AS NUANCES DO ATUAL PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL: RELAÇÃO DE FORÇAS DO ESTADO E ENTRE OS ESTADOS

Roberto Mauro da Silva Fernandes
Adauto de Oliveira Souza

Capítulo 2 - O ATUAL PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL: os liames entre o Realismo e o Idealismo

2.1 ALCA versus MERCOSUL NOS PRIMEIROS DEZ ANOS DO SÉCULO XXI

A postura intransigente do governo estadunidense para a implantação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) ajudou a reforçar os laços entre as nações sul-americanas, promovendo um estreitamento nas articulações que buscam uma maior integração continental. A dialética na qual estão envolvidos os Estados Unidos e os governos sul-americanos, principalmente aqueles que pertencem ao MERCOSUL, produz sinuosas trajetórias que dão base a esta conjuntura.
Em 1997, a então secretária de Estado do governo Bill Clinton, Madeleine K. Albrigth, declarou perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado estadunidense que “o Mercosul é nocivo aos interesses dos Estados Unidos” (SOUZA, 2001 (b), p.108), discurso que demonstrava o incômodo daquele governo com a idéia de ter que dividir o mercado sul-americano com outro bloco que não fosse aquele criado e gerenciado pelo mesmo, e que não estivesse regulamentado conforme suas leis de mercado.

É preciso ressaltar que a partir de 1997 com a crise asiática e com a instabilidade financeira internacional ocorrera um processo de fragilização das economias emergentes, ocasionando no início de 1999, uma fuga de capitais do Brasil levando o governo a adotar medidas de desvalorização do Real (SILVA, 2010 (b), p.351). Este fato atingiu as economias dos Estados-membros do MERCOSUL, e concomitantemente deu início a chamada: “crise do MERCOSUL”.
Tratava-se do desmoronamento de um modelo econômico (o neoliberal aos moldes do “Consenso de Washington”) na América do Sul, devido a uma conjuntura internacional caracterizada por uma instabilidade financeira global, paralela a lentidão no crescimento econômico e as crises sociais que provocaram desconfianças nos países do continente acerca da legitimidade em relação às políticas neoliberais. De acordo com Silva (2010):

A crise do Mercosul começou com a desvalorização do real diante o dólar, em janeiro de 1999. Com o peso atrelado ao dólar, a Argentina viu suas vendas para o Brasil caírem. Pediu medidas do governo brasileiro para compensar o desequilíbrio e não foi atendida. Daí em diante, criou empecilhos às exportações brasileiras. Em meados do ano, o governo argentino chegou a publicar uma medida criando salvaguardas gerais, foi o momento de maior risco ao Mercosul, mas não entrou em vigor (SILVA, 2010 (b), p.352).

Esta conjuntura é decorrência da fuga de capitais que atingiu o Brasil, em meio a uma crescente desvalorização cambial, que de forma contundente “balançou” a economia argentina que tinha superávit em relação ao Brasil. A crise do MERCOSUL foi vista por alguns analistas como o seu fim, e tudo isso paralelo as pressões norte-americanas para a implantação da ALCA. Somente no final de 1999, Felipe Lampreia, até então ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso, sinalizou a idéia de relançar o MERCOSUL no ano de 2000, sobretudo, ampliando-o para toda América do Sul.

Nesse contexto de incertezas realiza-se a primeira cúpula de presidentes sul-americanos, com o objetivo de aprofundar a cooperação já existente entre os Estados Sul-Americanos, construindo um projeto de cooperação nos campos de combate as drogas ilícitas, de ciência e tecnologia e principalmente que visava à integração física do continente (SILVA, 2010 (b), p.353). 
Mas, a partir do governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), ao iniciar uma política externa conflitante aos moldes impostos pelos Estados Unidos para implantação da ALCA, as ações integracionistas no continente foram impulsionadas. Devemos registrar que já em sua campanha eleitoral para presidência, havia declarado que área de livre comércio idealizada pelos Estados Unidos, não era uma proposta de integração, “mas uma política de anexação, e nosso país não será anexado” (BANDEIRA, 2004 (a), p.287).

