ECONOMIA SERGIPANA

Cid Olival Feitosa

Os impactos da industrialização no desenvolvimento urbano de Sergipe

Apesar das modificações do cenário urbano de Aracaju, até a década de 1960, a economia sergipana apresentou as mesmas características da sua formação originária, muito próxima da conformação estrutural do complexo econômico nordestino, baseada na agroindústria açucareira, na pecuária extensiva e no segmento têxtil-algodoeiro (NASCIMENTO, 2001).
Desta forma, até 1960 a urbanização de Sergipe desenvolveu-se a partir de atividades nitidamente terciárias, sem uma participação crescente (ou importante) do setor industrial, apresentando uma tendência à hipertrofia e à proliferação de serviços públicos, dada a necessidade de geração de emprego e renda (LOUREIRO, 1983).
Com o desenvolvimento das atividades da Petrobrás no Estado, em 1963, o setor industrial passou a ganhar dinamismo, induzindo diversos outros setores econômicos através da expansão do movimento comercial, da contratação de serviços técnicos especializados, do estímulo à instalação de diversas empresas prestadoras de serviços e, principalmente, induzindo o crescimento do setor imobiliário (BARRETO, 2003).
Entretanto, o crescimento urbano de Sergipe, capitaneado pela industrialização, ocorreu de forma acelerada na década de 1970, com a transferência da sede administrativa da Petrobrás, a Região de Produção do Nordeste, de Maceió para Aracaju, bem como a transferência de um elevado contingente de técnicos e especialistas de petróleo, cujos salários superavam a média estadual, criando condicionantes para a formação de uma nova classe média sergipana (LOUREIRO, 1983).
Diante da magnitude das reservas de petróleo do estado, além da transferência do escritório da Petrobrás de Alagoas para Sergipe, conforme apresentado no Capítulo II, a construção do Tecarmo, em Aracaju, e a implantação da Petromisa e da Nitrofértil, tiveram impactos diretos na geração de emprego e renda no estado, dado o volume de recursos investidos.
Em consonância com a política de industrialização que se desenvolvia no âmbito nacional e regional, o governo de Sergipe projetou uma série de políticas públicas que, juntamente com uma reestruturação urbana, visava dar suporte às atividades econômicas do estado. Uma das primeiras medidas foi a implantação do Distrito Industrial de Aracaju (DIA), com a realização de investimentos diretos em infra-estrutura e a melhoria do sistema viário, que resultou num incremento no número de indústrias e pessoal ocupado na cidade (RIBEIRO, 1989).
Não se deve esquecer que na década de sessenta, ainda, o governo federal criou o Banco Nacional de Habitação (BNH), e o estadual, a Companhia Nacional de Habitação Popular (COHAB-SE), iniciando a construção de conjuntos habitacionais que visavam suprir a crescente demanda por habitação, decorrente do crescimento econômico e do aumento dos fluxos migratórios para a capital1 (FRANÇA, 1999).
A construção dos assentamentos populares impulsionou a indústria de construção civil do estado, que além de ser beneficiada pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), na execução da Política Habitacional e na implementação de obras públicas promovidas pelos governos federal e estadual, contou com a instalação de uma fábrica de cimento em Aracaju, que reduziu significativamente os custos da produção dos empreendimentos imobiliários 2.
O crescimento do setor industrial, localizado basicamente em Aracaju e adjacências, desencadeou um forte efeito expectativa para a população interiorana, aumentando o fluxo migratório para a capital.
A migração foi tão intensa que em 1970 o contingente populacional de Aracaju, proveniente de outros municípios e estados, foi de 66.930 pessoas, o que equivalia a 36,4% da população total do município (RIBEIRO, 1989). Deste modo, observa-se que a intensificação das correntes migratórias e a dinâmica industrial foram fatores que se combinaram para acelerar a urbanização de forma concentrada (COELHO, 1992).
Com base nesses elementos, pode-se dizer que a década de 1960 marcou o início de uma nova fase da evolução urbana de Sergipe, que se consolidou nos anos 1970 quando a Aracaju atingiu o nível de cidade média brasileira. Assim, se na década de 1960 a paisagem urbana de Aracaju ainda era marcada pela horizontalidade, sendo raros os edifícios altos, superiores a cinco pavimentos, a partir dos anos 1970, as feições urbanas de Sergipe 3 ganharam novos contornos, com progressivo aumento da verticalidade e valorização intensa do uso do solo, definindo a sua estratificação sócio-espacial.
A aquisição de glebas para a construção de conjuntos habitacionais, por parte da COHAB/SE, foi um dos primeiros passos para a valorização do solo urbano, pois ao adotar como parâmetro a construção das moradias em locais distantes da malha urbana consolidada, exigiu a ampliação da infra-estrutura (água, energia, transporte, etc.), valorizando ainda mais os espaços vazios localizados entre a malha e as novas áreas ocupadas (FRANÇA, 1999).
A população migrante, não conseguindo se enquadrar no espaço urbano da capital, dado o alto preço dos imóveis, aluguéis e terrenos, foi “expulsa” para a periferia da cidade, fixando residência nos municípios limítrofes e/ou nos conjuntos habitacionais próximos, em áreas que por sua distância e carência dos equipamentos e serviços urbanos tiveram valorização relativamente menor e, portanto, onde o custo monetário da habitação era mais baixo (MACHADO, 1990).
