Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


O FRACASSO ESCOLAR NA AMAZÔNIA À LUZ DA TEORIA DE SISTEMAS DE NIKLAS LUHMANN

Autores e infomación del artículo

Roberto Araújo Martins

NAEA/UFPA, Brasil

Pesquisanasilhas2@yahoo.com.br

RESUMO
O fracasso escolar é justificado como necessidade de mais investimentos na educação em detrimento de outras questões que podem ser analisadas. O estudo das organizações educacionais como coordenadoras do ensino e aprendizagem é um exemplo: Como as práticas discursivas de justificadora desse fracasso interferem na autopoiese das organizações escolares? De que forma essa influência na autopoiése das organizações escolares resulta num distanciamento da função sistêmica da intenção de educar contribui para a reprodução do fracasso? Este artigo enfrenta essas questões utilizando o aporte teórico da Teoria de Sistemas proposto pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann, teoria que destaca a autopoiése das organizações escolares e a interação face a face como elementos centrais para identificar mecanismos ocultos que interferem nas políticas públicas de aprendizagem.

Palavras-chave: Fracasso escolar, Organizações escolares, Teoria de Sistemas.

ABSTRACT
School failure is justified as a need for more investment in education at the expense of other issues that can be analyzed. The study of educational organizations as coordinators of teaching and learning is an example: As the discursive practices of justifying this failure interfere with the autopoiesis of school organizations? How does this influence the autopoiesis of school organizations results in a istancing of systemic function of the intention to educate contributes to the reproduction of failure? This article addresses these issues using the theoretical framework of systems theory proposed by the German sociologist Niklas Luhmann, theory highlighting the autopoiesis of school organizations and face to face interaction as central elements to identify hidden mechanisms that interfere in public learning policies.

Keywords: school organizations, autopoiese, systemic failure.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Roberto Araújo Martins (2016): “O fracasso escolar na Amazônia à luz da Teoria de Sistemas de Niklas Luhmann”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (abril 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/atlante/2016/04/fracaso.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/ATLANTE-2016-04-fracaso


INTRODUÇÃO

O Estado do Pará apresenta os piores índices educacionais do país, o que o coloca em situação crítica quando se discute a educação como indicador principal para o desenvolvimento dos estados da Amazônia proposto pelo Estado via políticas públicas.
O fracasso persistente da aprendizagem dos alunos da rede estadual de ensino é resultado, nessa perspectiva que a pesquisa se direciona, da incapacidade das organizações escolares em viabilizar processos de aprendizagem eficientes, pois estão dominadas por práticas discursivas distantes de uma pedagogia onde a intenção de educar é função diferenciadora do sistema educacional. 
Somente a observação dos aspectos normativos do discurso estatal não é suficiente para a compreensão do fracasso sistêmico da aprendizagem. A proposição da pesquisa é analisar sistemicamente as questões postas utilizando o aporte analítico proposto por Niklas Lunhmann (sistemas se observam), onde a observação de segunda ordem permite uma observação sociológica sobre a pedagogia, identificando como as organizações escolares organizam processos de aprendizagem, considerando que a educação depende muito da interação face a face e, ao mesmo tempo, como a própria educação é afetada por ocorrer em um ambiente organizado.
A pesquisa propõe-se analisar as práticas discursivas justificadoras do fracasso produzidas pelos agentes, evidenciando a práticas discursivas de vitimação, e as influências dessas práticas na autopoiese das organizações educacionais e no ambiente como reprodutoras desse fracasso, deslocando para um segundo plano a intenção de educar. O procedimento metodológico é a observação de segunda, pois permite uma observação sociológica sobre a pedagogia, identificando como as organizações escolares organizam processos de aprendizagem, considerando que a educação depende muito da interação face a face e, ao mesmo tempo, como a própria educação é afetada por ocorrer em um ambiente organizado.
A primeira parte do texto problematiza alguns dados da educação no Estado do Pará, evidenciando o fracasso do ensino estadual ante o cenário nacional e as políticas de enfrentamento ora realizadas. A prática discursiva de vitimação do professor nas organizações escolares e sua ressonância por outros agentes no sistema e entorno é abordada no sentido de perceber os rebatimentos desse discurso na interação face a face com os alunos do ensino médio do estado.
O aporte teórico de sustentação analítica é descrita, de forma sucinta, na segunda parte do texto onde os conceitos básicos da teoria de Luhmann são expostos no sentido de facilitar o entendimento teórico proposto e sua utilização na análise das organizações educacionais a fim de analisar sua autopoiese, afastada de sua função sistêmica que é a intenção de educar.
Na terceira parte buscamos uma aproximação do aporte teórico com os primeiros dados empíricos levantados no sentido de identificar mecanismos “ocultos” que interferem na autopoiese das organizações escolares por meio da análise preliminar das práticas discursiva dos agentes. Nas considerações finais são apontadas perspectivas de análise da teoria de sistemas na educação.