Segundo Souza (2008 (a), p.296), o governo Lula não suspendeu as negociações da ALCA, como dava a entender no discurso da campanha, simplesmente, deu continuidade as mesmas, não seguindo a agenda dos Estados Unidos de implantar o projeto sem aprofundar algumas questões que se mostravam unilaterais e vantajosas somente aos setores norte-americanos, era necessário explicitar as controvérsias existentes e que davam desvantagens ao bloco sul-americano.
Devemos ressaltar que o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), apesar de ensejar iniciativas para o projeto de integração da América do Sul, esteve alinhado à política exterior dos Estados Unidos, praticando uma política aos moldes do “Consenso de Washington”, e que tinha a abertura da economia como um de seus postulados básicos, prosseguiu com as discussões a respeito da instalação da ALCA, incluindo na agenda temas que consideravam importantes para o Brasil (subsídio agrícola nos Estados Unidos e sua barreiras não-tarifárias e medidas antidumping), mas ao mesmo tempo, incluíam os temas que somente interessavam aos estadunidenses (BANDEIRA, 2004 (a), p.141).

Souza (2008 (b)) afirma que “O governo Fernando Henrique Cardoso dizia que a ALCA era uma ‘possibilidade’ e que o Brasil poderia não assinar o acordo se concluísse que não atendia ao ‘interesse nacional’”. Enquanto isso concordava com que as negociações seguissem avançando (SOUZA, 2008 (a), p. 294).
Tal assertiva destaca uma suposta dubiedade de ações daquele governo em relação ao assunto ALCA, levando-nos a intuir que na retórica o governo FHC se chocava com as idéias estadunidenses, mas na prática ensejava que a agenda e o cronograma do governo dos Estados Unidos prosseguissem. Somente para vias de esclarecimento na primeira cúpula dos presidentes sul-americanos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu discurso demonstrara resistência a ALCA, criticara também o protecionismo do Primeiro Mundo e “pregou a necessidade de associação entre Mercosul e Comunidade Andina” (SILVA, 2010 (b), p.353).  
Contudo, apesar do discurso do ex-presidente Fernando Henrique ser em prol da América do Sul e das iniciativas para a sua integração, Celso Amorim ministro das Relações Exteriores dos governos Itamar Franco (1993-1994) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), ao assumir suas funções no início de 2003 teceu críticas a postura do governo anterior ao de Lula em relação a ALCA, segundo ele, na lógica das negociações internacionais, não há espaço para que ao final de um longo processo de negociação de que tenha participado um país, o mesmo deixe de aderir ao acordo daí resultante, na medida em que os interesses e compromissos vão se cristalizando (AMORIM, 2003 (a), p.122). Isso significava que a instalação do projeto do governo norte-americano viria sem maiores contestações por parte do Brasil, como havia sido idealizado.

Dessa forma, o governo Lula tentava mudar as orientações sobre a instalação da ALCA, as propostas norte-americanas para implantação da mesma se apresentavam de forma unilateral, indo de encontro aos interesses do Brasil. Podemos resumir esta posição através das palavras do ex-ministro Celso Amorim em entrevista à revista Veja em janeiro de 2004:
[...] não aceitamos perder a dignidade. Não vamos aceitar modelos que vêm prontos; tudo tem que ser negociado. O que acontecia antes era uma falsa negociação. As coisas vinham vindo e, no máximo, eram postergadas. A principal barreira, os subsídios, os Estados Unidos não discutiam (Veja, 28, 01, 2004 apud SOUZA (b), 2008, p. 299).