Ao mesmo tempo em que se alastrava a mancha urbana da capital, ultrapassando seus limites municipais, áreas subutilizadas e rarefeitas eram resguardadas no interior do próprio tecido urbano, especulativamente (LOUREIRO, 1983). Esse processo demonstrava o interesse do capital mercantil-imobiliário, que passava a comandar o processo de ocupação e uso do solo, capturando o Estado e privilegiando pequeno segmento da população, e não a camada majoritária de baixa renda.
Desse modo, enquanto o crescimento econômico se manteve acelerado houve a criação de uma nova classe média urbana, embora grandes contingentes populacionais fossem mantidos sem acesso a direitos sociais e civis básicos. Quando sobreveio a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro, na década de 1980, em que as taxas de crescimento demográfico foram superiores às do PIB, ampliaram-se as desigualdades sociais, expressas no aumento da pobreza urbana (MARICATO, 2001).
Com isso, observou-se um crescimento vertiginoso das áreas contíguas a Aracaju, onde o mercado especulativo ainda não havia alterado incisivamente o valor do solo, formando, inicialmente, uma aglomeração urbana e gerando um processo de “periferização” da população (FRANÇA, 1999).
Esta periferização dos assentamentos humanos e industriais, bem como a especulação imobiliária, imprimiram importantes modificações no processo de urbanização, fazendo surgir a conurbação e as cidades-dormitório (CANO, 1988). À medida que se intensificaram os movimentos pendulares 4 e foi ganhando expressão o processo de conurbação, buscando ordenar a ocupação e uso do solo, o governo do estado criou a Região da Grande Aracaju (RGA), dada a interação da capital com os municípios do seu entorno, considerada área de interesse especial e alvo de programas e projetos nas áreas de esporte e lazer, transporte urbano e no controle do parcelamento e uso do solo.
Inicialmente, a RGA era constituída pelos municípios de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Laranjeiras, Santo Amaro das Brotas, Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão e Maruim. Posteriormente, por decisão política, foram incorporados os municípios de Riachuelo e Itaporanga d’Ajuda, como forma de inseri-los nas linhas de transportes suburbanos, uma vez que os mesmos não preenchiam os requisitos exigidos para a participação na referida Região (FRANÇA, 1999).
Na segunda metade da década de 1990, a Região da Grande Aracaju seria redefinida pelo Governo do Estado, que criaria a Região Metropolitana de Aracaju (RMA), através de Lei Complementar nº 25, de 29 de dezembro de 1995, composta pelos municípios de Aracaju, São Cristóvão, Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora do Socorro.
Deve-se ressaltar, porém, que a criação da RMA provém de uma decisão do Executivo Estadual, aprovado pela Assembléia Legislativa, mas que ainda não figura enquanto convenção na literatura especializada, embora alguns estudos, como o da Professora Vera França (1999) – Aracaju: Estado e Metropolização – , já tratem do processo ora em curso no Estado de Sergipe.
Ressalta-se, ainda, que estudo elaborado pelo IBGE, IPEA e UNICAMP – Caracterização e Tendência da Rede Urbana do Brasil – publicado em 2002, considera que no Nordeste, as aglomerações urbanas metropolitanas seriam compostas pelas cidades de Salvador, Recife e Fortaleza, bem como as suas respectivas áreas adjacentes.
Segundo o referido estudo, Aracaju seria considerada uma aglomeração urbana não-metropolitana, composta pelos municípios de Aracaju, São Cristóvão, Laranjeiras, Nossa Senhora do Socorro, Maruim, Barra dos Coqueiros e Santo Amaro das Brotas, ou seja, tal classificação coincide com a determinação da RGA, e não com a RMA.
Para efeitos desse trabalho, no entanto, utilizaremos a classificação “legal” de que existe uma Região Metropolitana em Aracaju, uma vez que grande parte do processo de urbanização do Estado foi capitaneado pelo poder público e este tem tratado a referida Região como área de interesse especial, com dotação de recursos orçamentários para a execução de atividades de interesse comum nos referidos municípios, como pode ser observado no Art. 2º, § 2, da Lei Complementar nº 25, que criou a RMA. Segundo o artigo, “para o planejamento e a execução das ações públicas de interesse comum (...) serão destinados recursos financeiros específicos, previstos nos orçamentos dos Municípios que a integram” (SERGIPE, 1995).
Pode-se dizer, assim, que a criação da RMA produziu uma nova dinâmica no desenvolvimento urbano de Sergipe (ou estabeleceu uma nova hierarquia de cidades). Semelhante ao processo de metropolização verificado em outros municípios brasileiros, não foi mais a cidade central que apresentou as maiores taxas de crescimento, mas suas áreas periféricas (Tabela 4.3). Assim, se nas décadas de 1960 e 1970 Aracaju era o município que apresentava a maior taxa de crescimento anual (4,7% e 4,8%, respectivamente), o dobro da média estadual e nordestina, nas décadas seguintes verificou-se uma inflexão no crescimento de Aracaju e um aumento explosivo da população dos municípios contíguos à capital, com destaque para Nossa Senhora do Socorro que entre 1980 e 1991 apresentou crescimento anual da ordem de 15,6%.