1. O FRACASSO NA APRENDIZAGEM NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO PARÁ
O Estado do Pará apresenta índices pífios em educação em relação aos índices educacionais do país, o que o coloca em situação crítica quando se discute a educação como indicador importante para o desenvolvimento regional. Esse discurso é vastamente explorado nos sistemas educacional e político com justificativas variadas dos agentes envolvidos, tanto na gestão como nos processos de aprendizagem. Mas a verdade é que os índices estaduais só fazem cair nos últimos anos, mesmo em relação a Estados da região norte com economia menos dinâmica, como demonstra o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB.
              
Os índices do Pará alcançam percentuais ainda mais medíocres e com viés de queda acentuado quando o ensino médio é avaliado. O estado do Pará com índice no IDEB de 3,7 ocupa as últimas colocações na federação. No ranking do IOEB – Índice de Oportunidade da Educação Brasileira – pesquisado pela Universidade de São Paulo – USP, o Pará é o 27º colocado com um índice de 3,5.

O discurso tecnicista estatal

A política educacional do Estado do Pará nos últimos 10 anos está institucionalmente voltada para responder aos baixos índices de aprendizagem das escolas públicas estaduais.
Várias ações foram implantadas, de forma acrítica, a fim de envolver os agentes envolvidos na educação em processos de melhora da aprendizagem em consonância com as diretrizes do Ministério da Educação, mas essa política é caracteriza por uma estrutura puramente objetiva e voltada para aspectos institucionais de combate ao fracasso escolar, sem considerar os entraves a serem enfrentados, tanto pela estrutura imposta ao campo educacional, como pelo alto teor de subjetividade em sala de aula construída historicamente.
Ao converter as políticas educacionais objetivamente, as práticas discursivas em sala de aula são influenciadas por uma subjetividade inerente ao agente professor, dando outra dimensão às diretrizes institucionais. A principal política, O Pacto pela Educação do Pará, é um esforço liderado pelo Governo do Estado e conta com a integração de diferentes setores e níveis de governo, da comunidade escolar, da sociedade civil organizada, da iniciativa privada e de organismos internacionais, com o objetivo de promover a melhoria da qualidade da educação no Pará e, assim, tornar o Estado uma referência nacional na transformação da qualidade do ensino público.
Seu objetivo é, no mínimo, ambicioso: aumentar em 30% o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em todos os níveis: Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio, num período de cinco anos, já se foram três anos e nada. Nenhum estado conseguiu um incremento desta magnitude, em todos os níveis, neste período de tempo. É um projeto elaborado por instituições com "notório saber" sobre práticas educacionais nacionais e internacionais e que utilizam os mais avançados recursos pedagógicos e tecnológicos que, de forma pioneira, pretendem alavancar os índices educacionais do estado.
No período de implantação percebe-se que, apesar de sua competência teórica, metodológica e tecnológica, o projeto não obteve o apoio dos agentes convidados a contribuir, exceto as organizações estatais e os parceiros privados, que são obrigados. Durante a pesquisa exploratória é notório o desinteresse em participar demonstrado por outros agentes são pelos mesmos motivos: muita propaganda institucional, mas as ações não chegam ao "chão das escolas" e o professor é considerado “ultrapassado” tecnologicamente pelos “consultores”.
               A sociedade, chamada pelo projeto, sequer sabe das suas intenções, já que não contribuiu na elaboração do projeto e mesmo se fosse chamada a contribuir não demonstra conhecimento mínimo e interesse (IOSCHPE, 2014). Os pais dos alunos aguardam ações concretas que melhore a aprendizagem dos filhos, os parceiros aguardam pagamentos, a gestão espera que a propaganda resolva o problema e não se aproxima dos professores.
Os professores, por sua vez, estão cansados de ouvir propostas “mirabolantes” do governo, mas perdidas no tempo por falta de continuidade e apoio dos agentes que viabilizam a aprendizagem: gestão escolar e professores.
O Estado é responsável pela regulação do setor no sentido de alcançar maior eficiência na aprendizagem e não se submeter as práticas discursivas de outros agentes como lógica de funcionamento das organizações escolares, pois é dotado de poder discricionário no sistema educativo por meio de políticas públicas. Ao se eximir de seu papel de regulação das práticas pedagógicas é responsabilizado por um fracasso da aprendizagem pelos outros agentes, igualmente responsáveis.

