O SEGUNDO CICLO DE KONDRATIEV (1843-1896) E O SEU LIAME COM A PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NA GUERRA DO PARAGUAI

Roberto Mauro da Silva Fernandes

1.4 O CENÁRIO PLATINO E SEUS LITÍGIOS: UM ENSEJO PARA A “POLÍTICA DE FRONTEIRA” NORTE-AMERICANA DURANTE O SÉCULO XIX

Segundo Giovanni Arrighi, o Sistema Continental norte-americano (construção de ferrovias, superando as barreiras espaciais internas, privilegiando aos Estados Unidos o acesso aos dois maiores oceanos do mundo) realmente integrado se materializou após a guerra civil de 1860-1865, conjuntura que  eliminou todas as restrições políticas às inclinações industriais dos nortistas, gerando assim uma economia nacional (ARRIGHI, 1996, p.87). Dessa forma, essa ilha gigantesca era um complexo industrial militar muito mais poderoso que qualquer outro complexo da Europa:

A política explicita e o poderio militar potencial dos Estados Unidos, brevemente evidenciados ao longo e no fim da Guerra Civil, alertaram as nações européias para que se afastassem de qualquer aventura militar no novo mundo (ARRIGHI, 1996, p.88).

Assim, podemos observar que os Estados Unidos além de possuírem uma “indústria de guerra” absolutamente consolidada após a guerra civil, com a qual buscariam divisas, explorando conflitos, aprofundando também suas territorializações referentes ao projeto norte-americano de supremacia regional, a “Doutrina Monroe”. A idéia da “América para os americanos”, afirma Messias (1992), havia sido explicitada em 1821, através de mensagem do Presidente Monroe ao Congresso:
Os continentes americanos, pela livre e independente, não devem daqui por diante ser considerados como objeto de futuras colonizações por parte das potências européias [...] Qualquer tentativa delas para estender seu sistema a qualquer porção do nosso hemisfério seria por nós considerada como perigosa para a nossa paz e segurança (COSTA, 1992, p.65).

É preciso ressaltar que a “Doutrina Monroe” fora proposta pelos Britânicos aos norte-americanos, como um instrumento de equilíbrio de poder para o mundo no século XIX, na tentativa de manter sua influência nas Américas, criando enclaves as nações européias da Santa Aliança, que pretendiam com a derrota de Napoleão, readquirir suas antigas posses no novo mundo. Todavia, essa proposta seria apropriada pelo governo norte-americano, que a colocou em prática, como um processo de territorialização que após a primeira guerra mundial transformaria sua supremacia regional em um instrumento de dominação mundial (ARRIGHI, 1996, p.88).

Levando em consideração essa conjuntura de expansão política e econômica dos Estados Unidos, exposta ao mundo por meio da “Doutrina Monroe”, e a partir da consolidação de sua indústria bélica, associada as tensões políticas e de guerra que envolviam a Bacia Platina, chegamos a hipótese do interesse norte-americano na Guerra do Paraguai.

Novamente ressaltamos que tal fato não está relacionado com objetivos deliberados de destruição ao Paraguai, porque o mesmo seria uma nação industrial promissora que ameaçaria os interesses de potências como Grã-Bretanha e os Estados Unidos no cenário regional. O interesse no conflito está relacionado ao processo conjuntural evidenciado por fatores econômicos e geopolíticos que definiram a hegemonia no continente sul-americano (como nas Américas), e conseqüentemente na Bacia Platina.

Rapidamente, demonstraremos algumas conjunturas circunscritas a relação de forças entre os Estados na disputa pelo controle do cenário Platino. Constrições que contribuíram com as pretensões norte-americanas, e suas posteriores práticas no cenário platino.

Segundo Pereira (2007, p.185), a elite paraguaia, há muito tempo, almejava a criação de uma grande nação ou confederação, que reconstruísse o Império Teocrático Guarani, esboçada no período das missões jesuíticas. Em termos culturais e geográficos tal projeto parecia viável, o objetivo era reunir a Bolívia, o Paraguai, as províncias argentinas de Entre Ríos, Corrientes e Missiones, o Uruguai e a parte missioneira do Rio Grande do Sul, constituía-se numa moderna visão geopolítica, ambicionando uma poderosa nação ou confederação Bioceânica do Atlântico ao Pacífico, que iria de Montevidéu ao litoral do deserto de Atacama (que até então pertencia a Bolívia), e tudo sob a liderança de um Paraguai militarmente forte.

