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INFRA-ESTRUTURAS EM ENERGIA E TRANSPORTES E CRESCIMENTO ECONÔMICO NA CHINA

Elias Marco Khalil Jabbour



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ANEXOS 1- Entrevista com o Prof. Luiz Gonzaga Belluzzo

Esta entrevista foi realizada numa quinta-feira, dia 30/11/2004, na residência do prof.

Belluzzo e que, além de mim, contou com a presença do professor do Departamento de Geografia da USP e orientador desta pesquisa, Armen Mamigonian.

O ponto central dessa conversa girou em torno das diferenças em política econômica que levaram à China ao posto de nação com maiores índices de crescimento nos últimos 25 anos. Ao contrário das explicações que obedecem a formas superficiais e que alimentam análises que fortalecem o “mito exportador” chinês, o prof. Belluzzo observa tais exportações como forma de a China gerir divisas externas que, por sua vez, internamente viabilizam uma política de juros atraente ao crédito e capacitam o Estado a gerenciar gastos públicos no sentido de ampliação da demanda doméstica.

***

Elias: Primeiramente bom dia, prof. Belluzzo; bom dia também ao prof. Armen.

Sobre o crescimento econômico rápido e de longa duração, é recorrente a idéia de que tal fenômeno na China é causado pelo que Krugman e Young chamam de “acumulação de fatores”, entre os quais: capital, mão-de-obra etc. Acredito serem insuficientes essas análises que partem desse tipo de pressuposto.

Na opinião do Sr. em que consiste o “enigma chinês”?

Prof. Belluzzo: Essa é uma questão difícil de se responder de uma maneira simples, porque na verdade acho que a idéia das reformas na China nasce da ruptura com o modelo soviético baseado numa “economia de comando”. Ela começa em 1978 e tem uma enorme importância à observância dos modelos dos países asiáticos; Japão e Coréia, sobretudo. Digo isso porque a China é uma espécie de reprodução em um ponto grande, se observarmos uma macro-reprodução do modelo asiático, pois se combina uma enorme centralização das decisões com a descentralização do poder econômico. Isto começa primeiro com a reforma agrária.

Na verdade, a transformação da propriedade estatal... Ou melhor, não existe um regime de propriedade privada no campo, porque a terra ainda é propriedade do Estado, mas passou-se a ter um estatuto de usofruto das famílias, ativando rapidamente a agricultura familiar, com uma descompressão progressiva do sistema do sistema de quotas que são entregues ao Estado, e foram descomprimindo devagar os preços. Então, na China houve um processo de transição de uma economia centralizada para uma economia, digamos, socialista de mercado, de utilização do mercado como instrumento de coordenação. Assim, não houve um choque como o que aconteceu na União Soviética, onde houve uma tremenda descompressão dos preços.

Por outro lado os chineses não fizeram um processo de desestatização abrupta, mantiveram as empresas estatais e foram abrindo às Zonas de Processamento a empresas estrangeiras permitindo joint-ventures com as empresas de município. Como é a tradução de empresas de município, que não são estatais, mas são municipais?

Elias: Se não me engano são as “Township and Village Enterprises” ou Empresas de Cantão e Povoado...

Prof. Belluzzo: Isso. Então, a transição foi feita de uma maneira muito cuidadosa, no sentido de não se promover o choque. E a abertura também foi feita de maneira gradual. As zonas litorâneas foram escolhidas como reprodução do modelo coreano: fazer com que as zonas de processamento servissem na verdade como uma etapa de transição para uma economia mais descentralizada.

Portanto, durante os anos 70 e 80 os chineses foram fazendo essa transição quase que silenciosamente. Não havia muita informação. Quem chegava na China em meados da década de 1980, como cheguei, olhava e pensava: “Isto é uma confusão”. Se você conversasse com as pessoas perceberia qual era o rumo daquilo, mas você observando não saberia como a coisa ia ficar. Observavam-se empresas com nível tecnológico distinto, com as empresas estatais em processo de reforma de reestruturação. Lembro-me que um amigo meu que foi comigo dizia: “Isso aqui vai dar errado”. O que na verdade aconteceu foi o não-desmantelamento do sistema estatal. Ele foi sendo readaptado à nova conformação econômica chinesa. Eles usaram muitas vezes as empresas estatais e as empresas municipais como espécie de gancho para as jointventures com as empresas estrangeiras. Então os chineses não fizeram um processo de desestatização semelhante ao ocorrido na União Soviética, onde se faz um leilão da empresa, privatiza-se e liberam-se preços.