A vitimação do professor e o discurso sindical

É na relação professor-aluno no espaço da sala de aula onde ações objetivas e institucionalizadas de aprendizagem deveriam priorizar a ação docente. Mas o que se observa é que esse espaço não está cumprindo seu papel institucional quando os dados educacionais são analisados sob a ótica das instituições analisadas na pesquisa.
As justificativas dos docentes para esse fracasso é, sobretudo, as condições de salário e péssimas condições de trabalho e a pobreza das famílias não permite que os alunos se dediquem aos estudos. Ou seja, a razão do fracasso está na sociedade e não na sala de aula, muito menos nos professores.
Essa prática discursiva construída por meio de forte subjetivismo da ação pedagógica dos professores e absorvida pelos alunos é apropriada pela organização sindical e reelaborada para justificar na sociedade a vitimação do professor que trabalha muito, ganha “salário de fome”, enfrenta turmas superlotadas é vítima da indisciplina e do desinteresse dos alunos, não conta com a ajuda dos pais, da comunidade, do governo e da sociedade em geral. Pronto: esta é fórmula do para o fracasso escolar, dos alunos e direcionar as responsabilidades para o Estado.

Ressonância social das práticas discursivas das organizações escolares

Quando se fala em educação formal, considera-se a escola como organização provedora desses conhecimentos aos cidadãos por meio da promoção de habilidades e imposição de categorias de pensamento aos indivíduos.
Esse arcabouço de responsabilidade da escola é produzido e aceito socialmente como produto da relação de forças dos agentes do sistema educacional, mas não só dele.
Observado sob outro panorama, a escola atua como agente na implementação de políticas educacionais construídas sob regras construídas sob a tutela do Estado. Isso reflete a forte influência deste na determinação e na homogeneização dos pressupostos lógicos e morais dos indivíduos por meio da escolarização.
As práticas pedagógicas que os professores aplicam em sala de aula é resultado de um longo processo de codificação e normatização difuso que tem como principal propulsor o Estado (BOURDIEU, 1996 p. 94). São, portanto, aceitas pelos agentes como adequadas para o desenvolvimento das habilidades necessárias a uma aprendizagem institucionalizada configurada por imposições, aplicadas, adaptadas e sedimentadas conflituosamente ou não durante certa temporalidade.