Uma Confederação que seria isenta da incomoda dependência de Buenos Aires e do Rio de Janeiro. Com esses objetivos, Solano López realizou um esforço armamentista sem precedentes na América do Sul. Em contra-resposta ao sonho Paraguaio de uma confederação sob sua égide, existiam as pretensões argentinas em relação à outra confederação, sob a liderança de Buenos Aires, na qual incluiria a Bolívia, o Paraguai, o Uruguai e a Argentina (PEREIRA, 2007, 189). Esta englobaria a mesma área pretendida por alguns setores do Estado paraguaio.

Podemos perceber que os dois projetos, tanto do Estado paraguaio quanto o da Confederação argentina iam de encontro às pretensões brasileiras, sobretudo, porque caso tais Confederações fossem materializadas, ambos Estados teriam o controle territorial da Bacia Platina, grande “objeto de desejo” do Estado brasileiro no século XIX. Uma Confederação Bioceânica nos moldes idealizados pelo Paraguai e Argentina, provavelmente, atrapalhariam todos os projetos do Império do Brasil, deixando-o, possivelmente à mercê dos interesses dos seus principais concorrentes no cenário sul-americano.   

Tais projetos eram divergentes, pois o Império do Brasil tinha a Bacia Platina como setor extremamente estratégico para as suas pretensões econômicas e de expansão territorial, tal projeto, obviamente, incluía a livre navegação pelos rios platinos, política que herdara da Coroa Portuguesa. Sobre tal conjuntura, é preciso enfatizar, que Portugal iniciou sua política de tentativa de controle da Bacia Platina e posteriormente da América do Sul no final do século XVII, e uma de suas primeiras territorializações fora a fundação da Colônia de Sacramento em 1680:

Aquele enclave havia sido concebido em termos estratégico-militares para assegurar o domínio da navegação do Prata e de seus tributários, que representavam a chave do acesso ao interior da parte meridional do continente [...] Movida pela aspiração de dominar o estuário do Rio da Prata e pautada por sua “política imperialista de agressão”, a Coroa Portuguesa logrou ampliar as fronteiras do Brasil, tendo o mercantilismo como força propulsora da conquista territorial. (ZUGAIB, 2006, p.77/78).

Segundo Zugaib (2006, p.79/80), no início do século XIX esta política expansionista ficou mais explícita com a invasão da Banda Oriental por parte de D. João VI, que posteriormente por mediação da Grã-Bretanha, em conseqüência da Guerra da Cisplatina, viria a se tornar o Uruguai. Evento que se relacionou a continuidade das políticas da Coroa Portuguesa, agora sob a orientação de um Brasil “independente”. Segundo Bandeira (1985):
O Império do Brasil, sendo, na verdade, o desideratum de todo conjunto de medidas que D.João VI adotou desde a transferência da corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, contou com a vantagem de possuir um aparelho de Estado, que se ajustara a outras relações sociais e evoluíra, mas na mudança não sofrera ruptura nem descontinuidade. E assumiu a posição de grande Potencia, vis-à-vis países da Bacia do Prata, aos quais impôs sua hegemonia entre 1850 e 1876,empreendendo ações de caráter colonial e imperialista, para realizar objetivos econômicos e políticos (BANDEIRA, 1985, p.142).

Podemos observar que tanto a política da Coroa Portuguesa quanto a do Império do Brasil ambicionavam o controle da Bacia do Prata, não abrindo mão, da livre navegação dos seus rios. Após a Convenção Preliminar de Paz, assinada em 27 de agosto de 1828, entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, que assegurou a independência do Uruguai, iniciou-se todo um processo de consagração do princípio da livre navegação nos rios platinos, que viria a ser arduamente perseguido pelo Império do Brasil:

A partir de então, o assunto foi considerado sob o prisma contratual e sua inclusão em todos os documentos celebrados com os países vizinhos, que pudessem contemplar o tema da navegação fluvial, passou a constituir preocupação constante da diplomacia do Império. Como se poderá observar, o papel do Brasil foi notável no desenvolvimento da tese da abertura do Rio da Prata ao comércio de todas as bandeiras [...] (ZUGAIB, 2006, p. 81).

