O SEGUNDO CICLO DE KONDRATIEV (1843-1896) E O SEU LIAME COM A PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NA GUERRA DO PARAGUAI

Roberto Mauro da Silva Fernandes

1.2 O IMPÉRIO DO BRASIL TAMBÉM CAPITANEOU SEUS CUSTOS DE GUERRA

O ano de 1864 coincide com o fim da fase de ascensão (fase A) da economia mundial e o início da fase de recessão da mesma, como também, é no final deste mesmo ano que se inicia a Guerra do Paraguai, que se passou por inteiro em um período de baixa da economia. Este último período da economia mundial refletiu diretamente na economia do Império brasileiro.

Segundo Guimarães (2007, p.02), o principal centro econômico do Império, a cidade do Rio de Janeiro, passava por uma crise comercial e bancária em 1864, que ficou conhecida como a “Crise do Souto”, nome que se deu em conseqüência da falência da Casa Bancária Antônio José Alves do Souto & Cia, constituindo-se no ápice de uma situação de crise, na qual vivia a Praça Comercial da cidade desde 1860.

A “Crise do Souto” teve repercussão um número de 95 falências no período de setembro de 1864 a março de 1865, e estava relacionada a política de contração monetária e creditícia efetuada pelo governo Imperial desde a promulgação da Lei n.º 1.083, de 22/08/1860, conhecida como a Lei dos Entraves (GUIMARÃES, 2007 p.03). Uma conseqüência direta do processo de declínio na economia mundial, coincidindo com um dos ciclos de depressão no século XIX, entre os anos 1864 a 1896 (PASTORE, 2007, P.111).
O fato é que esta conjuntura interna que se estabeleceu no Brasil, fez com que sociedades bancárias, casas bancárias, casas de comércio recorressem ao Banco do Brasil, com redescontos e cauções para dar conta de seus depósitos. Com a eclosão da Guerra do Paraguai o governo imperial teve de tomar medidas para preservar a moeda metálica e fazer frente aos inúmeros gastos com as importações, já que em períodos de crise o ouro era a única moeda aceita neste tipo de situação, encontrando como solução a aprovação da Lei n.º 1.349, de 12 de setembro de 1866, que além transferir o poder emissor do Banco do Brasil para o Tesouro Nacional, estabeleceu uma nova carteira hipotecária e restringiu o direito de nomeação do presidente e vice-presidente do banco pelo governo, o que significou uma maior independência do Banco do Brasil com relação ao intervencionismo do governo (GUIMARÃES, 2007, P.03).
O governo tornou-se, assim, o principal agente do crédito interno, através do mecanismo de inflação e compra; ao mesmo tempo em que aumentava os impostos, recolhia ouro através de recursos sistemáticos do lançamento de títulos públicos. Dessa forma, a partir dessa observação, pode-se dizer que a Guerra do Paraguai teve como principais fontes de financiamento os empréstimos externos e internos (ex: Banco do Brasil), contribuições provinciais e a cobrança de impostos.

Conjuntura que contribui para se duvidar do que foi demonstrado por Júlio José Chiavenatto, que afirmara que a Grã-Bretanha, através dos Rothschilds, com empréstimos no período de 1825 a 1865, teria armado o Brasil para destruir o Paraguai (CHIAVENATTO, 1969, p.82/83).

Em consonância com Guimarães (2007), vamos verificar as principais fontes de arrecadamento do Império do Brasil nos períodos que antecederam o conflito e durante o mesmo:

No tocante aos empréstimos tivemos um “empréstimo externo, realizado em 1865, no valor de £ 6.693.000, ao tipo 74, que propiciou o líquido de £ 5.000.000 (cerca de 49 mil contos), com juros de 5% e 30 anos de prazo; empréstimo interno de 27 mil contos,além da emissão de letras do Tesouro (a 6% ao ano), no valor de 171 mil contos no decorrer da guerra; e o restante, cerca de 120 mil contos, em emissões de papel moeda. [...] Com relação aos impostos, além da cobrança em ouro de 15% dos impostos de exportação e importação, a partir de 1867, houve um aumento das contribuições provinciais [...] essa última fonte de receita foi a que acusou maior crescimento, passando de 15% para 25% da receita total arrecada entre 1864 e 1869 (GUIMARÃES, 2007, p.03/04).

