a complexidade do tema e os interesses envolvidos, que ainda nos dias atuais tais divergências persistam. O tema vem ganhando visibilidade na medida em que cresce de forma significativa nas bancadas legislativas nacionais o número de representantes políticos de origem religiosa, na sua maioria cristã, formando a denominada “bancada evangélica”. São recorrentes, por meio destes parlamentares, as propostas de alterações à lei visando a inclusão de temas de interesse confessional e doutrinário na estrutura curricular das escolas.
Geralmente sob o argumento de contemplar a pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas, propostas que intentam a inserção do criacionismo como disciplina obrigatória são apresentadas nas bancadas legislativas nacionais. Destaca-se a recorrência destes projetos de lei que, anualmente, são apresentados com pequenas alterações, demonstrando o forte interesse político por trás deste objetivo.
Desta forma, o presente estudo visa compreender os mecanismos legislativos que regulam o ensino no Brasil e as bases constitucionais que norteiam a educação, buscando, por fim, responder às seguintes questões: a obrigatoriedade do ensino de conteúdos de cunho confessional, especificamente o criacionismo como matéria alternativa à Teoria da Evolução das Espécies, encontra respaldo no conjunto normativo e principiológico brasileiro? Se sim, quais os mecanismos jurídicos que regulam, garantem e limitam tais conteúdos a serem ministrados de forma obrigatória nas escolas?
A justificativa para a realização da pesquisa reside no fato de que o Brasil passa por um momento de inegável turbulência política, jurídica, social e econômica. Isso, em conjunção com a já citada expressiva representatividade legislativa de parlamentares que, assumidamente, defendem interesses de segmentos religiosos da sociedade, faz com que propostas legislativas e projetos de lei sejam, constantemente, inseridos na pauta legislativa de debates. Neste contexto, é fundamental o fortalecimento do atual estado de conhecimento do Direito, principalmente, se tratando de um estudo que envolve uma análise jurídica sobre política, ciência e religião. 2
Por meio da força representativa no âmbito legislativo, projetos de lei que visam a introdução obrigatória de conteúdos referentes ao Criacionismo nas escolas, nas redes privadas e públicas, são regularmente propostos. Especificamente, cita-se o Projeto de Lei (PL) 309/2011, o PL 8099/2014 e o recente PL 5336/2016. Todos versando, basicamente, sobre o tema aqui pesquisado. Dada a similaridade entre o conteúdo dos citados projetos de lei, os mesmos estão apensados ao PL 309/2011 e, atualmente, encontram-se na Comissão de Educação do Senado Federal, aguardando pelo parecer desta.
A liberdade sempre será um tema relevante, principalmente quando relacionada a um mecanismo fundamental de desenvolvimento de um país, que é a educação. A educação é direito humano fundamental e essencial para o exercício de todos os direitos. Desta forma, é fundamental que o Direito seja efetivo em proteger o ensino no país de excessos e influências sectárias de grupos sociais com interesses particulares. Ademais, a preocupação com a qualidade da educação é global. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, por exemplo, destaca que a qualidade do ensino em todos os seus níveis deve ser prioridade, sendo este o objetivo central na sua agenda educacional pós-2015 (UNESCO, 2013).
A relevância reside, por sua vez, no fato de haver uma lacuna na literatura que abrange a temática deste trabalho. Apesar de que a doutrina especializada trate de temas como Estado Laico e Garantias e Proteções ao ensino no Brasil, sob o viés constitucional, como em Branco (2007), Silva (2009) e Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2016), são raros, para não dizer inexistentes, os estudos que analisem especificamente a problemática alvo deste estudo, qual seja a inserção obrigatória de conteúdos referentes ao criacionismo nas escolas sob a ótica jurídica. Ainda, o Supremo Tribunal Federal (STF) não foi instado a se manifestar sobre o tema.
Se por um lado carece o conjunto doutrinário e jurisprudencial nacional sobre o tema específico, a pressão social, política e legislativa são crescentes. De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL, 2010a) o número de cristãos no Brasil chega a 86,8% da população, divididos entre 64,6% de católicos e 22,2 % de evangélicos. Da mesma forma, na Assembleia Legislativa Nacional somam 199 congressistas integrantes da chamada Frente Parlamentar Evangélica nesta atual 55º legislatura, com representatividade expressiva em ambas as casas legislativas, responsável pela proposição dos já citados Projetos de Lei que versam sobre o tema em discussão.
No Brasil, apesar de recente a entrada da discussão na pauta político-legislativa, considerando a atual composição parlamentar no Congresso Federal e a tendência crescente no aumento do número de parlamentares que representam grupos religiosos, é de se esperar um forte embate envolvendo religião, ciência e política.3 Neste contexto, destaca-se a importante responsabilidade que o direito deve assumir ao solucionar o conflito apresentado, cabendo à academia contribuir na formação do conhecimento relativo ao tema.
Tem-se como objetivo geral o intuito de compreender a relação entre direito, religião, ciência e educação ao examinar a obrigatoriedade do ensino do Criacionismo nas redes públicas e privadas de ensino do Brasil. Para alcançar o objetivo geral proposto foram estabelecidos outros três objetivos específicos: a) mapear o Princípio da Laicidade Estatal no ordenamento jurídico pátrio, compreendendo a evolução histórica deste princípio e a sua relação com a Liberdade Religiosa e educação;  b) identificar as garantias, proteções e diretrizes jurídicas e principiológicas da educação no Brasil, a fim de elucidar as diretrizes a serem observadas na determinação de quais conteúdos devem constar na matriz curricular obrigatória das escolas; e c) conceituar e analisar o conflito entre Criacionismo e Teoria da Evolução Biológica das Espécies, situando a problemática dentro do âmbito político-legislativo nacional.

1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A fim de atingir os objetivos almejados, faz-se necessário, em um primeiro momento, compreender os conceitos fundamentais que serão trabalhados neste estudo. Tratando-se, notadamente, de uma pesquisa que envolve religião e a influência desta na sociedade como um todo, no caso em tela, na educação, é fundamental definir o conceito de Estado Laico e a forma como este princípio encontra-se disponibilizado dentro do ordenamento jurídico pátrio. Para melhor analisar o caráter laico do Estado brasileiro, outros conceitos serão destrinchados como o princípio da liberdade religiosa. A relação harmoniosa entre Estado laico e liberdade religiosa será suscitada para compreender os mecanismos que o Estado dispõe para garantir a liberdade ideológica e de crença e, desta forma, garantir o direito fundamental à liberdade.
Na sequência, uma vez que esta análise trata de modificações na matriz curricular e no tipo de conteúdo que deve ser disponibilizado de forma obrigatória nas escolas, é uma conclusão lógica que uma análise detalhada do ordenamento jurídico e do conjunto principiológico e normativo, no que tange a educação, é fundamental nesta pesquisa. Neste sentido, disposições e diretrizes constitucionais e legislação infraconstitucional específica serão suficientes para embasar a pesquisa.
Após a essencial exposição da base normativa e principiológica realizada nas primeiras etapas desta pesquisa, torna-se possível adentrar na discussão fundamental deste estudo. Nesta fase final, será necessário definir o Criacionismo e a Teoria da Evolução Biológica das Espécies, localizando-os dentro de suas delimitações e utilizando o atual estado do conhecimento científico a nível global para conceituar e apresentar a segunda teoria. Já para a apresentação e conceituação do Criacionismo, será utilizado o viés cristão, sendo este o segmento religioso que, por intermédio de representantes no âmbito político-legislativo, propõe as alterações educacionais aqui analisadas.
O método utilizado no presente estudo será o Dedutivo, fundamentado por meio de material bibliográfico e dispositivos legais pertinentes. A fim de situar a discussão proposta dentro da realidade fática do atual quadro político-legislativo pátrio, serão apresentados e comentados Projetos de Lei que ainda encontram-se em trâmite legal e que versam sobre o tema aqui pesquisado.
Para elucidar a questão primordial inicialmente proposta, buscar-se-á amplo auxílio na Constituição Federal e no seu rol principiológico bem como na legislação infra-constitucional pertinente. Ainda, será feita uma revisão bibliográfica doutrinária interpretativa, tendo ciência da escassez de material referencial que versa especificamente sobre o tema proposto. Com esse conjunto referencial entre disposições normativas nacionais e material bibliográfico doutrinário, espera-se atingir de forma satisfatória os objetivos propostos.
O estudo buscará analisar a situação político-legislativa atual. Para isso, será utilizado o conjunto normativo nacional vigente na data de publicação desta pesquisa, além de Projetos de Lei que ainda se encontram em trâmite processual. No entanto, a fim de definir conceitos como Estado Laico, Criacionismo e Teoria da Evolução Biológica das Espécies, essenciais para atingir os objetivos propostos, torna-se necessário uma abordagem histórico-conceitual que abrange um largo período temporal. A definição destes requer uma compreensão abrangente de como surgiram e a forma como evoluíram até chegar ao atual estado de conhecimento de cada conceito.
Para cumprir com o desiderato, este trabalho está estruturado em cinco partes, organizados na forma de introdução, três tópicos e as considerações finais. Em um primeiro momento, será analisada a natureza laica do Estado brasileiro, os princípios e dispositivos que prevêem esta assertiva e as consequências práticas deste importante princípio. Após, situar-se-á a educação dentro de seus limites, garantias e diretrizes impostos pelo ordenamento jurídico pátrio. Necessário este mapeamento a fim de compreender os meios de alteração à legislação que diz respeito à educação, especificamente à matriz curricular obrigatória do ensino nacional como um todo. Por fim, na última sessão, serão analisados o Criacionismo e a Teoria da Evolução das Espécies, definindo ambos e situando a discussão dentro do atual quadro político e legislativo nacional. Ainda, serão apresentados e discutidos alguns Projetos de Lei que versam sobre o tema. Isto posto, com o auxílio da base jurídica e doutrinária apresentada ao longo do corpo do trabalho e concluída esta última etapa da pesquisa, será possível tecer as considerações finais sobre a questão fundamental inicialmente levantada.

2. PRINCÍPIO DA LAICIDADE, LIBERDADE RELIGIOSA E EDUCAÇÃO
Aqui será abordado o princípio da laicidade estatal, definindo-o e realizando uma breve abordagem histórica acerca de seu surgimento e evolução. Após, será estudado de que forma o referido princípio se encontra situado no contexto do ordenamento jurídico nacional e nos limites definidos pela Constituição Federal de 1988. Definido o conceito de Estado Laico, na sequência, será trabalhado a relação entre este e a liberdade de ideologia e de crenças. Aqui, ainda será abordado a dependência entre Estado Laico e Liberdade Religiosa, princípios estes complementares. Por fim, o supracitado Princípio será identificado como um garantidor de direitos fundamentais, relacionando-o, inclusive, com o princípio da dignidade da pessoa humana, justificando a ênfase e dedicação na análise da laicidade estatal.

