ECONOMIA SERGIPANA

Cid Olival Feitosa

As primeiras atividades industriais de Sergipe: açúcar e têxteis

No caso do açúcar, grosso modo, o desenvolvimento industrial teve início com a implantação dos Engenhos Centrais1 , que procuravam separar a atividade agrícola da industrial, buscando conciliar as relações de produção agrária tradicional com modernas técnicas de fabricação de açúcar (PERRUCI, 1976). Estes se caracterizavam pela capacidade de produção superior aos engenhos bangüês e pela fabricação de açúcar de melhor qualidade, visando atender a demanda dos principais mercados consumidores (ANDRADE, 1960).
Por isso, em 1875, o Governo Imperial regulamentou a instalação das grandes fábricas de açúcar, que pertenciam a companhias estrangeiras, concedendo garantias da obtenção de juros dos capitais empregados, o direito de expropriar terrenos e edifícios necessários à fabricação, o direito de utilizar material – madeira, por exemplo – dos municípios ou de terrenos públicos e a isenção de impostos de importação de máquinas estrangeiras (PERRUCI, 1976, p. 131). Em contrapartida, não poderiam cultivar a cana, não usariam o trabalho escravo e como iriam receber matéria-prima de áreas muito amplas, deveriam construir estradas de ferro entre as regiões produtoras de cana e as fábricas (ANDRADE, 1960). Ao Governo da Província caberia auxiliar pessoas que estivessem em condições de implantar o Engenho, com capacidade de dirigi-lo e fazê-lo prosperar, através do estabelecimento de leis provinciais complementares aos incentivos do Governo Imperial (IEL, 1986).
Dentro desse contexto, desde 1877 houve tentativas de instalação de engenhos centrais em Sergipe, mas ante as dificuldades de levantar capitais para a consecução de tal empreitada, somente em 1888, por iniciativa da Companhia de Engenhos Centrais da Paraíba do Norte e Sergipe, foi instalado o primeiro Engenho Central, em Riachuelo. Esse engenho apresentou relativo sucesso, chegando a responder por 5,6% de toda a exportação de açúcar de Sergipe, no período de 1891-92. Há registros de outros projetos para os municípios de São Cristóvão, Maruim, Japaratuba, Laranjeiras, Divina Pastora e Rosário do Catete, mas nenhum chegou a se tornar realidade (PASSOS SUBRINHO, 1987).
Com o fracasso dos engenhos centrais, as usinas – que consistiam na instalação da moderna fábrica de açúcar em terras dos antigos bangüês – passaram a predominar no cenário produtivo açucareiro. Segundo Perruci (1976), a usina representou a consolidação do capital industrial no campo, porque passou a controlar sozinha todo o processo econômico do açúcar, desde a cultura da cana até a distribuição comercial, passando pela fase industrial.
Em Sergipe, houve uma proliferação do número de usinas, fundadas pelos antigos senhores de engenho, ultrapassando, em termos absolutos, os demais estados da federação. Em 1910, das 134 usinas instaladas no Nordeste, Sergipe detinha um total de 62 usinas, equivalentes a 46,3% do total, seguido por Pernambuco, Bahia e Alagoas, que detinham, respectivamente, 34,3%, 5,2% e 4,5%, do número total de usinas, ou seja, 90,3% das usinas da região estavam concentradas nesses quatro estados (DE CARLI, 1937).
Em 1920, houve um crescimento de 24,6% do número de usinas do país em relação à década anterior. Sergipe continuou sendo o estado da federação com o maior número de fábricas, embora o seu crescimento tenha sido mais modesto (12,9%). No entanto, Andrade (1960) destaca que a produção de açúcar não era determinada pelo número de usinas, uma vez que a produção pernambucana, em 1920, era oito vezes maior que a sergipana, ao mesmo tempo em que Alagoas, com apenas 15 usinas, detinha uma produção 50% superior à de Sergipe, com 70 usinas (Tabela 1.6).


Tabela 1.6

BRASIL

Número de Usinas e Valor da Produção

1920

Estados

Nr. Usinas

%

Capital investido (1$000)

%

Valor da Produção (1$000)

 %

Maranhão

1

0,4

81.400

0,0

57.440

0,0

Piauí

1

0,4

1.200.000

0,6

153.000

0,1

Ceará

1

0,4

1.000.000

0,5

70.500

0,0

Paraíba

2

0,9

2.194.224

1,0

2.996.467

1,4

Pernambuco

54

23,2

74.096.450

34,1

81.244.839

38,4

Alagoas

15

6,4

12.063.841

5,6

13.027.455

6,2

Sergipe

70

30,0

10.832.500

5,0

10.137.617

4,8

Bahia

20

8,6

23.112.196

10,6

18.853.420

8,9

Mato Grosso

6

2,6

2.958.000

1,4

1.347.044

0,6

Minas Gerais

5

2,1

5.260.000

2,4

6.746.204

3,2

Rio de Janeiro

42

18,0

57.752.792

26,6

52.784.603

25,0

Santa Catarina

2

0,9

631.000

0,3

437.400

0,2

Espírito Santo

2

0,9

3.950.000

1,8

676.240

0,3

São Paulo

12

5,2

21.991.700

10,1

22.962.346

10,9

Total

233

100,0

217.124.103

100,0

211.494.575

100,0

Fonte: De Carli (1937)