Ao se posicionar desta maneira, o Brasil assumia uma postura de liderança na América do Sul, em prol de um processo de integração continental que possibilitasse melhores vantagens econômicas aos Estados sul-americanos frente às articulações norte-americanas, refutando, pelo menos durante o governo Lula, as idéias dos Estados Unidos. Observava-se assim, a estratégia que seria utilizada a partir de então pelo governo brasileiro: a negociação.
 Notou-se tal postura, ao negociar com os argentinos no episódio da sobretaxação dos produtos brasileiros da linha branca, no ano de 2003, além do que permitiam os acordos de desgravação do MERCOSUL, e no caso da nacionalização das bases da PETROBRÁS pelo governo boliviano em 2006. Nesses dois casos, alguns setores do empresariado e imprensa nacional pregavam retaliações, que não foram realizadas pelo governo Lula (SOUZA, 2008 (a), p.308-312).
A conduta por parte do governo brasileiro nesses episódios optando pela “conversação” demonstrou o quanto o governo Lula estava empenhado no esforço pela integração regional. Não agir dessa forma seria percorrer o caminho oposto, fomentando a desintegração, abrindo caminho para intervenções exógenas. Nilson Araújo de Souza ainda ressalta, “conflitos sempre há em qualquer processo de integração, mas o processo só avança quando a disposição de negociar prevalece”.
O papel de protagonista do Estado brasileiro, como o animador, o facilitador e líder do processo de aproximações estatais é ensejado devido aos quantitativos da sua população, a dimensão do seu território, do seu mercado e da sua capacidade econômica (SAMPAIO, 2008, p.233-34). Em decorrência, o Brasil, acima de tudo, assumia tal posição, porque seus interesses ao serem defendidos, resguardavam também os interesses do MERCOSUL e dos países sul-americanos que, supostamente, seriam prejudicados pela instalação da ALCA.
Mamigonian (2006) observou que a integração sul-americana estava na ordem do dia, e dependente do crescimento econômico do Brasil. Não estamos afirmando que a integração dependa somente desse país, mas é necessária uma liderança que conduza as ações, que assuma as conseqüências e o governo Lula assim se comprometia a fazer. Segundo Souza (2008), a posição do Brasil em contestar o projeto ALCA, elaborado conforme a agenda norte-americana impossibilitou a instalação desse projeto como previsto para janeiro de 2005, negociações que ora estão paralisadas. Batista Jr (2008), também nos lembra que “com o impasse na negociação da ALCA, em 2003-2004, Washington voltou-se para tratados bilaterais de livre comércio”.  
As discussões sobre a instalação da ALCA são dotadas de controvérsias, para Luisa Maria Nunes de Moura e Silva:
Esta fórmula estadunidense se consubstancia na mais nova tentativa dos EEUU de manter a hegemonia sobre todo o continente, a “Iniciativa para as Américas” proposta pelo Presidente Bush em junho de 90, mais tarde convertida em Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A IPA-ALCA propõe um novo relacionamento econômico hemisférico com a criação de uma zona de livre comércio que alcançaria do Alasca à Patagônia. Com essa iniciativa ficou, clara a nova estratégia imperialista: abrir os mercados regionais, atribuir aos Estados meras funções burocráticas e de relações exteriores, reduzir, enfim, os territórios Latino-Americanos à meros satélites da economia dos EEUU, através de um bloco econômico (SILVA, 2008 (c), p.245).

