AS NUANCES DO ATUAL PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL: RELAÇÃO DE FORÇAS DO ESTADO E ENTRE OS ESTADOS

Roberto Mauro da Silva Fernandes
Adauto de Oliveira Souza

INTRODUÇÃO

O cenário mundial pós-Guerra Fria encontra-se menos estável, menos previsível e mais complexo, com o desmoronamento da União Soviética findou-se o fator auto-regulador, o automatismo que tanto caracterizou a Ordem da Guerra Fria. Não existe mais a polarização multidimensional que proporcionava a definição automática entre o “bem” e o “mal”, que garantia a solução sistêmica dos conflitos, que provocava alinhamentos automáticos e que tornava a Ordem Internacional previsível.
No atual contexto internacional temos a sobrevivência de uma superpotência que exerce uma preponderância inconteste nos campos político e militar, contudo, no econômico cria espaços para a ascensão de um grupo de Estados com geometria e constituição distintas que juntas formam um pólo de oposição às políticas norte-americanas no campo econômico. É o caso da China, da Índia, da Austrália, da Rússia, da África do Sul e do Brasil. De acordo com Albuquerque (2007 (a)): “a perda da supremacia econômica absoluta restringe a capacidade dos EUA para tornarem a liderança política e militar em hegemonia” (ALBUQUERQUE, 2007(a), p.71).
Esse é o contexto da chamada Hegemonia Dissociada, na qual alguns Estados engendram mecanismos de contestação as políticas estadunidenses no contexto global a partir da esfera econômica. Dessa forma, surgem estruturas simbióticas que ensejam processos de integração e de desintegração entre os sujeitos de uma determinada estrutura. Este liame gera margem para ações nas dimensões econômica, política e militar, tornando possível a cooperação em uma, a rivalidade em outra e principalmente a confrontação na terceira (ALBUQUERQUE, 2007(a), p.77). Assim, as relações entre essas dimensões possibilitam o surgimento de mecanismos relativamente independentes de cooperação e conflito.
Na estrutura sul-americana esse processo simbiótico de aproximações e distanciamentos ocorre, sobretudo, porque esse continente passa por uma conjuntura na qual os seus Estados tentam consolidar as ações de reciprocidade mútua nos ambientes político, social e principalmente no econômico. A tentativa de estreitamentos entre os Estados sul-americanos no século XXI está relacionada ao contexto de despolarização do mundo, caracterizado pela sobrevivência de uma superpotência com liderança política e militar (Estados Unidos), que nessas esferas não possui um rival. Como também ganha vida paralelamente as constrições inerentes à Ordem mundial em transição caracterizada pela Hegemonia dissociada. Até porque um dos principais protagonistas do atual processo de integração da América do Sul é o Brasil que concomitantemente com outros Estados ascende no cenário mundial devido ao seu positivo quadro econômico.
Dessa forma, a integração estatal sul-americana oscila entre as pretensões de um líder político e militar que não detém mais a primazia no campo econômico (Estados Unidos) e as pretensões do Estado brasileiro (para sermos específicos do seu governo) que tenta liderar o projeto integracionista da América do Sul entre a sua necessidade de se afirmar no cenário mundial e em ser mediador em um contexto integracionista no qual ações nacionalistas aglutinam-se com um dos principais “atores” do mundo globalizado: a transnacionalização. A importância do Brasil no processo de integração regional é observada por Raphael Padula (2010) da seguinte forma:
Se o país crescer de forma significativa e simultaneamente adotar políticas para estimular suas importações regionais - inclusive através de investimentos e créditos – certamente impulsionará o crescimento e mudanças estruturais nos países da região. Este papel de locomotiva é fundamental para afastar a penetração externa, criar identidade e confiança mútua, atar os países ao processo de integração (PADULA, 2010, p.3).

