BIBLIOTECA VIRTUAL de Derecho, Economía y Ciencias Sociales

SEXUALIDAD Y PODER. TENSIONES Y TENTACIONES DESDE DIFERENTES TIEMPOS Y PERSPECTIVAS HISTÓRICAS

Ángel Christian Luna Alfaro y José Luís Montero Badillo (Editores)




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Ultraje da mulher no pensamento medieval: referências obrigatórias

Pedro Carlos Louzada Fonseca*

O presente estudo sobre os infelizes e ultrajantes pronunciamentos antifeministas na cultura medieval não deve deixar de apontar, inicialmente, o pensamento bastante tradicional de considerar a mulher como animal (bestia), principalmente serpente ou outra criatura venenosa. Normalmente retratada como ciumenta e abrasivamente loquaz (virulentis sermonibus), a mulher era ainda uma consumista egoísta, frívola, dissimulada e de imbecilidade para o conhecimento e entendimento das coisas superiores. Da imensa quantidade de textos misóginos medievais, um trio parece ser de referência clássica: (1) o antimatrimonial e influente livro de Theophrastus (c.372-288), com invocada autoridade citado por São Jerônimo (c.342-420) no seu Adversus Jovinianum [Contra Jovinianus] (c.393), dissuadindo os verdadeiros cristãos do casamento (Delhaye, 1951; Schmitt, 1971), chegando a motivar grandes obras pró-celibato como, por exemplo, a Theologia Christiana [Teologia cristã] (c.1124), II. 94-106), de Abelardo (1079-1142) e o Policraticus (c.1159), de John de Salisbury (1909, VIII, 11); (2) a não menos virulentemente antimatrimonial, Carta de Valerius a Rufinus, contra o casamento (c.1180), de Walter Map (1140-c.1209) (Map, 1983, p. 287-313) e (3) o mais triste dos livros de sabedoria da Bíblia medieval, o Eclesiásticus (Richard de Bury, 1960, p. 42-4; Pratt, 1962, p. 13). Para esse trio, como para tantas obras misóginas na sua esteira, a vida doméstica de casado era uma verdadeira desgraça, enquanto que o celibato era uma condição de excelências morais, intelectuais e espirituais. Tudo isso, politicamente, eternizava o monopólio masculino da cultura literária relativamente à expressão do estado civil dos indivíduos.

Mas teriam tais textos antifeministas uma tradição? Quais seriam, por assim dizer, os seus textos fundadores e, nesse caso, as suas referências obrigatórias? O assunto é muito vasto para aqui ser abarcado nos limites desse trabalho. Quando se investiga as raízes desse antifeminismo, uma busca regressiva se faz necessária em direção à antiga lei judaica e ao crepúsculo da cultura grega, onde Hesíodo (c.750 a.C.) já dizia da praga do mal introduzida no mundo através da mulher (Allen, 1985, p. 14-15). Ovídio (43 a.C.-18 d.C.), cujos antecessores misóginos foram temporariamente perdidos de vista, constitui apenas um nome na longa lista de antigas e tradicionais sátiras contra a mulher.

Outra importante direção desse antifeminismo tradicional, difundido e reelaborado na Idade Média, foram os antigos estudos de fisiologia e de etimologia (Jacquart e Thomasset, 1988, p. 186). Aristóteles (384-322 a.C.) – em De generatione animalium [Sobre a geração dos animais (1963, p. 91-3, 97, 101-3, 109, 173-5, 185, 459-61) – e Galeno (131-201) – em De usu partium (final do século II) [Sobre a utilidade das partes do corpo] (1968, ii, p. 630-2) – subestimaram o corpo feminino como deformado e impuro, frente à perfeição do corpo masculino, com as suas eficazes propriedades gerativas e intelectivas (Roussele, 1988, p. 12-20; Jacquart e Thomasset, 1988, p. 55-56).