A necessidade do Império brasileiro em manter a livre navegação nos rios platinos, se deu em conseqüência, sobretudo, dos interesses que os sujeitos externos possuíam na região.

Por exemplo, a Convenção Preliminar de paz que definiu a independência do Uruguai (não podemos nos esquecer), fora mediada pela Grã-Bretanha que na tentativa de solução dos conflitos ocorridos em torno da disputa pelo domínio da banda oriental do Rio da Prata, dividiu o rio geopoliticamente em duas esferas de influência, a uruguaia e a argentina, a potência européia veria triunfar sua estratégia de estabelecer um Estado-tampão para evitar que uma das partes envolvidas no conflito viesse a obter a pretendida supremacia na região, ou seja, nem o Brasil, nem a Confederação Argentina, quanto menos o Uruguai, o Estado-Tampão (CASTRO, 1983 (b), p. 135).

Notamos dessa maneira que os interesses Britânicos não estavam somente em apaziguar tensões entre esses países Platinos, mas, acima de tudo, em manter uma política de acessibilidade aos rios da região, devido aos interesses comerciais que também possuíam. Suas pretensões remontam desde o final do século XVIII, quando se projetava da Europa uma visão geopolítica mais clara e definida do valor econômico do mercado sul americano, tanto para a exploração de matérias-primas, como para a venda de produto manufaturados (ZUGAIB, 2006, p. 81).

 O grande exemplo dessa noção geopolítica européia sobre a região platina foi a intervenção da Grã-Bretanha e da França em 1838 e 1845 no Prata, devido as pretensões de alguns governos locais de nacionalizarem a navegação dos rios interiores da Bacia do Prata (ZUGAIB, 2006, p.80). Estas intervenções franco-britânicas estavam relacionadas às suas competições por novos mercados, vindo a tomar para si a questão da abertura dos rios platinos à livre navegação internacional, assim como o Império do Brasil.

            Nesta rápida abordagem acerca do estado de tensão em que se caracterizava a Bacia Platina, observa-se que existiam interesses em comum por parte das principais potências européias e, sobretudo, das potências regionais, que visavam o controle da sub-região. Assim, o resultado não poderia ser outro, se não, um conflito com a proporção como o que ocorrera, a Guerra do Paraguai.
Situação belicosa que ensejou o preparo das nações envolvidas com equipamentos de guerra, e que abriu as portas para a indústria armamentista norte-americana, extremamente consolidada, em ascensão e detentora de novas tecnologias militares. Período que coincide com as pretensões dos Estados Unidos que também almejavam uma maior influência sobre a sub-região Platina, fato que também consistia em afastar definitivamente a influência britânica no continente sul-americano. Como a América do Sul estava nos planos das potências européias, acima de tudo, era objeto de desejo dos norte-americanos, especialmente a Bacia Platina.

Os Estados Unidos quase intervieram militarmente no território paraguaio em conseqüência de uma desavença entre o presidente Carlos Lopez e Edward Hopkins, agente especial do governo norte-americano, enviado a Assunção em 1853. Tudo ocorrera devido algumas proibições do governo paraguaio ao Sr. Hopkins, como não portar armas em território paraguaio ou possuir bens de raiz sem autorização especial do governo guarani, tratava-se de um pacote de proibições de Carlos López a qualquer estrangeiro, que também proibia embarcações de outras bandeiras navegarem em rios interiores paraguaios.
Todas essas medidas por parte do governo guarani, surgem em decorrência do “Water-Witch”, belonave norte-americana, comandada pelo capitão Thomas Page, que, supostamente, estava fazendo uma missão de reconhecimento pelo rio Paraguai, já que havia sido vista perto do forte de Albuquerque (POMER, 1979, p.60). Mesmo após as proibições e o desentendimento de López e Hopkins, a “Bruxa da água”, continuava suas incursões em território paraguaio:
Em 1º de fevereiro de 1855 a teimosa “bruxa da água” do capitão Page voltou a se movimentar; e, desafiando as proibições expressas do governo de Assunção, resolveu navegar onde era interdito fazê-lo [...] A fortaleza paraguaia de Itapiru se viu obrigada a disparar alguns canhonaços de advertência que ocasionaram danos a nave. Com isto, obviamente, a tensão já existente subiu vários graus (POMER, 1979, p.61).