2.1 O PRINCÍPIO DA LAICIDADE: CONCEITUAÇÃO E ABORDAGEM HISTÓRICA
O conceito básico de laicidade consiste no pressuposto de que o Estado não professe ou favoreça nenhuma religião. É o Estado neutro frente à diversidade de credos e cultos. Assim, é vedado ao Estado adotar uma ou mais doutrinas religiosas como oficiais. Para melhor compreender este princípio, entender a sua importância e de que forma ele se consolida no ordenamento jurídico pátrio, torna-se fundamental abordar o desenvolvimento histórico do mesmo e compreender quais as suas garantias, limites e a forma com que se encontra constitucionalmente disposto.
Conforme explica Celso Lafer, “laico significa tanto o que é independente de qualquer confissão religiosa quanto o relativo ao mundo da vida civil” (LAFER, 2009). Ainda, segundo o autor:
Uma primeira dimensão da laicidade é de ordem filosófico-metodológica, com suas implicações para a convivência coletiva. Nesta dimensão, o espírito laico, que caracteriza a modernidade, é um modo de pensar que confia o destino da esfera secular dos homens à razão crítica e ao debate, e não aos impulsos da fé e às asserções de verdades reveladas. Isto não significa desconsiderar o valor e a relevância de uma fé autêntica, mas atribui à livre consciência do indivíduo a adesão, ou não, a uma religião. O modo de pensar laico está na raiz do princípio da tolerância, base da liberdade de crença e da liberdade de opinião e de pensamento (LAFER, 2009, p. 227).
Extrai-se do ensinamento acima transcrito que a laicidade é pautada por um exercício constante de tolerância frente à diversidade de posturas filosóficas e ao conhecimento e espiritualidade possivelmente existentes em uma sociedade democrática, respeitando-se, desta forma, os direitos e liberdades individuais e coletivos. Assim, é garantindo ao indivíduo a liberdade de professar qualquer credo, de cunho religioso ou não, e à coletividade a proteção contra eventuais excessos decorrentes da tentativa de institucionalização de determinada fé por quaisquer segmentos. Ainda, observando a referida citação, aduz o autor que além de um exercício de tolerância e uma proteção às liberdades individuais e coletivas, a laicidade é um reflexo estatal da tendência moderna do homem de pautar a “esfera secular” em observância à “razão crítica e ao debate, e não aos impulsos da fé e às asserções de verdades reveladas”.
Esta tendência estatal secular se faz presente em todas as searas sociais. O processo laicizador se afirma, de forma prioritária, no terreno do ensino e da educação. Podendo se aferir que o animus deste processo era separar a Igreja das Escolas e do Estado, ao mesmo tempo em que buscava socializar e democratizar ideias e valores (CATROGA, 2006).
De acordo com Blancarte (2008), o termo laicidade foi utilizado pela primeira vez em um voto que o conselho geral de Seine, na França, fez a favor do ensino laico, não confessional e sem instrução religiosa. Este fato ocorreu no século XIX. Para Blancarte (2000), a laicidade pode ser definida como:
Um sistema social de convivência, no qual as instituições políticas são legitimadas principalmente pela soberania popular, e não por elementos religiosos. Como resultado, o Estado laico realmente surge quando o motivo da estabilidade não é sagrada, mas popular (BLANCARTE, 2008, p. 6 – Tradução Livre).. 4
Compreender o conceito de Estado Laico é entender o seu surgimento e o contexto político e social deste advento. Ao abordar os aspectos históricos acerca do surgimento da laicidade, Ari Pedro Oro explica que:
Laicidade é um neologismo francês que aparece na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1871, no contexto do ideal republicano de liberdade de opinião – na qual está inserida a noção de liberdade religiosa – do reconhecimento e aceitação de diferentes confissões religiosas e da fundação estritamente política do Estado entre monarquia e a vontade divina (ORO, 2008, p. 223).
O princípio moderno de Estado Laico é resultado do processo histórico contínuo de separação entre Estado e Igreja que teve como marco histórico inicial a Revolução Francesa. Neste processo a Igreja foi gradativamente excluída do poder político e administrativo, particularmente do ensino, ocorrendo o afastamento social institucionalizado de dogmas e do poder da Igreja Católica (DOMINGOS, 2009).
O surgimento do conceito de Estado Laico está relacionado com o advento da emancipação do Estado de influências político-administrativas diretas de instituições religiosas. Ao contrário do momento histórico do surgimento da laicidade, nos dias atuais, as influências religiosas no Estado são mais sutis. A Igreja não mais exerce de forma direta o seu poder, mas sim, por meios democráticos, mediante a representação legítima dos eleitos. As raízes da Igreja no Brasil têm sua origem intrinsecamente ligada ao próprio descobrimento e colonização do País. Júlio Maria, em 1981, analisou esta concepção e dissertou nos seguintes termos:
[...] o descobrimento da América foi uma compensação à Igreja na época em que o protestantismo arrancou à fé católica metade da Europa, desvairada pelo espírito pagão que renascera nas ciências, nas letras, nas artes, na política, nos costumes, na educação e deixou a outra metade profundamente abalada nas crenças, que certas nações católicas não repudiaram formalmente, mas de que, desde então, não mostraram mais como nações o exemplo e a prática (MARIA, 1981, p. 24).
No Brasil, durante todo o período colonial (1500-1822) e imperial (1822-1889), o catolicismo foi a única religião legalmente aceita, não havendo liberdade religiosa em nosso país (ORO, 2009). Neste período o Estado regulou de forma autoritária o campo religioso, determinando o catolicismo como religião oficial e concedendo-lhe privilégios em âmbito nacional (MARIANO, 2001). Cabe destacar que a Constituição de 1824 definia a religião católica como a religião oficial do Império, garantindo, porém, a liberdade de culto, de forma restrita. O art. 5° da mencionada Constituição determinava que:
A Religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo (BRASIL, 1824).
Observa-se no citado dispositivo o reflexo de uma sociedade ainda pautada pelo autoritarismo e pela forte influência política da Igreja Católica. A evolução social, expressa nas subsequentes reformas no ordenamento jurídico brasileiro, refletem o abandono deste sistema arcaico de controle social por meio de instituições religiosas e a consolidação das liberdades individuais e do Estado Democrático de Direito.
A primeira Constituição da República, de 1891, por sua vez, determinava o respeito às liberdades de crença e de culto, introduzindo no ordenamento jurídico pátrio uma tendência global do respeito à diversidade religiosa e a desvinculação político-administrativa entre Estado e Igreja. Neste sentido, o artigo 72, §3º e §7º da referida constituição versava que:
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
§ 3º Todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum.
§ 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomática do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio (BRASIL, 1891).
Além das garantias de inviolabilidade dos direitos à liberdade individual dispostos no referido dispositivo, evidencia-se os fortes laços diplomáticos ainda existentes entre Estado e Igreja Católica. Apesar da iniciativa republicana de separação entre Estado e Igreja “a Igreja ainda ocupava espaços consideráveis nas áreas da saúde, educação, lazer e cultura” (MICELI, 2009, p. 34). Os textos constitucionais seguintes introduziriam dispositivos legais que perduram até os dias atuais. Destes, destaca-se o artigo 17, III, da Constituição de 1934, o qual limitava as possibilidades de relação entre Estado e Igreja e introduzia no ordenamento jurídico nacional uma forma de redação desta proteção que perdura, em parte, na atual Constituição Federal, in verbis: “Art. 17 É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos (BRASIL, 1934)”.
Ainda, a Constituição de 1934 inova na forma de dispor sobre as garantias e liberdades individuais e, da mesma forma que o artigo citado anteriormente, estes dispositivos perduraram ao longo do tempo e encontram-se dispostos, total ou parcialmente, na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, nos termos:
Art. 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
I - Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.
IV - Por motivo de convicções filosófica, políticas ou religiosas, ninguém será privado de qualquer dos seus direitos, salvo o caso do art. 111, letra b. 
V - É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costume. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil (BRASIL, 2016a).
Nas constituições seguintes, mantiveram-se, em regra geral, as inovações e disposições instituídas pela Constituição de 1934, de modo que pouco se inovou em matéria de laicidade do Estado. No entanto, é importante ressaltar que, apesar das garantias constitucionais, na prática, “o Estado brasileiro continuou privilegiando a Igreja Católica em detrimento dos demais grupos religiosos, demograficamente ínfimos, formados por minorias protestantes, espíritas, indígenas e por praticantes de rituais afro-brasileiros” (ORO, 2011, p. 226).
Outrossim, após esta breve conceituação e apresentação sobre a evolução histórica e jurídica da laicidade estatal a seção seguinte abordará a forma com que este princípio se apresenta no atual ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 O PRINCÍPIO DA LAICIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
De início, ao tratar sobre laicidade na Constituição Federal de 1988, é necessário salientar que não há dispositivo legal que defina expressa e explicitamente o caráter laico do Estado. Porém, esta característica não é uma exclusividade do ordenamento jurídico brasileiro. De fato, em regra geral, raros são os casos em que ocorre a delimitação expressa de forma inquestionável da característica de laicidade estatal, é o que assevera Marco Huaco (2008), nos termos:
Poucas são as constituições que, de maneira explícita, não deixam lugar a dúvidas sobre o caráter laico do Estado e do pluralismo religioso e ideológico, dando preferência a fórmulas ambíguas e pouco claras sobre as relações entre o Estado e o fator religioso (HUACO, 2008, p. 60).
A maioria das democracias não têm uma normativa forte ou prática de laicidade constitucional, deixando-a vulnerável a argumentos indistintos de livre exercício da fé ou pluralismo (SAJÓ, 2008 p. 605-629). Apesar da falta de determinação direta e expressa da laicidade estatal, este modelo de “Estado Neutro” é uma assertiva absolutamente constatável por meio da análise do conjunto normativo constitucional, no qual percebe-se que o princípio da laicidade encontra-se pulverizado em diversos dispositivos constitucionais.
Para compreender a consolidação da laicidade como um princípio, faz-se fundamental compreender que o Princípio do Estado Laico advém como resultado da aplicação de outros princípios constitucionais norteadores. Assim, princípios que versam sobre preceitos como democracia, igualdade e liberdade, inclusa a religiosa, constituem o princípio da laicidade (ZYLBERSZTAJN, 2012).
Neste sentido, torna-se necessário uma atenção especial a estes princípios norteadores que consolidam o princípio da laicidade no contexto constitucional. A base para a compreensão da laicidade do Estado como princípio advém do caráter democrático do Estado, consagrado no artigo 1º da Constituição Federal, nos termos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 2016a).
Determinando a fonte primária de poder, qual seja, o povo, por meio de representantes democraticamente eleitos, a Constituição afasta, preliminarmente, influências político-administrativas na ordem social que não advenha da vontade e soberania popular. Neste lastro, advoga Norberto Bobbio (2009) em favor da democracia como contraposição à governos e poderes autocráticos:
Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente (BOBBIO, 2009, p. 30).
Em conjunção com o caráter democrático do Estado e a fonte soberana de poder advinda do povo, o artigo 5º, caput, da Constituição define que: “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 2016a). Para Celso Antonio Bandeira de Mello (1993), a lei não pode ser parcial, fornecer privilégios em detrimento de outrem. Deve a lei tratar a todos de forma igual, sendo este preceito o conteúdo fundamental do princípio da igualdade (MELLO, 1993).
Este dispositivo constitucional especifica que o povo e seus representantes democraticamente eleitos, no que tange a forma de exercício deste poder constitucionalmente garantido, haverão de respeitar as liberdades individuais, primando pela inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, em especial no “Art. 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 2016a).
Para José Afonso da Silva, a evolução do caráter democrático do Estado é condição necessária para a garantia de liberdade e igualdade, pois “quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade conquista” (SILVA, 2009, p. 234).
A respeito da separação entre Estado e Igreja, o artigo 19 da Constituição Federal limita a forma de interação entre ambos, permitindo apenas a possibilidade de “colaboração de interesse público”:
Art. 19 É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (BRASIL, 2016a).
No artigo supracitado está claro a definição dos limites da relação entre Estado e Igreja, no entanto, uma atenção especial a este artigo deve ser despedida a fim de correlacionar esta disposição constitucional com o tema aqui proposto neste estudo. Neste sentido, Marcos Huaco (2008) analisa o referido dispositivo e elenca uma série de pressupostos inerentes ao princípio da laicidade e à separação entre Estado e Igreja, os quais deverão ser observados quando da aplicação e adequação deste princípio em casos concretos:
a) separação orgânica das funções, assim como autonomia administrativa recíproca entre os agrupamentos religiosos e o Estado; b) o fundamento secular da legitimidade e dos princípios e valores primordiais do Estado e do Governo; c) a inspiração secular das normas legais e políticas públicas estatais; d) a neutralidade, ou imparcialidade frente às diferentes cosmovisões ideológicas, filosóficas e religiosas existentes na sociedade (HUACO, 2008, p. 33).
Observa-se que o referido autor defende e enfatiza o fundamento e a inspiração secular das normas e valores do Estado, sendo este o pressuposto de um Estado Laico, que obtém sua legitimidade por meio da soberania popular democrática em consonância com o respeito às liberdades individuais e coletivas. Neste lastro, relacionando direitos de liberdade com a condição democrática do Estado, Bobbio (1990), por sua vez garante que as:
Ideias liberais e [o] método democrático vieram gradualmente se combinando num modo tal que, se é verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade (BOBBIO, 1990, p. 44).
O laicidade do Estado é um mandamento constitucional, não devendo ser considerado um comando definitivo. Deve, portanto, ser cumprido na medida das possibilidade fáticas e jurídicas, de acordo com o caso concreto em análise. Nesta análise, a ponderação entre eventuais princípios conflitantes deve ser realizada com cautela, observando-se o princípio da proporcionalidade (SARMENTO, 2008).
Desse modo, é necessário considerar o Princípio do Estado Laico como um “mandado de otimização” da Constituição Federal, como uma diretriz norteadora a ser cumprida, conforme Sarmento, “na medida das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto”. Ou seja, este viés reconhece as dificuldades e conflitos naturais de um Estado em que a liberdade seja um valor primordial. As divergências filosóficas e políticas em uma sociedade livre é um fator previsível. Neste contexto, entra o Estado Laico, administrando as diferenças com neutralidade e imparcialidade na medida em que as divergências conflituosas se apresentem.
Assim, considerando a relativa juventude da atual Constituição, é compreensível que ainda haja muito a se avançar no sentido de otimização e adequação das políticas de Estado a esta diretriz constitucional específica. É necessário, também, considerar a imensurável influência que as tradições religiosas possuem na sociedade de um modo geral. A herança cultural da religião é presente no Brasil, país onde 87% da população afirma ser cristã (BRASIL, 2010).
Considerando o multiculturalismo religioso na sociedade brasileira, bem como a predominância de determinados segmentos confessionais na política e na sociedade como um todo, é necessário um aprofundamento maior nos dispositivos constitucionais que garantem a plena liberdade de crença e consciência e compreender qual a relação entre Estado laico e liberdade religiosa.

2.3 A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA EM UM ESTADO LAICO
A liberdade de consciência e de crença são direitos invioláveis, constitucionalmente garantidos. O indivíduo é livre para pensar e acreditar no que quiser. Nisto reside a liberdade de crença, consciência e de pensamento. Esta liberdade é extremamente pessoal, não podendo o Estado impor qualquer tipo de interferência. Ressalta-se, aqui, a íntima relação entre estas proteções ao caráter democrático do Estado. Sem elas, não há liberdade de escolha e deliberação, essenciais em uma democracia (KARAM, 2009).
A partir desta garantia é que surge o termo liberdade religiosa. Moraes (2008, p. 43) ressalta que “a conquista constitucional da liberdade religiosa é verdadeira consagração de maturidade de um povo”. Canotilho (1993), por sua vez, analisa a liberdade religiosa, se debruçando sobre alguns fundamentos originários até a aplicação e definição moderna deste direito:
A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de minorias religiosas que defendiam o direito de cada um à verdadeira fé. Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos, a ideia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial. Por este facto, alguns autores, como G. JELLINEK, vão mesmo ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais. Parece, porém, que se tratava mais da ideia de tolerância religiosa para credos diferentes do que propriamente da concepção da liberdade de religião e crença, como direito inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos documentos constitucionais (CANOTILHO, 1993, p. 503).
Compreender profundamente os fundamentos de um Estado Laico é compreender a sua íntima relação com o direito à liberdade religiosa. Assim, José Afonso da Silva (2009) define e classifica liberdade religiosa nos seguintes termos:
Ela se inclui entre as liberdades espirituais. Sua exteriorização é forma de manifestação do pensamento. Mas, sem dúvida, é de conteúdo complexo pelas implicações que suscita. Ela compreende três formas de expressão (três liberdades): (a) liberdade de crença; (b) liberdade de culto; (c) e a liberdade de organização religiosa. Todas são garantidas na Constituição (DA SILVA, 2009, p. 247).
O presente estudo analisa o possível cerceamento à liberdade de crença e de consciência decorrente da obrigatoriedade do ensino de conteúdos confessionais em escolas. Desta forma, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa, as outras duas formas de expressão da liberdade religiosa, não serão abordadas com maior profundidade.
Torna-se fundamental, também, esclarecer que a liberdade de crença e consciência comporta o direito de não professar qualquer credo, a liberdade de praticar o livre agnosticismo e de ser ateu. Comporta, também, a liberdade de mudar de religião. Porém, não é permitido obstruir o livre exercício de qualquer religião por outrem, inclusa a falta de religião (DA SILVA, 2009).
É necessário elucidar a relação entre liberdade religiosa e Estado Laico. Em uma análise superficial, é possível que se considere que os dois princípios citados são antagônicos. Porém, após a prévia explanação sobre a conceituação de laicidade, verifica-se que não há Estado Laico sem liberdade religiosa plena.
Aprofundando-se na questão, Blancarte (2008, p. 29) afirma que “o Estado laico é a primeira organização política que garantiu as liberdades religiosas. Há que se lembrar que a liberdade de crenças, a liberdade de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico, e não como oposição a ele”.
O conceito de laicidade “inclui a garantia plena da liberdade religiosa, que pressupõe a dupla atuação do Estado – a não interferência nesta esfera do cidadão, e a proteção que sua religiosidade seja exercida livremente” (ZYLBERSZTAJN, 2008, p. 50). Relacionando a ideia da citada autora com o tema aqui proposto, é vedado ao Estado interferir na seara individual do cidadão, impondo-lhe determinada crença religiosa ao tornar obrigatório o estudo de matéria confessional nas escolas; paralelamente, deve o Estado agir ativamente no controle de eventuais excessos que possam vir a ser implementados.
A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem – em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo – em termos razoáveis. E consiste, por outro lado – e sem que haja qualquer contradição –, em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres (MIRANDA, 2000, p. 409).
Assim, estaria garantida a relação democrática entre Estado e religião, contemplando a possibilidade de todos os credos participarem ativamente da construção social e ter seus direitos específicos contemplados, garantindo a liberdade religiosa como um dos elementos formadores do princípio da laicidade. No entanto, considerando não ser a liberdade religiosa um princípio constitucional superior aos demais, a sua aplicação não pode restringir em excesso os demais princípios. A sua aplicação deve ser efetuada com ponderação e coerência, em consonância com as demais diretrizes constitucionais que regem a laicidade estatal (ZYLBERSZTAJN, 2012).
É sob este prisma que o presente estudo pretende analisar as questões propostas, entendendo que o Estado tem o dever de garantir a liberdade religiosa e, ao mesmo tempo, garantir a imparcialidade e neutralidade frente à diversidade, mantendo a coerência com os fundamentos democráticos da República e com toda a base normativa e principiológica. Por fim, com o intuito de compreender a real natureza do princípio da liberdade religiosa, é necessário entender a liberdade de consciência e de crença como um direito fundamental.