Souza (2008 (a)), também aponta que os Estados Unidos não pretendiam com a ALCA, um processo de integração econômica mais completa, na qual garantiria a proteção externa comum, ou mobilidade interna de fatores, o que inclui a força de trabalho, unificação de políticas macroeconômicas, adoção de moeda única, “eles pretendem a criação de um bloco que permaneça no primeiro estágio de integração, ou seja, querem a criação de uma Área de Livre Comércio que fortaleça a ocupação do mercado regional por suas corporações transnacionais” (SOUZA, 2008 (a), p.273).
Já para Albuquerque (2007) a retórica de que a “ALCA é impossível, se fosse possível seria danosa, portanto deve ser protelada” (ALBUQUERQUE, 2007 (a), p.139), tinha como objetivo enviar uma mensagem inequívoca para a sociedade. Essa mensagem consistia em afirmar que como a indústria brasileira não estava preparada para competir com a estadunidense, seria vital retardar indefinidamente uma integração indesejável em maiores níveis entre as duas economias. Ainda para o mencionado autor, na realidade por parte do governo brasileiro evitava-se encarar as questões concretas que realmente envolviam as negociações:
[...] quais setores da economia brasileira são suficientemente competitivos para demandar a abertura dos demais mercados de terceiros países? Quais setores precisam se ajustar a uma eventual abertura solicitada por nossos parceiros; quais necessitam de um prazo para ajustes (e quais políticas para apoiar esses ajustes); quais estão fadados a marginalização, necessitando de eventuais políticas compensatórias. Nos velhos temas - antidumping, salvaguardas, barreiras técnicas - o que pedir? [...] que concessões estamos dispostos a fazer e a exigir? (ALBUQUERQUE, 2007 (a), p.139).
 
Albuquerque (2007 (a)) também afirma que essas questões não eram discutidas, pois o governo brasileiro até a Terceira Cúpula presidencial das Américas em Quebec no ano de 2001 apresentara um elenco de temas objetivos ou métodos alternativos ao que era considerado como proposta americana, “[...] mediante um conjunto sofisticado de táticas, tais como desqualificação do tema, a formação de coalizões de veto, as manobras diversionistas e a obstrução pura e simples”.
  O posicionamento desses autores, apesar de distintos, reflete o ambiente circunscrito as discussões relacionadas à instalação da ALCA. De um lado um pragmatismo necessário, pois caso o projeto estadunidense for possível, deve-se pensar que o mesmo pode ser proveitoso ou danoso, dessa forma, é preciso que países sul-americanos se preparem, é papel dos governos desses Estados proporcionarem o ambiente interno e externo compatível. Por outro lado é preciso entender que a ALCA, sobretudo, é um projeto político do governo norte-americano, fato que vai de encontro ao projeto político sul-americano que é o MERCOSUL.
Segundo Silva (2010 (b)) “o Mercosul é um dos grandes projetos de Estado do Brasil, maturado desde os anos de 1980” (SILVA, 2010 (b), p.355). Convém lembrar que é através do MERCOSUL que se vem buscando a integração da América do Sul, inclusive esse bloco está conectado a UNASUL que também se sustenta na ALBA. Durante a Cúpula realizada em Mar del Plata, em novembro de 2005, consolidou-se três visões acerca da integração hemisférica:
A abertura total dos mercados era defendida pelos Estados Unidos, Canadá, México, Chile, Colômbia, Guatemala, Honduras, Panamá, Peru, Equador e El Salvador. A segunda visão, contrária a Alca, era a da Venezuela. A terceira era a do Mercosul, que defendia uma Alca mais modesta e a eliminação dos subsídios agrícolas dos Estados Unidos (SILVA, 2010 (b), p. 355). 

Nesse contexto fora apresentada a ALBA como mais uma proposta para a integração hemisférica que juntamente com o MERCOSUL passou a encabeçar oposições a ALCA, interrompendo as investidas do governo norte-americano para sua instalação. A aproximação entre Brasil e Venezuela é de extrema importância para o projeto de integração continental. A entrada da Venezuela no MERCOSUL vem fortalecer as articulações que objetivam os estreitamentos estatais no continente, tanto do ponto de vista econômico quanto político.
No ponto de vista econômico a inserção da Venezuela no MERCOSUL tem como principal objetivo criar condições de abertura de um novo mercado para as economias menos dinâmicas do bloco e posteriormente ao continente:
Em se tratando de um país importante em termos econômicos, comerciais e energéticos, a adesão da Venezuela aumenta o peso do Mercosul e fortalece o seu poder de barganha em relação a outros países ou blocos comerciais. Fortalece também o seu potencial econômico, representando, antes de tudo, uma ampliação considerável do mercado [...] A Venezuela dispõe de imensas reservas de petróleo e de recursos financeiros. O seu governo aposta pesadamente na integração latino-americana e tem feito empréstimos a outros países sul-americanos, como por exemplo, à Argentina (BATISTA Jr. 2008, p.232).