Por uma espécie de habilidoso curto-circuito, as condenações da natureza e da fisiologia femininas correspondiam a pronunciamentos misóginos instruídos pelo entendimento teológico medieval. Por exemplo, o influente enciclopedista Santo Isidoro de Sevilha (c.570-636), nas suas Etymologiae [Etimologias] (1911, XI. i. 140), comenta sobre o poder destrutivo e maléfico do mênstruo. Nesse particular, Santo Isidoro de Sevilha estava seguido Plínio (Naturalis Historia) e impulsionando uma sólida tradição que tratou dos danos provocados pelo sangue menstrual como, por exemplo, Vincent de Beauvais (Speculum naturale [Espelho da natureza], XXXI. 24) e Papa Inocêncio III (De misera condicionis humane [Sobre a mísera condição humana], I. 4). Sobre essa tendenciosa associação da teologia com a fisiologia no antifeminismo medieval, Harold Bloch comenta que “in the misogynistic thinking of the Middle Ages, there can, in fact, be no distinction between the theological and the gynaecological” [no pensamento misógino da Idade Média, não pode haver, de fato, nenhuma distinção entre o teológico e o ginecológico] (1987, p. 20).

Mesmo Santo Agostinho (354-430) que, seguindo Galateus 3: 26-28 acerca da equivalência teológica dos dois sexos – e não concordando, em De Trinitate [Sobre a Trindade], XIII. 13, com a equação da mulher ao corporal –, ainda assim considerava a maior predisposição feminina para as solicitudes materiais e sensoriais como perturbadora da serenidade e espiritualidade da mente masculina (Borresen, 1981, p. 25-30). Santo Ambrósio (c.339-397), em De Paradiso (c.375) [Sobre o Paraíso], propõe uma interessante alegoria para a Queda de Adão e Eva, na qual a mulher representa os sentidos do corpo e o homem, a mente. Os prazeres agitam os sentidos, os quais, por sua vez, afetam a mente (1961, XV, p. 351).

A questão da companhia feminina apresentou-se especialmente problemática para

os primeiros Padres da Igreja, refletindo as considerações de São Paulo sobre a distração que o casamento e a família poderiam representar não só para a consolidação institucional do cristianismo, mas também para o alcance da excelência mental e espiritual do homem. Sobre isso comenta São Jerônimo (c.342-420) no seu Adversus Helvidium [Contra Helvidius] (1893, XXII, p. 344-45). Fundamentado em Mateus 19: 12, no seu Adversus Jovinianum (c.393) [Contra Joviniano], diz: “What happiness to be the bond-servant, not of a wife but of Christ, to serve not the flesh but the spirit” [Que felicidade ser o servo contratado não de uma esposa, mas de Cristo, para servir não à carne, mas ao espírito.] (1893, I. 11).

Se essa distração matrimonial e familiar podia ser teoricamente evitada, o que complicava era a quase redução da mulher a um repositório de vícios e a um lascivo convite ao homem para pecar (Owst, 1933, p. 395). Devido ao fato de meramente existir ou cultivar a sua aparência, a mulher foi metaforizada como uma mortífera espada desembainhada e um perigoso poço destampado. Essa terrível imagística misógina pode ser conferida, dentre outras fontes, em Tertuliano (c.160-c.225), no seu De cultu feminarum (século I ou II) [Sobre a aparência das mulheres] (1959, II. 2) e no Ancrene Riwle [Regra para as eremitas] (1955, II), um tratado anônimo do século XIII ou antes.

O tema do impuro e embusteiro olhar feminino foi freqüentemente glosado pelos Padres da Igreja, a exemplo das advertências de São João Crisóstomo (c.347-407) (Bloch, 1987, p. 15). Marbod de Rennes (c.1035-1123) começa o seu De meretrice [Sobre a meretriz] partindo desse tema (1984, cap. III). Enfim, a mulher era um recurso infeliz, uma perpétua fonte de desavenças e discórdias, conforme pode ser lido no Adversus Jovinianum [Contra Jovinianus] (1893, I. 48), de São Jerônimo (c.342-420), nesse caso, fiel herdeiro das idéias de Ovídio (43 a.C.-18 d.C.), em Amores (1982, II. 12) e de Juvenal (princípio do século II), na Sátira VI (1958, 242-3). A visão dessa disposição embusteira da mulher, não raras vezes considerada agenciada pelo diabo, reforçou a idéia de monopólio do homem na pregação e na prática de atividades religiosas sagradas. Nesse sentido, raríssimas foram as exceções que acorreram em favor da sua emancipação religiosa da mulher (McLaughlin, 1976, p. 73-90), a exemplo do que propunham os Waldenses (século XII) e os Lollards (1380-90) (Capes, 1914, p. 279; Aston, 1984, p. 55).