Ao mesmo tempo em que se foi fazendo a descompressão aceitou-se investimentos estrangeiros que de início vinham da própria Ásia. Quero dizer, por que a estratégia chinesa como grande país exportador deu certo?

Primeiro, eles perceberam que se abrissem a economia, receberiam grandes investimentos da Ásia e da Taiwan, e do próprio Japão, pois eles “pegaram” uma situação difícil da economia asiática no final da década de 1980 – quando o Japão fora obrigado pelos EUA em 1985 a valorizar sua moeda, a chamada hendaka. E então, os japoneses começaram a distribuir seus investimentos em outros países asiáticos e nesse momento a China com as Zonas de Processamento encontrou um ambiente externo muito favorável para investimentos se deslocarem ao país. Já a partir da década de 1990 percebe-se a entrada mais intensa dos europeus e dos próprios americanos.

Hoje, sabemos que boa parte do déficit, dos americanos com a China, provém de empresas americanas em joint-ventures com empresas chinesas. Precisamos fazer a conta direito, pois se olharmos somente as empresas de propriedade americana nós nos confundiremos. Temos de olhar as empresas em regime de joint-venture. Sabemos que a Boeing se abastece na China como uma joint-venture localizada no interior chinês. Então muitas vezes as pessoas que vão fazer pesquisas se confundem, falam assim: “a maior parte das empresas que exportam na China, é chinesa...”. Na verdade, muitas delas são jointventures com empresas chinesas.

Portanto, nessa fase de transição, os chineses foram reordenando as relações econômicas dentro da China. É só vermos o tipo de reforma agrária que foi realizada. Eles sabiam que se fizessem um tipo de reforma agrária transformando rapidamente em agricultura familiar e conseqüente tecnificação, iria se gerar uma massa de desempregados que iriam “atolar” as cidades chinesas.

Logo, em resumo, tomo três pontos essenciais: 1) a reforma agrária, 2) a reforma econômica no setor industrial, que permitiu a entrada de capital estrangeiro sob forma de joint-venture com empresas chinesas, quer dizer não se fez uma privatização típica ocidental, brasileira, e 3) o gasto público, se olharmos os elementos dinâmicos que regem a economia chinesa, perceberemos que as províncias interioranas crescem mais depressa a renda e o produto do que as províncias costeiras. Porque o modelo é o seguinte: os chineses sabem que uma economia daquele tamanho não pode ser movida pelas exportações, mesmo que se tenha uma abertura elevada como a existente na China. Mesmo se compararmos com países de igual tamanho, como os Estados Unidos, a relação exp+imp sobre o PIB, veremos a China como o país continental com maior índice de abertura...

Elias: 45% do PIB...

Prof. Belluzzo: É, mas já no Brasil tal relação é de 15%, nos Estados Unidos também 15%, na India é mais baixo ainda.

O setor exportador funciona como um provedor de divisas para a China crescer. Não que “puxe” o crescimento econômico. O que “puxa” o crescimento econômico são os investimentos domésticos, os gastos públicos e investimentos das empresas chinesas no interior do país. É como se tivessem duas válvulas, uma caracterizada pelo setor externo, que provê divisas e, portanto, permite a realização de políticas econômicas mais “frouxas” de crédito. Aliás, qual é a taxa de juros na China?

Elias: Seis por cento às empresas.

Prof. Belluzzo: Por quê? Porque essa taxa está fundada no crédito. Mas há um outro lado disso: o excesso de crédito que não é cobrável no sistema bancário chinês. Mas isso é uma reprodução do que aconteceu na Coréia. Então, há um setor agrícola que conseguiu “segurar” em termos relativos a mão-de-obra, os preços foram sendo liberados progressivamente ao mercado, e isso faz parte do financiamento da industrialização que consiste na transferência de produtos agrícolas para o sustento da urbanização, ao mesmo tempo em que o Estado subsidia uma parte do consumo dos alimentos nas cidades. Por outro lado, foi feita uma reforma empresarial nas empresas estatais e construído um forte setor exportador. Nas regiões costeiras existe uma série de benefícios dados aos setores exportadores. A China cobra critérios de desempenhos.