2.4 ESTADO LAICO COMO GARANTIDOR DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Após a necessária conceituação até aqui apresentada, abordando a evolução histórica do princípio do Estado laico e da liberdade religiosa, bem como destacando a íntima relação complementar entre os dois princípios, torna-se possível definir o caráter laico do Estado como um pressuposto necessário a fim de garantir plenamente os direitos fundamentais em uma sociedade.
Os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito (CARVALHO, 2009, p. 26). Conforme já exposto, a Constituição Federal de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso VI, o direito à liberdade, incluindo a liberdade de consciência e de crença. Assim, a Constituição consagra a liberdade religiosa como um direito fundamental do cidadão.
Sendo a liberdade de consciência e crença um direito fundamental do indivíduo, um Estado verdadeiramente laico é pressuposto indispensável para viabilizar ao indivíduo o acesso a estes direitos. Limitar o livre exercício de consciência e crença é violar um direito fundamental básico. Somente um Estado neutro frente à diversidade cultural existente em sua população pode propiciar um ambiente social livre de doutrinações oriundas de segmentos sociais específicos.
Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 84) ensina que é indissociável a relação entre os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, este consagrado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil enquanto Estado Democrático de Direito, conforme art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 2016a).
O reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões é pressuposto para a dignidade da pessoa humana plena. Caso não haja o reconhecimento desses direitos à pessoa humana, estará sendo negada à mesma a própria dignidade (SARLET, 2006, p. 84-85). O referido autor raciocina relacionando direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana no sentido de reconhecer que sem liberdade e/ou autonomia pessoal não há dignidade humana e, consequentemente, viola-se direitos fundamentais, nos termos:
A noção de dignidade repousa – ainda que não de forma exclusiva – na autonomia pessoal, isto é, na liberdade (no sentido de capacidade para a liberdade) – que o ser humano possui de, ao menos potencialmente, formatar a sua própria existência e ser, portanto, sujeito de direitos. [...] sem liberdade (positiva ou negativa) não haverá dignidade, ou, pelo menos, esta não estará sendo reconhecida e assegurada (SARLET, 2006, p. 86).
O autor também relaciona a dignidade humana com o reconhecimento e proteção da identidade pessoal, no sentido de autonomia e integridade psíquica e intelectual (SARLET, 2006, p. 86). Ou seja, no contexto deste estudo, considerar viável a obrigatoriedade do criacionismo nas escolas seria uma afronta ao próprio princípio da dignidade humana.
Novelino (2008, p. 248) também reconhece no princípio da dignidade da pessoa humana a base para a fundamentação e concretização dos direitos fundamentais: “a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado brasileiro, constitui-se no valor constitucional supremo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais”. Assim, justifica-se a atenção à este princípio, não só pela relação íntima com o tema proposto neste estudo, na forma já analisada, mas, também, como um dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil e base principiológica constitucional, conforme afirma o autor.
Apesar da devida importância dos direitos fundamentais dentro do ordenamento jurídico pátrio, nem mesmo eles são absolutos, podendo ser relativizados. Esta relativização dos direitos fundamentais decorre da possibilidade de conflitos entre direitos. Neste sentido, ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco:
[...] os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. [...] Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada (BRANCO, 2007, p. 230-231).
Reforçando esta noção acima apresentada, esta relativização dos direitos fundamentais decorre da necessidade de proteção de bens jurídicos diversos, cada qual com o seu revestimento de proteção constitucional, nestes casos, as restrições são justificáveis (SARMENTO, 2006). O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, sobre o conflito entre direitos fundamentais e sobre a solução da contenda, ensina que: “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto” (BARROSO, 2009, p. 329).
Desta forma, apesar de incontestável o fato de o direito a liberdade de consciência e de crença ser um direito fundamental, constitucionalmente garantido, percebe-se a relevância deste trabalho pelo fato de que, no caso concreto, um eventual conflito de princípios poderá ser interpretado de forma diversa caso não haja cautela e profundo embasamento teórico na análise do problema em discussão. Neste sentido, o papel da comunidade acadêmica na construção do conhecimento, analisando situações concretas intercorrentes ou abstratas que eventualmente possam ocorrer é de fundamental importância, especialmente se tratando de um estudo que envolve o direito à liberdade, à igualdade e a própria dignidade da pessoa humana.
Na definição de direitos fundamentais, deve-se observar, dentre outras características, a sua historicidade. Esses direitos são uma construção histórica e variam de época para época, se adaptando às evoluções sociais. Neste sentido, ensinava o professor Norberto Bobbio:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [...] o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas (BOBBIO, 1992, p. 5-19).
Portanto, no presente estudo, que visa analisar o aparente conflito entre laicidade estatal e a obrigatoriedade do ensino de conteúdos de cunho confessional em escolas como alternativa a um conteúdo científico consolidado, deve-se, portanto, considerar continuamente as evoluções sociais em todas as áreas concernentes ao tema. Justifica-se aqui, também a definição da laicidade estatal fundamentalmente como princípio norteador, podendo ele servir como o fiel da balança, devendo ser analisada as situações conflituosas in concretu, analisando o conjunto principiológico constitucional aplicável ao caso em tela, a fim de que a conclusão final esteja em perfeita consonância com o todo jurídico.
Com isso, conclui-se inicialmente, base jurídica-conceitual fundamental para o correto prosseguimento do estudo aqui proposto e necessário como fonte teórica na elaboração da derradeira tese conclusiva acerca da questão fundamental a ser aqui analisada. Esta análise abrangente sobre laicidade estatal é necessária para compreender os limites à influência, mesmo que democrática, de segmentos religiosos no todo social.

3. O DIREITO À EDUCAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O direito à educação será abordado dentro do âmbito legislativo e principiológico brasileiro a fim de compreender os mecanismos normativos que garantem o direito à educação em todos os seus níveis, especificamente no que tange a alteração da matriz curricular obrigatória nas redes de ensino do país. Ainda, ao definir o direito à educação, torna-se necessário entendê-lo como um direito fundamental de ordem social. As implicações práticas desta natureza jurídica diferenciada serão aqui analisadas. Por fim, o ensino religioso, seus limites e garantias constitucionais também será assunto aqui elucidado.

3.1 EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE ORDEM SOCIAL
O presente estudo tem na educação o seu objeto fundamental de análise. Para elaborar esta abordagem jurídica sobre educação, torna-se necessário, inicialmente, compreender a natureza jurídica deste direito. Por isso, nesta seção, será analisada a educação como um direito fundamental de ordem social. A conceituação e as implicações da aplicação deste regime jurídico especial conferido à educação serão abordadas na sequência.
Buscando conceituar materialmente os direitos fundamentais de ordem social, nos quais encontra-se o direito à educação, busca-se auxílio na doutrina de Vidal Serrano Nunes Junior (2009) que, nas suas palavras, afirma que:
podemos conceituar direitos sociais como o subsistema dos direitos fundamentais que, reconhecendo a existência de um segmento social economicamente vulnerável, busca, quer por meio da atribuição de direitos prestacionais, quer pela normatização e regulação das relações econômicas, ou ainda pela criação de instrumentos assecuratórios de tais direitos, atribuir a todos os benefícios da vida em sociedade (NUNES JUNIOR, 2009, p. 70).
Ainda, reforçando a conceituação de direitos fundamentais sociais, nesta feita no âmbito específico da Constituição Federal de 1988, José Afonso da Silva (2009) salienta que:
os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade (SILVA, 2009, p. 286-287).
Para Ingo Wolfgang Sarlet (2016), o dever do Estado em garantir condições materiais mínimas para uma vida com dignidade define o instituto jurídico dos direitos fundamentais de ordem social (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016). O autor prossegue em sua análise, debruçando-se sobre o tema e ensinando que estas condições materiais mínimas para uma vida com dignidade deveriam ser providas no que ele define como “garantia de um mínimo existencial”.
Nos seus termos, o referido autor considera inconteste a vinculação de direitos fundamentais de ordem social com a garantia de um mínimo existencial: “a vinculação dos direitos fundamentais sociais com o que se designou de uma garantia do mínimo existencial é considerada na atual quadra da evolução, algo evidente” (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016, p. 618). Neste lastro, o direito a educação, de natureza fundamental-social, deve respeitar padrões e diretrizes qualitativas e se manter em consonância com o conjunto normativo e principiológico disposto, a fim de cumprir devidamente seu papel social de garantir o chamado “mínimo existencial”.
O direito ao mínimo existencial pode ser entendido por meio do princípio da autonomia; neste sentido, o direito ao mínimo existencial representa a garantia dos meios necessários para que o indivíduo possa atuar de forma autônoma (ALEXYa, 2015, p. 120). Novamente, uma educação que respeite a liberdade intelectual e ideológica de cada indivíduo é pressuposto essencial na formação de indivíduos autônomos, cumprindo, assim, a educação, o seu papel enquanto direito fundamental de ordem social.
Impossível analisar o dever estatal em prover um mínimo existencial sem relacionar com o consagrado princípio da dignidade da pessoa humana. O princípio da dignidade da pessoa humana requer, para a sua plena efetivação, não apenas a garantia de liberdade mas, também, a segurança social mínima, proporcionando os meios materiais para uma existência digna (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016).
A relação entre dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais de ordem social é ainda mais profunda. Na análise sobre o assunto, Ingo Wolfgang Sarlet (2005) se debruça sobre o tema, entendendo o papel crucial do fundamento da República previsto no artigo 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil, analisando o tópico nos seguintes termos:
Tomando-se o exemplo do direito à educação, poder-se-á sempre afirmar que negar, em face de argumentos como o da ausência de recursos, até mesmo o acesso ao ensino fundamental não chega a comprometer a existência do indivíduo. A resposta a esta indagação, contudo, passa pelo princípio da dignidade humana, que indubitavelmente pressupõe um certo grau de autonomia do indivíduo, no sentido de ser capaz de conduzir a sua própria existência, de tal sorte que a liberdade pessoal [...] constitui exigência indeclinável da própria dignidade. Neste sentido, não restam dúvidas de que manter o indivíduo sob o véu da ignorância absoluta significa tolher a sua própria capacidade de compreensão do mundo e sua liberdade (real) de autodeterminação e de formatar sua existência. O princípio da dignidade da pessoa humana pode vir a assumir, portanto, importante função demarcatória, estabelecendo a fronteira para o que se convenciona denominar de padrão mínimo na esfera dos direitos sociais (SARLET, 2005, p. 353).
Em relação à formalização e disposição dos direitos fundamentais, Robert Alexy (2015a), formula uma análise sobre os mesmos elaborando uma definição ampla a qual “sustenta que normas de direitos fundamentais são todas as normas para as quais existe a possibilidade de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais” (ALEXY, 2015b, p. 76). Ou seja, normas educacionais, que versem sobre os ditos direitos, suas garantias e proteções, terão este regime normativo restritivo aplicado a elas.
Percebe-se, então, que, para Alexy (2015b), independente do inquestionável caráter moral dos direitos sociais, já definidos aqui como garantidores de um mínimo existencial e relacionados de forma indissociável com o princípio da dignidade da pessoa humana, os mesmos possuem íntima conexão com o direito positivo. Para o autor, os fundamentos morais dos direitos sociais devem servir como diretrizes a serem observadas por cada ordenamento jurídico:
Os direitos fundamentais rompem, por razões substanciais, o quadro nacional, porque eles, se querem poder satisfazer as exigências a serem postas a eles, devem abarcar os direitos do homem. Os direitos do homem têm, porém, independentemente de sua positivação, validez universal. Eles põem, por conseguinte, exigências a cada ordenamento jurídico (ALEXY, 2015b, p. 95-96).
Ante o exposto, pode-se concluir que o direito à educação, enquanto direito fundamental de ordem social baseia-se na noção de igualdade material, considerando o pressuposto de que além do direito à liberdade, é necessário que o indivíduo possua condições mínimas para exercê-la. Para isso, Alexy (2015b) explica que dada a importância que os direitos fundamentais possuem, os mesmos exercem uma forte influência em cada ordenamento jurídico, onde estes devem observar os preceitos universais defendidos por estes direitos.
Observando-se estes preceitos, a Constituição da República Federativa do Brasil, logo em seu artigo 6º, consagra a educação como um direito fundamental de ordem social no qual “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 2016a – grifo nosso).
Sobre o citado dispositivo, ensina Ingo Wolfgang Sarlet que o direito fundamental à educação obteve reconhecimento expresso no art. 6º da CRFB/88, integrando, desta forma, o catálogo dos direitos fundamentais sujeitos ao regime jurídico reforçado que lhes foi atribuído pelo constituinte (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016).
Dentre as garantias especiais do regime jurídico diferenciado conferido à educação, destacam-se os artigos 5º, §1º e art. 60, §4º, IV, ambos da Constituição Federal. O legislador constituinte preocupou-se em definir nestes dispositivos as garantias e proteções neles positivadas, certamente, cientes da importância deste direito e da correta preservação de sua essência.
A Constituição Federal confere à educação, como direito fundamental, o efeito jurídico especial previsto no artigo 5º, §1º, expresso nos seguintes termos: “Art. 5º, §1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Neste contexto, Silva (2009, p. 313) identifica o direito à educação como “plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, ou seja, exigível judicialmente, caso não seja prestado espontaneamente”.
Além do citado dispositivo, a Carta Magna protege a educação, enquanto direito e garantia individual, vedando emendas à Constituição que visem abolir direitos relacionados à educação, nos termos do artigo 60, IV, da Constituição Federal: “Art. 60, § 4º, IV: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais”.
Compreendida a natureza da educação como um direito fundamental de ordem social, por meio dos fundamentos normativos e doutrinários apresentados neste tópico introdutório, dar-se-á continuidade no estudo analisando a forma com que o direito à educação se encontra disposto no conjunto normativo pátrio.