A TEORIA DOS SISTEMAS FUNCIONAIS DE NIKLAS LUHMANN

A teoria de sistemas passou por várias “revoluções científicas” que a dinamizaram conceitualmente, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial com mudanças significativas nas perspectivas de pesquisas e nas mudanças do conceito de sistema. Nesse período é destaque a obra do biólogo alemão Ludwig Von Bertalanffy Teoria dos Sistemas que elabora o do modelo de sistema aberto, percebido como complexo de elementos em interação e intercâmbio com o ambiente e o potencial interdisciplinar da teoria (física biologia e ciências sociais).
A teoria de sistemas aberto despertou interesse por se opor à discussão sobre entropia e a chamada segunda lei da termodinâmica, que afirmava a evolução dos sistemas fechados no sentido da máxima entropia. Os sistemas abertos seriam capazes de mudar a direção dessa tendência, criando ordem (neguentropia) em interação com o ambiente na busca do equilíbrio homeostático.
A ambição de uma explicação sistêmica para os fenômenos possibilitou a ampliação da teoria de sistemas para outras áreas do conhecimento, como as ciências sociais. Já nas décadas de 1960 e 1970 a Teoria das Organizações sofre influências da perspectiva sistêmica com a publicação de Katz (1996) e Kahn (1978) afirmando as organizações como sistemas abertos e a troca de “material” com o ambiente. Essa perspectiva possibilitou avanços na teoria das organizações, porém a introdução do conceito de neguentropia deixou questões abertas sobre a adaptabilidade dos sistemas a um ambiente caótico, que desafia o equilíbrio.
 Essas questões foram enfrentadas com os estudos dos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela que publicaram em 1980 Autopoiese direito e Cognição. O conceito de autopoiése parte do pressuposto que um organismo produz e é produzido por si mesmo (autonomia) em sua relação com o ambiente. A utilização conceitual da teoria de sistemas pela teoria das organizações tem nos estudos de Luhmann uma ambiciosa tentativa de elaboração de uma “grande teoria” para as ciências sociais.
O sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-1998) é considerado um dos autores mais importantes das ciências sociais do século XX com sua proposta inovadora de transpor “barreiras disciplinares e desenvolver um conhecimento científico verdadeiramente transdisciplinar” (RODRIGUES & NEVES, 2012). O aporte teórico proposto pelo autor permite controvérsias e, consequentemente, o avanço das pesquisas sobre o social, sobretudo, pela introdução do conceito de sistema social, onde amplia as discussões sociologias de Talcon Parsons sobre a compreensão do social.
Ao transportar para as ciências sociais conceitos de várias áreas científicas (biologia, física, psicologia, economia, comunicação e cibernética) permite novos olhares sobre o fenômeno social. Essa perspectiva faz com que a teoria sociológica de Niklas Luhmann deva ser recebida como uma ruptura radical com a tradição científica clássica iluminista e proposição de elaboração de uma nova teoria que permita compreender os fenômenos sociais da sociedade complexa em que vivemos o que, segundo ele, não é possível com o paradigma científico moderno.
A categoria básica proposta por Luhmann para compreender a complexidade social contemporânea é observá-la como Sistema, ou seja, “a sociedade é um sistema, um sistema autorreferente com suas condições de existência e mudanças”, onde o sujeito não é o sujeito humano, mas o entorno do sistema e compõe sua unidade. Estes (sistemas sociais), por sua vez, são formados por comunicação.
O entendimento de sistema em Luhmann: “um conjunto de elementos inter-relacionados entre si e que possui uma unidade como resultado de tal interação”. Os sistemas sociais não são rígidos, são variáveis e mutáveis. Por isso é fundamental no entendimento da dinâmica dos sistemas sociais o conceito, em Luhmann, de autopoiésis: Operação interna que o sistema realiza para organizar-se a si mesmo. A partir do conceito de autopoiésis a Teoria de Sistemas de Luhmann enfrenta os conceitos de fim, de teleologia, de ser e de ontologia utilizados no paradigma moderno.
 A análise da complexidade da sociedade atual passa pela observação da formação desta sob a forma de sistemas funcionais diferenciados construídos historicamente (economia, direito, arte, política, educação, religião etc.) para desempenhar funções específicas por meio de seus códigos e programas por meio de código binário como elemento idôneo cientificamente para descrever o sistema educativo (instruído/não instruído; bem-educado/mal-educado), em oposição ao paradigma moderno baseado no “ser”.

