BIBLIOTECA VIRTUAL de Derecho, Economía y Ciencias Sociales

A UTOPIA NEGATIVA: LEITURAS DE SOCIOLOGIA DA LITERATURA

Jacob J. Lumier




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O Mínimo dos Suportes em Kafka

Portanto, à luz deste deslocamento na figuração do personagem como estando em ligação aos estados coleti-vos de uma massa comum, não haveria coisa alguma de espantoso em reaproximar Kafka de Dostoyevski ao invés de os contrapor, tanto mais que os personagens de Kafka, com exemplo naquele “K” de O Processo cujo nome mesmo se reduz a uma simples inicial não são se-não “o mínimo dos suportes”. Se comparados, observa-riam que a procura dos personagens de Dostoyevski os conduz, “no seio do mais fraternal mundo que seja”, a buscar como disse “uma espécie da sempre possível in-terpenetração ou fusão total das almas” (como subjetivi-dades ou aspiração aos valores, no sentido das Ciências Humanas), enquanto que os esforços dos heróis de Kafka são orientados para um objetivo mais modesto e mais longínquo.

Ou seja, oferecendo-nos as palavras do próprio narra-dor kafkiano, nossa ensaísta nos diz que para os persona-gens de Kafka, “aos olhos dessa gente que os miram com tanta desconfiança”, trata-se de se tornarem somente nem tanto seus amigos, mas enfim seus concidadãos; ou, sob outro aspecto, malgrado todos os obstáculos, trata-se de empenharem-se em preservar com aqueles mesmos que lhes são mais próximos algumas tênues semelhanças de relações.

Para Sarraute, as interpretações metafísicas de Kafka são devidas às características desta acanhada busca, sua de-sesperada obstinação, a profundidade do sofrimento huma-no, a indigência e o abandono total que nessa acanhada busca se revelam e que transbordam o plano psicológico.

Nada obstante, nossa autora repele que se possam i-dentificar os heróis de Kafka “à imagem da realidade humana como despojada de todas as convenções psicoló-gicas”.

Vale dizer, nesta perspectiva personalista, os perso-nagens de Kafka não devem ser vistos como se houves-sem sido esvaziados de todo o pensamento e de toda a vida mental subjetiva em atendimento à suposta exigên-cia composicional de simplificar por interesse de tomada de posição ou por preocupação didática.

O leitor é então convidado a reler certas minuciosas e sutis descrições interiores a que se dedicam com lucidez apaixonada os personagens de Kafka, desde que se es-tabeleça entre eles “o mais ligeiro contato”.

Tratam-se das dessecações sábias das condutas de “K” a respeito de Frieda, feitas com refinamento, alterna-damente pela estalajadeira, depois por Frieda, depois por “K” ele mesmo e que revelam “o jogo complicado de en-grenagens delicadas, uma reverberação de intenções, de impulsões, cálculos, impressões, pressentimentos múlti-plos e frequentementecontraditórios”.

Nada obstante, nossa autora não deixa passar em si-lêncio que esses “momentos de sinceridade” são tão ra-ros em Kafka quanto os contactos em benefício dos quais tais momentos podem se produzir. São contatos referen-tes ao apego possível nas estranhas relações de Frieda e de “K”, ou ao ódio da hoteleira por “K”.

Tal característica releva por sua vez do universo sim-bólico de Kafka cuja descrição Sarraute nos oferece a partir de interpretação das “Memórias do Subsolo”, de Dostoyevski, e trata em maneira inteiramente dissociada de toda a hipótese sobre o desenvolvimento do romance moderno.

Vale dizer, nessa descrição importa aproveitar-se dos comentários do próprio narrador kafkiano ao acentuar a superposição do simbolismo limitando toda a procura ro-manesca a uma busca acanhada.

Assim “o pesadelo, o mundo sem saída no qual se de-baterão os heróis de Kafka” será descrito na seqüência tendo por critério sobretudo a imagem dos outros, ou seu aspecto apenas meio humano de engrenagens, sua dis-tância e o desvio que atinge as palavras nessa imagem.

O objetivo da descrição é mostrar que o universo sim-bólico de Kafka é composto de limites extremos e não se presta em absoluto de modelo, embora seja conhecido.

Com efeito, trata-se de um mundo onde os outros são aqueles que “jogam você fora sem dizer coisa alguma, mas com toda a força possível...”; “rompem com você to-da a relação sem chamar-lhe e não lhe farão jamais cha-mar...”; “são homens que o observam a distância com uma curiosidade sorrateira, que o olham sem se falarem, cada um por si, sem liame que não seja a pontaria de su-as miradas...”; "... estes outros são certos senhores lon-gínquos e invisíveis,... simples ruelas de uma engrena-gem central que por razões desconhecidas pode sozinha conceder-lhe ou rejeitar-lhe o direito de existir...”.

Nesse mundo onde “as mãos estendidas marcam o va-zio, as distâncias como os espaços interplanetários sepa-ram os seres uns dos outros e você tem a todo o momen-to a impressão de que toda a ligação com você foi corta-da, todos os pontos de referência desapareceram, o sen-so de orientação está embotado, os movimentos desre-grados, os sentimentos desagregados”; “... as palavras são desprovidas de seu sentido habitual e de sua eficá-cia...”; “... interpretam tudo em falso, inclusive suas pró-prias questões e não compreendem mais nem mesmo su-as próprias condutas...”.

Segundo Sarraute a dificuldade em fazer de Kafka o paradigma de uma nova forma de romance desde o ponto de vista da história literária é a particularidade extrema do universo simbólico de sua obra, restrita à situação-limite de dominação total da vida social pelos aparelhos organiza-dos, suprimindo desta forma todo o traço da individuali-dade humana.

Por correlação sociológica tal simbolismo liga-se à cir-cunstância bárbara e alheia à compreensão humana do Holocausto que se abateu sobre o povo judeu à sombra da nação alemã, cujo regime absurdo e catastrófico para o século XX Kafka com sua arte antecipou ou adivinhou.

Mas não é tudo. Assim como se reconhece à individu-alidade genial de Dostoyevski o ter pressentido “um i-menso élan fraternal no povo russo e seu destino singu-lar” deve-se reconhecer o universo simbólico de Kafka igualmente como individualidade, a ele só e unicamente. Sendo precursor de escritores europeus, não somente o esnobismo mundano de Proust aparece como uma varie-dade da carência obsessiva de fusão, mas a ligação da obra de Dostoyevski com Kafka parece evidente, e se-gundo Nathalie Sarraute não há maneira de contrapor este último àquela.


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