Então temos três elementos: a formação de uma demanda doméstica sustentada em gastos públicos e um sistema financeiro que só opera em moeda local. Nenhum banco chinês opera empréstimos em dólar a empresas chinesas. Se as empresas estrangeiras quiserem tomar lá fora, são autorizadas pelo Banco Central da China de modo que a empresa se responsabilize pelo pagamento daquela dívida. O governo chinês não dá aval à empresa.

Se tais empresas pediram dinheiro emprestado fora, as mesmas são responsáveis por gerirem dólares para o pagamento da dívida. Por isso na China há duas coisas, uma relativa liberalidade ainda que existam critérios de indução, ou seja, que digam onde se pode ou não investir para investimentos diretos, ao mesmo tempo em que há um controle de capitais.

Talvez aí se encontre a singularidade da China.

A China nos anos 90, diferentemente do que aconteceu na América Latina, há uma composição de investimento em que uma boa parte está sentada em bases produtivas novas.

Nós não. Existe algo camuflado, pois como existem muitas joint-ventures muito desta capacidade produtiva nova entra na forma de fusões e aquisições e não é. O que existe é uma transferência de tecnologias para empresas chinesas.

Elias: Fala-se acerca da probabilidade de a China adentrar em um estágio marcado por eficiências marginais decrescentes...

Prof. Belluzzo: Essa é uma idéia equivocada, sabe por quê? Porque a China é um dos países que mais gastam com P&D. Agora mesmo saiu um relatório da ONU demonstrando isso. Então, tal afirmação é um equívoco.

O que a China fez afinal, de fato, foi uma aposta numa expansão importante de sua demanda interna, como diz o Krugman, na acumulação de fatores ao mesmo tempo em que foi diversificando sua pauta de exportação. A China é o país do 3º mundo com a pauta de exportações mais diversificada. Ao olharmos o relatório da UNCTAD, verificamos que ela exporta desde produtos eletro-eletrônicos até bichinhos de pelúcia e sapatos. Entramos em supermercados europeus e observamos que os ursinhos de pelúcia são de fabricação chinesa.

A China apostou na diversificação da pauta.

Agora esses produtos estão começando a entrar na pauta de exportações de bens com maior valor agregado e maior conteúdo tecnológico. Se imaginarmos que tal crescimento longo não foi feito sem graduação tecnológica, é pura ingenuidade. Não se consegue um crescimento desse sem avanço tecnológico. A China avançou em vários mercados de alta tecnologia deslocando seus competidores asiáticos. Não se pode fazer isso sem uma estratégia de graduação tecnológica.

Prof. Armen: Atualmente a China exporta mais e importa menos computadores aos Estados Unidos...

Prof. Belluzzo: Exatamente, a China fez graduações tecnológicas rapidamente, a exemplo dos tigres asiáticos. E hoje em dia se analisarmos o comércio EUA-Ásia-China, perceberemos o comércio ultraconcentrado nos setores de maior intensidade tecnológica. É claro que os chineses também exportam confecções aos EUA, também sapatos...

Prof. Armen: Mas também computadores.

Prof. Belluzzo: A peculiaridade da China é essa, reproduziu tudo isso em um espaço de tempo muito curto. Se observarmos a história do Japão e da Coréia, veremos similaridades: de início produtos têxteis, depois produtos eletrônicos de baixa tecnologia, como aquele “radinho speaker”. Daí os japoneses passaram a invadir o mercado de maior valor agregado, equipamentos médios, assim como a China hoje. Porém, no caso chinês, num espaço menor de tempo. E o tamanho da China é impressionante, sua pauta é muito diversificada. Você observa a pauta do Brasil, teremos complementaridade com a China onde? A China na verdade tem problemas do ponto de vista agrícola, ela vai ter de se transformar em uma grande importadora de produtos agrícolas. Tanto é que está jogando com o Brasil na OMC ao mesmo tempo em que vai construindo um caminho de “invasão” em áreas com maior poder tecnológico. Aliás, já deu um sinal de onde estão chegando ao enviar um homem ao espaço.

O conjunto de indústrias e atividades envolvidas no envio do homem ao espaço com tecnologias muito avançadas é muito grande. Só que na União Soviética o setor de alta tecnologia ficou isolado no setor aeroespacial. Na China, não, eles já estão transferindo tecnologia para uso civil.

Elias: É o “pé” na chamada 3ª revolução industrial?