Dessa forma, mecanismos poderiam ser criados para tentar amenizar algumas assimetrias, sua adesão visava, sobretudo, privilegiar o Paraguai e o Uruguai. Segundo Batista Jr. (2008, p.234), os mesmos estavam insatisfeitos com o MERCOSUL e ameaçavam abandoná-lo, o que seria prejudicial não somente para o bloco econômico, mas para o processo de estreitamento de relações do continente.
Mas, é no ponto de vista político que se encontra a importância desse país, mesmo antes de Hugo Chávez formalizar o pedido para que a Venezuela ingressasse no bloco, a mesma já engrossava as críticas do governo brasileiro em relação à ALCA, sendo no interior do Bloco Andino o contraponto do Brasil na resistência à implantação do projeto norte-americano. Fato que incomodava o governo Bush (filho), pois, além da resistência a ALCA, Chávez também ensejava uma política de aproximação com Fidel Castro, com o governo de Saddam Hussein, como também com o governo da Líbia, de Muammar Kadafi (SILVA, 2010 (b), p.340).
Essa aproximação política entre MERCOSUL e Venezuela, politicamente foi benéfica, pois o Brasil construía mais um alicerce para o projeto de integração e de refutação de alguns mecanismos contraditórios ao país, como também, trazendo a Chávez para a esfera de influência brasileira era possível frear os seus ânimos, e fundamentalmente, surgia uma “ponte” para os Estados Unidos dialogarem com os governos de esquerda na América do Sul.
De acordo com Silva (2010 (b)) “o Brasil é considerado como país chave para a estabilidade da América do Sul, seja pelo de sua economia como de sua atuação diplomática”. Enfatizamos que aproximação do Brasil com Hugo Chávez foi estratégica, sobretudo, porque, os mecanismos pautados pela conversação, pela diplomacia, no seu sentido racional na tentativa de entravar o projeto ALCA, poderiam ser suplantados por ações de cunho Realista por parte do governo Bush, já que as intervenções militares foram comuns no seu governo devido as políticas de combate ao terrorismo, logo depois do 11 de setembro.          
É preciso destacar que tal conjuntura é uma das conseqüências das crises sistêmicas ocorridas durante a década de 90 no plano global que afetaram o MERCOSUL e principalmente os Estados Unidos, colocando em xeque o modelo neoliberal, abrindo as portas para os partidos de esquerda (ou reformista) na América Latina, conduzindo ao enfraquecimento político os partidos e governos neoliberais hegemônicos.
Assim, é de extrema importância ressaltar que essa maior aproximação entre os Estados sul-americanos (a partir do seu elemento governo), com objetivo de aglutinar esforços, é resultado do processo de crescimento desigual que se instalou no continente nos últimos vinte anos em decorrência do modelo neoliberal. Batista Jr. (2008) afirma:
De uma maneira geral, as economias cresceram pouco e a geração de empregos foi insuficiente. Agravaram-se os desequilíbrios de balanço de pagamentos e a vulnerabilidade externa. A renda continuou extremamente concentrada e persistiu um quadro de pobreza ou miséria para grande parte da população (BATISTA JR., 2008, p.228).

No continente sul-americano as eleições presidenciais nos primeiros anos do século XXI, possibilitaram a ascensão de candidatos de centro-esquerda ao Executivo, acontecimento que ensejou articulações políticas visando maior aproximação entre os Estados do continente (como o caso da ALBA articulado ao MERCOSUL), cenário que demonstra, pelo menos no discurso, a disposição de diminuir a influência política norte-americana na América do Sul:
Veio então a reação. Nas ruas e nas urnas. Forças políticas alinhadas a Washington perderam as eleições em diversos países. Alguns presidentes, como Fernando de la Rúa, na Argentina, e Sánchez de Losada, na Bolívia, foram levados à renúncia por rebeliões populares. Hoje, na maior parte da América do Sul os governos se situam do centro para a esquerda do espectro político. Em alguns casos, as mudanças têm sido tímidas e graduais. Mas prevalece um certo distanciamento em relação às políticas econômicas e internacionais dos anos 90 (BATISTA Jr., 2008, p.228).