Em 2005, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, a população nordestina equivalia a 51.065.275 pessoas, o que significou um crescimento anual médio de 1,4% em relação a 2000. No caso sergipano, a população total, em 2005, era de 1.970.371 pessoas, o que representou um crescimento médio de 2% ao ano, ou seja, o crescimento populacional de Sergipe mostrou-se, mais uma vez, maior que o crescimento da região Nordeste como um todo.
A atuação do Governo no processo de urbanização de Sergipe seria estendida a várias atividades. Além da construção dos conjuntos habitacionais, outras ações do Estado contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento da metropolização (e periferização) de Aracaju. Em Nossa Senhora do Socorro, a tentativa de criar uma Zona de Processamento para Exportação (ZPE), como forma de incrementar as atividades industriais do Estado e a instalação do Distrito Industrial de Nossa Senhora do Socorro, que visava aumentar o parque produtor de Sergipe, desconcentrar as atividades industriais de Aracaju e abrigar o contingente populacional que migrava do interior para a capital; na Barra dos Coqueiros, a construção do Terminal Portuário Marítimo e a tentativa de implantação de um Pólo Cloroquímico; em São Cristóvão, a instalação do Campus Universitário (FRANÇA, 1999).
No entanto, houve um grande descompasso entre o planejado e o realizado. Como as estratégias desenvolvidas pelo governo estavam relacionadas à participação efetiva de capitais públicos através de financiamentos internacionais, com a crise fiscal e financeira da economia brasileira nos anos 1980, e a condução da política econômica dos anos 1990, de abertura comercial rápida e intensa, priorização à integração competitiva e realização de reformas profundas na ação do Estado, não se observou o crescimento de setores produtivos que pudessem contrabalançar (ou absorver) o crescimento populacional e a ampliação do espaço urbano.
De forma contrária, verificou-se o crescimento de problemas sociais de toda ordem: deficiência habitacional, de saneamento e transporte, desemprego, criminalidade, desorganização do espaço urbano, grande massa marginalizada, vulnerabilidade social e ambiental, com perda de qualidade do padrão de vida, conformando o que Cano (1988) denominou de “urbanização caótica”.


1 Para uma análise mais detalhada acerca das intenções e resultados da política habitacional ver Azevedo e Andrade (1982), Bolaffi (1979), Valadares (1980). No caso sergipano, ver França (1999).

2 Segundo Duarte (1971), um fator importante pesou na localização da fábrica em Aracaju: a existência de grandes jazidas de calcário de excelente qualidade nas proximidades deste município.

3 Considera-se aqui, assim como Loureiro (1983), que desde a década de 1970 referir-se ao urbano em Sergipe era quase o mesmo que se referir a Aracaju, dado que as dimensões urbanas da maioria das cidades eram pouco representativas.

4 Em Aracaju reside um grande número de famílias cujos chefes trabalham em atividades industriais em outros municípios como Laranjeiras (Votorantim e Nitrofértil), N. Sra. Socorro (Santista Têxtil, João Santos), Carmópolis, Rosário do Catete, Siriri, Japaratuba (Petrobrás e Companhia Vale do Rio Doce), apresentando movimentos pendulares ao inverso (FRANÇA, 1999).

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