Prof. Belluzzo: Sim, eles já estão lá.

Daqui a pouco vai haver empresas chinesas investindo por aqui na área de eletroeletrônica.

E agora começa uma outra etapa, o fato de as empresas chinesas começarem a sair – a etapa da globalização, que não foi feita pelo Brasil, mas foi feita pela Coréia. Hoje todas as grandes empresas coreanas são internacionais, e a China vai pelo mesmo caminho.

Elias: Estatais Globais, no caso?

Prof. Belluzzo: São semiestatais no caso.

Elias: Vamos falar um pouco do sistema financeiro chinês. Nos últimos anos a imprensa ocidental tem se referido com demasia à proximidade de um colapso do frágil sistema financeiro chinês. Eu pessoalmente acredito que a China segue um caminho onde o mercado de capitais tem papel crescente em contraposição ao Japão, onde o mercado acionário pouco representava como fonte de financiamento, e onde a intermediação financeira processava-se basicamente por intermédio de depósitos em bancos e instituições...

Prof. Belluzzo: Mas o sistema chinês também era assim. Houve um congresso recente sobre problemas do sistema financeiro chinês. A China adotou como os outros países asiáticos o modelo do banking, ou seja, as finanças fundadas no banco. Isso o Japão fez na década de 1960, a Coréia também. Eles adotaram o modelo do banco principal, o mainbanking. Agora eles precisam de muito cuidado para fazer a passagem ao mercado de capitais. Você tem razão quando diz que eles vão tentar fazer tal passagem, mas vão fazer de uma maneira muito cuidadosa, pois para isso precisam primeiro deixar seus bancos mais enxutos; afinal hoje em dia, devido à industrialização muito rápida, acumularam-se “montanhas” de débitos “podres” no sistema chinês. Hoje já é possível haver bancos de investimentos estrangeiros na China, 186 mas de uma forma muito progressiva. Logo, a limpeza do sistema financeira é pré-requisito para a passagem ao mercado de capitais, se não é muito complicado fazer tal passagem, muito arriscada.

Porque os sistemas baseados na finança direta supõem a existência de mercados secundários muito amplos, aliás, se baseiam na amplitude de tais mercados secundários.

Então, é preciso fazer essa transição progressivamente. Caso contrário poderá advir danos irreparáveis ao sistema bancário chinês. Você sabe que o sistema bancário chinês em sua maior parte não é privado, é estatal e, por outro lado, quando o Japão foi levado a fazer uma reforma no setor financeira nos anos 1980, levou essa “truncada” aí. Então, a China tem o exemplo do Japão. O Japão foi pioneiro e se “ferrou”.

Não se pode fazer isso pelo seguinte, pois o mercado de capitais precisa de outras regras. Você observou que todas as bolsas este ano tiveram uma valorização muito expressiva, menos a de Shenzen, que caiu até a semana passada em 13,5% em um ano. Porque as bolsas, exceto no período da “pax britânica”, nunca tiveram tanta importância na captação de recursos. As bolsas têm uma outra função: avaliar diariamente os valores do mercado. Já negociar na bolsa passa pelo mercado secundário, mesmo no período recente nos EUA você vai observar que as empresas mais tiraram do que colocaram ações na bolsa. Então, a função da bolsa basicamente é passar o valor de mercado das empresas, mas ela não tem uma função importante de provedor de novos recursos em nenhuma economia importante, nem na americana. O que pode acontecer é o seguinte é a de ter uma ação muito valorizada na bolsa e se você precisar emitir um bônus para se endividar. Esse bônus pode ter uma avaliação das agências de risco mais favoráveis e conseguir empréstimos mais baratos. Mas nem isso, as empresas americanas na maioria das vezes se financiam; ao contrário das empresas asiáticas com lucros acumulados. Essa alavancagem alta é típica das economias asiáticas. Elas usam os créditos bancários como um bem, enquanto nos EUA as dívidas cresceram devido às fusões e aquisições. Pois se fazia o seguinte: valorizava-se as ações de sua empresa na bolsa, emitia-se dívida para adquirir uma outra empresa na bolsa e depois se retirava a ação do mercado.