Não queremos nos aprofundar neste acontecimento, mas seria um exemplo da situação delicada que se estabelecia. Uma intervenção norte-americana sobre o Estado paraguaio, localizado num centro estratégico da América do sul, para Brasil, Argentina e outros interessados, sendo um território importantíssimo para a dinâmica da navegação no rio Paraguai, (principalmente ao Império do Brasil para se chegar à província de Mato Grosso), preocupava e muito. Conjuntura que ensejou esforços diplomáticos do Império do Brasil e da Confederação argentina sob o comando de Urquiza, na tentativa de apaziguar as tensões (POMER, 1979, p.64/65). Ter o poder norte-americano a um passo de Mato Grosso e a um passo do ambiente Platino, não era uma boa perspectiva para ninguém.
A tensão entre Paraguai e Estados Unidos poderia parecer um caso isolado, caso, não estivesse ocorrendo por parte dos últimos, uma explícita mobilização política e, sobretudo, militar pelas Américas. Por exemplo, no final da década de 50, do mesmo século XIX, os Estados Unidos estavam terminando o seu processo de expansionismo territorial, aumentando sua influência sobre a América Central e vindo em direção ao Pacífico (COSTA, 1992, p.65). Em fevereiro de 1855, um contrato foi formalizado entre os Estados Unidos e o Equador, através de um empréstimo de três milhões de pesos fortes, o governo norte-americano obteve o direito de proteger as ilhas Galapagos e outros portos do litoral equatoriano (POMER, 1979, p.61).

Temos que levar também em consideração o fato de que durante o desenrolar da Guerra do Paraguai a ligação Pacífico/Atlântico poderia ser feita através do território Boliviano. Deve-se ressaltar que a região norte do Chile pertencia à Bolívia, esse território foi anexado àquele somente depois da Guerra do Pacífico que se iniciou nove anos depois do término da Guerra do Paraguai, conflito em que a Bolívia perde sua saída soberana para o mar (REIS, 2007, p.21)
Sabemos que Solano López recebia armas norte-americanas através do território boliviano, utilizando o porto da cidade de Corumbá, inserido no trajeto Nova York-Panamá-Lima-Corumbá (BANDEIRA, 1985, p.128). Caminho que pelo rio Paraguai e subseqüentemente o rio do Prata levava ao oceano atlântico. Mas, o envolvimento norte-americano com Solano López, não se resumiu a esse acordo comercial, Luiz Alberto Moniz Bandeira afirma que:
[...] tais petrechos bélicos, ao que parece, procediam dos Estados Unidos, cujo apoio ao Paraguai, desde 1865, Saraiva, ocupando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, já previra. O serviço secreto do governo imperial, logo no início da conflagração, interceptara um documento, em que Charles A. Washburn, ministro norte-americano em Assunção, prometia ajuda ao Paraguai, para combater o Brasil (BANDEIRA, 1985, p.127).

O envolvimento do governo norte-americano foi mais além, quando se verificou a sua não-neutralidade no conflito platino, os Estados Unidos inclinavam-se (pelo menos no discurso) a favor do Paraguai em protesto das ações da Tríplice Aliança contra o Estado paraguaio:
Seu congresso recomendou ao Departamento de Estado que oferecesse os bons ofícios para acabar com a guerra da Tríplice Aliança, cuja continuação continuava ‘absolutamente destruidora do comércio, injuriosa e prejudicial às instituições republicanas’ (BANDEIRA, 1985, p.135). 

Em relação à declaração do congresso norte-americano a respeito do conflito, quanto a defesa do comércio e ideais republicanos, nota-se o direcionamento desse discurso ao governo Imperial brasileiro.

O governo Imperial considerou inadmissível, o indício de favor ao inimigo (ao Paraguai), sem nenhuma imparcialidade no gesto. Tal declaração configurou-se como uma afronta as instituições do governo imperial brasileiro, que ensejou o seguinte comentário do Barão de Cotegipe, Ministro dos Negócios Estrangeiros: “bons ofícios para salvar instituições que não corriam o menor risco era ofender o Brasil (COTEGIPE, 1869).