Educação sem homens?

A teoria dos sistemas sociais de Luhmann não permite a compreensão do social sob o conceito de sujeito do paradigma moderno. A existência dos sistemas é inquestionável na sua abordagem e caracterizam-se pela autorreferência, ou seja, pela capacidade de estabelecer relações consigo mesmos e de diferenciar suas relações das relações do entorno. O sujeito, nessa perspectiva, não é o sujeito humano, mas o sistema, que, segundo o autor, deve ter a primazia nas ciências humanas em relação ao sujeito humano, “uma herancia de la Ilustración” (COLOM & MELICH 1993 p.79).
Nessa perspectiva, enfrenta o paradigma da modernidade, sobretudo, refutando o antologismo e o teleologismo que norteiam o princípio da identidade e propondo o aporte novo onde o antologismo é combatido com a afirmação: não há Ser em si, e a identidade não descansa em um núcleo imutável do Ser, “mas na conservação de sua função de ordem”, daí a predominância do social. Já o teleologismo em relação à finalidade da história das sociedades da tradição da tradição Iluminista é refutado com o argumento de que:
“o fim não tem sentido por si só, senão unicamente enquanto instrumento do próprio sistema, na relação que este estabelece com o meio” (NEVES & SAMIOS, 1997).
Para Luhmann os sistemas sociais não são formados por “homens”, mas por “comunicações”. Os sistemas não são rígidos, mas sim variáveis e constantemente mutáveis e para entendê-los é necessário entender sua autopoiése, em oposição aos conceitos de: Fim, Teleologia e Ontologia.

“la educación no puede llevar all hombre a su verdadeiro ser, a hacelo del todo perfecto (LUHMANN, 1990. P.55).

Luhmann considera o sistema educativo como um dos subsistemas básicos da sociedade complexa, mas sua perspectiva é oposta à concepção de educação como Paidéia, a ação educativa que consiste em uma perfeição do homem, em levá-lo a um ser verdadeiro, em direção à luz como defende o paradigma moderno. Luhmann, não aceita a definição de educação como busca da perfeição e refuta a percepção da educação como uma gradação ontológica ou axiologia.

2.2. A teoria de sistema de Luhmann e as organizações
               A sociologia de Luhmann tem atenção especial às organizações como sistema evidenciando estudos de empresas, hospitais, escola e universidades. Elas são conceituadas como “sistemas autônomos que produzem suas próprias operações e que se distinguem neste processo de seu ambiente”. As organizações são constituídas e reproduzidas por meio de decisões. O significado específico das decisões depende do contexto de decisões anteriores das próprias organizações. Para Luhmann, as organizações especificam, corrigem ou esquecem sua própria história:

“Organizações modernas tendem cada vez mais justificar-se por suas próprias histórias de tomada de decisão, onde os valores que envolvem o sistema social não são mais tratados como óbvios. Cada passo na definição oferece dados para a próxima história irreversível, constituindo, assim, onde cada mudança segue porque sua única racionalidade encontra-se em sua relação com o estado atual” (LUHMANN, 1976, P. 102).

               Elas têm que consultar sua própria história de tomada de decisões; têm de se observar, e, nesse sentido operam de forma autorreferente. As organizações se individualizam por meio de sua rede de decisões, por meio de sua forma de auto-organização e auto-reprodução.

 Mecanismos ocultos e a autopoiese das organizações escolares: justificativas para o fracasso.

                Os resultados pífios da educação no Estado do Pará e sua persistência, apesar das intervenções, demonstra a incapacidade das organizações escolares em organizar processos de aprendizagem focados na função diferenciadora das organizações escolares: a Intenção de educar. Nos pressupostos teóricos de Luhmann (1996, 2002) a intenção de educar não deve ser tratada a partir do ponto de vista do sujeito (como faz a fenomenologia), mas na ótica dos sistemas. Nesse sentido, a escola é considerada como sistema social e a autopoiese do sistema educativo é possível somente por meio das operações pedagógicas relevantes que ele mesmo produz de forma recursiva (LUHMANN, 2002, P.114).
              