A copiosa e extravagante fala feminina, tais como a da Esposa de Bath (c.1390-95), de Geoffrey Chaucer (c.1343-1400), “for the male audience [of the time]. . . is never wholy divested of the titillating ambivalence of eroticism” [para a audiência masculina [da época] . . . não está nunca totalmente desvestida de titilantes ambivalências de erotismo.] (Patterson, 1983, p. 662). Essa ascética obsessão de condenar as mulheres de verem e serem vistas constitui um intrigante paradoxo bastante em voga no século XII, qual seja, a prática de uma adoração cortês da mulher concomitante à acerba denegação da sua realidade (Bloch, 1987, p. 15). É de se considerar se esse medo do poder de erotização e prodigalidade sexual da mulher não se relacionava com um complexo de inferioridade do homem, sendo para auto-imagem masculinista simplesmente mais conveniente degradar as mulheres ao nível das mais indecentemente libidinosas criaturas. Idéias desse tipo – e de que a luxúria do amor efeminava os homens – comparecem com incrível insistência no pensamento medieval, a exemplo, do que dizem Santo Isidoro de Sevilha (c.570-636), nas suas Etymologiae [Etimologias] (1911, XI, ii. 23), Jehan Le Fèvre (séculos XIV-XV), nas suas Les lamentations de Matheolus (c.1371-72) [As lamentações de Matheolus] (1982, II. 1571-1702), Andreas Capellanus (séculos XII-XIII), no seu De amore (c.1185) [Sobre o amor] (1982, III. 50) e John Gower (1325?-1408), no seu Confessio amantis (1386-90) [Confissão de um amante] (1900, VII. 4239, 4292).

Esse equacionamento da mulher à libido a fazia insuficiente de inteligência e razão mais desenvolvidas, sendo apenas boas para pequenos conselhos e tomadas de decisão imediata. Sem darem tanto crédito às capacidades femininas, os contadores de histórias medievais ficavam surpresos pelo fato de muitas heroínas dos fabliaux ultrapassarem os seus maridos com provas de notável presciência (Spencer, 1978, p. 211), fato que levou um misógino como Jehan Le Fèvre (séculos XIV-XV) a ponderar, em Le Livre de Leesce [O livro de Leesce] (1905, 1156-610) que, talvez, as mulheres fossem mantidas fora das profissões legais precisamente porque os homens temiam os seus talentos, associados à tenacidade e sutileza, aspectos que Christine de Pizan (1365-c.1430), retomando em defesa da mulher, discute no seu Le Livre de la Cite des Dames (1405- ) [O livro da cidade das damas] (1982, I. 8. 8).

No início deste trabalho, foram mencionadas algumas obras antifeministas sempre

lembradas, em primeira mão, quando se discute a misoginia medieval. Entretanto, a tradição literária nesse terreno era o que se pode chamar de proficuamente enredada, baseada naquilo que hoje pode ser chamado de ‘precedente’. Entre os Padres da Igreja dos seis primeiros séculos depois de Cristo, precedente era um extenso conjunto de citações bíblicas, discretamente reforçadas por citações provindas da literatura romana. Entre os escritores de textos antifeministas do século XI em diante, precedente significou extratos da primeira onda de textos feministas como, por exemplo, o Adversus Jovinianum (c.393) [Contra Jovinianus], de São Jerônimo (c.342-420), o qual foi como que reliberado no século XII; A carta de Valerius a Rufinus, contra o casamento (c.1180), de Walter Map (1140-c.1209); e o De amore (c.1185) [Sobre o amor], de Andreas Capellanus (séculos XIIXIII). Além disso, significou: (1) um número, relativamente pequeno, de lúgubres considerações sobre as mulheres, provindas dos livros bíblicos de Provérbios, Eclesiastes e Eclesiásticus, devendo-se notar que esse último livro encontra-se, agora, excluído das bíblias não-católicas, por ser considerado apócrifo; (2) a segunda das narrativas gêmeas da Criação tratada no Gênesis, junto com o relato da Queda e da punição de Eva; (3) certas histórias de celebrados heróis bíblicos que se indulgiram no pecado do sexo; (4) as epístolas de São Paulo; (5) máximas ou aforismos de Ovídio, Juvenal, Virgílio e outros, tais como, Valerius Maximus, o qual se notabilizou como compilador de uma coleção de anedotas, do primeiro século depois de Cristo; e (6) afirmações extraídas, com o correr dos tempos, de escritos de Padres da Igreja.

