AS RELAÇÕES ARGENTINO-BRASILEIRAS: IDENTIDADE COLETIVA E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO MERCOSUL

AS RELA??ES ARGENTINO-BRASILEIRAS: IDENTIDADE COLETIVA E SUAS IMPLICA??ES NO PROCESSO DE CONSTRU??O DO MERCOSUL

Daniela Cristina Comin

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Capítulo 2. A Teoria Construtivista

A teoria construtivista está inserida no chamado Terceiro Debate das teorias de Relações Internacionais, entre racionalistas e construtivistas. Os primeiros afirmam que os atores – tomadores de decisão, agências burocráticas, Estados – agem racionalmente, estabelecendo uma hierarquia como critério de escolha de seus objetivos, imprimindo um cálculo de custo-benefício na tomada de suas decisões e buscando maximizar benefícios e minimizar custos. Os construtivistas por outro lado, analisam as relações internacionais como se elas ocorressem dentro de uma sociedade cujas normas e agentes se influenciam mutuamente. As preferências dos agentes são formadas neste processo. (RAMALHO DA ROCHA, 2002).

Wendt (1999) classifica sua teoria como um tipo de “idealismo estrutural” pois encontra-se no meio termo entre a abordagem idealista e a holista ou estruturalista. A primeira enfatiza o compartilhamento de idéias, enquanto a última coloca a importância da influência das estruturas sociais ao contrário da visão individualista que reduz as estruturas aos indivíduos.

A teoria de Wendt critica o neorealismo de Waltz argumentando que ele não consegue explicar as mudanças do sistema internacional, pois considera a lógica da anarquia como uma constante. Além disso, Waltz afirma que a estrutura deste sistema é dada pela distribuição de capacidades materiais de seus atores, algo que Wendt não concorda, pois defende que tais estruturas são na verdade formadas por distribuição de idéias, de conhecimento. Porém, isto não significa que o construtivismo desconsidere a importância das forças materiais, é que, para esta corrente, o que imprime sentido/significado a estas forças é o conhecimento compartilhado o qual depende da estrutura social dominante que podem ser três: hobbesiana, lockeana ou kantiana.

Embora a cultura seja conservadora pode ocorrer uma mudança de estrutura em razão da contestação por parte de seus portadores, isto é seus agentes. Estas contestações podem advir de contradições entres as normas da cultura; do fato de agentes não serem completamente socializados; conseqüências intencionais de crenças compartilhadas; choques exógenos, como guerras; e criatividade, invenção de novas idéias dentro da cultura. (WENDT, 1999).

Quanto aos níveis de análise, o construtivismo também difere da teoria de Waltz. Este analisa o sistema como um todo, visto que a estrutura é independente dos agentes. Wendt, por outro lado, divide o sistema internacional em micro e macro-estruturas. A micro-estrutura se refere às interações entre as partes do sistema, ou seja, suas unidades, enquanto macro-estrutura diz respeito ao sistema como um todo. A relação entre micro e macro-estruturas é de superveniência: macro-estruturas não são reduzíveis às micro, mas dependem delas para existir. Interações na micro-estrutura podem produzir e reproduzir as macro-estruturas, mas uma mesma macro-estrutura pode ser produzida por diferentes combinações no nível micro.

A micro-estrutura é constituída por conhecimento comum definido por Wendt como crenças de atores sobre a razão, estratégias, preferências e crenças dos outros atores e sobre o mundo externo. Estas crenças não precisam ser verdadeiras, apenas devem ser consideradas verdadeiras; são modelos mentais compartilhados (WENDT, 1999). A micro-estrutura é subjetiva porque está na mente dos atores e também é intersubjetiva porque se trata de crenças sobre crenças dos outros. Já a macro-estrutura é formada por conhecimento coletivo e seu caráter é intersubjetivo , pois as crenças não podem ser reduzidas às mentes individuais, embora dependa delas para sua existência. Aqui a relação entre crenças individuais e o conhecimento coletivo é de superveniência. Por esta razão, Wendt argumenta que certas crenças como mitos e tradições presentes nas memórias coletivas produzem certos efeitos que são difíceis de serem desfeitos pois mesmo que alguns indivíduos se esqueçam eles permanecem.

As estruturas podem ter dois tipos de efeitos: causais e constitutivos. Efeitos causais agem sobre o comportamento dos atores enquanto efeitos constitutivos podem mudar suas identidades.

Identidades por sua vez podem ser de quatro tipos:

Pessoal ou corporativa: são aquelas características próprias dos indivíduos, que não dependem dos outros atores para existir. São formadas por estruturas auto-organizadas e que distinguem os atores. Elas sempre têm uma base material que no caso dos Estados seria seu território.

Tipo: são categorias sociais como religião ou lugar de nascimento, e podem ser referência para pessoas compartilharem valores, opiniões. No caso dos Estados, tipos de regime ou formas de Estado são alguns exemplos.