 Mamigonian (2006) analisa a nova conjuntura sul-americana da seguinte forma:
Depois de duas décadas perdidas para a América Latina, o modelo neoliberal imposto pelos EUA esgotou-se num grande desastre econômico-social. Nos anos de 1998-2003 as mobilizações, os protestos e as revoltas populares se traduziram em resultados eleitorais, que levaram à ascensão de governos nacionalistas na Venezuela e na Argentina, em nítida ruptura com o imperialismo (MAMIGONIAN, 2006, p.120).

Mas, apesar dessa reviravolta e das articulações que se realizam no continente nos últimos anos em busca de uma integração política, econômica e social que acarrete benefícios para todos os envolvidos, as aproximações estatais podem ser comprometidas pelas “descontinuidades políticas” que são inerentes aos processos democráticos, sobretudo, no Terceiro Mundo. No cerne da questão está o fato de que nem todos os futuros governos possuirão a linha centro-esquerda ou reformista, um fato que pode acarretar mudanças em relação ao MERCOSUL como modelo e base da integração sul-americana. 
O Brasil, principal protagonista do processo de integração regional, pode ser considerado um exemplo desse provável futuro impasse. Numa entrevista ao valoronline, em abril de 2010, o então candidato à Presidência da República pelo PSDB, José Serra, declarou que a união aduaneira do MERCOSUL era uma farsa, posicionando-se contra as condições atuais do bloco econômico:
Em relação à questão externa, nós temos reservas, mas os investidores olham para o estoque e o fluxo. Nós temos que nos antecipar aos acontecimentos [...] o Mercosul é uma barreira para o Brasil fazer acordos comerciais [...] Ficar carregando esse Mercosul não faz sentido [...] a união aduaneira é uma farsa, exceto quando serve para atrapalhar (www.valoronline.com.br,acesso em 03/06/2010).