As palavras dos representantes do Congresso norte-americano poderiam parecer irrelevantes, mas segundo Cervo (2008, p.102), a experiência norte-americana de fronteira, no século XIX, baseava-se em quatro fases: penetração demográfica, provocação, conflito e anexação. A conjuntura que acabamos de descrever, parece estar condizente com a segunda fase, o que significa que governo Imperial, a priori, recebeu as declarações do legislativo norte-americano como uma ação provocativa.

A mediação oferecida pelo governo norte-americano foi negada por parte dos governos da Tríplice Aliança, porque além das declarações daquele serem interpretadas como provocação e como sinal de imparcialidade, como afirmara o Barão de Cotegipe, somava-se a isso, o fato da existência de documentos que comprovavam a participação de homens do governo estadunidense, dando apoio a Solano López “por de baixo do pano”, como também, o fato de que se encontravam entre os mediadores indicados pelo governo dos Estados Unidos, ministros que estavam envolvidos em operações contra o governo Imperial:
 Os governos do Tríplice Aliança repeliram a oferta de mediação que os ministros norte-americanos, general Alexander Asboth, em Buenos Aires, general J. Watson Webb, no Rio de Janeiro, e general Charles A. Washburn, em Assunção, apresentaram-lhes com tenacidade e insolência. Maior do que promiscuidade de Thornton com a política de Mitre e Elizalde, na Argentina, foi a de Washburn com a de López. Ele, como negociante de armas, não só instigou a guerra, desde 1862, como, inclusive, procurou orientar operações militares contra o Brasil, aconselhando López a desencadear um ataque, à noite, sobre o acampamento de Caxias, cujos soldados, “naturalmente covardes”, segundo julgava, dissipar-se-iam como fumo. Quando as autoridades da Argentina capturaram Egusquiza, encontraram em seus arquivos as provas de que Washburn recebera “vultosa quantia”, por ordem de López, para compra de armamentos nos Estados Unidos (BANDEIRA, 1985, p.135/136).

Não queremos de forma alguma sugerir que o conflito na Bacia Platina foi planejado, e teve sua origem nas ações norte-americanas, tal assertiva, seria um devaneio da nossa parte, estaríamos atribuindo culpa a somente um sujeito externo, sem levar em conta os interesses internos dos principais envolvidos no conflito.

Todavia, o contexto no qual os Estados Unidos se encontravam, num crescente processo de expansão de sua política externa, leva-nos a pensar que a conjuntura de constrições entre os Estados platinos, condicionou o seu governo “a tomar proveito” da situação conflituosa que se desenhava na região da Bacia do Prata. A articulação estadunidense, explorando o estado de beligerância da região, como já enfatizamos, fazia parte da sua política de fronteira.   
É mister, também, ressaltar que as interferências norte-americanas em relação aos rios do continente sul-americano já antecediam a Guerra do Paraguai. Na década de 1850, iniciaram-se as pressões estadunidenses ao Governo Imperial Brasileiro, para a liberação da navegação internacional nos rios da Bacia Amazônica, já que o Brasil mantinha a mesma fechada ao trânsito de navios estrangeiros, liberação que aconteceria somente em 1866, depois de muitas pressões do governo norte-americano e das principais potências européias (BANDEIRA, 1985, p.143).

Segundo Cervo (2008), o plano estadunidense de ocupação da Amazônia, representava “uma saída para a crise de sua economia escravista, com o translado de colonos e escravos do sul, que se dedicariam à produção da borracha e do algodão” (CERVO, 2008, p.102). O autor, também afirma:
O empreendimento foi de iniciativa particular, com apoio tácito do governo de Washington e pressões arrogantes de seu representante no Rio de Janeiro, Willian Trousdale. O êxito dependeria de uma condição prévia, a abertura do Amazonas à navegação e ao comércio internacionais, uma reivindicação apoiada igualmente por França e Inglaterra, à época em que se cultivava o mito do eldorado produtivo da região (Idem, p. 102).

Durante toda a década de 1850, o governo Imperial manteve a Bacia Amazônica, em seu território, fechada as embarcações estrangeiras. Um fato que evidência a política contraditória por parte do Império brasileiro, que almejava a livre navegação nos rios da Bacia do Prata, mas impedia o mesmo processo nos rios da Bacia Amazônica.

A aspiração dos Estados Unidos sobre a navegação na Bacia Amazônica também estava correlaciona a um possível acesso, por via fluvial, do  oceano Atlântico para o Pacífico e vice-versa (COSTA, 1992, p.68).

