AS NUANCES DO ATUAL PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL: RELAÇÃO DE FORÇAS DO ESTADO E ENTRE OS ESTADOS

Roberto Mauro da Silva Fernandes
Adauto de Oliveira Souza

1.3 A “EXPORTAÇÃO” DA CRISE ESTADUNIDENSE PARA O MUNDO

Nos “Anos dourados” a economia estadunidense foi de fundamental importância para a realização do processo que reestruturou os pilares políticos, infra-estruturais e econômicos do mundo após a Segunda Guerra.  O poder financeiro do dólar, garantido pelas reservas em ouro acumuladas pelos Estados Unidos durante a Guerra, possibilitou a reativação da economia mundial. Segundo Luiz Fernando Sanná Pinto, “Essa reativação se deu, em grande parte, a partir da expansão das atividades internacionais monopólicas daquele país” (PINTO, 2008, p.30).
Essa expansão das atividades internacionais penetrou nas economias européias e japonesa, assim, estes Estados se utilizaram da ajuda financeira norte-americana, já que nessas áreas a guerra causou a destruição das suas forças produtivas, e ensejou a desvalorização do capital fixo e do trabalho, o que em contrapartida possibilitou o aumento na taxa de lucro. Sobre tal processo, Theotônio dos Santos, afirma que foram as corporações multinacionais, as principais unidades produtivas do sistema capitalista que contribuíram para a criação de uma extensa rede comercial, financeira e administrativa no mundo pós-guerra.
Essa conjuntura impulsionou um relevante crescimento da economia mundial, deflagrado pela integração monopolista mundial encabeçada pelos Estados Unidos e que contribuiu imensamente para o fortalecimento deste país. Como observou Theotônio dos Santos (1977 (a)):
A princípio, isto, [a nova divisão internacional do trabalho] levou a um fortalecimento do país de onde se originava a inversão. As filiais montadas no exterior compravam seus equipamentos e matérias-primas elaboradas da empresa matriz ou de outras empresas do mesmo grupo econômico, levando à criação de novas unidades produtivas (SANTOS (a), 1977, p. 28).

Esse período que foi marcado pela absoluta hegemonia estadunidense, e sustentada por fatores como a supervalorização do dólar, a liderança ideológica estadunidense (ensejada pela fragilidade das classes dominantes da Europa e da Ásia que incomodadas pela crescente influência das forças socialistas se apoiaram nesta ideologia), no seu poderio militar, e acima de tudo, na falta de rivais do mesmo porte econômico, afinal as principais economias da Europa e o Japão estavam destruídas pela guerra.
Mas, logo se percebeu uma crise na conjuntura que garantia a nova divisão internacional do trabalho do pós-guerra, articulada em torno do poderio econômico, militar e político dos Estados Unidos. Verificou-se um contraditório processo de desintegração do sistema mundial capitalista. Isso se deu em conseqüência da recuperação das economias avançadas da Europa e do processo de integração econômica desses Estados. De acordo com as observações de Luiz Fernando Sanná Pinto:
A necessidade de mercados cada vez maiores , em função das grandes escalas de produção que as novas tecnologias exigiam, fez com que a Europa iniciasse um amplo processo integração econômica, algo que também deveria evitar o aumento do conflito entre as unidades nacionais européias, bem como garantir as condições para uma maior competitividade frente as Estados Unidos (PINTO, 2008, p. 40).
 
Tais necessidades surgiram pela enorme transferência de tecnologia e recursos econômicos e financeiros dos Estados Unidos para os países avançados depois da Segunda Guerra Mundial. Tal conjuntura criou uma contradição no mundo capitalista, pois a recuperação das principais economias européias baseadas na introdução de tecnologia de ponta ao processo produtivo, em condições que garantiram uma alta taxa de lucro, agora para esses Estados, contrastou com a condição dos Estados Unidos, na qual a inovação tecnológica era bem mais cara, visto que o seu aparato produtivo estava intacto, já que seu território não fora atingido pela guerra.
Uma vez recuperadas as economias centrais:
[...] as filiais das corporações estadunidenses nelas instaladas não podiam mais se dar ao luxo de comprar máquinas e equipamentos ou produtos elaborados de suas casas matrizes, nem mesmo de transferir seus lucros ao país de origem (o que também não compensava, já que a taxa de lucro era maior na Europa do que nos Estados Unidos), sob a pena de sucumbirem à condição local (PINTO, 2008, p.41).

Isso significou a perda de competitividade da economia estadunidense no mercado mundial, e já no segundo semestre de 1966 e no primeiro de 1967, esta economia passou por um processo de desaquecimento (PINTO, 2008, p.43). O governo norte-americano na tentativa de amenizar o processo recessivo que poderia se instalar no seu ambiente doméstico iniciou, nos fins da década de 1960, políticas que ampliavam a produção na “Indústria de Guerra”. Pensavam seus idealizadores que dessa forma poderiam evitar uma estagnação e depressão no nível da atividade econômica.
Mas, os gastos militares proporcionaram um efeito inverso na economia norte-americana, gerou-se um processo conhecido como “reprodução negativa ampliada” (BUJARIN, 1972), já que os gastos com o setor militar nos Estados Unidos, não serviram para ampliar nem os meios de produção nem da força de trabalho, fato que causou uma crescente subprodução de valores, acelerando fortemente as pressões inflacionárias.
O processo de “reprodução negativa ampliada” que atingiu a economia norte-americana deu-se, segundo Fernando Sanná Pinto, devido:
A manutenção de um enorme aparato técnico e científico para o desenvolvimento, a manutenção e o manuseio de equipamentos bélicos altamente sofisticados, bem como o grande número de trabalhadores menos qualificados que operavam em fábricas que produziam esses materiais, sem falar na grande quantidade de soldados que trabalhavam em milhares de bases militares espalhadas por todo planeta, junto com muitos outros profissionais das mais diversas áreas que estavam direta e indiretamente ligados a esse gigantesco complexo econômico. (PINTO, 2008, p.43/44).
   