RESULTADOS ALCANÇADOS

A compreensão sistêmica das questões postas na pesquisa exige um recorte empírico que revele dados que permitam uma reflexão sobre as características da autopoiése das organizações escolares do Estado e de que forma elas afetam a intenção de educar dessas organizações. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta etapa exploratória da pesquisa enfatizam a observação sociológica da pedagogia em relação aos processos de tomada de decisão no sistema educacional (gestão) e como essas decisões impactam as organizações escolares.
               A primeira fase da pesquisa pautou-se no levantamento de dados secundários da educação no Brasil e no Pará (INAF, UNESCO, OCDE, PISA, INEP, MEC, SEDUC) a fim de relacioná-los com as práticas discursivas da gestão, professores, sindicato e país de alunos através de análise de pesquisas nacionais disponíveis para desmistificar, ainda que de forma inicial, um mito reproduzido discursivamente pelos agentes há algumas décadas, qual seja: a qualidade da educação está relacionada com os baixos salários dos professores e dos poucos investimentos feitos em educação pelos governos do estado do Pará.
               Levantamento recente do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - INAF 1 mostra um caminho longo a ser trilhado para sanar nossas deficiências em todas as etapas do ensino básico. Os dados informam que apenas 26% da população brasileira de 15 a 64 anos é plenamente alfabetizada, o que significa que três quartos de nossa população não seria capaz de ler e compreender um texto de média complexidade.
Em matemática, somente 23% conseguem resolver problemas matemáticos que envolva mais de uma operação e leitura de gráficos e tabelas. Dados da UNESCO2 mostram que nosso índice de repetência no primeiro ano das séries iniciais é de 31%, enquanto nossos vizinhos, como a Argentina, por exemplo, o índice é de 10%.
               Dados nacionais como o Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB realizado pelo Ministério da Educação - MEC, que avalia a qualidade da educação da 4ª da 8ª e das 11ª séries mostram quedas sistemáticas do rendimento dos alunos. O resultado é um aluno que percorre todo o ciclo inicial dos estudos sem condições de prosseguir na vida escolar, pois não domina os códigos básicos de leitura e escrita, resultando no maior dos fracassos, o da aprendizagem.
               Essas práticas discursivas justificadoras dos baixos índices de aprendizagem deslocam para o campo econômico todos os problemas da educação, como se somente a racionalidade econômica possa resolver os problemas.
As práticas discursivas dos atores são construídas para buscar convencer que os poucos recursos financeiros alocados na educação, especialmente os vinculados aos salários dos trabalhadores na educação, são poucos e incapazes de produzir uma aprendizagem mais eficiente.
               Os gastos com educação no Brasil não são nada desprezíveis como dizem políticos, professores e sociedade. Dados da OCDE 3 indicam que o setor público brasileiro investe 3,4% do seu Produto Interno Bruto - PIB em educação primária e secundária. Os países mais desenvolvidos (Europa, Ásia e América do Norte) o investimento é de 3,5% do PIB.
Portanto, índices bem próximos de investimentos em países que apresentam resultados bem mais positivos, em termos de índices de aprendizagem, o que reflete uma assimetria na qualidade da educação oferecida e no rendimento, mesmo considerando que esses países já deram seu "salto" qualitativo e os investimentos seriam somente em manutenção como afirmam muitos monetaristas da educação. O Estado do Pará, por exemplo, tem o quinto salário do Brasil, mas oferece o pior ensino como mostrado no início deste texto.
É difícil concordar que há uma relação entre o montante investido em educação e os resultados pífios da educação brasileira atualmente, principalmente se o índice adotado for qualidade da educação.       Se a falta de investimento não parece ser a principal causa das mazelas da educação, é necessário reconhecer que os baixos índices passam pela qualidade do trabalho oferecido à sociedade pelos agentes responsáveis pela gestão, aprendizagem e valorização social da educação. Mas, reconhecer que o dinheiro não é a “bala de prata” que salvará todos os problemas educacionais brasileiros também não significa afirmar que não há problemas de financiamento ou que pudessem ser sanados com mais recursos (IOSCHPE, 2014, p. 27).
               Os primeiros dados mostram que pode não haver uma relação direta entre o montante investido em educação e os resultados pífios da educação do Estado atualmente, principalmente se o índice adotado for qualidade da educação. Se isso é verdadeiro, necessário responder se os baixos índices de aprendizagem passam pela qualidade do trabalho oferecido pelas organizações educativas, local da “interação face a face”, como os professores ainda defendem, tendo como justificativa os baixos salários.
               Os dados sobre o discurso sindical nesta fase foram obtidos na imprensa escrita, site da organização e panfletos com reivindicações da categoria. O discurso sindical aparece inicialmente excessivamente ideologizado e sua reprodução nas organizações escolares e é construído para justificar o entrave à melhora na aprendizagem. O discurso de culpar somente o Estado pelo problema é elaborado pelos profissionais da educação na “interação face a face” e é aceito pelos alunos e pais e ampliado para a sociedade pela atuação sindical, interferindo a autopoiése das organizações educacionais.
Essa prática discursiva é utilizada pelo sindicato da categoria nos meios de comunicação como questão de fundo para os problemas da aprendizagem, tirando o foco da questão principal observada durante a pesquisa: a prática pedagógica ineficiente pode ser a principal causa das deficiências na aprendizagem.