Tamanha importância, também de acordo com Padula (2010), “reforçam o temor de pretensões imperialistas regionais, assim como interesses econômicos em favor desta postura dentro do Brasil”.
Dessa forma, as celeumas foram, são e serão comuns a dialética de “inteirização” do continente, afinal, integrar não significa homogeneizar, e sim, tornar uma série de fatores distintos parte de um universo que no final venha sempre a convergir. Assim, a simbiose entre cooperação e conflito pautou e alicerçou o projeto sul-americano de integração nessa primeira década do século XXI a partir das diferenças domésticas entre os diversos Estados, aglutinando as necessidades dos mesmos a alguns mecanismos já consolidados da esfera global.
Assim, verificaremos os aglutinativos da atual conjuntura integracionista do continente sul-americano que transitaram entre o Realismo na relação entre os Estados, inerente ao dilema da segurança, e o Idealismo, no qual a cooperação constitui o tema central, que no caso da América do Sul é engendrada pelo viés economicista de alguns “atores” que a partir da “ideologia da integração” fizeram uso de alguns elementos fundamentais para o projeto sul-americano. O Idealismo do processo integracionista da América do Sul pode ser exemplificado pelos projetos que visam o aperfeiçoamento da infra-estrutura de transporte, como também, pelas chamadas Zonas de Fronteiras.
A perspectiva Realista a qual nos referimos é aquela em que o Estado tenta garantir a sua própria sobrevivência e, como sabemos, a guerra seria o seu principal instrumento. Alguns podem pensar que na atual conjuntura de integração sul-americana acontecimentos bélicos seriam impossíveis. Seria leviano não pensar. Mais adiante quando tratarmos especificamente das relações Brasil-Bolívia, verificaremos que alguns sujeitos defenderam uma intervenção militar em território boliviano em conseqüência dos acontecimentos da nacionalização do gás “brasileiro” pelo governo Evo Morales, em 2006. Como também, o dilema da segurança1, está presente nas discussões sobre o movimento Cocalero na Bolívia, questão que envolve o tráfico de entorpecentes, uma das inquietações inerentes ao mundo despolarizado. Durante o governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, o próprio MERCOSUL, um dos instrumentos de integração esteve dotado de constrições, devido à aproximação de alguns membros do bloco com “atores externos”, pautando tais estreitamentos na área econômica e, sobretudo, militar.
A integração da América do Sul ensejada a partir desse contexto está diretamente associada aos antagonismos internos dos Estados envolvidos, influenciando-os em suas relações externas, noutros termos, a política externa das nações sul-americanas é função dos interesses de classe nos seus ambientes domésticos. Possibilitando dessa forma, a simbiose entre mecanismos Idealistas e Realistas, ou seja, de cooperação e conflito.
O livro constará de três capítulos de desenvolvimento acerca de algumas conjunturas referentes ao processo de integração do continente sul-americano nesses primeiros dez anos do século XXI. O primeiro capítulo abordará uma discussão teórica a respeito do Estado, sobretudo, da maneira como os seus elementos dinamizam o seu plano doméstico, emanando seus reflexos para o ambiente externo, que conseqüentemente incidirá na relação do Estado com outros. No caso do processo de integração do continente sul-americano, a discussão ensejada neste capítulo será útil para percebermos a influência da política externa norte-americana na atual conjuntura de aproximações estatais na América do Sul.
O segundo capítulo apresentará alguns fatos do contexto integracionista sul-americano durante o primeiro decênio do novo século, as discussões abordam alguns dos aspectos Realistas e Idealistas do processo de integração que estão relacionados às questões que envolveram os debates para instalação da ALCA e a sobrevivência do MERCOSUL como instrumento de integração. Dessa forma, observar-se-á que o processo de integração regional está inserido no contexto da chamada Hegemonia Dissociada, cuja característica principal é a perda do poder econômico dos Estados Unidos, fato que possibilita o aumento da influência política de alguns Estados no cenário internacional, justamente em conseqüência do crescimento econômico dos mesmos. Assim, a partir dessa discussão verificaremos o papel do Brasil no processo de integração da América do Sul.
No terceiro capítulo situaremos o papel da Bolívia no contexto integracionista, o objetivo é demonstrar que o território boliviano foi um dos grandes protagonistas do atual processo de integração (Bolívia que sempre fez parte dos projetos geopolíticos do Brasil), seja no aspecto pragmático ou como ator de extrema importância para a “ideologia da integração”. Nesse capítulo verificaremos as constrições entre alguns setores do Estado brasileiro e boliviano, que estiveram circunscritas ao movimento cocalero e a nacionalização do gás boliviano. Conjunturas que são significativas para verificarmos os desenrolares futuros do projeto que colima a implementação de mecanismos de reciprocidades entre Brasil e Bolívia, que por ora, pautam-se pelo viés “mercadológico”, fato que enseja manifestações das partes envolvidas quando os parâmetros de regulação do comércio tentam ser modificados. Como também, verificaremos o papel da Bolívia no hodierno processo de integração do continente.
Para a realização das discussões utilizamos levantamentos bibliográficos e documentais em livros, artigos, periódicos, anais de seminários e congressos, revistas especializadas e publicações de grupos de estudos que atuam em pesquisas sobre áreas fronteiriças, fronteiras, fluxos migratórios em áreas de fronteira, infra-estrutura urbana, processos de industrialização planejada, Relações Internacionais, na Análise da Política Externa, integração econômica regional, inseridos no contexto do tema.


1 Segundo Albuquerque (2007) o Dilema da Segurança diz respeito à impossibilidade de um Estado garantir sua própria segurança com base na sua interação com os demais. Podendo diminuir ou aumentar seus recursos de segurança em função da ameaça representada pelos demais. Caso diminua, os adversários serão motivados a agir, na tentativa de aumentar sua vulnerabilidade, se aumentar, seus adversários que também se sentirão vulneráveis, buscarão aumentar seus recursos para reverter sua vulnerabilidade (ALBUQUERQUE, 2007, p.57). Mas, é preciso ressaltar que está temática, no mundo hodierno, vai além das agressões entre Estados, devemos também  nos ater que o tráfico de drogas, as questões ambientais, o tráfico de pessoas, as migrações em conseqüência de diferentes motivos, etc., também fazem parte do critério segurança.

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