3.2 EDUCAÇÃO NA LEGISLAÇÃO: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, DISPOSIÇÕES E LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Além da previsão constitucional de direito fundamental de ordem social, a educação foi alvo de normatização pormenorizada no Capítulo III, artigos 205 a 214. Após a necessária exposição do artigo 6º da Constituição Federal na seção anterior, é possível analisar de forma mais detalhada a forma com que este direito resta concretamente disposto. Sobre o tema, ensina Ingo Wolfgang Sarlet:
O art. 6º da CF, tal como ocorreu com os demais direitos ali enunciados, apenas se limita a enunciar que a educação é um direito fundamental social e nada mais acrescenta que possa elucidar o conteúdo e alcance do direito, o que, como já sinalado, demanda uma interface com o disposto especialmente nos arts. 205 a 208, onde, adotando-se o critério referido, encontram-se delineados os contornos essenciais deste direito fundamental à educação (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016, p. 640).
Em seu artigo 205, a Constituição Federal aprofunda-se na descrição da educação como um direito de todos a ser assegurado pelo Estado, nos termos:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2016a).
Em seu artigo 205 a Constituição Federal assume uma dupla dimensão, reconhecendo e definindo a educação como universal e atribuindo um cunho impositivo, a ser respeitado pelo Estado e pela comunidade na realização e concretização deste direito (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016). O autor prossegue em sua análise sobre o referido artigo, ensinando que o artigo 205 da Constituição Federal:
assume a feição de norma impositiva de tarefas e objetivos aos órgãos públicos e, em especial, ao legislador, servindo, além disso, como parâmetro obrigatório para a aplicação e interpretação das demais normas jurídicas (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016, p. 641).
José Afonso da Silva (2009) ensina que o art. 205 da Constituição Federal contém uma declaração fundamental, que, combinada com o art. 6º, eleva a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem. O artigo prevê três objetivos básicos: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho (SILVA, 2009, p. 286-312). Já o artigo 206 do mesmo dispositivo, provê princípios que embasam o ensino por meio dos incisos e do parágrafo único concernentes a este artigo:
Art. 206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2016a).
A título de elucidar a problemática proposta neste estudo destaca-se do dispositivo acima citado os incisos II e III. Sobre o primeiro inciso, é possível asseverar que o mesmo trata-se de legítimo direito de liberdade, gerando direitos subjetivos para os particulares (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2016). Isto posto, no caso específico do artigo 206, II, o Estado deve abster-se de interferir na seara individual das liberdades de cada cidadão, permitindo o desenvolvimento autônomo e livre no âmbito educacional. Já o artigo 206, inciso III da Constituição Federal consagra, especificamente o pluralismo de ideias como um princípio norteador da educação. De início, poder-se-ia questionar que o citado artigo seria o embasamento constitucional necessário para permitir que conteúdos de caráter confessional tivessem natureza obrigatória, sendo inseridos dentro da matriz curricular comum das escolas do país. Sob este ponto de vista, a Constituição Federal permitiria que visões de mundo diferentes, notadamente a de natureza cristã, tivessem espaço como alternativa à teorias científicas ministradas nas salas de aula de Ciências.
O argumento acima exposto tem sido constantemente utilizado na defesa desta concepção confessional do ensino. É, ainda, recorrentemente utilizado por meio de parlamentares na elaboração de projetos de lei que visam tornar obrigatório o ensino de conteúdos confessionais como alternativa a teorias científicas.5
Reconhecendo o pluralismo de concepções filosóficas e crenças na sociedade, a Constituição Federal dispõe sobre o ensino religioso, como matéria específica, de natureza facultativa, nos termos do artigo 210, §1º da Carta Magna: “art. 210. §1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.6
Percebe-se que o dispositivo acima citado se refere apenas à escolas públicas. Em relação à iniciativa privada, o ensino é livre, desde que respeitando o disposto no artigo 209, I e II, no qual “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (BRASIL, 2016a). Assim, apesar da relativa liberdade concedida à iniciativa privada no que concerne o ensino, as escolas particulares devem observar as diretrizes e normas gerais determinadas pelo Estado. Sobre o tema, posiciona-se Regina Maria Fonseca Muniz:
O Estado não pode fugir de sua função educadora e muito menos pode deixar que as suas escolas privadas o suplantem no cumprimento deste dever. Deverá estar presente na formação de seus cidadãos, em parceria com a sociedade, preocupado, precipuamente, com a formação da personalidade infantil, implantando programas educacionais de qualidade e não apenas abrindo novas escolas. É preciso estar atento ao conteúdo das mesmas, procurando proporcionar à criança as condições de vida mais próximas de um lar, formando hábitos sadios, ensinando-lhes e estimulando sua capacidade gradativa no meio social com treinamentos e seleção criteriosa de pessoal e de voluntários (MUNIZ, 2002, p. 224).
Desta forma, mesmo o ensino particular deve observar o norte educacional imposto pelo Estado, definido por meio de normas específicas que devem estar em consonância com os preceitos constitucionais concernentes. Além disso, é importante frisar que tratando este estudo de uma análise sobre a educação em seu nível fundamental, no contexto em que os diretamente afetados por eventuais alterações na matriz curricular das escolas serão crianças e adolescentes, é fundamental, aqui, citar a Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Logo em seu artigo 3º, o ECA garante o regime especial de proteção à criança e ao adolescente, assegurando-lhes o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, inclusive a educação:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 2016b).
Destaca-se deste dispositivo, a garantia plena à proteção do estudante ao desenvolvimento mental, moral, espiritual e social de forma livre. Em uma primeira análise, afere-se que a interferência do Estado definindo conteúdos obrigatórios de caráter religioso seria uma afronta à autonomia de desenvolvimento mental e espiritual dos estudantes. O artigo 4º do ECA, por sua vez, define que é dever, dentre outros do Estado assegurar, com prioridade, os direitos referentes à educação, dignidade e liberdade, nos termos:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2016b).
Percebe-se a ênfase que todos os dispositivos legislativos até o momento citados conferem à liberdade no contexto da educação. O ECA, dedica um capítulo exclusivo para versar sobre o direito à liberdade e à dignidade de crianças e adolescentes. Nos artigos 15 e 16 desta lei, o Estatuto dedica-se a definir, situar e citar alguns aspectos nos quais o direito fundamental à liberdade deverá ser observado, in verbis:
Art. 15 A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16 O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação (BRASIL, 2016b).
Uma vez mais, compreende-se a importância concernida pelo legislador no sentido de proteger a liberdade dos educandos no sentido de proteger a liberdade de opinião e de crença religiosa. Este sentido de preservação da autonomia individual é reforçado pelo texto do artigo 17 do ECA, que versa:
Art. 17 O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais (BRASIL, 2016b).
Sob este prisma e buscando inserir estas contribuições do ECA no sentido de elucidar a problemática deste estudo, afere-se a enfática atenção que este dispositivo normativo dispensa ao ensino livre, desvinculando ideologias sectárias, buscando o desenvolvimento autônomo dos educandos. Por isso, para efetivar este direito à liberdade de aprendizado, faz-se necessário um currículo escolar que se encontre alinhado às diversas disposições normativas que versam sobre a liberdade e autonomia das crianças, adolescentes e do ensino de forma geral. Neste lastro, por meio do documento intitulado “Salvar o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente”, elaborado pelo Instituto Paulo Freire, Paulo Roberto Padilha (2015), um dos colaboradores na formulação deste documento, analisa o currículo escolar,
Associar currículo e ECA significa incluirmos no espaço-tempo da escola as “oportunidades e facilidades” para que crianças e adolescentes tenham assegurados os seus direitos de um desenvolvimento pleno – “físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade de dignidade”, conforme estabelece seu artigo terceiro. E que possamos entender como “oportunidades e facilidades” o que crianças e adolescentes necessitam, efetivamente, para terem uma vida digna e uma educação de qualidade sociocultural e socioambiental. Isso significa que devemos estar atentos quando educamos e nos educamos com os(as) nossos(as) alunos(as), aos seus direitos fundamentais – à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade” (PADILHA, 2015, p. 64-65).
O autor continua na sua interpretação sobre currículo escolar e Estatuto da Criança e do Adolescente e, de forma lúdica e didática, conclui a sua análise por intermédio dos seguintes termos:
Currículo tem a ver com caminho, com percurso, como o quê, o onde, o quando, o como, o porquê, o com quem, para quem, o para quê e o para quando devemos ensinar e aprender. Nesse sentido, refere-se a que crianças e jovens queremos para o nosso mundo e que mundo oferecemos a eles. Refere-se, enfim, a tudo o que tem a ver com a vida feliz, digna, curiosa, prazerosa e aprendente das nossas crianças e adolescentes, o que está muito bem previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Cabe, portanto, a todos(as) nós, salvar, defender e utilizar o ECA no dia a dia das nossas vidas, das nossas escolas e no acontecer dos nossos currículos escolares (PADILHA, 2015, p. 65).
Neste contexto, visando regulamentar o ensino e cumprir as determinações e garantias constitucionais e infraconstitucionais já expostas, inclusivo no que tange os currículos escolares, em dezembro de 1996, foi decretada e sancionada a Lei 9.394, chamada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).7 Cabe salientar que a LDB 9.394/96 é também chamada de “Carta Magna da Educação”. Foi inspirada e defendida pelo antropólogo Darcy Ribeiro, que conseguiu transpor suas idéias em um texto legal sintético, permitindo uma generalização e flexibilidade e com repercussões políticas (FAGUNDES, 2008). A análise aqui elaborada deste dispositivo se resumirá em expor as diretrizes educacionais curriculares e aspectos gerais desta Lei, em especial. Portanto, dispensa-se uma análise crítica mais aprofundada da LDB, sua natureza política, méritos e eventuais falhas, por ser este viés digno de uma análise individual e específica, dada as particularidades desta proposta e da delimitação do tema aqui trabalhado.
No entanto, é fundamental citar aqueles dispositivos desta lei que dizem respeito e contribuem na elucidação da problemática aqui desenvolvida. A LDB, como não poderia ser diferente, define os princípios e fins da educação com base nos já citados preceitos constitucionais da educação. Desta forma, em seu artigo 2º, a Lei determina que:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2016c).
A LDB provê diretrizes que orientam a elucidação da problemática alvo deste estudo. No artigo 3º da Lei, a mesma apresenta um conjunto de princípios, claramente inspirados no rol principiológico disposto no artigo 206 da Constituição Federal. São eles:
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII - consideração com a diversidade étnico-racial (BRASIL, 2016c).
Destaca-se o princípio da liberdade, nas suas diversas formas, constantemente citado tanto na Constituição Federal quanto na LDB, princípio este fundamental para a análise final e conclusiva aqui proposta. Além disso, a LDB atribui, ainda, as respectivas diretrizes organizacionais, nos termos dos seus seguintes dispositivos:
Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.
§1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.
§2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei (BRASIL, 2016c)
Cita-se o dispositivo acima com fim elucidativo, contribuindo para a compreensão como um todo da normatização do direito à educação. Nele, percebe-se o papel de protagonismo da União ao ser responsável pela coordenação da política nacional da educação e exercendo função normativa nas outras instâncias educacionais. Finalmente, em relação aos currículos da educação que devem ser obrigatoriamente observados pelas instituições de ensino, a LDB provê orientações nos seguintes termos:
Art. 26 Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
§1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36 (BRASIL, 2016c – grifo nosso).
Observa-se que a Lei é taxativa na determinação daqueles conteúdos que devem ter caráter obrigatório. Verifica-se, ainda, que nada dispõe a Lei sobre a obrigatoriedade de conteúdo de cunho religioso/confessional nos currículos educacionais. A Lei determina, no entanto, que temas transversais, poderão ser incluídos na matriz curricular das escolas. O artigo 26, §7º da LDB, dispõe sobre o assunto nos seguintes termos: “A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput”. Para uma melhor compreensão, o Ministério da Educação (MEC) define “temas transversais” nos seguintes termos:
O compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva e a afirmação do princípio da participação política. Nessa perspectiva é que foram incorporadas como Temas Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL, 1997, p. 17).
Compreende-se que “temas transversais” não se relacionam com doutrinas confessionais, especialmente sobre o criacionismo como alternativa ao evolucionismo. O eventual argumento de que este tema poderia “contribuir para a construção da realidade social”, e, como consequência, enquadrando-se na definição de “temas transversais” do MEC, não prospera. O ensino religioso, e todas as eventuais contribuições que o mesmo possa trazer à sociedade já estão contemplados na disciplina específica de Ensino Religioso, previsto na Constituição Federal. Por fim, a LDB determina, em seu artigo 27 e incisos, diretrizes curriculares gerais que deverão ser observadas quando da elaboração das matrizes curriculares de ensino, nos seguintes termos:
Art. 27 Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; III - orientação para o trabalho; IV - promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais (BRASIL, 2016c).
Neste escopo, analisando as recentes alterações no âmbito da legislação e políticas educacionais, em 2009, por meio da emenda constitucional 59/2009, alterou-se o artigo 214 da Constituição Federal, que passou a vigorar com o seguinte texto:
Art. 214 A lei estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:
I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País; VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (BRASIL, 2016a).
Desta forma, o Plano Nacional de Educação (PNE), com o advento da Emenda Constitucional 59/2009, passa a ter força constitucional, com a previsão de que este plano seria estabelecido por meio de lei. Em 2014, aprovou-se o PNE, por meio da Lei 13.005/2014, a qual vigorará pelo lapso temporal de 10 anos (2014-2024). Nele, dentre outras disposições, estabeleceu-se diretrizes, metas e estratégias. Dentre as diretrizes previstas pelo PNE, afere-se aquelas previstas no artigo 2º, da Lei 13.005/2014, que versa:
Art. 2o São diretrizes do PNE:
I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; IV - melhoria da qualidade da educação; V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País; VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade; IX - valorização dos(as) profissionais da educação; X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (BRASIL, 2001).
Observa-se que o PNE, nas suas diretrizes, demonstra preocupação com a qualidade do ensino ministrado nas escolas. Isto fica evidente na análise dos incisos IV e VII. Uma análise comparada entre os dois dispositivos citados permite aferir a busca do plano por uma educação científica de maior qualidade, relação esta intimamente ligada ao tema deste estudo.
Após esta breve apresentação do PNE, torna-se possível analisar e compreender o instituto prioritário para a análise aqui proposta, que é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Sobre ela, cabe aqui uma breve explanação sobre a sua natureza e disposições. A BNCC foi elaborada pelo Ministério da Educação, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), no contexto das disposições e previsões estabelecidas pelo PNE. Em seu texto introdutório, o Ministro da Educação à época, Renato Janine Ribeiro, assim apresenta o documento:
A base é a base. Ou, melhor dizendo: a Base Nacional Comum, prevista na Constituição para o ensino fundamental e ampliada, no Plano Nacional de Educação, para o ensino médio, é a base para a renovação e o aprimoramento da educação básica como um todo. E, como se tornou mais ou menos consensual que sem um forte investimento na educação básica o País não atenderá aos desafios de formação pessoal, profissional e cidadã de seus jovens, a Base Nacional Comum assume um forte sentido estratégico nas ações de todos os educadores, bem como gestores de educação, do Brasil (BRASIL, 2015, p. 2).
Desta forma, a BNCC foi criada com o objetivo de atingir a determinação imposta pelo artigo 210 da Constituição, que versa: “Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 2016a).
A Base Nacional Comum Curricular é um documento que sistematiza o que é ensinado nas escolas do Brasil inteiro, englobando todas as fases da educação básica, desde a Educação Infantil até o final do Ensino Médio. O documento elabora os objetivos de aprendizagem de cada uma das etapas de sua formação nas áreas de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. No entanto, não se trata de um currículo totalmente fixo. A Base Nacional é uma ferramenta que visa orientar a elaboração do currículo específico de cada escola, sem desconsiderar as particularidades metodológicas, sociais e regionais de cada uma (PANTELIADES, 2016). Sobre o processo de elaboração da BNCC, assevera Daniela Panteliades:
Depois da definição dos profissionais que fariam parte da comissão de especialistas para a elaboração da proposta da Base Nacional, em Junho de 2015, e do lançamento do Portal BNCC, em Julho do mesmo ano, o texto preliminar da Base foi divulgado pelo site. Assim, em setembro de 2015, abriu-se espaço para as contribuições do público. Inicialmente programado para receber feedbacks até o dia 15 de dezembro, esse prazo acabou sendo prorrogado até 15 de março de 2016, quando a consulta pública foi concluída. O portal recebeu mais de 12 milhões de contribuições e, a partir delas, o documento foi revisado (PANTELIADES, 2016, p. 2).
Desta forma, observa-se na recente elaboração da BNCC o esforço estatal para delimitar e prover diretrizes curriculares no ensino pátrio, atestando pela relevância e atualidade do tema aqui proposto. O tipo e a qualidade do conteúdo obrigatório ministrado nas escolas é, ou deveria ser, uma preocupação geral na sociedade. Cabe à sociedade civil acompanhar a elaboração deste importante documento e cabe ao Estado, responsável pela elaboração do mesmo e por mediar o diálogo com a comunidade, o dever de respeitar os preceitos constitucionais já abordados e a já consolidada legislação infraconstitucional no âmbito educacional.
Especificamente, acerca do embate sobre a obrigatoriedade do ensino do criacionismo como alternativa à teoria da evolução das espécies, o BNCC provê preceitos que ajudam na solução desta problemática. Neste momento do estudo, cabe aqui citar que o BNCC trata a Teoria da Evolução das Espécies de forma séria, reconhece o seu atual estado de consolidação no meio científico-acadêmico global e a sua importância como teoria singular e complementar nas mais diversas áreas das ciências biológicas e ciências a esta, de alguma forma, relacionadas.
O tema foco deste trabalho possui relação com conteúdos de caráter religioso-confessional. Em suma, o estudo analisa o conflito entre criacionismo e evolucionismo no contexto do ensino nas escolas, utilizando-se de princípios jurídicos e de normas constitucionais e infraconstitucionais. Considerando o alegado, é natural que o tema “Ensino Religioso” seja suscitado na tentativa de analisar a situação aqui proposta. Com isso em mente, na seção seguinte, será analisada o Ensino Religioso. Seus limites, garantias e sua atual disposição no ordenamento jurídico pátrio.