Segundo IOSCHPE (2014, p. 177 a 181) o aluno aprende mesmo em condições adversas, desde o ensino seja eficiente. A eficiência do ensino não está em sua estrutura. Essa realidade, para Luhmann, interfere de forma negativa nos códigos, programas e na intenção de educar como função do sistema educativo, em favor de práticas discursivas sustentadas em ideais que colidem com a lógica da educação como sistema.
               As atividades de observação na gestão pública foram realizadas por meio da participação do pesquisador em reuniões de gestores de cargos de direção da Secretaria de Educação com objetivo de compreender as práticas discursivas dos gestores (focado sempre na falta de investimento) e, de que forma essas práticas impactam nas organizações escolares, sobretudo, em relação ao modelo de gestão da educação proposta pelo Estado.
               As primeiras observações apontam para uma postura da gestão puramente tecnicista na implantação das políticas governamentais com foco em metas estabelecidas pelo governo do Estado direcionadas para vários projetos educacionais e seus parceiros. Os diretores de ensino, gestão, logística e projetos se dirigem aos diretores das Unidades da SEDUC na Escola – USE com foco nas metas estabelecidas anteriormente.
               Os gestores de USES, por sua vez, se dirigem aos diretores das escolas, geridas por eles, utilizando o mesmo procedimento técnico, focado mas metas para as escolas. Os diretores das escolas sequer têm condições de discutir metas estabelecidas. Os motivos vão desde o desconhecimento técnico à falta de tempo, já que os problemas internos e a dinâmica das escolas não permitem a mobilização para aprendizagem. Estão todos presos aos problemas estruturais da escola e dos alunos.
A maioria das ações da gestão termina, portanto, sem chegar ao “chão da escola”. Por esses e outros motivos que a pesquisa está observando também a resistência de professores, alunos, longos período de greves, prioridade ao ENEM etc. esses são fatores que podem ter relação com o fracasso na aprendizagem. Observa-se que a autopoiese das organizações escolares geridas pelo Estado está fortemente influenciada por elementos muito distantes à função do sistema que é a intenção de educar.
A observação proposta por Luhmann que a intenção de educar é do sistema e quando o sistema tem sua autopoiese influenciada por fatores alheios à sua função, ele apresenta problemas. Neste caso, as organizações do sistema educacional, que têm sua autopoiese garantida por suas decisões, não consegue uma relação com seu entorno, as organizações escolares, que por sua vez, se reproduzem fazendo oposição às políticas governamentais. Portanto, identificar fenômenos ocultos que influenciam na autopoiese das organizações escolares como oposição às políticas estatais, na perspectiva da observação de segunda ordem, é a estratégia metodológica utilizada nesta fase.
A segunda fase, em andamento, pauta-se na aplicação de questionários para os vários setores da gestão estadual e escolas da rede estadual. O objetivo é o entendimento das práticas discursivas dos atores das organizações educacionais, pautada por um idealismo excessivo (criticado por Luhmann) em oposição à racionalidade organizacional e a incapacidade das organizações educacionais em controlá-los. Luhmann denomina esse fenômeno consequências não intencionais que interferem nos processos de interação face a face e, consequentemente, na aprendizagem.
Essa realidade, para Luhmann, interfere de forma negativa nos códigos, programas e na intenção de educar como função do sistema educativo, em favor de práticas discursivas sustentadas em ideais que colidem com a lógica da educação como sistema.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS
 As análises preliminares apontam para certo “deslocamento” de prioridades do sistema estadual para políticas de gestão baseadas em modelos de “aprendizagens revolucionárias” advindos do setor privado e focadas tecnicamente em demandas específicas da gestão. Essa postura desconsidera aspectos que fazem das organizações escolares como lócus da interação face a face, tornando-as adversária em potencial das políticas públicas.
As dificuldades da gestão em fazer chegar ao “chão da escola” suas decisões e sua incapacidade de gestão permitem que a autopoiese das organizações escolares se definam em mecanismos distantes de sua função sistêmica e próximo a práticas discursivas de características corporativistas e excessivamente idealistas, que interferem na intencionalidade sistêmica de educar como elemento de diferenciação do sistema educativo.
O fortalecimento da prática discursiva de vitimação do professor, construída historicamente na interação face a face pode ser considerado um obstáculo às políticas públicas para melhorar a qualidade da educação no Estado. Essa prática, quanto utilizada pelo próprio Estado para justificar o fracasso e solicitar mais investimentos na educação como solução do problema, sem uma política de qualidade do ensino, pode estar contribuindo para a reprodução do fracasso. O aprofundamento da pesquisa pretende analisar em que medida isso contribui para o fracasso sistêmico na educação no Estado do Pará.
 São questões latentes que provocam “ruído sistêmico” e que a pesquisa se propõe identificar por meio da análise discursiva dos atores centrais na interação face a face: alunos e professores, considerando que sala de aula é o espaço de produção e reprodução de práticas discursivas que se “espraiam” no sistema justificando o fracasso escolar em vez de combatê-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva in "O Poder Simbólico". Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