No século XIX já existiam possibilidades, através do próprio território boliviano, do pacífico se chegar ao atlântico pelos rios bolivianos na Bacia amazônica, através do rio Beni, rio Mamoré, onde se inicia o rio Madeira, que deságua no rio amazonas, ligando-se assim ao atlântico (LINO, et al., 2008, p.96). Este fato veio a criar divergências entre o governo Imperial brasileiro e o governo boliviano.
É sabido que a Bolívia desde 1853 permitia a livre navegação às embarcações estrangeiras nos rios que banhavam seu território e para àqueles que fluíam no Amazonas e para Bacia do Prata, as embarcações norte-americanas possuíam tal prerrogativa. Isso foi possível, pois no mesmo ano foram firmados acordos entre Bolívia e Estados Unidos, a primeira assinara tal tratado em contestação ao Brasil, que em contrapartida pretendia manter afastado os norte-americanos, e qualquer outra nação estrangeira, da Bacia Amazônica (BANDEIRA, 1985, p.98).
O acordo de livre navegação entre o Estado boliviano e norte-americano possui, provavelmente, sua origem em mais uma contenda interna que envolveu a Bacia Platina. Em 1852, a Bolívia apresentou uma nota de protesto ao governo de Buenos Aires, após Argentina e Paraguai assinarem um Tratado de Navegação, Comércio e Limites no mesmo ano. O protesto estava relacionado à sua inclusão como nação ribeirinha do rio Paraguai, em decorrência das pretensões desse Estado em relação ao Chaco Boreal (CARVALHO, 1958, p.31). Estevão Leitão de Carvalho apresenta-nos a conjuntura:
[...] as pretensões da Bolívia estendiam-se, na margem direita do rio Paraguai, entre a Baía Negra e o Jaurú, isto é, ao trecho da costa fluvial pertencente ao Brasil, reconhecido, indevidamente, naquele tratado, como paraguaio. (CARVALHO, 1958, p.32).

Sendo a área reivindicada pela Bolívia pertencente ao Brasil, mais do que depressa, o governo imperial em agosto, do mesmo ano de 1852, também emitiu uma nota de protesto a Buenos Aires, junto ao governo da Confederação Argentina, através do Ofício nº 16, encaminhada por Rodrigo de Souza e Silva Pontes, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto ao governo provisório dessa Confederação.

O protesto aludia contra algumas disposições do Tratado entre Argentina e Paraguai, que se postas em execução “poderiam talvez ofender interesses e direitos do império” (SILVA PONTES, 1852). Segundo Carvalho (1958):
Entre essas disposições estava a concernente ao reconhecimento da soberania do Paraguai sobre o rio do mesmo nome, de margem a margem, até a confluência com o Paraná. E, reportando-se ao protesto da Bolívia, baseado na presunção de que era ribeirinha do rio Paraguai, pela costa ocidental, entre os graus 20 e 22, declarava o nosso representante em Buenos Aires não poder ser ela assim considerada, enquanto o governo do Brasil, em resultado de negociações pendentes lhe não cedesse uma parte da costa, naquele trecho do rio. “E, por isso, dizia, não só protesta contra as asserções e protesto do Sr. Encarregado de Negócios da Bolívia, mas também contra qualquer ato pelo qual o Governo desta República seja considerado ribeirinho do Paraguai, com prejuízo, e sem respeito aos direitos e interesses do Brasil” (CARVALHO, 1958, p.33/34).

Estava assim instalada uma celeuma diplomática entre Brasil e Bolívia (já que o protesto do governo brasileiro rechaçava a pretensão boliviana), que viria, pelo que parece, refletir na questão concernente a livre navegação dos rios da Bacia Amazônica em território brasileiro.