3.3 ENSINO RELIGIOSO: DISPOSIÇÕES, LIMITES E GARANTIAS
É necessário esclarecer que a Constituição Federal prevê a possibilidade do ensino religioso nas escolas, de forma facultativa, em respeito aos princípios do Estado laico e da liberdade religiosa. O ensino religioso e o papel da escola em contribuir com este ramo da educação encontram-se disciplinados no artigo 210, §1º da CRFB/88, o qual determina que as disciplinas de conteúdo religioso tenham caráter facultativo, cabendo à família, gozando de seu direito à liberdade de crença, optar por matricular, ou não, seu filho em tal matéria, vide:
Art. 210 Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental (BRASIL, 2016a).
É um direito do aluno religioso ter a possibilidade de matricular-se na disciplina, mas não lhe é dever fazê-lo. Nem é disciplina que demande provas e exames que importem reprovação ou aprovação para fins de promoção escolar (DA SILVA, 2009, p. 252). Noutros termos, a forma com que o Ensino religioso encontra-se positivado respeita a liberdade religiosa, e a autonomia intelectual individual, permitindo que o aluno frequente, ou não, esta disciplina, não interferindo na progressão normal do estudante e garantindo o acesso daqueles que assim o queiram frequentar tal disciplina.
Só as escolas públicas são obrigadas a manter a disciplina e apenas no ensino fundamental. As escolas privadas podem adotá-la como melhor lhes parecer, desde que não imponham determinada confissão religiosa a quem não o queira (DA SILVA, 2009, p. 252). Percebe-se que a iniciativa privada possui maior liberdade na adoção e disponibilização do ensino religioso. Cabe, então, ao indivíduo optar, ou não, pelo ensino oferecido naquele estabelecimento. Ressalta-se que, aqui, refere-se exclusivamente à disciplina de ensino religioso em âmbito do ensino privado. A inserção de conteúdos religiosos nas aulas de ciências é tema que extrapola o ensino religioso e a análise deste viés deve ser efetuado no contexto do ensino geral, e não no âmbito da disciplina específica de ensino religioso.
Desta forma, apesar da liberdade concedida às escolas privadas, no que se refere ao conteúdo ministrado em sua grade curricular, estas devem respeitar legislação específica que regulamenta as atividades escolares, determinando as respectivas diretrizes educacionais, nos termos do artigo 209, I da Constituição Federal e do artigo 7, I da LDB. Neste sentido, tanto as escolas públicas quanto as privadas devem respeitar as diretrizes educacionais e princípio gerais quando da elaboração da matriz curricular padrão.
Em âmbito federal, além da Constituição Federal, o tema é regulamentado pelo art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que versa:
Art. 33 O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§1° Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§2° Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos de ensino religioso (BRASIL, 2016c).
Constata-se, pela diversidade de normas e diretrizes, que o sistema normativo nacional reconhece a ampla diversidade cultural, e religiosa no país. Reconhece, também, que o Estado é reflexo de seu povo e todo poder emana deste, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Constituição. Assim, em respeito a este fundamento democrático republicano, garantiu-se a possibilidade do ensino religioso, lecionado em matéria específica e de natureza facultativa. Observando o caráter laico do Estado e respeitando o princípio da liberdade religiosa, Marília Domingos (2009) faz sua análise sobre a forma como e ensino religioso deveria ser ministrado:
O ensino dos fatos religiosos propõe fornecer ao estudante os meios de poder escolher uma orientação religiosa, caso ele assim o deseje; mas uma escolha consciente, motivada por um desejo consciente e não uma opção forçada ou induzida por influências externas e muitas vezes extremistas (DOMINGOS, 2009, p. 61).
Percebe-se que aquilo que a autora propõe está em consonância com o caráter laico do Estado. A disciplina de ensino religioso seria, nestes termos, mais uma análise antropológica sobre o fenômeno religião e menos uma forma de repassar o credo socialmente dominante, respeitando-se, uma vez mais as liberdades e a autonomia individual. A autora segue sua análise crítica sobre o ensino religioso em um Estado Laico, desenvolvendo seu ponto de vista, nos seguintes termos:
A própria ideia de um ensino religioso é associada a uma imposição ao meio escolar, oriunda mais de preocupações político-religiosas do que verdadeiramente de uma formação integral e integradora dos educandos. Junte-se a isso a preocupação sobre o modo como se ministrará esse Ensino Religioso em um país de inúmeras formações, bases culturais ou religiosas, enfim, em um país de pluralidades, onde qualquer fenômeno adquire proporções equiparáveis às de um continente (DOMINGOS, 2009, p. 60).
Não há como se separar o fenômeno social “religião” da própria história da humanidade. Compreender este fenômeno e sua implicações é o papel do ensino religioso. Este ponto de vista, uma vez mais, é destrinchado pela mesma autora, in verbis:
Entender o fenômeno religioso, então, é essencial para a própria formação do Homem racional, para a aquisição e desenvolvimento de um espírito crítico, que lhe permitirá posicionar-se diante dos fenômenos de atualidade ou dos fatos da história da humanidade. Mas a compreensão dos fatos religiosos não pode ser confundida com catecismo ou proposição de fé (DOMINGOS, 2009, p. 60).
Neste sentido, Régis Debray, filósofo francês, em seu relatório ao Ministério da Educação, em 2002, denominado “O Ensino dos Fatos Religiosos na Escola Leiga”, afirmava que: “ninguém pode confundir catecismo e informação, proposição de fé e oferta de saber, 'testemunhos' e relatos” (DEBRAY, 2002, apud. DOMINGOS, 2009, p. 62).
Neste sentido, vale citar o parecer do Conselho Nacional de Educação de nº 05/97 no qual o órgão manifesta sua posição no intuito de considerar não haver contradição entre a determinação da separação entre Estado e Igreja disposta no art. 19, I da Constituição e a previsão do ensino religioso no art. 210 do mesmo texto constitucional, nos termos:
A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso para a formação básica comum do período de maturação da criança e do adolescente que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando – pela matrícula facultativa – opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de freqüência de tal ensino na escola (BRASIL, 1997).
Analisando o referido parecer, é importante frisar a dificuldade de contemplar todas as formas de crenças presentes na sociedade no ensino religioso, dificultando a necessária imparcialidade e neutralidade do Estado, não sendo possível conceber o ensino religioso como um “agente de formação básica comum do período de maturação da criança e do adolescente”. Deve-se, neste sentido, investir na formação dos profissionais responsáveis por esta importante função de expor os diversos caminhos filosóficos-religiosos existentes. Esta ação é essencial na busca por uma sociedade livre com indivíduos conscientes e aptos a optar por aquele caminho espiritual, ou não, que melhor lhes convier.
Desta forma, podemos concluir que, apesar de possíveis divergências quanto à forma com que é disponibilizado, o ensino religioso encontra respaldo legal e não fere o caráter laico do Estado, garantindo a concretização da liberdade religiosa, desde que mantenha-se em consonância com os limites estabelecidos pela constituição nos dispositivos específicos e com princípios constitucionais apresentados até o momento. Quaisquer formas de proselitismo ou doutrinação são vedadas no âmbito do ensino religioso, ressalvada a liberdade concedida à instituições privadas, situação na qual, cabe ao indivíduo exercer o juízo que melhor entender na escolha da instituição de ensino a ser contratada.
Concluindo, ficou compreendido por meio das seções apresentadas até então a natureza jurídico-normativa do direito à educação, a forma como este direito encontra-se disposto no conjunto normativo e principiológico pátrio bem como esclarecido as garantias e limites concernentes ao ensino religioso. Na seção seguinte, finaliza-se elucidando as competências legislativas em matéria de educação, as proteções e garantias legislativas no que tange os procedimentos que eventuais propostas de alteração à legislação educacional deverá passar a fim de que mudanças na forma como o ensino é disponibilizado ou o tipo de conteúdo ministrado sejam implementadas.

3.4 COMPETÊNCIAS, GARANTIAS E PROTEÇÕES NORMATIVAS EM MATÉRIA EDUCACIONAL
A Constituição Federal de 1988 dispõe de orientações no que tange a forma com que a legislação educacional deverá ser elaborada e as respectivas competências legislativas. Neste escopo, o artigo 22, XXIV da Constituição Federal determina que é competência privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Ressalva-se que o parágrafo único do dispositivo citado permite os Estados a legislar sobre o tema desde que autorizados por meio de lei complementar.
Não obstante ser competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases educacionais, o artigo 24, IX, da Constituição Federal dispõe ser competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal legislar sobre educação. Esta prerrogativa legislativa concedida a estados e municípios deve, obrigatoriamente, observar os mesmos preceitos e proteções aplicadas à União. Ou seja, não pode uma lei municipal ou estadual, que verse sobre educação, inovar e extrapolar os limites constitucionais ou estabelecidos nas diretrizes nacionais no que tange a educação.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, por sua vez, também estabelece as matérias de competência de cada ente federativo. Especificamente no que concerne a proposta deste estudo, qual seja a inserção de conteúdos obrigatórios e alterações à matriz curricular obrigatória, o artigo 9º, IV, da LDB, dispõe o seguinte:
Art. 9º A União incumbir-se-á de: IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 2016c).
Extrai-se do citado dispositivo o caráter colaborativo entre os entes federados no sentido de estabelecer as diretrizes curriculares e conteúdos educacionais mínimos a serem implementados na estrutura curricular das escolas. Esta possibilidade de colaboração está contemplada na PNE e no BNCC. Em relação especificamente à competência municipal em matéria de educação, é válido citar o artigo 30, VI, da Carta Magna, que versa: “Compete aos Municípios: VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental”, além do inciso II, do mesmo artigo que determina: “(compete aos Municípios) suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”. Compreende-se pelos citados dispositivos constitucionais que a competência municipal em matéria educacional é limitada e supletiva.
Relacionando com o tema deste estudo, com base nestes dispositivos, percebe-se ser vedado aos municípios legislar e propor alterações como a inserção de conteúdos religiosos nas aulas de ciências, visto que o tema não se trata de “assunto de interesse local” nem mesmo visa suplementar legislação federal ou estadual. Os Municípios devem, portanto, observar as diretrizes gerais federais, estas elaboradas em regime de colaboração entre os entes federativos, colaboração esta manifestada pelo PNE, BNCC e institutos similares.
Aos Estados Federados, aplicam-se, em suma, as mesmas prerrogativas dos municípios. Da mesma forma, há a possibilidade de os Estados legislarem sobre educação quando autorizados por meio de lei complementar, aplica-se também a concorrência legislativa concorrente e o regime colaborativo entre Estados e União e Municípios. Sobre a distribuição de competências federativas, predomina a chamada Teoria da Predominância de Interesses. Acerca da citada teoria, José Afonso da Silva (2009) discorre que:
À União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local (SILVA, 2009, p. 482).
O autor prossegue na sua análise sobre competência, se debruçando, especificamente, sobre a competência concorrente entre os entes federativos e a capacidade privativa de a União legislar. De forma objetiva, José Afonso da Silva (2009) ensina que:
A legislação concorrente da União sobre as matérias indicadas supra se limitará a estabelecer normas gerais. Nisso, a Constituição foi, às vezes, redundante. Por exemplo, no art. 22, inciso XXIV, dá como privativo da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, enquanto, no artigo 24, IX, combinado com o §1º, declara caber-lhe legislar sobre normas gerais de educação, não há nisso incoerência, como pode parecer. Legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e sobre normas gerais somam, no fundo, a mesma coisa (SILVA, 2009, p. 504).
Apesar de aparentemente ser um assunto juridicamente bem delimitado, o tema é alvo de constantes questionamentos junto à Corte Suprema de Justiça. No julgamento do Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1.399-SP/2004, a qual buscava impugnar lei estadual que visava disciplinar o ensino da disciplina de Educação Artística, é possível conferir o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal na interpretação das competências legislativas relativas à educação, principalmente relacionadas ao artigo 22, XXIV. A ementa do citado julgado versa nos seguintes termos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 9164/95. ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL. ENSINO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA. FORMAÇÃO ESPECÍFICA PARA O EXERCÍCIO DO MAGISTÉRIO. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCACAO NACIONAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO FORMAL. INOCORRÊNCIA. 1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Iniciativa. Constituição Federal, artigo 22, XXIV. Competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. 2. Legislação estadual. Magistério. Educação artística. Formação específica. Exigência não contida na Lei Federal 9394/96. Questão afeta à legalidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente em parte (BRASIL, 2004).
No voto do Ministro Relator, o mesmo defendeu e reforçou o entendimento de ser competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação, nos termos de trechos de seu voto:
É da União a competência privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, consoante dispões o artigo 22, inciso XXIV, da Constituição de 1988, que recebeu as Leis Federais 4042 de 20.12.61 e 5692, de 11.08.71, esta última alterada pela Lei 7044, de 18.10.82, todas versando sobre a matéria (BRASIL 2004).
Outro exemplo de posicionamento da Corte Constitucional sobre a competência das diretrizes e bases da educação pode ser conferido no julgamento da ADIN 3.669/2007. Neste caso mais recente, questionava-se a legitimidade da Câmara Distrital, do Distrito Federal para a proposição de Lei que alteraria a forma de ensino de Língua Espanhola nas escolas públicas daquele distrito. A ADIN foi julgada improcedente, entendendo aquele órgão colegiado que a Lei Distrital alvo da ação não fere o disposto no artigo 24, IX da Constituição pelo fato de que a referida lei objetivava apenas dar forma ao cumprimento e definição do conteúdo relativo ao ensino da língua espanhola nos estabelecimentos daquele ente federado.
Nos termos da Ministra Relatora desta ADIN, a mesma reforçou o entendimento aqui apresentado da competência privativa da União no sentido de instituir normas gerais sobre educação, as quais deverão ser observadas por todos os entes federativos, in verbis:
É certo que o legislador estadual ou distrital não pode desbordar os continentes e os conteúdos das normas gerais fixadas pelo legislador nacional ao atuar no sentido de dar cumprimento ao quanto estatuído no art. 24 da Constituição da República. Doutrina e Jurisprudência constitucional são unânimes nessa interpretação do direito constitucional vigente (BRASIL, 2007).
Concluindo, explanado os mecanismos e limites de competência de cada ente federativo, percebe-se que apesar de posicionamentos doutrinários consonantes e um conjunto de normas que, aparentemente, buscam delimitar de forma clara a competência legislativa em matéria educacional, as divergências interpretativas quanto a este viés ocorrem e já foram alvo de posicionamentos do STF, conforme se verificou por meio dos exemplos de julgados aqui apresentados.
Em se tratando especificamente do tema e do objeto do presente estudo, não há, até o momento, posicionamento oficial da Suprema Corte. Porém, conforme já ventilado no transcorrer deste estudo, projetos de lei tramitam pelo Congresso Nacional, estando estes em fases intermediárias. Desta forma, é possível prever que futuramente, a Suprema Corte Constitucional será instada a se manifestar sobre o assunto aqui analisado, analisando um eventual conflito de competências ou, possivelmente, posicionando-se no sentido de decidir e responder a pergunta fundamental aqui elaborada: o ensino obrigatório do Criacionismo como alternativa à Teoria da Evolução das Espécies nas escolas encontra respaldo constitucional?
Com o intuito de adentrar no âmago desta questão, será analisado o secular conflito entre ciência e religião, conceituando-se as teorias divergentes objeto deste estudo e procurando compreender o que deve ser ensinado em uma escola e a importância da ciência na formação infantil. Ainda, serão mapeados os projetos de lei em trâmite legal que versam sobre o tema, buscando compreender seus fundamentos e eventuais méritos e/ou falhas. Por fim, apoiando-se na base conceitual apresentada até o momento, será proposta uma resposta para a pergunta basilar deste estudo, buscando, acima de tudo, a imparcialidade e o respaldo legal e doutrinário.

4. CIÊNCIA E RELIGIÃO: O CONFLITO POLÍTICO E JURÍDICO SUSCITADO PELA DIVERGÊNCIA ENTRE TEORIA DA EVOLUÇÃO E CRIACIONISMO
Após a apresentação da base normativa e principiológica a análise se focará, especificamente, no estudo sobre as conflitantes teorias alvo deste estudo, quais sejam o Criacionismo e a Teoria da Evolução Biológica das Espécies. Consequentemente, se tornará necessário mapear a ciência e o seu ensino no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, compreendendo, a seguir, a relação secular entre ciência e religião e entender como as divergências ideológicas provenientes deste conflito podem afetar a qualidade do ensino. Por fim, situar-se-á o estudo no contexto do atual cenário político brasileiro, mapeando os projetos de lei que versam sobre o tema, de forma crítica, por meio da análise dos fundamentos jurídicos destes. Com isso, será possível, finalmente, cumprir todos os objetivos inicialmente propostos e elucidar a questão acerca da obrigatoriedade do ensino do criacionismo nas escolas como alternativa à Teoria da Evolução Biológica das Espécies.

4.1 A CIÊNCIA E A LEI BRASILEIRA
A Constituição Federal de 1988 reconhece a importância da ciência, dedicando um capítulo exclusivo ao tema. A CRFB/88 prevê uma série de disposições a serem implementadas pelo Estado na busca pelo desenvolvimento científico de qualidade. Em seu artigo 218, alterado por meio da recente Emenda Constitucional nº 65/2015, a Carta Magna apresenta estas disposições, consolidando a ciência e a sua promoção e incentivo, um dever do Estado: “Art. 218 O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação (BRASIL, 2016a).
Recentemente, no ano de 2010, o STF se posicionou acerca do dispositivo constitucional citado e sobre a ciência de um modo geral. No julgamento da ADIN nº 3.510/DF, que versava acerca de restrições à pesquisa científicas relacionadas a células-tronco embrionárias no contexto da Lei de Biossegurança, nº 11.105/2005, a Corte Suprema julgou improcedente a ação que visava restringir pesquisas nesta seara. Extrai-se deste julgado diversos e importantes marcos jurisprudenciais. No que tange o estudo aqui proposto, especialmente a importância da ciência em um Estado democrático de direito, cabe citar trecho do voto da Ministra Carmem Lúcia, atual presidente do STF, que analisou o Capítulo IV, da CRFB/1988, especialmente seu artigo 218, nos seguintes termos:
O termo ‘ciência’, enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que ‘O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas’ (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a CF dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Carmen Lúcia). (BRASIL, 2010b)
Importante aqui citar a recente alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Por intermédio da Medida Provisória 746/2016, a qual instituiu a chamada Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, alterou-se o artigo 35 da LDB, que passou a vigorar nos seguintes termos:
Art. 36 O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:
I - linguagens; II - matemática; III - ciências da natureza; IV - ciências humanas; e V - formação técnica e profissional (BRASIL, 2016c).
Distanciando-se de adentrar no mérito político da avaliação desta alteração, que retirou determinadas garantias em prol de um ensino com viés predominantemente técnico, o estudo aqui proposto se resumirá em analisar a forma como a ciência restou prevista na lei e de que forma e baseados em que os currículos escolares se apoiarão. Observa-se no citado dispositivo que, no ensino médio, as Ciências da Natureza têm uma ênfase especial e, conforme o artigo, terá o seu respectivo currículo composto pela já apresentada Base Nacional Comum Curricular. A BNCC, enfatiza a importância do ensino de ciências no âmbito escolar. Sobre a necessidade da presença do conhecimento científico nos currículos escolares, abordando, também, a importância do ensino das Ciências da Natureza, área que engloba o estudo aqui proposto, assim dispõe o BNCC:
A sociedade contemporânea está fortemente organizada com base no desenvolvimento científico e tecnológico. Desde a busca do controle dos processos do mundo natural até a obtenção de seus recursos, as ciências influenciaram a organização dos modos de vida [...] Isso por si só justifica, na formação escolar, a presença das Ciências da Natureza, que têm em comum a observação sistemática do mundo material, com seus objetos, substâncias, espécies, sistemas naturais e artificiais, fenômenos e processos, estabelecendo relações causais, compreendendo interações, fazendo e formulando hipóteses, propondo modelos e teorias e tendo o questionamento como base da investigação (BRASIL, 2016d).
Destaca-se a ênfase em preservar a autonomia do educando, possibilitando-o a formular hipóteses e questionar aquilo que lhe é ensinado, liberdade esta que é uma característica intrínseca da ciência e do método científico. Certamente, obrigar o ensino de doutrinas religiosas dentro de uma aula de ciências seria ir na contramão desta liberdade de questionamento, visto o caráter autoritário da imposição de uma doutrina específica nas escolas.
É neste sentido que, após esta breve, porém, necessária introdução acerca da presença da ciência no ordenamento jurídico que se prossegue este estudo, na próxima seção, compreendendo a ciência como mecanismo de busca pelo conhecimento com caráter livre, democrático e fundamental para a formação de indivíduos intelectualmente autônomos e críticos.

