PROPUESTA DE BASES PARA EL DISEÑO DE UN SISTEMA DE GESTIÓN ESTRATÉGICA DE INFORMACIÓN PARA LA DIRECCIÓN DE ENERGÍA RENOVABLE DEL MINBAS

Cleber José De Oliveira

Capítulo 3 – Crônica contemporânea: representação e auto-reapresentaçã

As questões essenciais do mundo contemporâneo envolvem a vida, as práticas cotidianas e os modos de viver, por conta das relações e dos conflitos que fluem dessa experiência. Portanto, ao olhar observador do cronista isso é sinônimo de matéria prima. Nesse sentido, o momento sócio-político pelo qual passa nosso país é retratado de forma explícita em grande parte das crônicas produzidas atualmente. Assim, algumas das relações que brotam dessas relações funcionam como uma espécie de desencadeador central das reflexões que serão expostas nesse estudo.
Dito isto, compreendo que as crônicas escolhidas tomam pra si, de uma forma evidente e contundente, um discurso crítico subversivo por meio do qual é possível identificar a manifestação do discurso do indivíduo oprimido e subalternizado que está se opondo a um sistema social que privilegia a verticalização do poder (Cf. Mignolo, 2003). Com isso, visualiza-se como é a interface das relações entre as elites detentoras de poder e produtoras de um discurso quase sempre excludente e as camadas sociais marginalizadas por essa mesma elite, visto que tudo isso ocorre em relação ao discurso do poder. 
Aparentemente a crônica, em seu uso tradicional, não propiciaria uma abordagem como a que será desenvolvida a seguir, já que a crônica enquanto gênero textual se caracteriza pelo texto leve, pelo ar de coisa sem necessidade que costuma assumir (Candido, 1981). No entanto, nesse artigo, a crônica brasileira produzida na contemporaneidade será utilizada como suporte para pensarmos como são construídas as relações de representação e auto-representação do marginal através de um discurso que busca subverter as relações de poder tradicionais que estão vigentes e são impostas desde nossa colonização. Veremos, ainda, que o cronista (entendido aqui como intelectual engajado) representa as camadas que são de alguma maneira oprimidas. Indagamos, nesse sentido, até que ponto o cronista contemporâneo, toma pra si o ‘dever’ de representar (pela escrita) aqueles que, em tese, não possuiriam um discurso de defesa, sobretudo em termos de propagação desse contra discurso. Dessa forma, essa abordagem se mostra possível porque a crônica sofreu mudanças; mudou porque as relações sociais mudaram e essas mudanças provocaram alterações nos gêneros discursivos (Bakhtin,1997,p. 281-2).
Na esteira dessa mudança, alguns cronistas estão adotando, cada vez mais, além da observação do cotidiano, um discurso contendo o que podemos chamar de certo engajamento social. Contudo, isto não é novo na crônica poderia ponderar você leitor. Pois, encontramos ainda no século XIX, mesmo que sutilmente, em cronistas como Alencar, Machado e, no século XX, em Braga, Drummond, Sabino e em tantos outros, isso que denominamos como sendo uma prosa com engajamento social. Não raro, aqui e ali, por meio da crônica, esses mestres lançaram seus olhares sobre a sociedade e, de uma forma ou de outra, explicitaram o mal estar existente nas relações sociais de seu tempo e contexto social. Porém, entendemos que o olhar do cronista modernista lançado sobre o cotidiano social, se manifesta de forma mais sutil do que o do cronista contemporâneo. Tomemos como exemplo um trecho da crônica Ai de Ti Copacabana, de Rubem Braga, reconhecidamente um típico cronista modernista:

Ai de Ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.[...] Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se incendiou o Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão. [...] Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana! (Braga 1999, p. 99)
            No excerto acima, o discurso crítico de Braga demonstra um típico procedimento modernista, o esmero por uma sutileza no vocabulário, uma finura na construção linguística. Com isso, reforça as reflexões promovidas por alguns críticos de que a crônica, como gênero discursivo, no momento de seu auge literário, nesse caso a era modernista (Cf. Candido, 1981; Simon, 2006), busca não permanecer e/ou chegar ao topo literário e sim flagrar as ‘insignificâncias’ do cotidiano (Arrigucci Jr.,1987, p. 6-9), ou seja, não há uma preocupação com pós-crônica, pois esta seria apenas uma pílula analgésica momentânea para amenizar a perplexidade do leitor de jornal diante do bombardeio de realidade tão cruel que veiculam os jornais.
Por este viés, lanço uma hipótese de argumentação: a) a de que a crônica contemporânea brasileira reflete inquietações resultantes das relações sociais, que insistem em se manifestar de forma vertical. E, evidentemente, observa essas inquietações como sendo um efeito colateral da desigualdade social cultivada em nosso país desde a época colonização. Na sequência, levantamos uma segunda hipótese: b) a de que os cronistas contemporâneos aqui citados tomam pra si, por meio do discurso crítico, a função de dar expressão ao marginalizado, às camadas sociais oprimidas; ou como veremos em Ferréz, ser a própria representação do discurso do oprimido. Em tempo, entende-se que tudo isso ocorre no espaço híbrido da crônica, entre a notícia e a literatura, entre o real e o ficcional, para fazer críticas agudas aos valores tradicionais e aos regimes autoritários vigentes. Comecemos, então, a busca por indícios que legitimem as hipóteses levantadas a partir de trechos da crônica Estamos todos no inferno, de Arnaldo Jabor:

Você é do PCC? Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... (Jabor 2006, p. 43)
        
O trecho é iniciado com uma pergunta, algo que sugere uma entrevista ou um interrogatório no qual o marginalizado manifesta a autoridade de auto-reapresentação, ainda que no espaço ficcional. Esta condição pode ser pensada pelo viés da outremização (Santiago, 2004, p. 13-5), no qual o personagem passa por uma transformação na qual sai da condição de objeto (subalterno) e de representado para ser sujeito da enunciação, para a se auto-representar. Aqui a narrativa é, sobretudo, uma crítica ao descaso e aos discursos de poder estabelecidos verticalmente. É a resposta de um indivíduo que, num primeiro momento, deixa claro ter sido vítima da opressão e esquecido por aqueles que deveriam, no mínimo, promover investimentos no campo social, cultural e econômico. Porém, tal evidência é colocada no passado “Eu era pobre e invisível... vocês nunca me olharam durante décadas”; logo, o discurso crítico se manifesta de forma a denunciar o descaso das autoridades competentes e da sociedade como um todo com essa grande parcela da população brasileira que habita em locais como morros, favelas, viadutos, lugares esses onde se vive, não raro, em condições subumanas. Observe-se a mudança de postura do indivíduo em relação ao discurso monolítico de poder, no trecho a seguir, da mesma crônica:
Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão. Eu sou inteligente. Eu leio, li 3 mil livros e leio Dante [...] Vocês intelectuais não falavam em "luta de classes", em "seja marginal seja herói?" Pois é: chegamos, somos nós! Há há...Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados (Jabor 2006, p. 43-45).

Num segundo momento, manifesta-se, por esse mesmo indivíduo, a sua condição atual. O discurso então é de quem se sente como sendo o ‘caçador’ e não mais a ‘caça’; o que acua e não mais o acuado. Essa passagem efetiva o que se compreende por processo de subjetificação, ou seja, quando o sujeito/objeto passa a ser o sujeito/sujeito, mesmo que às avessas e à revelia da ordem hegemônica imposta. Portanto, o oprimido se liberta “Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados” (Jabor 2006, p.45). O indivíduo que era invisível se torna uma ameaça aos poderes estabelecidos, pois agora sua voz subversiva ecoa pelos quatro cantos do país e do mundo. Configura-se como um efeito colateral do sistema, um herói subversivo, uma espécie de Robin Hood contemporâneo. Nesse sentido, é possível enxergar ações e comportamentos desse discurso que remontam aspectos da concepção de civilidade dissimulada discutida por Bhabha, cujo oprimido, num primeiro momento, age como deseja e espera seu opressor, mas, no momento oportuno, esse mesmo sujeito promove uma reviravolta nessa relação que - no limite - se dá em função do discurso do poder (Bhabha, 2003, p. 138-140). Logo, é inevitável não perceber no discurso a referência às discussões promovidas por Jameson (1996), sobre capitalismo tardio e pós-modernidade. E também, uma referência “A divina Comédia” de Dante, sobre consciência social. Ainda no trecho, o discurso do indivíduo, agora na condição de ex-oprimido, fala sobre o intelectual, figura que prega utopias milagrosas tais como “luta de classes” e, ainda, “seja marginal seja herói”; uma visível referência às correntes socialistas do século XX, defendidas por muitos intelectuais modernistas como sendo uma solução para os problemas sociais brasileiros ainda que no limiar ideológico.
            Na sociedade contemporânea estas utopias, advindas de séculos passados principalmente do XIX e XX, revelaram-se ineficazes e produziram uma enorme onda de frustração nacional que criou sujeitos sociais incrédulos em soluções mágicas para o caos social. Tal assertiva está clara no discurso crítico utilizado pelo ex-oprimido e pode ser ilustrada por este trecho de outra crônica de Jabor, intitulada Dias melhores nunca virão “Que estranho presente é este que vivemos, correndo sempre por nada? As utopias do século XX diziam que teríamos mais ócio, mais paz” (Jabor 2006, p.163). Ainda na crônica Estamos todos no inferno, outra pergunta ainda mais direta é feita dentro desse contexto de desequilíbrio social.
-Você não tem medo de morrer?
-Vocês é que têm medo de morrer, eu não [...] Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o "presunto" diário, desovado numa vala... [...] Já surgiu uma nova linguagem. Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de Pós-Miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo [...] Como escreveu o divino Dante: Percam todas as esperanças estamos todos no inferno. (Jabor 2006. p. 45-47)
 