Complementando as observações acima, Passos Subrinho (2000) esclarece que a utilização do termo “usina”, em Sergipe, deve ser qualificada, pois a maior parte não passava de engenhos a vapor que introduziram alguma modernização no processo produtivo, sem, contudo, completá-lo. Além disso, essa modernização parcial da industrialização do açúcar não estava assentada em grandes unidades produtivas, isto é, não apresentava escala de produção, nem a estrutura latifundiária característica das usinas, tornando-se mais apropriado denominá-las de “meias-usinas”.
Para Passos Subrinho (1987, p. 76), a proliferação das meias-usinas pode ser explicada parcialmente pela dificuldade de transporte, uma vez que durante todo o século XIX apenas os poucos quilômetros da ferrovia particular do Engenho Central Riachuelo foram construídos, permanecendo o carro de boi como o principal meio de transporte do açúcar no estado. Segundo o autor, “essa dificuldade de transporte, aliada a uma estrutura fundiária relativamente dispersa e à baixa acumulação de capital, ao nível da unidade produtiva, devem explicar a proliferação de meias-usinas em Sergipe”.
No caso da indústria têxtil, seu desenvolvimento estava atrelado à disponibilidade local de matéria-prima, oferta de mão-de-obra barata, mercado para produtos baratos de algodão, fontes adequadas de força motriz e disponibilidade de capital.
Embora a renda monetária dos trabalhadores fosse muito baixa, impondo limites estreitos ao mercado potencial de produtos de algodão, o crescimento da renda interna da região estava ligado ao desempenho do setor exportador, tanto de algodão quanto de açúcar, que determinava a demanda por têxteis. “Essa demanda era representada, sobretudo pela necessidade de tecidos grosseiros de algodão para ensacamento, enfardamento e para vestuário dos escravos e das classes pobres” (SUZIGAN, 2000, p. 135-136).
Esses fatores também foram determinantes para o surgimento da indústria têxtil sergipana, cuja primeira fábrica de tecidos foi fundada em 1882 por um comerciante que desenvolvia atividades de exportação e importação na cidade de Maruim, um dos centros do comércio açucareiro da Província. Sob a denominação de Cruz e Cia, a Fábrica Sergipe Industrial mantinha 60 teares em movimento e 170 operários, que trabalhavam cerca de 12 horas por dia. Sua produção constava de brins, cetim, bulgariana, algodãozinho, estopa e, principalmente, sacos para a embalagem do açúcar (IEL, 1986).
Uma década depois foi fundada a segunda fábrica têxtil – a Santa Cruz, em Estância – que se constituía numa filial dos empreendimentos Souza Sobrinho e Cia, com sede na Bahia e vinculada à casa comercial “João Sobrinho”. Com um total de 150 teares e aproximadamente 250 operários, sua produção consistia na fabricação de tecidos crus (IEL, 1986).
Segundo Passos Subrinho (2001), boa parte das fábricas têxteis do estado fundadas até 1930 parece ter em comum a vinculação a alguma casa comercial. Assim, nas primeiras décadas do século XX foram fundadas novas fábricas de tecidos: a Peixoto Gonçalves e Cia (1906) e a Empresa Têxtil (1906), em Neópolis; a Ribeiro Chaves e Cia (1907), em Aracaju; e a Empresa Industrial de Propriá (1913), todas ligadas a grupos comerciantes locais ou regionais. As exceções foram: a Empresa Industrial São Cristóvão (1915), fundada na cidade do mesmo nome; a Sergipe Fabril (1926), em Maruim; a Fábrica Senhor do Bonfim (1914), em Estância; e a Fábrica de Tecidos Riachuelo (1926). Esta última foi a única indústria que não tinha ligação direta com capitais predominantemente comerciais, pois estava vinculada ao Engenho Central Riachuelo. Contudo, mesmo que o seu proprietário fosse, antes de tudo, um usineiro, também possuía empreendimentos comerciais.
Em suma, pode-se dizer que, em Sergipe, os capitais destinados à industrialização do açúcar tiveram origem nos antigos engenhos coloniais, dessa forma, mantendo relação direta com o setor exportador, ao passo que o segmento têxtil originou-se de capitais acumulados em atividades indiretas, correspondentes às relações comerciais desenvolvidas pelos empórios sergipanos.
Colocada em suas linhas gerais a formação dos dois principais segmentos industriais de Sergipe, cabe investigar o processo de expansão e retração industrial ao longo da primeira fase de integração da economia brasileira.


1 Embora saibamos que atividades industriais eram desenvolvidas no interior dos engenhos tradicionais (os engenhos bangüês) para a produção de açúcar, inclusive com introdução de progressos técnicos no processo produtivo, como a utilização da máquina a vapor, na primeira metade do século XIX, estamos admitindo, assim como Singer (1968), que a instalação do Engenho Central inicia, de fato, a transformação e modernização da indústria açucareira do Brasil.

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