4.2 CIÊNCIA OU FÉ: O QUE DEVE SER ENSINADO NAS ESCOLAS?
Nesta seção, analisar-se-á a ciência e o método científico, pontualmente, analisando os eventuais conflitos entre os métodos e teorias científicas e o ideologismo e sistema de crenças religiosas, compreendendo a ciência como mecanismo de promoção de liberdade no contexto de um Estado Democrático.
Os debates entre ciência e religião não são uma particularidade dos dias atuais. A tentativa de explicação dos fenômenos vivenciados pelo homem enquanto espécie, remontam aos primórdios da humanidade, a divergência na forma com que estes fenômenos deveriam ser explicados originou o milenar conflito entre ciência e religião. Porém, apenas em meados do século XVI, as divergências começaram a se acirrar. Sobre o tema, Daniel Dennet (1995), relata este momento histórico de turbulências ideológicas:
Em 1543, Copérnico propôs que a Terra não era o centro do Universo, mas sim que ela girava em torno do Sol. Levou mais de um século para que a idéia se firmasse, uma transformação gradual e na verdade bastante indolor. O reformador religioso Philipp Melanchthon, colaborador de Martinho Lutero, opinou que “algum príncipe cristão” deveria eliminar este louco, mas, fora umas poucas exceções como essa, o mundo não foi particularmente sacudido por Copérnico (DENNET, 1995, p. 19).
Apesar do mínimo impacto da teoria heliocêntrica de Copérnico, a mesma serviu de fundamento para a obra de Galileu Galilei chamada “Diálogos sobre os dois principais sistemas do universo”, publicada em 1632, a qual foi imediatamente refutada pela Igreja Católica. Sobre esta fase da história conflituosa entre ciência e religião, ensina o professor Dennet:
O petardo de Galileu provocou uma reação indignada por parte da Igreja Católica romana, iniciando uma onda de choque cujas reverberações só agora estão desaparecendo. Mas, apesar do drama desta confrontação épica, a idéia de que a Terra não é o centro da criação assentou-se com bastante leveza na mente das pessoas (DENNETT, 1995, p. 19).
De forma semelhante, a Teoria da Evolução Biológica das Espécies, proposta por Charles Darwin, na primeira edição do livro “A Origem das Espécies”, em 1859, causou um grande impacto no meio científico e na comunidade religiosa cristã, pelo fato de que ela, por meio de seu conteúdo, questionava doutrinas e dogmas até então absolutas, assim como a antiga crença de que a Terra seria o centro do Universo.
Sobre a Evolução das Espécies, teoria científica alvo principal deste estudo, será dedicado uma seção exclusiva à mesma, o seguinte, a fim de elucidar os seus fundamentos, analisar o atual estado de conhecimento e de aceitação dela no meio acadêmico-científico e, também, analisar o viés religioso alternativo do Criacionismo. No presente tópico, após esta breve introdução sobre o conflito histórico entre ciência e religião, a análise se focará em compreender a importância da ciência e o papel que ela desempenha na busca por conhecimento de forma democrática e livre.
Carl Sagan, premiado cientista e entusiasta da divulgação da ciência, no documentário apresentado e produzido por ele, teceu a célebre frase: “Afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias” (COSMOS, 1980). Esta simples frase pode resumir o espírito da ciência e do método científico: a busca pelo conhecimento por meios confiáveis de validação dos resultados aferidos.
A ciência é especial. Por meio dela, podemos descobrir coisas sobre o mundo e tudo o que faz parte dele. As respostas para as inúmeras dúvidas acerca da realidade dos fenômenos sofreram muitas mudanças. A própria ciência é dinâmica, desenvolvendo-se a medida em que novas descobertas são feitas (BYNUM, 2013).
São fascinantes as possibilidades que a ciência e o método científico proporcionam. Nada na ciência está livre de uma contraprova. Qualquer teoria pode ser questionada e refutada, caso existam subsídios para isso. Nisto reside a beleza do modelo científico: nada é absoluto, tudo é questionável, desde que as eventuais divergências sejam acompanhadas de evidências plausíveis, a serem verificadas. Há algo mais democrático que a ciência? Sobre o assunto Sagan (2006), teceu as seguintes observações:
A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. […] apenas [é] o melhor que temos. Nesse aspecto, como em muitos outros, ela se parece com a democracia. A ciência, por si mesma, não pode defender linhas de ação humanas, mas certamente pode iluminar as possíveis consequências de linhas alternativas de ação (SAGAN, 2006, p. 32).
O autor prossegue na sua análise sobre a ciência como instrumento de acesso democrático ao conhecimento, enfatizando liberdade proporcionada pelo método científico onde ideias e teorias podem, a qualquer momento, serem questionadas, debatidas e, se for o caso, refutadas, consubstanciando a teoria de que a ciência é um meio de busca pelo conhecimento nos termos:
Não existem questões proibidas na ciência, assuntos delicados demais para ser examinados, verdades sagradas. Essa abertura para novas ideias, combinada com o mais rigoroso exame cético de todas as ideias, separa o joio do trigo. Não importa o quanto você é inteligente, augusto ou amado. Tem de provar a sua tese em face de uma crítica determinada e especializada. A diversidade e o debate são valorizados. É estimulada a discussão de ideias – substantivamente e em profundidade (SAGAN, 2006, p. 36).
Certamente, Carl Sagan (2006) compreendia a beleza que os avanços científicos já proporcionaram e ainda podem prover. Em trecho de uma de suas obras, o autor discorre elegantemente sobre o tema:
Descobrir que o Universo tem cerca de 8 bilhões a 15 bilhões de anos, em vez de 6 a 12 mil anos, aumenta a nossa apreciação de sua extensão e grandiosidade; nutrir a noção de que somos uma combinação especialmente complexa de átomos, em vez de um sopro da divindade, pelo menos intensifica o nosso respeito pelos átomos; descobrir, como agora parece provável, que o nosso planeta é um dentre bilhões de outros mundos na galáxia da Via Láctea, e que a nossa galáxia é uma dentre bilhões de outras, expande majestosamente a arena do que é possível; saber que os nossos antepassados eram também os ancestrais dos macacos nos une ao restante da vida e torna possíveis reflexeis importantes não ainda que por vezes tristes não sobre a natureza humana (SAGAN, 2006, p. 20).
O que este estudo busca compreender é a possibilidade do ensino de uma doutrina religiosa como alternativa a uma teoria científica consolidada em âmbito global. 8 Elaborando aqui uma análise preliminar sobre o tema, focando no âmbito científico, sem entrar no mérito da viabilidade jurídica do pleito, constata-se que este viés pode ser encarado como um retrocesso social. Obrigar as redes de ensino a lecionar um dogma religioso é afrontar o progresso da ciência de forma arbitrária e sectária. Sobre a adoção da ciência como método democrático e libertário de acesso ao conhecimento, disserta o já citado autor:
O modo científico de pensar é ao mesmo tempo imaginativo e disciplinado. Isso é fundamental para o seu sucesso. A ciência nos convida a acolher os fatos, mesmo quando eles não se ajustam às nossas preconcepções. Aconselha-nos a guardar hipóteses alternativas em nossas mentes, para ver qual se adapta melhor à realidade. Impõe-nos um equilíbrio delicado entre uma abertura sem barreiras para ideias novas, por mais heréticas que sejam, e o exame cético mais rigoroso de tudo não das novas ideias e do conhecimento estabelecido. Esse tipo de pensamento é também uma ferramenta essencial para a democracia numa era de mudanças (SAGAN, 2006, p. 32).
A ciência contrapõe-se à fé na medida em que seus fundamentos podem ser a qualquer momento colocados à prova, são passíveis de questionamento. É isso que uma sociedade democrática deve buscar, um meio de busca pelo conhecimento que permita a autocorreção e evolução dinâmica do próprio método em si. Neste sentido, em relação à ciência como contraponto a ideias baseadas em fé, posicionou-se Chistopher Hitchens (2006), filósofo e defensor do método científico, nos seguintes termos:
Nossa crença não é uma crença. Nossos princípios não são uma fé. Nós não nos baseamos unicamente na ciência e na razão, porque esses são fatores mais necessários que suficientes, mas desconfiamos de tudo o que contradiga a ciência ou afronte a razão. Podemos diferir em muitas coisas, mas respeitamos a livre investigação, a mente aberta e a busca do valor das ideias. Não sustentamos nossas convicções de forma dogmática (HITCHENS, 2006, p. 13).
Ante o exposto até o momento, tornou-se possível compreender a relação entre ciência, democracia e liberdade. No entanto, a fim de consolidar este entendimento, busca-se auxílio na inteligência de um dos maiores, se não o maior, cientista de todos os tempos. Em uma rara opinião sobre o tema, Albert Einstein, no ensaio Ciência e Religião: Sobre a Liberdade, coletada e traduzida na obra referenciada ao final da citação, o físico teceu os seguintes comentários sobre a relação entre ciência e liberdade no âmbito escolar:
O desenvolvimento da ciência e das atividades criativas do espírito em geral exige ainda outro tipo de liberdade, que pode ser caracterizado como liberdade interna. Trata-se daquela liberdade de espírito que consiste na independência do pensamento em face das restrições de preconceitos autoritários e sociais, bem como, da "rotinização" e do hábito irrefletidos em geral. Essa liberdade interna é um raro dom da natureza e uma valiosa meta para o indivíduo. No entanto, a comunidade pode fazer muito para favorecer essa conquista, pelo menos, deixando de interferir no desenvolvimento. As escolas, por exemplo, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais aos jovens excessivas; por outro lado, as escolas podem favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente. Só quando a liberdade externa e interna são constantes e conscienciosamente perseguidas há possibilidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento espiritual e, portanto, de aprimorar a vida externa e interna do homem (EINSTEIN, 1994, p. 25).
A liberdade e a busca por uma sociedade com cidadãos verdadeiramente livres e autônomos é uma causa a ser constantemente buscada. Os argumentos levantados neste tópico são uma defesa da ciência e do seu método como um instrumento eficaz nesta busca em oposição a um controle ideológico autoritário por parte do Estado. Neste lastro, é válido relembrar os ensinamentos de Paulo Freire (1999), defensor de uma educação livre e autônoma. Apesar de que o mesmo não focava a sua análise na importância da ciência, toma-se aqui a liberdade de relacionar a sua teoria de uma educação como prática de liberdade no sentido de inserir a ciência como um instrumento a ser considerado nesta prática.
É louvável o empenho de Freire no estudo e na defesa de uma educação que respeitasse o educando enquanto sujeito, empenho este que lhe custou o afastamento de suas atividades universitárias, prisão e exílio. Esta repressão, se deu pela sua luta por uma nova sociedade, autônoma, cada vez mais livre e independente, em todos os sentidos (FREIRE, 1999).
Para isso, o autor sugeriu diretrizes a serem observadas na educação, diretrizes estas que estão em consonância com a tese aqui defendida e consubstanciada por meio dos fundamentos até aqui expostos. Para Freire (1999), a educação deve ser uma força de mudança e libertação. Neste sentido, como seria possível considerar a educação uma força de libertação se, à ela, fosse imposto de forma obrigatória o ensino de doutrinas religiosas extrapolando o âmbito do já instituído e delimitado Ensino Religioso?
Afere-se que este viés doutrinário seria uma afronta a tese de Freire (1999), aqui compartilhada. A ciência, mesmo com suas eventuais limitações, intrínsecas ao próprio método científico dinâmico e mutável, seria a alternativa democrática ao ensino confessional obrigatório nas escolas. Resumindo de forma didática o seu pensamento, Freire (1999) disserta nos seguintes termos:
A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação. A opção, por isso, teria de ser também, entre uma educação para a domesticação, para a alienação, e uma educação para a liberdade. Educação para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito (FREIRE, 1999, p. 44).
Concluindo esta abordagem acerca do papel da educação como instrumento de liberdade, recorre-se a Rubens Alves (2000), também um estudioso da educação, a fim de finalizar este ponto de análise. O autor, de forma lúdica e poética, teceu as seguintes considerações sobre a educação e a liberdade de aprender:
Quem dança com as ideias descobre que pensar é alegria. Se pensar lhe dá tristeza é porque você só sabe marchar, como soldados em ordem unida. Saltar sobre o vazio, pular de pico em pico. Não ter medo da queda. Foi assim que se construiu a ciência: não pela prudência dos que marcham, mas pela ousadia dos que sonham (ALVES, 2000, p. 76).
Buscou-se neste tópico apresentar esta afinada relação entre ciência, democracia e liberdade, fazendo o contraponto com a ideologia movida pela fé. Para defender este viés, recorreu-se ao conjunto doutrinário aqui apresentado que varia entre cientistas e divulgadores do conhecimento científico, filósofos, educadores e poetas. Em comum, a defesa por uma educação capaz de formar indivíduos autônomos, questionadores e capazes de questionar, inclusive, aquilo que lhes é ensinado.
Na seção seguinte, após esta exposição geral sobre a ciência e o seu papel na educação, será trabalhada especificamente a Teoria da Evolução da Espécie e o Criacionismo, ideias centrais na problemática proposta neste estudo.