Esta declaração está relacionada à sua proposta de por fim ao MERCOSUL da forma como opera atualmente, como alternativa para fomentar as exportações dos Estados-membros. José Serra não disse qual seria em seu governo o destino do bloco após a completa reformulação que proporia. Segundo a matéria, “Serra relembrou que, quando Ministro da Saúde, não pode celebrar um acordo comercial entre Brasil e Índia porque teriam que ser estabelecidas compensações para Argentina, Uruguai e Paraguai”.
A declaração de José Serra pode ser um indicativo de que as relações tangenciadas no atual processo de integração modificar-se-ão com a ascensão de um setor Executivo que não tenha as mesmas tendências políticas e/ou ideológicas do governo Lula, pelo menos, no que se refere a uma política externa que tenha como objetivo as aproximações estatais no continente. Ao declarar, "Ficar carregando esse Mercosul não faz sentido”, José Serra estava assumindo uma postura de oposição ao contexto atual de estreitamentos estatais sul-americanos, que acontecem, principalmente, a partir do MERCOSUL.
É mister ressaltar que na Constituição brasileira os responsáveis pelas questões internacionais são o Executivo, o Presidente da República e o Ministério das Relações Exteriores, subordinado à Presidência. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma divisão de atribuições entre o Executivo e o Legislativo. Tratados comerciais, declarações de guerra são atribuições exclusivas do Legislativo, somente por meios de mandatos especiais, o Executivo tem liberdade e autonomia para agir, o Fast Track (via rápida) é um dos exemplos deste mandato especial, direcionado à área econômica, através desse dispositivo o Legislativo concede ao Executivo poderes extraordinários para negociar acordos comerciais sem a interferência do Congresso (PECEQUILO, 2010, p.49).
No caso do Brasil, o artigo 84 de sua Constituição deixa explícito que são atribuições do Presidente da República “VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso”, ou seja, o Executivo pode dar iniciativa sobre determinadas questões internacionais e posteriormente buscar o aval do Legislativo. Esse fato corrobora com as preocupações acerca das “descontinuidades políticas” que podem alterar, de alguma forma, o processo integracionista sul-americano.
O Estado do Brasil sendo a “locomotiva” do contexto integracionista, uma mudança de orientação política advinda do seu Executivo, pode acarretar mudanças desse contexto e, sobretudo, se a integração do continente, via MERCOSUL, não passar por um processo de institucionalização das políticas domésticas dos Estados-membros, sem a consecução de mecanismos para fomentar uma integração a partir do fortalecimento dos ambientes domésticos as susceptibilidades tendem somente a aumentar. Institucionalizar políticas domésticas significa contribuir positivamente para o processo de reciprocidades estatais, já que haveria um fortalecimento das dimensões política, defensiva e congelamento de processos domésticos de integração. 
Obviamente não podemos nos esquecer que durante as campanhas eleitorais algumas retóricas partidárias exacerbam-se, e na maioria das vezes as práticas governamentais podem mudar de direção de acordo com as conjunturas. José Serra, por exemplo, pertence ao mesmo grupo político do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PSDB, que defendia a implantação da ALCA nos moldes idealizados pelos Estados Unidos, mas a com a crise financeira de 1999, que desestabilizou a economia mercosulina, no seu segundo mandato ensejou novos rumos para a política externa brasileira e passou a criticar contundentemente a estruturação do sistema internacional, redefinindo o papel do MERCOSUL e da América do Sul para o Brasil, tudo isso, em meio às intenções do governo norte-americano de instalar a ALCA (SILVA, 2010 (b), p.342).
Assim, como na campanha eleitoral do ex-presidente Lula, seus discursos davam a entender que de forma alguma a ALCA seria instalada, mas, o que se notou ao assumir o Executivo era de que as conversas relacionadas ao projeto norte-americano seguiriam com a construção de outra agenda. Tal contexto pode ser observado com aproximação entre a posição da Venezuela e os países do MERCOSUL que oportunizou uma recusa dos mesmos de retomarem as negociações a respeito da ALCA enquanto os subsídios agrícolas norte-americanos não fossem suspensos (SILVA, 2010 (b), p. 355).
Em relação a tais subsídios, o Brasil conseguiu uma vitória na OMC que permitiu uma retaliação de cerca de R$ 1,5 bilhão aos produtos e serviços dos Estados Unidos. O ex-ministro Celso Amorim em entrevista a Revista Desafios do Desenvolvimento – Ipea, nº 61, edição maio/junho de 2010 ressaltou:
Com o resultado do contencioso do algodão, o Órgão de Solução de Controle (OSC) da Organização Mundial do Comércio autorizou o Brasil a aplicar contramedidas contra os Estados Unidos que chegam a US$ 829 milhões, com base em 2008, e que podem passar de US$ 1 bilhão com os dados de 2009 [...] Essa vitória foi obtida após quase oito anos de litígio em que os subsídios norte-americanos ao algodão foram condenados de modo reiterado em quatro etapas [...] Nós demonstramos que tanto os subsídios à exportação como os programas de apoio doméstico favorecem artificialmente os agricultores norte-americanos e distorcem a competitividade do produto brasileiro – e de outros países – no mercado internacional (PORTARI & GARCIA, 2010, p.19).