A tabela nº 1 contribui para uma melhor visualização dos números concernentes a arrecadação do governo Imperial brasileiro:

Tabela nº 1 - Financiamento brasileiros na Guerra do Paraguai

Ano

Direitos
Aduaneiros

Imposto de
Exportação

Contribuição
Provincial

Outros
Tributos

Receita Total

1864/65

5,9

1,7

1,6

0,4

9,6

1865/66

4,7

1,6

1,3

0,4

8,0

1866/67

4,7

1,4

1,5

0,2

7,8

1867/68

4,1

1,8

2,0

0,1

8,0

1868/69

4,4

1,9

1,9

0,5

8,7

1869/70

5,3

1,8

2,3

0,1

9,5

Fonte: GUIMARÃES, (2007, p.05).

As observações de Carlos Gabriel Guimarães convergem com o posicionamento de Moniz Bandeira acerca das questões que envolvem os Rothschilds como supostos patrocinadores da Guerra do Paraguai. Bandeira (1985, p.14), assegura que o Brasil não articulou a Tríplice Aliança nem moveu a Guerra do Paraguai como instrumento da Grã-Bretanha, e nem a casa bancária de Rothschild tinham interesse na deflagração do conflito, sobretudo, porque já mantinham negócios com Solano e com Carlos López. Sobre a questão dos negócios da casa Rothschild com o Paraguai, Bandeira (1985), também afirma que:
Carlos Antônio Lopez tinha uma fé quase infantil na indústria britânica e seu filho, Francisco Lopes, não só estabeleceu vínculos profundos com a empresa J. & A.Blyth, que se tornou agente financeiro do Paraguai, prestando-lhe toda espécie de serviços e assistência até o bloqueio do Rio do Prata, como contratou a firma do banqueiro Nathanael M. Rothschild & Sons, também de Londres,para a colocação do tabaco na Europa.Os negócios realizaram-se, desde 1863 [...] (BANDEIRA, 1985, p.131).

É fato que a guerra acelerou a integração do Paraguai a economia capitalista, à medida que a Grã-Bretanha impunha a dissolução progressiva e contínua das formações pré-capitalistas (a mesma encontrava-se na posição de mais importante centro econômico do mundo naquela época, o que explica as suas contundentes imposições aos demais Estados).

Mas, a integração do Paraguai ao sistema capitalista mundial, iniciada ao tempo de Carlos Antônio Lopez, completar-se-ia, no entanto, mais cedo ou mais tarde, em função das próprias exigências internas de acumulação de capital, sem a necessidade de uma guerra que destruiu seu mercado e suas forças produtivas (BANDEIRA, 1985, p. 131).

Isso significa que pensar em incentivos financeiros da casa Rothschild para destruir um dos seus clientes (Paraguai), seria um pouco incoerente, seria na realidade “um tiro no próprio pé” desses investidores Britânicos, sobretudo, porque efetuaria empréstimos ao Brasil para destruir o Paraguai, prejudicando concomitantemente os negócios que já possuíam com o último desde o período em que Carlos Lopez era o presidente do país.

Logicamente, devemos deixar bem claro que era impossível ao Brasil, apesar das arrecadações internas de impostos, manter os esforços de guerra durante cinco anos sem os empréstimos da casa Rothschild e Baring Brothers ou de qualquer outra instituição financeira (BANDEIRA, 1985, p. 15). Não podemos nos esquecer que se tratava de instituições bancárias visando lucros, e nada mais do que viável para as mesmas, conceder empréstimos a juros.

Amado Luiz Cervo é categórico ao afirmar que a Guerra do Paraguai foi financiada com recursos do Tesouro brasileiro, que “repassou grandes empréstimos a Argentina, e com recursos de banqueiros ingleses, interessados apenas em transações rentáveis” (CERVO, 2008, p.123). Em relação aos empréstimos de banqueiros ingleses, esse autor ainda ressalta que tais transações financeiras aconteciam mesmo à revelia do governo britânico: “Este não teve responsabilidade alguma sobre a origem ou sobre o andamento das operações, nem contava aqui com ‘vassalos’, dispostos a executar seus desejos” (Idem).
Podemos perceber que as ações do governo brasileiro eram de caráter autônomo, pautando-se conforme seus interesses na região. Dessa forma, os empréstimos bancários realizados pelos Rothschilds a partir de 1864, foram oriundos de relações particulares dos últimos com o governo Imperial brasileiro, acordo que acontecia em detrimento ao governo Britânico, pois Brasil e Grã-Bretanha estavam com relações diplomáticas cortadas desde 1863 (CERVO, 2008, p.124).
O conflito tem na sua origem políticas autônomas de Estado, engendradas de acordo com os interesses daqueles que desejavam o controle político e econômica da região do Prata:
A guerra, desencadeou-a López, e sua condição foi sim, resultado da vontade de Estado, brasileira em primeiro lugar e argentina em segundo. Foi uma determinação do governo eliminar López, como fez com Rosas no passado (CERVO, 2008, p.123).