Para mim, quando falamos em mercado de capitais, estamos falando em mercado de dívidas, um mercado secundário de dívidas. E isso é o que a China tem de fazer, a partir da securitização de créditos e conseqüente lançamento no mercado. É é isso o que os chineses vão fazer. Por isso, os economistas chineses são muito bons. Eles sabem que na verdade não se pode transformar a bolsa em centro do sistema financeiro. A bolsa é um dos elementos, mas ele tem muito a ver com o movimento de precipitação das empresas, não com o movimento de captação, pois as bolsas funcionaram ao revés.

Elias: Mas Prof. Belluzzo, quando falo em mercado de capitais, trato do aparelhamento de um sistema financeiro pronto a carrear recursos a setores ociosos. Por exemplo “Três Gargantas”, ferrovia “Qinghai-Tibet”, gasoduto “Oeste-Leste”, tem boa parte de seus ativos cotizados em bolsa de valores.

Prof. Belluzzo: Tudo bem isso é importante, porque, na verdade, se favorece a montagem de pacotes financeiros, que tem financiamento mais barato, mas obrigatoriamente não se captará recursos em bolsa de valores, pois está se oferecendo valores de empresas que obrigatoriamente emitem balanços. E o problema dos países socialistas, é que as empresas não tinham balanços. E quando se leva à bolsa de valores, a empresa torna-se visível e passível de ser avaliada. Agora tais obras não serão concluídas com dinheiro das bolsas e é isso o que estou lhe dizendo. Quero dizer o seguir o seguinte: vamos fazer tal empreendimento e captar recursos na bolsa de valores – para mim, isso não existe. A bolsa funciona como uma espécie de garantidora de que se saberá acerca do desempenho geral da empresa. Neste caso precisase montar um pacote. Como a China está financiando?

Elias: As obras?

Prof. Belluzzo: Sim. De que forma? Com crédito bancário, dinheiro externo...

Elias: Uma grande quantia inicial por parte do Estado. Verifica-se a adoção de métodos licitatórios que baratearam os valores originais das obras...

Prof. Belluzzo: Então existe um pacote financeiro.

Elias: Sim, com múltiplos canais.

Professor, o senhor já falou aqui do papel decrescente das exportações na performance da economia chinesa. Então faremos uma pergunta mais ligada a nossa dissertação. Gostaríamos, lógico, de uma opinião sua. O norte central de nossa pesquisa é a idéia de que o atual estágio da economia chinesa, acompanhada de índices macroeconômicos satisfatórios, aliado à eclosão da crise asiático de 1997 criou clima favorável a uma política econômica voltada para a formação de um mercado interno de massas como forma de “blindar” o país de crises inerentes ao mercado internacional.

Sustentamos em nossa pesquisa que o alavancamento de gastos públicos, aumentado consideravelmente a partir de 1998, voltados à consecução de centenas de projetos em infra-estruturas em energia e transportes é atividade-meio para o objetivo por nós já exposto. Os dados de que dispomos sobre o período pós-98 dão conta de tal viragem. A análise e conseqüente argumentação feita tem algum sentido para explicar a China hoje?

Prof. Belluzzo: Mas é exatamente isso o que está acontecendo. Vamos dar uma olhada no modelo chinês onde fica claro que as exportações estão a serviço de captação de divisas estrangeiras ao país. Ou seja, como eu sei que o crescimento econômico demanda por si só uma alta gama de importações, o país precisa ter reservas altas e superávit comercial. Isso serve como garantidor de que se pode fazer, somada ao controle de capitais, uma política doméstica baseada no crédito e no gasto público. Quer dizer, pegamos o exemplo do Brasil, onde a dívida externa está na casa de US$ 220 bilhões e as reservas cambiais em torno de US$ 20 bilhões, ou seja, temos 10 vezes mais dívida do que reservas disponíveis.

É só observarmos a estratégia. Por que a China partiu para isto? Porque eles sabem que o crescimento econômico demandará importações. E partiram do modelo asiático de as exportações crescerem mais que as importações. Agora temos isso na China. Sabemos que as exportações têm um limite, porém o país tem mais de US$390 bilhões em caixa, o que dá vazão a uma baixa taxa de juros e uma política fiscal ativa.

Que o modelo tem riscos tem, afinal, se tivermos uma recessão mundial muito forte, os chineses terão de mudar o eixo desse negócio, pois serão afetadas as suas exportações. O setor externo funciona na verdade como provedor de liquidez para o setor interno. Mas a mola propulsora do crescimento econômico na China está no gasto público e no crédito interno.