Tudo indica que esse acontecimento proporcionará um ambiente mais favorável para as futuras negociações do Brasil, concomitantemente com os outros membros do MERCOSUL em relação a ALCA, principalmente porque a vitória do Brasil sobre os Estados Unidos, derrubando o seu protecionismo que afetava diretamente a economia brasileira e dos Estados-membros do MERCOSUL, fortalece a dimensão política do processo de integração do continente sul-americano, sobretudo, porque conduz os países desse Bloco econômico (como também de todo continente) a discussões mais incisivas para a chamada dimensão defensiva desse processo integracionista, cujo objetivo seria proteger o setor produtivo dos Estados sul-americanos dos processos transnacionais.
A convergência nessa dimensão pode levar a projetos intergovernamentais no próprio setor agrícola, que nesse momento, é a área de maior rentabilidade para as nações desse continente. Daí, a importância da vitória brasileira na Organização Mundial do Comércio, um fato que também expressa cada vez mais à condição de líder do Brasil no processo de integração e que contribui para a consolidação das bases integracionistas. 
As discussões relativas aos subsídios agrícolas são fundamentais, pois grande parte dos países da América do Sul, inclusive aqueles que pertencem ao MERCOSUL são historicamente exportadores de produtos de baixo valor agregado. Dessa forma, a dimensão defensiva do atual processo de integração, deve criar mecanismos que convirjam, primeiramente, nesse setor, e que venham a mitigar os efeitos aos Estados Sul-Americanos ao disputarem mercados numa mesma área.
Particularmente no caso do Brasil, Lamoso (2010) afirma que o comércio exterior brasileiro nos anos noventa “apresentou uma redução da participação de produtos manufaturados nas exportações, concomitantemente ao aumento das exportações de produtos básicos, de origem agrícola e mineral” (LAMOSO, 2010, p.1). A autora também afirma que respectivamente nos anos de 2006, 2007 e 2008 as exportações de manufaturados atingiram os percentuais de 54,4%, 52,2% e 46,8%, ou seja, ocorrera um declínio das exportações do setor de manufaturas. Tal tendência relaciona-se ao movimento de “reprimarização” que influência a estrutura de exportação do Brasil.
Dessa forma, assim como o Brasil, a maior economia do continente sul-americano, possui na sua estrutura de exportação uma grande participação de produtos primários, outros países do continente encontram-se na mesma situação (vide o exemplo da Venezuela com o Petróleo, Bolívia com gás, Paraguai com a soja, etc.). Levando-os, por ora, a se articularem politicamente a partir dessa esfera econômica.
A dimensão defensiva deve estar relacionada ao congelamento de processos doméstico, isso poderia ser feito através de um acordo entre os participantes do processo integracionista, principalmente do MERCOSUL, ou seja, ocorreria uma constitucionalização das políticas domésticas Sul-Americanas na qual retirar-se-ia da agenda interna o debate sobre processos de ajustes, de liberalização e outros temas análogos. Tais procedimentos poderiam evitar futuros protecionismos, sobretudo, por parte do Brasil que é a maior economia do continente, impedindo também que o mesmo “engolisse” economicamente seus vizinhos sul-americanos, evitando assim, contenciosos entre os Estados do continente.
Dessa forma, a integração Sul-Americana partiria da coordenação de políticas estatais, primeiramente do setor agrícola (que é atualmente o setor que atrai divisas para os Estados Sul-Americanos e enseja atritos), criando, posteriormente mecanismos possíveis para o fortalecimento dos setores produtivos de valor agregado, ensejando mudanças na estrutura de exportação desses países.  Acreditamos que o projeto norte-americano (ALCA) será futuramente materializado na América do Sul mediante outras bases, e pensamos que o fortalecimento das dimensões citadas seria de extrema importância, pois a relação com os Estados Unidos dar-se-ia em melhores condições de igualdade. Caso contrário, sem o fortalecimento de políticas estatais para a integração, a mesma ocorrerá, somente, a partir de acordos com o objetivo de estabelecer normas homogeneização e nivelamento do terreno.
Para Albuquerque (2007), esse nivelamento do terreno, ao contrário de ações de coordenação de políticas estatais, seja na ordem industrial, fiscal, cambial e outras daria oportunidade para “ao invés de haver legislações e instituições comuns e coordenação de políticas domésticas, adotam-se regras claras e confiáveis para garantir o relacionamento econômico entre esses países” (ALBUQUERQUE, 2007 (a), p.131).

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