Esse fato é significativo, pois demonstra os interesses geopolíticos dos sujeitos internos do continente, que, diga-se de passagem, transitavam em duas esferas inexoravelmente sincréticas, a ideológica e econômica, que aludiam as justificativas por parte das classes dominantes sul-americanas para a deflagração do conflito. Vamos recorrer mais uma vez a Amado Luiz Cervo:
Ideologicamente, a guerra no Prata podia-se justificar pelo lado do liberalismo, cuja implantação sobre a região sob a forma modernizadora não estava consumada. Pelo lado econômico, nada, entretanto, aconselhava seu desencadeamento, embora posteriormente, como é natural tenha se convertido em “grande negócio” (CERVO, 2008, p.117).

Acerca do fator econômico, o conflito não era aconselhável, como já verificamos, pois de uma forma ou de outra, a economia paraguaia seria inserida no contexto internacional, as exigências internas do mercado paraguaio levariam as atividades circunscritas a comercialização da erva-mate e do tabaco, destruir as bases econômicas desse Estado, visto que essas atividades eram uma herança do período colonial, que obtinham sucesso devido às condições de insulamento do Paraguai. Com a abertura desse país era necessário atender as injunções do mercado e dar ênfase a uma diversificação da produção (BANDEIRA, 1985, p.132). Isso seria feito naturalmente com as relações que o Paraguai, já algum tempo, estava tecendo com outros países, sem a necessidade de uma guerra.
Todavia, o conflito tornou-se um “grande negócio” por inúmeros fatores, dois são extrema relevância. A Guerra do Paraguai transformou-se num mercado ativo para a indústria bélica norte-americana que vendeu equipamentos militares para os envolvidos no conflito, sem exceção; e por outro lado, o Império Brasileiro destruiu o setor produtivo paraguaio. Economia paraguaia que se caracterizava como seu principal concorrente desde 1850, na produção e comércio da erva-mate, no plano regional, e do algodão, no mercado internacional (CERVO, 2008, p.117).

Não podemos negar as maléficas conseqüências para o Estado paraguaio, o conflito trouxera problemas significativos, entre eles: a morte da maioria de sua população masculina, a devastação do seu sistema produtivo e conseqüentemente, inúmeros flagelos sociais, como miséria e fome. O conflito também permitiu às nações vencedoras um forte controle político e econômico sobre esse Estado. Mas, não podemos culpar somente o “imperialismo britânico” ou o patrocínio das casas Rothschilds, como os principais responsáveis pela eclosão do conflito. Tais assertivas seriam meras desculpas para deixarem implícitas as pretensões dos grupos internos do continente sul-americano que também contribuíram acintosamente para a deflagração da guerra.

Assim, o Império do Brasil possuía pretensões expansionistas, os empréstimos brasileiros realizados junto às casas bancárias dos Rothschilds estavam concomitantes aos seus ganhos internos, que também contribuíram para a manutenção do Estado brasileiro no conflito. Em relação ao Estado Paraguaio idem, havia uma ligação econômica deste com a Grã-Bretanha, assim, como existia, por parte desse Estado, o interesse por mercados regionais e internacionais.

Ressaltamos que a distorção nas análises históricas, nas quais os “malvados” britânicos capitanearam seu “perverso” escudeiro Brasil para destruir o Paraguai, deve ser repensada. Solano Lopez e os setores dominantes do seu Estado também possuíam interesses na Bacia Platina tanto quanto o Império do Brasil, Argentina e os sujeitos externos que atuavam na região. Todos, condicionados pela conjuntura internacional que incitava ações políticas e militares no continente sul-americano e que estavam relacionadas ao quadro sistêmico da economia mundial.

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