FARIAS, Ignácio y OSSANDÓN, José. Observando sistemas. Nuevas apropriaciones y usos de la teoria de Niklas Luhmann. Santiago: RILL editores, Fund. Soles, 2006.

LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Petrópoles, RJ. Ed. Vozes, 2011.

LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociales: Lineamientos para uma teoria general. Anthrropos Editorial/Universidad Iberoamericana/CEJA, Pontificia Universidad Javeriana, 1998.

LUHMANN, Niklas. Teoria de La sociedad y pedagogia. Paidós Educador. México 1996.
NEVES, Clarissa Baeta & SAMIOS, Eva Machado (org). Niklas Luhmann: A nova teoria dos sistemas. Ed. Universidade/UFRGS, Goethe – Instituto/ICBA (1997).

RODRIGUES, Leo Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. Niklas Luhmann: a sociedade como sistema. (Porto Alegre: Edipucrs, 2012, 132 p.)

1 Disponível em: http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por. Acesso em 10/01/2015.

2 Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001373/137333e.pdf Acesso em 10/01/2015.

3 Disponível em: http://www.oecd.org/education/skills-beyond-school/37376068.pdf Acesso em 10/01/2015.


Recibido: 28/04/2016 Aceptado: 30/04/2016 Publicado: Abril de 2016

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