4.3 TEORIA DA EVOLUÇÃO BIOLÓGICA DAS ESPÉCIES E CRIACIONISMO: ANÁLISE CONCEITUAL E CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCUSSÃO
Inicia-se este tópico, que visa esclarecer conceitualmente e contextualizar o Criacionismo e a Teoria da Evolução das Espécies, analisando o que é o criacionismo e quais as suas bases concepcionais. É importante iniciar este tópico delimitando a Teoria da Evolução das Espécies e Criacionismo, a fim de compreender até onde vai a explicação proposta por Charles Darwin, aperfeiçoada ao longo das décadas seguintes.
A Teoria da Evolução das Espécies limita-se a analisar os processos de evolução e mecanismos de adaptação ao meio no que tange toda a vida na terra, concluindo que a variedade de espécies e as modificações sofridas ao longo das eras se dão por meio de uma sobrevivência lenta, cumulativa e não casual de variantes que surgem de forma aleatória, denominadas por Darwin de Seleção Natural (DAWKINS, 2000).
Portanto, a Teoria da Evolução das Espécies abstém-se de analisar o surgimento e o início da vida. Ainda que a mesma forneça fundamentos essenciais na elucidação deste viés, não é este o objeto de estudo da teoria, não sendo, portanto, lógico contrapor a Evolução das Espécies com argumentos que versem sobre o início da vida na Terra, não que este não seja um tema interessante, mas sim pelo fato de que esta discussão extrapola os limites e o objeto da Teoria.
O Criacionismo, por outro lado, como doutrina religiosa, abrange desde o início a criação da vida até os processos de modificação de espécies alvo da teoria de Darwin. Tem a sua origem na revelação da religião cristã contida nos escritos fundamentais da mesma, a Bíblia, especificamente em seu livro Gênesis. Nele, em seu primeiro capítulo, assim dispõe o livro da criação sobre o início e o seguimento da vida:
No princípio criou Deus o céu e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz (Gênesis 1:1-3).
O livro segue na sua explanação de como o Deus cristão a tudo criou, no mesmo viés poético apresentado na citação acima. Em suma, este é o fundamento principal do Criacionismo nas escolas, a revelação divina acerca da criação contida na Bíblia, ou seja, um argumento baseado em fé.
Anteriormente à teoria de Darwin, a ideia de que toda a existência era fruto de criação divina era absoluta. O Criacionismo, e a sua defesa, tiveram seu maior expoente em William Paley (1881), autor da obra “Teologia natural - ou evidências da existência e dos atributos da divindade reunidos a partir dos fenômenos da natureza”, até hoje utilizada como fundamento para aqueles que defendem o criacionismo. No livro o autor teceu sua célebre tese acerca da improbabilidade da complexidade observada nos organismos vivos, que, para o autor, não poderia ter outra explicação que não fosse a interferência de uma força superior:
Suponhamos que, ao cruzar um descampado, eu topasse com uma pedra, e que me perguntassem como a pedra viera dar ali; eu poderia bem responder que, tanto quanto sabia, ela devia estar ali desde sempre e creio que não seria fácil acusar tal resposta de absurda. Mas suponhamos que eu tivesse encontrado um relógio no chão, e que me perguntassem como o relógio podia estar ali; desta feita eu dificilmente pensaria em responder que, tanto quanto sabia, o relógio devia estar ali desde sempre (PALEY, 1881, p. 1 – Tradução livre). 9
Ou seja, para Paley, a incrível complexidade observada nos organismos vivos dificilmente poderia ser explicada por um fator natural, fazendo a relação com um relógio, objeto composto por engrenagens e mecanismos de altamente complexos. Paley observa que no maquinário da vida, ocorre uma complexidade muito superior àquela observada em um relógio, por exemplo, afirmando que o olho humano é algo de uma complexidade inexplicável, que não poderia ser explicado de outra forma que não fosse por meio de um design inteligente (PALEY, 1881).
Os argumentos de Paley, ainda que até os dias de hoje inspirem teorias totalmente contrárias à evolução, ou aquelas chamas teorias do design inteligente, não prosperam e já foram a muito contestadas. Richard Dawkins (2001), em sua análise sobre a respeitável obra de Paley, observa que:
O argumento de Paley é exposto com arrebatada sinceridade no melhor da biologia de seu tempo, mas é incorreto - flagrante e essencialmente incorreto. [...] A seleção natural, o processo cego, inconsciente e automático que Darwin descobriu e que agora sabemos ser a explicação para a existência e para a forma aparentemente premeditada de todos os seres vivos, não tem nenhum propósito em mente. Ela não tem nem mente nem capacidade de imaginação. Não planeja com vistas ao futuro. Não tem visão nem antevisão. Se é que se pode dizer que ela desempenha o papel de relojoeiro da natureza, é o papel de um relojoeiro cego (DAWKINS, 2001, p. 12).
Com impacto causado com a publicação da Origem das Espécies, logo surgiram estudos e estudiosos que buscavam uma conciliação entre a polêmica e inovadora teoria científica e a doutrina religiosa até então absoluta (BYNUM, 2013).
Paley, com a sua “Teologia Natural”, talvez tenha sido o maior expoente até os dias de hoje na defesa do Criacionismo como oposição à Teoria da Evolução. Seus argumentos são constantemente replicados e inspiraram diversos entusiastas do criacionismo na tentativa de contrapor a teoria de Darwin. Notoriamente, entre as recentes propostas divergentes, defensoras do design inteligente, destaca-se a obra do bioquímico Willian H, Behe (1997) que, em sua obra intitulada “A Caixa Preta de Darwin”, aponta eventuais lacunas na teoria de Darwin. Para o autor, a Teoria Evolucionista não se sustenta frente à novas descobertas na sua área de domínio, qual seja a bioquímica (BEHE, 1997).
No entanto, conforme se verificará a seguir, a Teoria da Evolução das Espécies está, mais do que nunca, consolidada no meio acadêmico. As tentativas de refutá-la, até o momento, mais de 150 anos após a sua publicação, falharam. Provavelmente, pela fragilidade dos argumentos científicos utilizados. Até a publicação da Origem das Espécies, a maior parte dos naturalistas acreditavam que as espécies eram produções imutáveis, cada qual criada separadamente. Poucos eram os naturalistas que acreditavam que as espécies seriam suscetíveis de modificações naturais e que as atuais formas de vida seriam, na verdade, descendentes diretos de outras formas pré-existentes (DARWIN, 1994).
A partir de Darwin, muito se evoluiu no ramo da Biologia Evolutiva. Vários expoentes nesta vertente científica se destacaram e contribuíram no entendimento e consolidação do evolucionismo. Dentre eles, destaca-se Douglas Futuyma (2002), autor de diversas obras sobre o tema. Para o autor, após Darwin, emerge a chamada Biologia Evolutiva, ramo independente das ciências da vida, a qual o autor definiu da seguinte forma:
A ciência da Evolução explica a unidade da vida por meio de sua história, segundo a qual todas as espécies se originaram de ancestrais comuns, ao longo dos últimos 4 bilhões de anos. Explica a diversidade e as características, tanto adaptativas como não adaptativas, dos organismos por meio de processos de alteração genética, influenciada por circunstâncias ambientais (FUTUYMA, 2002, p. 8).
No prosseguimento de sua análise, Futuyma (2002) explana que Darwin abalou os fundamentos da filosofia e deixou a sua marca na literatura e nas artes, afetando profundamente a psicologia e a antropologia trazendo novas perspectivas ao significado de ser humano (FUTUYMA, 2002). Desta forma, é compreensível que uma teoria de tamanho impacto ainda nos dias de hoje seja alvo de tentativas de desconstrução e invalidação. Darwin, com a sua teoria, mesmo que de forma despropositada, diminui a figura absoluta de Deus como criador e mantenedor de toda a existência. Ele substitui Deus pela seleção natural, ao sustentar que a evolução das espécies se dá pela seleção natural, sem que haja a necessidade de intervenção divina (MAYR, 1998).
Como consequência das controvérsias geradas pela teoria evolucionista, a defesa da teoria por cientistas desta área de conhecimento passou a ser tarefa rotineira. Analisando este viés, Richard Dawkins (2001) teceu os seguintes comentários:
Por razões que não me são inteiramente claras, o darwinismo parece ter maior necessidade de defesa do que outras verdades igualmente bem estabelecidas de outros ramos das ciências. Muitos de nós não entendemos nada de física quântica ou das teorias de Einstein sobre relatividade especial e geral, mas isso não nos leva a fazer oposição a essas teorias! Mas o darwinismo, ao contrário do "einsteinismo" parece ser visto como legítimo saco de pancadas por críticos de todos os graus de ignorância (DAWKINS, 2001, p. 4).
Talvez a Teoria da Evolução suscite tanta polêmica e contrariedade pela mensagem final que a mesma passa: não somos superiores aos outros seres do planeta. Caminhamos lado a lado, cada qual com o seu rumo evolutivo. Cada qual com o seu nicho biológico. Em uma sociedade altamente antropocêntrica, este tipo de afirmação é, certamente, uma heresia para aqueles que vêem no homem, e somente na espécie humana, o princípio o meio e o fim. Sobre a consolidação da teoria, já em 1986, o renomado geneticista Newton Freire-Maia foi enfático ao dissertar sobre o atual estado de conhecimento da teoria de Darwin:
A teoria da evolução é hoje tão aceita como a “teoria atômica”, a “teoria heliocêntrica” ou a “teoria celular”, é neste sentido que a evolução é hoje aceita como um fato e, não, como uma teoria. Isto significa que se encontra tão cabalmente demonstrada que negá-la seria cometer um ato de ignorância. Isto não significa que não haja divergências dentro da teoria; o que não há são divergências sobre a teoria. (FREIRE-MAIA, 1988, p. 52).
Mais do que uma teoria consolidada, a teoria da evolução eleva-se como uma teoria unificadora dentro dos abrangentes objetos de estudos pertencentes à grande área das ciências biológicas. É neste contexto que o Professor Theodosius Dobzhansky (1973) proferiu a célebre frase “Nada em biologia faz sentido exceto à luz da evolução”, título de sua obra, publicada no periódico The American Biology Teacher, na qual o autor defende a Teoria da Evolução como matéria base, fundamental para a compreensão de todos os ramos desta ciência. Ainda, na obra, Dobzhansky (1973) explica a importância da evolução de forma didática, nos termos:
Visto à luz da evolução, a biologia é, talvez, intelectualmente a ciência mais gratificante e inspiradora. Sem esta luz, torna-se uma pilha de fatos variados, alguns deles interessantes ou curiosos, mas que não fazem nenhum sentido significativo como um todo (DOBZHANSKY, 1973, p 129 – Tradução livre). 10
Reconhecendo o status consolidado desta ciência, a Teoria da Evolução das Espécies foi acolhida pela já comentada Base Nacional Comum Curricular. Nos fundamentos da BNCC acerca dos componentes curriculares da área de biologia, a BNCC determina que a noção de evolução e o pressuposto de que todas as formas de vida descendem de um ancestral comum, permite que a biologia seja uma disciplina integrada, defendendo a centralidade e o papel da evolução nos currículos das escolas (MEC, 2016).
A BNCC trata, inclusive, de forma específica acerca de como o conteúdo sobre a evolução das espécies deve ser disponibilizado aos alunos, dividindo a disciplina entre os 8º e 9º ano. Segue transcrição da ementa prevista pela BNCC a fim de possibilitar uma melhor visualização dos conteúdos:
Compreender o conceito de seleção natural para explicar a origem, evolução e diversidade das espécies, relacionando a reprodução sexuada à uma maior variedade de espécies; Compreender processos de transmissão de características hereditárias, estabelecendo relações entre ancestrais e descendentes, entre o nível molecular e o do organismo e relacionar as variedades de uma mesma espécie decorrentes do processo reprodutivo com a seleção natural que contribui para a evolução (BRASIL, 2016d, p. 447).
Ressalta-se que o papel da BNCC é propor uma referência nacional para a formulação dos currículos escolares. A elaboração deste documento deu-se por intermédio de um pacto interfederativo, no qual participaram estados, municípios e o Distrito Federal, por meio de representantes. Participaram, ainda, professores universitários atuantes na pesquisa e no ensino de diferentes áreas de conhecimento formando o chamado comitê de Assessores e Especialistas, responsável por articular o conhecimento a ser proposto na BNCC e contribuir de forma crítica com o conteúdo a ser inserido na mesma (BRASIL, 2016d).
Após este panorama geral acerca da Teoria da Evolução e do Criacionismo, no qual se compreende o atual estado de conhecimento do evolucionismo e o acolhimento desta teoria em âmbito nacional, percebe-se a serenidade com que o meio acadêmico aborda o assunto. As divergências, em regra, sustentam-se por meio de argumentos baseados em dogmas e fé. Já as tentativas de conciliar o Criacionismo e Teoria da Evolução, por meio da chamada “Teoria do Design Inteligente”, não encontram respaldo na comunidade científica pela falta de evidências e a clara motivação e interesse confessional (DAWKINS, 2002).
Na esfera política, a combatividade em desfavor da Teoria da Evolução fica por conta de alas cristãs mais conservadoras no âmbito do poder legislativo nacional. Conforme se verificará na seção seguinte, a qual abordará o contexto político nacional desta discussão entre Evolucionismo e Criacionismo.