Uma das peculiaridades do uso desse corpus antifeminista era a recorrência homogênea e ad nauseam de seus exemplos, tornando essa tradição antifeminista uma intrincada rede de absorventes relações entre os textos. Não raramente, as citações eram descontextualizadas como, por exemplo, as do Livro de Provérbios, onde uma citação condenatória de uma mulher má ou estranha era escolhida sem se levar em conta que uma passagem a ela adjacente podia ser um elogio a uma boa mulher (Rogers, 1966, p. 6-7). Entretanto, muito mais desconcertante do que essa descontextualização, era a manipulação de uma citação de forma a extrapolar o seu sentido no contexto original, ocasionando a difamação da figura feminina. Por vezes, a anulação do contexto da citação estendia-se para abranger narrativas inteiras. É o caso da parcialidade na condenação de Bathsheba, uma vez que a Bíblia não dá a entender que ela propositadamente seduzira o rei David, com ele cometendo o pecado do adultério. Esse pretexto antifeminista foi um prato cheio para os comentadores misóginos, pois, ainda em 1983, Conroy desconfiava da integridade moral de Bathsheba (1983, p. 115-16).

A misoginia medieval constituiu-se de um verdadeiro arsenal miscelânico de provérbios antifeministas e de imprecações bíblicas contra as mulheres, dando a impressão de que os textos que utilizam esse material são excessivamente formulaicos, repetindo vozes ressonantes de incansáveis lugares-comuns (Mann, 1991, 50; John de Salisbury (1938, p. 355).

Além das condenações anteriormente apontadas, era ainda imputada às mulheres o compulsório vício de sempre resmungar, associado a uma incontinência verbal abusiva e licenciosa (Bloch, 1987, p. 4-5), própria de uma língua trocista (Patterson, 1983, p. 660- 61). A ênfase nessas características, além das indicações bíblicas, remonta a São João Crisóstomo (c.347-407) que, na sua Homilia IX, acerca da Carta de São Paulo a Timóteo,culpou Eva por arruinar tudo, no minuto em que ela abriu a boca no Paraíso. A recorrência mais consistente a certos motivos antifeministas, não parece fazer da misoginia medieval um sistema, com princípios e padrões estruturais presidindo a sua expressão. Não obstante isso, pelo menos duas características podem ser apontadas: (1) que os tratados misóginos, a exemplo de As lamentações de Matheolous (c.1371-2), de Le Fèvre (séculos XIII-XIV), foram estruturados de forma extremamente solta, “with the charges and invectives juxtaposed in an order defying logic” [com cobranças e invectivas justapostas em uma ordem que desafia a lógica.] (Cassell, 1975, p. xx), e (2) a presença de uma escassez de modelos recebidos da tradição antifeminista literária, tendo, muitas vezes, o autor que se basear em modelos de outros setores da escrita medieval.