Logo a sua hipótese está certa, mas está certa desde o início da década de 1990. Não é que as exportações “puxam” o crescimento econômico chinês. Elas nunca puxaram, pois é impossível “puxar” uma economia daquele tamanho somente pelas exportações. É como a brasileira, como se vai “puxá-la” pelas exportações. As exportações brasileiras estão crescendo, mas e a economia como está? Pois não há capacidade de se baixar as taxas de juros para estimular o crédito e nem a possibilidade de abandonar o superávit primário e gastar. Os chineses sabem que se não tiver alguém gastando, ou as empresas ou o governo, a renda não cresce. Como vai crescer? Nem por reza!!!

Elias: É verdade... Inclusive uma das idéias que levantamos a partir do dado de que 20% das exportações chinesas são direcionadas aos EUA, e que cerca de 50% delas são de produtos eletroeletrônicos, eletrodomésticos. Daí voltamos ao interior da China e percebemos que cerca de 60% de sua população rural não têm acesso à energia elétrica; logo, o Estado passou a ter uma política de reduzir a carga fiscal dos camponeses ao mesmo tempo em que subsidia energia elétrica a esta massa. Logo pensamos que boa parte dessa pauta de exportação aos EUA pode ser encerrada no próprio mercado interno.

Prof. Belluzzo: Sim, quando houver uma massa de renda suficiente, sim, é isso mesmo. O gasto público tem o papel, na medida em que se eletrifica o interior da China, de subir a renda real dessa população. Na verdade você soube que a China teve deflação, pois a ela criou muita capacidade acima da demanda. Na verdade, ela é um caso de industrialização sui generis porque criou capacidade acima da demanda. Vamos ver o Brasil: como se criou o mercado de automóveis, autopeças. O Brasil efetuou uma política de substituição de importações, ou seja, substituía importações à medida que tinha uma massa suficiente de renda que permitisse, dadas as escalas daquele momento, produzir internamente. A China não, lá se criou capacidade na frente. E agora o que ela está fazendo com o gasto público? Está criando demanda, um circuito de venda que possa na verdade dar mais margem de manobra em momentos de enfraquecimento do mercado internacional.

Elias: Professor, esta é a última pergunta que gostaríamos de fazer, sobre a relação entre a China e os organismos financeiros internacionais. A China rapidamente desde o início de sua política de Reforma e Abertura tratou de assegurar seu assento no Fundo Monetário Internacional. Entre 1996 e 2000 a dívida pública chinesa saltou de 7% a 13% do PIB e sabemos que alguns projetos de infra-estruturas contam com a participação minoritária de organismos como o FMI e o Banco Mundial...

Prof. Belluzzo: Existe muito dinheiro concessional na China. Os americanos estão reclamando, pois a China está virando um país rico...

Elias: O senhor fez parte da equipe econômica do presidente Sarney e acompanhou de perto o processo de moratório de 1987...

Prof. Belluzzo: Eu não acompanhei, eu fui um dos autores da moratória...

Elias: Então, professor, fica a famosa questão das “condicionalidades”. As chamadas “condicionalidades” são aplicadas a países com o grau de autonomia da China?

Prof. Belluzzo: Na verdade, é o seguinte: a China não precisa ir ao FMI devido ao nível de reservas de que dispõe. A China é “superlíquida” em moeda estrangeira, o problema é que temos de ver o seguinte: com raras exceções os tigres asiáticos hoje têm reservas superiores a cinco vezes suas dívidas de curto prazo. A Coréia tem US$ 130 bilhões, Taiwan US$ 70 bilhões. Não há nenhuma hipótese de irem ao FMI em curto prazo. A não ser que a China aceite essa sugestão, que não vai aceitar, de revalorizar sua moeda, pois seria desastroso para ela e os vizinhos, pois boa parte da poupança chinesa seria de demanda por dólares. Ao contrário do que os americanos acham. Se os chineses deixassem o reinminbi flutuar haveria uma demanda de dólares maior que a oferta. Logo, ao invés de revalorizar, irse-
ia desvalorizar o reinminbi num curto prazo. O que tornaria as exportações chinesas ainda mais competitivas.

Enfim, acho difícil de a China ir ao FMI. E caso tenha de ir, creio que o Fundo não terá recursos para tratar do desequilíbrio da balança de pagamentos da China, é um negócio monumental. O FMI não tem “bala” para isso.


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