Assim, a realização do acordo de 1853 entre Estados Unidos e Bolívia tem como grande fator de contribuição, provavelmente, o descontentamento do segundo em relação ao Brasil, que rechaçara suas tentativas de expansão pelo Chaco Boreal, assim como, os interesses continentais do primeiro. Dessa forma, a partir do território boliviano, por via de sua rede hidrográfica, os norte-americanos teriam acesso às fronteiras brasileiras da Amazônia, com grandes possibilidades de fazer uma interconexão com a Bacia do Prata.      
As pressões norte-americanas, somente vão surtir efeito em meados da década de sessenta do século XIX, quando o governo Imperial brasileiro resolve liberar a navegação dos rios da Bacia Amazônica. Bandeira (1985) é categórico ao afirmar que o governo Imperial:

[...] só a franqueou ao tráfego internacional, em 1866, porque ao enfrentar o Paraguai, receou que as Repúblicas do Pacífico entrassem no conflito, instigadas pelos norte-americanos e/ou ingleses, que dominavam já vastas extensões daquela rede fluvial nos territórios do Equador e do Peru (BANDEIRA, 1985, p.143).

Em relação à Bolívia, a resolução definitiva da sua contenda com o governo Imperial brasileiro, somente acontecera com o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição, de 27 de março de 1867, que concomitantemente, resolveu as questões relativas aos limites entre os dois países e evitou, de uma forma mais acintosa, a participação do governo do Presidente boliviano Marian Melgarejo no conflito em favor do governo López, vindo a favorecer, de alguma forma, os Estados Unidos. Pereira (2007) afirma:
O Governo Imperial evitou que a Bolívia do Ditador Marian Melgarejo participasse da guerra em favor de Solano López ao assinar o Tratado de La Paz de Ayacucho, em 27 de março de 1867, e também por franquear a navegação do Amazonas e do Madeira, logo a seguir (PEREIRA, 2007, p.186).
  
Essas ações por parte do governo Imperial brasileiro garantiram a neutralidade da Bolívia em relação ao conflito, fato que implicou também, a partir de 1867, a não utilização do território boliviano como escoadouro de equipamentos bélicos que abasteciam as tropas de Solano López. A relação Paraguai/Estados Unidos, acerca do comércio de armas, somente vinha sendo realizada, pois existia uma conivência do governo boliviano.

A resolução dessas questões, de acordo com Luiz Amado Cervo, é resultado, acima de tudo, da política firme, inteligente e flexível do governo brasileiro, que adiou a abertura da navegação nos rios amazônicos em função de sua oportunidade (CERVO, 2008, p.106).

Percebe-se assim, que o estado de tensão entre governo Imperial brasileiro e estadunidense durante a Guerra do Paraguai não foi velado, assim como, a participação norte-americana no conflito não pode ser classificada como “indireta”. Sobretudo, porque os objetivos geopolíticos norte-americanos estavam bem definidos e inexoravelmente associados às informações que, àquela época, já existiam acerca de um caminho Bioceânico a partir da Amazônia.
A interligação das Bacias do Orinoco, Amazônica e do Prata, desde o século final XVIII vinha sendo vislumbrada , caso fosse viabilizada, possibilitaria uma via aquática formidável entre o Caribe e o rio do Prata, formando um traçado que “cortaria” o continente de um extremo ao outro, no sentido norte-sul (LINO et al., 2008, p.55).

Vasco Azevedo Neto (1996), na monografia intitulada Transportes na América do Sul: desenvolvimento é a integração continental, faz referência a viagem do cientista alemão Alexander Von Humboldt, que na sua viagem à América do Sul em 1800-1804, afirmou que “substituindo-se a cachoeira do Guaporé por um canal de 6.000 toesas, ficaria aberta uma linha de navegação interior desde Buenos Aires até Angostura” (NETO, 1996 apud Executive Inteligence Review-EIR, 2002, p.175).

O traçado da “Grande hidrovia” incluía o rio Orinoco, o canal Cassiquiari e os rios Negro, Amazonas, Mamoré, Guaporé, Paraguai, Paraná e Prata, em uma extensão de cerca de 9.800 km, no qual existiam trechos que necessitavam de dragagem, tramos críticos e trechos encachoeirados (LINO et al., 2008,p.59). Apesar das barreiras naturais, ressaltamos que a factibilidade da ligação entre as Bacias do Amazonas e Prata já havia sido testada em 1771 pelo terceiro governador e capitão-general da Província de Mato Grosso e Cuiabá, D. Luís Pinto de Souza Coutinho.

O “Plano Moraes” (figura 2) de 1869, apresentado pelo engenheiro-militar Eduardo José Moraes ao Império do Brasil, também tinha especificações estratégicas de ligar as duas Bacias: a Amazônica e a Platina (LINO, et al., 2008, p.55/56).