        Nesse trecho, a resposta também é direta “eu não”; e as diferenças entre as realidades do questionador e a do questionado são evidenciadas e ressaltadas mostrando quão grande é o abismo entre eles, pelo menos no que diz respeito às suas origens. É a manifestação de uma espécie de não-medo daquilo que para muitos ainda se constitui como sendo uma angústia, uma agonia ou como o próprio discurso diz “a morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração” (2006, p. 45). Aliás, pode-se observar que o discurso crítico é utilizado para provocar uma intimidação e um amedrontamento, todo o terror já sentido por ele (oprimido) agora recairá sobre o opressor. O discurso é consciente, marcado pela subversão, rebeldia, transgressão e insubordinação ao sistema do opressor. É marcado também por uma autoafirmação manifestada numa expressão própria, uma linguagem própria que reflete uma nova forma de se pensar e agir, um ‘novo’ olhar sobre o social: o do oprimido. Nesta manifestação estão interditos alguns aspectos discutidos por Mignolo (2003) sobre ‘pensamento liminar’, ou seja, a reconstrução do discurso a partir do próprio sujeito no momento em que ele ‘fala’ por si próprio, sem a interferência ou imposição do Outro dominante. A revolta contra a violência social de séculos, sofrida em parte por seus antepassados e em parte por ele, agora gera essa violência que faz o caminho inverso e se transforma numa fúria vulcânica, conforme pontuaria Frantz Fanon (2004), baseada na eliminação do outro, do opressor. Estes aspectos também podem ser entrevistos sobre o viés das discussões promovidas por Hannah Arendt (1970, p. 50-1) sobre o ‘efeito boomerang’, claro que num sentido mais restrito, o da violência socioeconômica a vigorar em nosso país e na América Latina.
         O discurso vai além, ele se reconhece como anomalia social, um Alien, uma espécie de efeito colateral de um sistema opressor. Cresceu em meio a um espaço que não é o centro, um terceiro espaço, uma terceira margem. Nascido da lama, educando-se no analfabetismo (o câncer social brasileiro), ‘diplomando-se’ nas prisões, sendo capaz de produzir uma linguagem própria, uma cultura própria, o estigma da denominada “pós-miséria”, como estratégia de resistência e de ataque. Esse esforço, pelo discurso, tenta cancelar uma forma de relação social e tradicional típica da vida brasileira desde a colônia, isto é, uma relação verticalizada em que o povo sempre figurou e figura como sendo subalterno de outras classes sociais elitizadas e hegemônicas. Além disso, também há aspectos da concepção do entre-lugar proposto por Silviano Santiago (1989), quando o indivíduo se manifesta de um lugar que não é nem o centro e nem a margem, mas o espaço intervalar, de uma lacuna entre um e outro, habitado por ‘mutações sociais’, marcado por uma ausência de identidade ou por identidades híbridas ao extremo, indivíduos subalternos e oprimidos que se rebelam e subvertem a ordem social.        

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