Apesar dessa falta de estruturação, quatro modelos tradicionais de escrita foram apropriados pelo antifeminismo medieval. O mais simples deles, derivado provavelmente de Ovídio, foi o modelo de catálogo de exemplos ilustrativos, freqüentemente encabeçados por Pasiphaë. Esse modelo incluía também a forma de panegírico, em que as boas e virtuosas mulheres bíblicas serviam como contraste, de efeito retórico negativo, para denegrir as más. Walter Map (1140-c.1209), em sua A carta de Valerius a Ruffinus, contra o casamento (c.1180) foi um dos grandes divulgadores desse modelo de catálogo. Um segundo modelo derivava de Juvenal (princípio do século II), da sua conhecida Sátira VI que, desaconselhamento o casamento, cataloga uma rol de mulheres romanas satirizadas por sua indesejabilidade para o matrimônio. O terceiro modelo – talvez o mais influente devido não só à sua concisão, mas também à sua aura de antiguidade autoritativa – foi o suposto libelo de Theophrastus acerca da dissuasão ao casamento. Incorporado ao Adversus Jovinianum [Contra Jovinianus] (c.393), de São Jerônimo (c.342-420), tecia ardilosos comentários misóginos, como aquele que comentava sobre a impossibilidade de se assegurar da fidelidade da mulher que, se fosse bonita atrairia um enxame de amantes e, se fosse feia, iria à procura deles. Finalmente, um quarto modelo consistia no recurso expressivo de reclamação em primeira pessoa, utilizado pela linguagem feminina. Pode ser encontrado em partes de La veuve (século XIII) [A viúva], de Gautier Le Leu; em As lamentações de Matheolus (c.1371-72), de Le Fèvre (séculos XIII-XIV); e em Il Corbaccio (c. 1355) [O Corbaccio], de Giovanni Boccaccio (1313-1375).

A seleção de referências feitas neste trabalho a propósito da misoginia na Idade Média, é, na realidade, apenas a ponta de um imenso iceberg. Na lista de autores e textos apresentados, poder-se-ia ainda incluir nomes como Hildebert de Tours, Hugh de Fouilloy, Peter de Bois e muitos outros; como também comédias medievais, numerosos poemas curtos e produções em diferentes línguas vernáculas como, por exemplo, as de Juan Ruiz, Cecco d’Ascoli e Deschamps.

A prática antifeminista medieval, muitas vezes representada pelo simples costume ou gosto da denúncia pela própria denúncia, leva à suposição de que a intelligentsia medieval considerou as fórmulas retóricas da misoginia como um jogo ou como uma arena apropriada para mostrar os seus dotes literários. Talvez nenhum escritor medieval tenha chegado tão perto dessa conclusão como Jehan Le Fèvre que, declarando ter impulsionado os seus argumentos acerca da mulher à sua conclusão lógica, ainda assim, não conseguiu se isentar de lugares-comuns e símiles cunhados, desde longa tradição, para representar a sua figura (1982, II. 2589-648). O que vem ainda demonstrar que poderia tratar-se de um jogo foram as atitudes de Marbod de Rennes (c.1035-1123) e de Le Fèvre (séculos XIII-XIV), os quais, parecendo exercitarem-se retoricamente dialéticos, emparelharam argumentos ofensivos e defensivos acerca da mulher.

O caso da misoginia praticada na Idade Média não passar de um jogo para o exercício de habilidades retóricas, apresenta, entretanto, o risco de se subestimar a questão. Embora não se possa negar que existiu, no tratamento da misoginia medieval, um elemento de paixão pelo debate per se, também existiu muito de provocação tendenciosa e política nesse debate, para que ele seja considerado como não-sério. Nesse caso, basta ser lembrado que, como saldo desse debate antifeminista, resultou, entre outras coisas, a incriminação da responsabilidade feminina na Queda e no Pecado Original e, daí, a continuação da exclusão da mulher do serviço e da vida pública.

O que se tem comentado até aqui neste trabalho, fazendo jus ao que o seu título propõe, pode dar a impressão de que o pensamento medieval, em se tratando da mulher, primou-se exclusivamente por uma monolítica postura misógina. Se não perfeitamente concomitante, ao lado de uma literatura radicalmente antifeminista, existiu uma sua contraparte, acorrendo em defesa da mulher, constituindo como que respostas àquele tipo de literatura. Portanto, foi a partir de ultrajantes pronunciamentos dos antifeministas medievais que uma reação contrária se enraizou. Mas, esse incipiente feminismo medieval constitui assunto para outro trabalho, o qual poderia se intitular “Defesa da mulher e o afrouxamento da tradição misógina medieval”. Finalmente, dado o fato de a misoginia medieval parecer ter sido um fenômeno que, intimamente ligado a valores culturais, constitui, desafortunadamente, a própria mentalidade da Idade Média, o presente trabalho começará por preencher os objetivos do seu autor se ele ajudar a equipar os seus ouvinte para julgarem, por si mesmos, tal assunto.

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