Associado a esse contexto, estava o fato das reservas de ouro norte-americanas estarem se esgotando, situação que limitava as operações de guerra como instrumento para a contenção da recessão que atingia o país, já que esse foi o motivo para se ampliar as atividades da indústria bélica. O objetivo era criar a partir desse setor, campo para as exportações relacionadas ao setor militar, mas o que se viu na realidade foi uma enorme pressão a balança de pagamento.
Com a crise instalada no seu ambiente doméstico, a solução era “exportar” a crise. Assim, o governo comandado por Richard Nixon, na tentativa de resolver os problemas relativos à sua balança de pagamentos não restringiu o consumo interno do país e nem paralisou a inflação que afetava a exportação e desvalorizava o dólar. Segundo Santos (1978 (b)):
Para paralisar a inflação dentro dos marcos do sistema, o governo teria que entrar em um enfrentamento muito forte com a classe operária no sentido de baixar seus salários, pois esta é a única forma imediata do capitalismo de paralisar o aumento de preços sem a taxa de lucro, o que provocaria uma depressão. Portanto, a saída menos crítica é “exportar” sua crise (SANTOS, 1978 (b), p.199).
 
Por “exportação” da crise se entendia “uma política econômica que forçasse um aumento das exportações estadunidenses e uma diminuição de suas importações, o que deveria ser feita mediante a desvalorização do dólar e políticas externas protecionistas” (PINTO, 2008, p.46). Dessa forma Nixon declarou o fim da paridade e da livre-conversibilidade entre o dólar e o ouro no ano de 1971.
Ação que incidiu sobre as economias que possuíam grande quantidade de reservas financeiras em dólares, Nilson Araujo de Souza observou assim a situação:
Quem possuía dólar pelo mundo inteiro, além de ver–se repentinamente na contingência de não mais poder trocá-lo por ouro, passou a ter em mãos uma moeda de menor valor. Era uma apropriação indireta da economia norte-americana (SOUZA, 2008 (b), p.69).
   
A “exportação” da crise norte-americana, que tinha como pilar a desvalorização de sua moeda nacional, reorientou o processo produtivo, as principais economias do mundo teriam que se readequar a essa nova conjuntura, contexto que ensejou políticas econômicas orientadas desses centros desenvolvidas em direção as suas “zonas” de influência. Os Estados Unidos, as principais economias européias, o Japão, passaram a criar mecanismos de controle e intervenção interna nos principais setores dos seus Estados e em contrapartida engendraram outros para abrirem o setor econômico de outros.
Como bem observou Luiz Fernando Sanná Pinto, a melhor alternativa de longo prazo para Europa e Japão, na tentativa enfrentar essa nova política norte-americana era criar ou fortalecer os processos de integração. Assim, para Europa o desafio era fortalecer as bases Comunidade Econômica Européia (CEE), criada em 1957, ao Japão coube iniciar um sistema próprio de integração, que ficaria conhecido como o “modelo do ganso voador”, processo que originou os NICs (Novos países Industrializados) ou Tigres Asiáticos (PINTO, 2008, p.47)
Os dois processos foram possíveis, pois a desvalorização do dólar ao mesmo tempo em que prejudicou os países que tinham reservas na moeda norte-americana, aumentou o poder de suas moedas nacionais. Dessa forma, o incentivo a integração de determinadas regiões e o fortalecimento das que já existiam, tornou-se a grande alternativa, visto que reorganizaria as economias atingidas pela desvalorização do dólar, reestruturando seus aparatos produtivos que estavam voltados à exportação.
Surgiam assim plataformas produtivas dos países avançados no chamado Terceiro Mundo, que com menores custos voltariam a exportar na mesma proporção ou em maiores quantidades, mas agora respaldados por suas moedas nacionais. Evidencia-se assim, uma ativa participação do governo das principais economias desenvolvidas orientando as economias de suas plataformas.
  É importante a contextualização dessa conjuntura sistêmica ensejada pelos Estados Unidos, pois, da mesma forma que a sua economia contribui para economia mundial no período conhecido como “Anos Dourados”, a mesma engendrou as bases para as “Décadas de Crise” (iniciada com a crise do petróleo, intensificada por toda década de oitenta culminando nos anos 90) e a disseminação das políticas neoliberais.
Acontecera uma reação em cadeia, o governo norte-americano na tentativa de evitar enfrentamentos com as classes trabalhadoras proporcionou a exportação de sua crise, que conseqüentemente ensejou políticas de um mesmo nível aos Estados europeus e ao Japão que da mesma forma não queriam celeumas com as suas respectivas classes trabalhadoras, visto o reflexo que se dá no campo político.
Essa reorientação na divisão internacional do trabalho e da produção, a partir da década de 70, vai influenciar diretamente o campo político, social e econômico de toda a América do Sul, pois as economias centrais enquanto aumentavam a participação dos seus governos na economia, empregavam a retórica de abertura da economia nos países periféricos, processo intensificado com o “Consenso de Washington”. Mas, é preciso ressaltar que o desencadeamento das políticas neoliberais não foi de um todo negativo para o antigo Terceiro Mundo, já que o modelo neoliberal, na fase pós-crise sistêmicas da década de 90, desencadeou políticas que passariam a mesclar o controle e a intervenção estatal com a economia de mercado (neoliberal), práticas regidas conforme as particularidades de cada um dos Estados, sendo utilizadas em prol dos interesses nacionais, mas atreladas as condutas transnacionais.

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