4.4 EVOLUCIONISMO E CRIACIONISMO NA POLÍTICA: ANÁLISE DO QUADRO POLÍTICO ATUAL E DE PROJETOS DE LEI PERTINENTES
Finalmente, nesta derradeira seção, após as exposições conceituais apresentadas até o momento e a introdução da problemática geral deste estudo, será aqui trabalhado o conflito entre religião e ciência nas escolas investigando o atual contexto político-legislativo nacional, verificando a composição parlamentar atuante e os Projetos de Lei propostos e em trâmite que versam sobre o tema aqui analisado.
A significativa representatividade de políticos oriundos e representantes de alas religiosas conservadoras colocou a discussão entre evolucionismo e criacionismo na pauta político-legislativa nacional. A Câmara dos Deputados está composta, atualmente, por 199 deputados signatários da chamada Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE), registrada em 03/11/2015.11 Popularmente conhecida como “bancada evangélica”, a Frente é coordenada pelo deputado João Campos, do Partido Republicano Brasileiro (PRB) e conta com diversos parlamentares representantes de diferentes estados e partidos políticos. A Frente conta, ainda, com o apoio oficial de quatro senadores, são eles: Flexa Ribeiro, Magno Malta, Walter Pinheiro e Marcelo Crivella. O último eleito prefeito do Rio de Janeiro no segundo turno da eleição municipal de 2016.
A FPE possui estatuto próprio, no qual, constam diversas finalidades e orientações procedimentais da Frente. Destaca-se do Estatuto o seu artigo 2º, III, que versa:
Art. 2º São finalidades da Frente Parlamentar Evangélica:
III – Procurar, de modo contínuo, a inovação da legislação necessária à promoção de políticas públicas, sociais e econômicas eficazes, influindo no processo legislativo a partir das comissões temáticas existentes nas Casas do Congresso Nacional, segundo seus objetivos, combinados com o propósito de Deus e conforme a Sua Palavra.
Percebe-se a evidente pauta confessional defendida pela FPE que propõe inovações legislativas “combinadas com o propósito de Deus e conforme a Sua Palavra”. Neste contexto, não é de se surpreender que, constantemente, a pautas legislativa do Congresso Nacional receba Projetos de Lei elaborados por congressistas pertencentes à FPE com conteúdo claramente com “o propósito de Deus e conforme a Sua Palavra”.
Especificamente em relação ao tema trabalhado neste estudo, a empreitada da bancada evangélica na tentativa de aprovar um Projeto de Lei que visa tornar obrigatório o ensino de conteúdos religiosos nas escolas começou em 2011, com a proposição do PL 309/2011, proposto pelo deputado federal Pastor Marcos Feliciano (PSC/SP) que tem como ementa: “Altera o art. 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino religioso nas redes públicas de ensino do país (BRASIL, 2016d). Em suma o PL 309/2011 visa tornar obrigatório ensino religioso nas redes públicas de ensino do país, alterando o artigo 210, §1º da CRFB/88 e o artigo 33 da LDB.
Na sequência, no ano de 2014, também de autoria do deputado Marcos Feliciano, foi proposto o PL 8099/2014, que tem como meta inserir na estutura curricular das redes públicas e privadas de ensino, conteúdos sobre o Criacionismo. Por se tratar de um projeto de lei que versa exatamente sobre o tema analisado neste estudo, será dedicado uma análise mais aprofundada sobre este PL, apresentando seus fundamentos e levantando alguns questionamentos.
O PL fundamenta sua proposição por meio de um único artigo, contendo também um único parágrafo, que versa: “Fará parte da grade curricular nas Redes Públicas e Privadas de Ensino, conteúdos sobre criacionismo. §1º - Os conteúdos referidos neste artigo devem incluir noções de que a vida tem sua origem em Deus, como criador supremo de todo universo e de todas as coisas que o compõe” (BRASIL, 2016e).
O PL justifica a necessidade de alteração e inserção deste conteúdo obrigatório pelo fato de que a maioria da população brasileira crê no ensino criacionista, ensino com fundamento no livro de Genesis contido na Bíblia, a qual seria, nos termos da PL, “a verdadeira constituição da maioria das religiões do Brasil” (BRASIL, 2016e). O PL 8099/2014 aduz, ainda, que ensinar apenas o evolucionismo é afrontar o princípio constitucional da liberdade de crença. Analisando o referido Projeto de Lei, através de seu único artigo e breve justificativa, percebe-se que o mesmo encontra-se desconexo da realidade jurídica e científica.
Primeiramente, do ponto de vista científico, o PL apresenta o “evolucionismo” como uma teoria que propaga que a vida originou-se de uma célula primitiva que se pôs em movimento pelo Big Bang. Em termos mais simples, “os seres vivos provieram da matéria inorgânica, e das plantas se originaram os animais e, por fim, dos animais teria provido o homem, ou seja, “sempre do menos teria vindo o mais, do inferior, por desabrochamento, teria vindo o superior (BRASIL, 2016e).
Ou seja, o PL deturpa o conceito de evolução, atribuindo-lhe características falaciosas e desconexas do que realmente visa explanar a teoria da evolução das espécies, explanada na seção anterior. O referido projeto prossegue na sua justificativa de necessidade de contrapor a teoria de Darwin, elaborando os seguintes argumentos:
O Ensino darwinista limita a visão cosmológica de mundo existencialista levando os estudantes a desacreditarem da existência de um criador que está acima das frágeis conjecturas humanas forjadas em tubos de ensaio laboratorial (BRASIL, 2016e).
Em relação a esta citação, é necessário concordar com o autor do PL. Realmente, o ensino da Teoria de Darwin pode levar estudantes a questionar crenças e doutrinas tidas como absolutas. É exatamente este o papel de um ensino científico de qualidade: formar indivíduos autônomos e capazes de formular por conta própria pensamentos críticos e raciocínio lógico. Não deve ser preocupação da ciência as implicações de ordem filosófica e confessional que a divulgação de uma teoria consolidada pode ocasionar. Na verdade, a sociedade deve se adaptar às descobertas e avanços científicos e não o contrário.
Em relação à análise jurídica do PL 8099/2014, o projeto se baseia, somente, no argumento da proteção à liberdade de crença ao tornar obrigatório o ensino do Criacionismo. Na realidade, não é necessário muito esforço para concluir que tornar obrigatório o ensino de um conteúdo que diz respeito a apenas um grupo religioso, mesmo que majoritário, é uma afronta flagrante à liberdade de consciência e de crença de todos os demais grupos, religiosos ou não.
Suscita-se aqui todos os argumentos e conceitos acerca da laicidade estatal e liberdade religiosa exaustivamente trabalhados no decorrer deste estudo. Por meio destes conceitos, oportunamente apresentados inicialmente nesta pesquisa, conclui-se que, ao contrário do que versa o PL 8099/2014, o ensino do Criacionismo como proposto no projeto é a real afronta à liberdade de consciência e de crença.
O PL 943/2015, de autoria de Alfredo Kaefer (PSDB/PR) e o PL 3044/2015, autor deputado Takayama (PSC/PR), também tem como conteúdo propostas de alteração à legislação educacional com vistas à incluir conteúdos confessionais como disciplina obrigatória nas escolas. O primeiro, altera LDB para dispor sobre a inclusão do ensino da Bíblia nos ensinos fundamental e médio da educação básica. Já o PL 3044/2015, dispõe sobre a possibilidade de escolha pelo conselho de pais e de mestres de cada instituição educacional sobre o conteúdo a ser ministrado na disciplina de ensino religioso na rede educacional.
Por fim, o recente PL 5336/2016, de autoria do deputado Jefferson Campos (PSD-SP), de forma semelhante ao PL 8099/2014, tem como objeto acrescentar um parágrafo art. 26 da LDB, para incluir a “Teoria da Criação” na estrutura curricular do Ensino Fundamental e Médio. Da mesma forma que o PL de 2014, este utiliza-se dos mesmos fundamentos jurídicos e científicos, sendo que uma crítica acerca destes fundamentos tornar-se-ia repetitiva.
Este PL inova ao focar o objeto de mudança diretamente na LDB, incluindo um artigo versando sobre a obrigatoriedade do ensino da chamada “Teoria Criacionista”, ao contrário do PL anterior que não especificava de que forma se daria esta alteração.
Todos os Projetos de Lei aqui citados encontram-se apensados ao pioneiro PL 309/2011, por tratarem de temas semelhantes a serem examinados por comissão específica. No momento o PL 309/2011 (e todos os PLs apensados a ele) encontram-se encaminhados à Comissão de Educação do Congresso Nacional, aguardando parecer do relator da referida comissão, Deputado Pedro Uczai (PT-SC). 12 Todos os PLs aqui citados encontram-se anexados ao final do presente estudo.
Percebe-se na cronologia de proposição dos Projetos de Lei apresentados que o tema parece ser de extrema importância para os respectivos proponentes, todos eles integrantes da já comentada Frente Parlamentar Evangélica. Após o primeiro PL em 2011 e o lapso temporal até o ano de 2014, todos os últimos três anos contaram com pelo menos um Projeto de Lei que versava sobre a obrigatoriedade do ensino de conteúdos confessionais nas escolas, sendo que dois destes PLs tratam especificamente sobre o ensino do Criacionismo como alternativa à Teoria da Evolução, de Darwin.
É válido ressaltar que algumas instituições respeitadas já se posicionaram acerca destes projetos de lei. O Conselho Federal de Biologia (CFBio), posicionou-se em 04/04/2015, especificamente em relação ao PL 8099/2014, enviando ofício ao Congresso Nacional repudiando veementemente o referido PL. Ainda, o CFBio conclamou todos os Biólogos a também se manifestarem contra o projeto, nos seguintes termos:
Ao contrário do que está exposto no PL 8099/2014, a Teoria da Evolução não é uma crença e, portanto, não tem nenhum fundamento dizer que ensinar evolução nas escolas é violar a liberdade de crença. O evolucionismo se baseia em observações fundamentais e em pesquisas científicas que surgiram com experimentos devidamente comprovados. A evolução das espécies através da seleção natural não é uma teoria, mas uma coleção de fatos amplamente comprovados (CFBio, 2015).
No mesmo sentido, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em 2012, por meio de seus membros, elaborou um breve manifesto, no qual exprimem a sua indignação em relação a crescente popularidade de pseudociências, motivadas pela fé e dogmatismo religioso:
O grupo de Membros da Academia Brasileira de Ciências signatário desta correspondência, atuantes na área de Genética, manifesta a sua preocupação com a tentativa de popularização de ideias retrógradas que afrontam o método científico, fundamentadas no criacionismo, também chamado como design inteligente (ABC, 2012).
Por fim, outra respeitada instituição, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), também enviou carta aos deputados federais solicitando que o PL 8099/2014 fosse rejeitado e arquivado. Para o SBPC: “isso é necessário para se manter o princípio da laicidade e liberdade de crença garantidos pela Constituição Federal, bem como o não comprometimento do ensino das Ciências aos alunos (SBPC, 2014).
Apesar das severas críticas de diversas instituições de cunho científico, os Projetos de Lei continuam em trâmite e ainda podem ter a sua aprovação confirmada. Tratando-se de um processo legislativo, menosprezar a força do poder político é ingenuidade. Na história recente da Assembleia Legislativa Nacional, exemplos de negociatas em prol da aprovação de uma causa de determinado grupo político são recorrentes. Cabe a sociedade acadêmica, tanto no âmbito científico das ciências naturais quanto a comunidade relativa às ciências jurídicas manterem-se vigilantes em relação ao trâmite final do PL 309/2011 e apensos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário discutir política e religião. Em uma sociedade democrática, é natural que determinados segmentos sociais adquiram representatividade relevante ao eleger um número considerável de parlamentares. Também é natural que estes parlamentares proponham projetos de lei e defendam interesses destes segmentos que eles representam. No entanto, é necessário harmonizar estes interesses com os limites e garantias determinados por meio do ordenamento jurídico pátrio.
Neste estudo, analisou-se a viabilidade jurídica do ensino do Criacionismo nas escolas brasileiras como alternativa à Teoria da Evolução das Espécies, recorrente pauta na Assembleia Legislativa Nacional e objeto de Projetos de Lei ainda em tramite. Para isso, a pesquisa aqui desenvolvida examinou a relação entre ciência, religião e política no contexto do conjunto normativo brasileiro, a fim de solucionar a problemática proposta.
A Constituição Federal dispõe de mecanismos democráticos avançados na elucidação de eventuais conflitos envolvendo estes temas. Demonstrou-se neste estudo que por meio de dispositivos constitucionais específicos e conjunto principiológico consolidado, a Carta Magnaoferece base jurídica para responder de forma segura os questionamentos levantados neste estudo.
O princípio da Laicidade do Estado fornece subsídios para compreender que ensinar obrigatoriamente uma doutrina religiosa nas escolas, é uma afronta a este princípio, uma conquista social recente em termos históricos na busca pela liberdade. Compreendeu-se, também, que laicidade e liberdade religiosa são princípios harmoniosos e complementares, não há liberdade religiosa sem laicidade, nem laicidade sem liberdade religiosa.
Com a pesquisa foi possível comprovar que o amplo conjunto normativo educacional está em consonância com os ditames constitucionais de liberdade e autonomia intelectual em matéria de aprendizado. Neste sentido, as disposições e diretrizes que orientam a elaboração das matrizes curriculares no Brasil respeitam os princípios constitucionais estudados, reconhecendo a importância da autonomia individual e da liberdade intelectual. A pesquisa permitiu constatar a importância da ciência na busca constante por uma educação de qualidade. A análise de dispositivos específicos sobre o tema e o estudo de decisões da Suprema Corte, contribuíram para esta conclusão.
A análise conceitual sobre as teorias divergentes em destaque, o Criacionismo e a Teoria da Evolução, permitiu comprovar que, em termos científicos, não há motivos sequer para suscitar essa discussão. A Teoria da Evolução encontra-se de tal forma consolidada, que a defesa do Criacionismo se resume a um argumento de fé, carecendo de fundamentos científicos sólidos.
No entanto, também foi possível compreender que o atual quadro político-legislativo brasileiro favorece o surgimento de propostas que insistem em aprovar projetos que visam instituir leis com conteúdo flagrantemente dogmático. Por intermédio da análise crítica sobre estes Projetos de Lei que se encontram em vias finais de tramite legislativo, alicerçado por meio dos fundamentos jurídicos e científicos trabalhados até então, constatou-se que estas propostas de alteração à lei não encontram respaldo jurídico e científico, não merecendo prosperar.
Apesar desta conclusão, entende-se que a expressiva e crescente representatividade de parlamentares que tendem a ser favoráveis a estes Projetos de Lei e a recorrência na proposição dos mesmos sugere que esta discussão está longe do fim. A pauta aqui analisada, qual seja o Criacionismo nas escolas, aparenta ser de suma importância para aqueles que a defendem, levando a crer que todos os meios e instancias legais possíveis serão utilizados na busca pela sua aprovação.
Com isso em mente, tendo em vista a escassez de material específico sobre o tema, conforme foi constatado na revisão bibliográfica realizada, sugere-se novas pesquisas neste campo e em outros com abordagem inter e multidisciplinar, visando fortalecer o estado de conhecimento sobre o assunto. O ensino no país não pode ser utilizado com fins de doutrinação e propagação de ideologias religiosas e dogmatismos. A ciência, mesmo com eventuais lacunas nas suas teorias, naturais em vista de seu caráter dinâmico de desenvolvimento, é o mecanismo mais democrático na formação de indivíduos intelectualmente autônomos, harmonizando-se perfeitamente com uma sociedade laica, plural e livre.

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* Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito do Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Aprovação foi atribuída com grau máximo (10) pela banca examinadora composta por três professores examinadores (dois membros internos e um externo), em 30 de novembro de 2016. O trabalho, iniciado em março de 2015, estava vinculado à linha de pesquisa Desenvolvimento e Gestão Social do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS) da UNESC. O mesmo faz parte de um projeto maior intitulado “Educação, Cidadania e Políticas Públicas” vinculado ao Grupo de Estudos sobre Universidade (GEU), do qual o autor faz parte como estudante. Os autores agradecem aos colegas pesquisadores pela atenta leitura crítica do material. Agradecem também aos pareceristas anônimos que contribuíram com sugestões relevantes para a versão final do artigo.

** Bacharel em Direito – onde atuou como bolsista voluntário de Iniciação Científica (IC) vinculado ao GEU – e Graduado em Ciências Biológicas, ambos pela UNESC.

*** É docente Permanente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da UNESC e é líder do GEU. Doutora em Educação pela UFRGS com estágio de doutoramento na University of California, Los Angeles (UCLA). Possui Mestrado em Sociologia, Licenciatura em Sociologia e Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Também é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

1 Embora estes conceitos tenham sido tratados mais adiante, é pertinente, esclarecer que a Teoria do Criacionismo “se baseia no Gênesis, primeiro volume do Antigo Testamento, o qual estabelece que Deus criou o Universo em sete dias. No primeiro, fez o dia e a noite. Os céus, a terra, a vegetação e o mar no segundo e no terceiro dia. Criou o Sol, a Lua e as estrelas, no quarto dia. Fez os animais do mar e as aves no quinto dia. No sexto, os animais terrestres e o ser humano. No sétimo dia, Ele descansou. “E criou Deus o homem à sua imagem e lhes disse: frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” [...]. Já a Teoria da Evolução das Espécies afirma que a sobrevivência das espécies está relacionada com sua seleção natural.  Fonte: Senado. Documento eletrônico. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/504444/noticia.html?sequence=1>. Acesso em: 29 out. 2016.

2 Compreende-se o papel que a Teoria da Evolução das Espécies possui na unificação de todos os incontáveis ramos das Ciências da Vida. Esta afirmativa não se resume a uma visão ou opinião particular, este é o atual estado do conhecimento científico consolidado no meio acadêmico das mais reconhecidas universidades ao redor do mundo. Tendo ciência, também, do impacto que a consolidação desta teoria tem na sociedade como um todo. Os interesses e crenças contrariados por esta teoria científica são notórios.

3 A discussão entre ciência e religião, criacionismo e evolucionismo, é, ainda, imatura no Brasil. O embate jurídico envolvendo o tema em sua fase inicial. A título comparativo, nos Estados Unidos da América, esta discussão sobre o ensino do Criacionismo nas escolas como alternativa à Teoria da Evolução das Espécies é datada do início do século XX. Em 1925, um professor foi condenado pela justiça americana por ensinar a teoria de Darwin. Daquele período até o momento, apesar da evolução da discussão, a polêmica sobre o tema ainda vigora naquele país.

4 No original, em espanhol: “Un sistema social de convivencia, en el que las instituciones políticas son legitimadas principalmente por la soberanía popular, y no por elementos religiosos. Como resultado, el Estado laico realmente surge cuando el origen de esta soberanía ya no es sagrada, pero popular”.

5 Este debate, com base no artigo 206 da Constituição Federal, de fundamental importância para a análise em tela, será retomado oportunamente, na derradeira parte finalizatória, momento em que, efetivamente, será concluído sobre a viabilidade, ou não, da inserção obrigatória de conteúdos religiosos nas aulas de ciências, especificamente, ciências biológicas.

6 O tema ensino religioso é pertinente ao assunto proposto neste estudo e merece um tópico dedicado exclusivamente a ele. Tal proposta será elaborada na seção seguinte.

7 É pertinente fazer um breve esclarecimento: embora a sigla desta Lei seja utilizada no documento oficial como LDBEN, a mesma é usualmente referida no meio acadêmico como LDB. Neste trabalho optou-se por utilizar a forma como ela é frequentemente utilizada: LDB.

8 A análise sobre o atual estado de conhecimento da Teoria da Evolução das Espécies e a sua consolidação no meio acadêmico-científico mundial será elaborada na seção seguinte.

9 No original, em ingles: In crossing a heath, suppose I pitched my foot against a stone, and were asked how the stone came to be there, I might possibly answer, that for any thing I knew to the contrary it had lain there forever; nor would it, perhaps, be very easy to show the absurdity of this answer. But suppose I had found a watch upon the ground, and it should be inquired how the watch happened to be in that place, I should hardly think of the answer wich I had before given, that for any thing I knew the watch might have always been there.

10 No original em inglês: Seen in the light of evolution, biology is, perhaps, intellectually the most satisfying and inspiring science. Without that light it becomes a pile of sundry facts-some of them interesting or curious but making no meaningful picture as a whole.

11 Fonte: Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53658>. Acesso em: 01 nov. 2016.

12 Fonte: Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53658>. Acesso em: 01 nov. 2016.


Recibido: 15/12/2016 Aceptado: 20/12/2016 Publicado: Diciembre de 2016

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