Afirmou o engenheiro, ao apresentar o projeto ao governo Imperial:
O projeto que tenho a honra de apresentar à consideração consiste, pois, na junção das duas maiores Bacias da América do Sul, as do Amazonas e do Prata, por meio de um canal, e no melhoramento do curso dos rios onde existem atualmente alguns obstáculos à livre navegação [...] E desta maneira ficaria ligado ao sul pelo interior do Sul ao Norte do Império [...]  questão importantíssima sob o ponto de vista estratégico. E logo que o vapor se tivesse encarregado de aproximar estes lugares separados hoje por tão grandes distâncias, os fios elétricos ligando entre si as estradas de ferro, e irradiando-se em todas as direções, complementariam uma vasta rede de comunicações telegráficas pelo interior do País (MORAES, 1969 apud Executive Inteligence Review-EIR, 2002, p.176).

Observa-se que do ponto de vista da engenharia, a instalação da infra-estrutura necessária para implantação da grande hidrovia não existiam grandes dificuldades, e os desníveis existentes já àquela época permitiam o aproveitamento para as comunicações, a cachoeira do Guaporé citado por Humboldt tinha 72 metros de desnível (Executive Inteligence Review-EIR, 2002, p.176).
Assim, a existência de possibilidades e de projetos que almejavam a conexão de um oceano ao outro, aguçavam desejos internos e externos para o controle da região amazônica e platina. Com certeza tais possibilidades de criação dessa infra-estrutura fluvial na região não eram somente de conhecimento do Império do Brasil.

   As pressões ao Brasil pela livre navegação nos rios da Bacia Amazônica tinham motivos deliberados. Uma vez em contato com a bacia Amazônica, os norte-americanos (como também, qualquer outra nação com objetivos geopolíticos bem definidos) teriam acesso a Bacia do Prata, ensejando, dessa maneira, um promissor contato ( para um posterior controle) com o centro geopolítico da América do Sul. De acordo com Pereira (2007):
[...] o núcleo geopolítico central da América do Sul, que envolve o Centro-oeste brasileiro, nele inserido o Pantanal, a Amazônia Legal, o Paraguai, a Bolívia e partes significativas da Argentina, do Peru, da Colômbia e da Venezuela [...] que comporta a cidade de Cuiabá-MT, como centro geodésico da América do Sul, inexistem desertos ou regiões semi-áridas, e constata-se uma extensa e larga faixa subandina, comprovadamente petrolífera, que se estende em um grande arco, desde o Chaco paraguaio até o Maciço Guianense, este rico em minerais, como ferro manganês, cassiterita, etc., e planícies, em grande parte localizada no Brasil, com um dos maiores potenciais agrícolas do mundo [...] (PEREIRA, 2007, p.16/18).

 Dessa forma, em vista dos projetos e as reais possibilidades de interligações fluviais que já existiam àquela época, não podemos desconsiderar a hipótese de controle do centro geopolítico da América do Sul.
Assim, a nossa hipótese acerca dos norte-americanos “desejarem” o conflito na Bacia Platina e outros na América Latina, pode ser viável, pelo simples fato de suas pretensões geopolíticas estarem ligadas a sua visão de domínio da sub-região sul-americana, vislumbrada desde a implantação da Doutrina Monroe, que ensejou inúmeras territorializações por parte do governo estadunidense, intensificadas após a sua Guerra civil e consolidada por uma indústria de guerra forte. Como afirma Pastore (2007): “A Guerra de Secessão dos EUA (1861-65) parece ser parte da explicação para este aumento de conflitos na América Latina no terceiro quarto do século XIX” (PASTORE, 2007, p.195).

Um Cenário que está também relacionado às flutuações sistêmicas da economia mundial a partir de 1864, e que contribuíram para se desenhar uma nova ordem conjuntural e estrutural, tanto na Bacia Platina quanto no plano hegemônico mundial. Conjuntura explorada pelos Estados Unidos para vender sua tecnologia bélica aos países Platinos, que movidos pelos interesses de controle da região platina, e conseqüentemente de todo continente sul-americano, vão protagonizar a Guerra do Paraguai, conflito que em cinco anos matou mais 400.000 pessoas, deixando uma página trágica na história da América do Sul.

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