Papel: estas existem apenas em relação a Outros. Indivíduos podem adquiri-las apenas ocupando uma posição na estrutura social, como por exemplo, professores e estudantes.

Coletiva: identidade coletiva conduz o Self e o Other à identificação. Atores definem o bem-estar do Outro como se fosse parte do bem-estar dele próprio, em uma relação altruísta. “Altruistic actors may still be rational, but the basis on which they calculate their interests is the group or the ‘team’”. (WENDT, 1999, p.229).

Wendt (1999) afirma que identidades dizem respeito a quem os atores são e constituem a base para os interesses, visto que não se pode saber o que se deseja (interesse) sem que o ator saiba quem ele é. Alguns interesses são subjetivos, chamados por Wendt de preferências, e dizem respeito à forma como atores buscarão satisfazer suas necessidades. Outros são objetivos, isto é, são necessidades ou funções imperativas para reproduzir identidade e corresponderiam ao chamado interesse nacional que abrange a sobrevivência física, a autonomia, o bem-estar econômico e a auto-estima coletiva.

Assim, parte dos interesses e identidades são exógenos ao sistema, pois Estados têm uma individualidade. Porém, o significado atribuído a esta individualidade é construído na interação. A interação entre Estados é que produz a estrutura por meio de suas práticas. Estas, por sua vez, são condicionadas primariamente pelas identidades dos atores que dependem do tipo de estrutura na qual estão inseridos. Ou seja, agentes e estruturas se influenciam mutuamente.

Assim sendo, as estruturas são aqui consideradas como sociais porque ao agirem, indivíduos levam uns aos outros em conta tendo como base suas crenças sobre ele mesmo – Self - e sobre o outro - Other. Crenças podem ser compartilhadas e neste caso constituem a cultura que dará significado às identidades e aos interesses.

Deste modo, a anarquia, definida por Wendt (1999) como ausência de autoridade centralizada, não pode assumir apenas uma lógica, isto é, Estados vivendo sob anarquia não se verão sempre como inimigos, pois a estrutura de papéis dependerá do conhecimento compartilhado, ou seja, da cultura. Neste sentido Wendt afirma que podem existir três tipos de cultura: hobbesiana, lockeana e kantina. Em cada uma delas predomina um tipo de papel sendo respectivamente, inimigo, rival e amigo.

Each involves a distinct posture or orientation of the Self toward the Other with respect to the use of violence, which can be realize in multiple ways at the micro-level. The posture of enemies is one of threatening adversaries who observe no limits in their violence toward each other; that of rival is one of competitors who will use violence to advance their interests but refrain from killing which other; and that of friends is one of allies who do not use violence to settle their disputes and work as a team against security threats. (WENDT, 1999, p.258).

Cada uma destas três culturas pode ser internalizada em três graus diferentes os quais representam caminhos pelos quais as culturas serão internalizadas, ou a razão dos atores em obedecer às normas daquele tipo de cultura que seria pela força – onde o ator não tem outra escolha -, pelo preço – cálculo interessado – ou pela legitimidade – que está relacionado com a identidade do ator.

Quando Estados encontram-se em uma cultura hobbesiana o Self e o Other se relacionam como inimigos. Wendt descreve que inimigos constituem a representação do Outro como um ator que “(1) does not recognize the right of the Self to exist as na autonomous being, and therefore (2) will not willingly limit its violence toward the Self” (WENDT, 1999, p.260). Isto significa que a guerra total é eminente, pois os Estados não irão respeitar o direito do Outro de existir; é a guerra de todos contra todos; um jogo de soma-zero em que o ganho de um representa a perda do outro e onde predomina o sistema de auto-ajuda. Ao Self olhar o Other como inimigo suas ações farão com que o Other também lhe atribua este papel, e nesta interação é que a estrutura é reforçada.

No caso da internalização de primeiro grau nesta cultura, o ator reconhece a norma, mas só obedece a ela porque é forçado por algum tipo de ameaça ou punição caso não o fizesse. Na internalização de segundo tipo a norma é obedecida porque é mais vantajoso para o ator se assim agir. Porém, se os custos se tornarem maiores que os benefícios o ator deixa de segui-las. Já no terceiro tipo “actors identify with other´s expectations, relating to them as part of themselves.” (WENDT, 1999, 273). As normas aqui afetam os interesses e por isso a qualidade da obediência é mais alta.

A estrutura de papéis da cultura lockeana diferentemente da hobbesiana é baseada no papel de rival. Agora a soberania é reconhecida pelos atores, é uma instituição comum, e eles não mais vão buscar a destruição do outro ou a anulação da sua liberdade, pois existe uma auto-restrição em razão do respeito pela soberania. Disputas ainda existem, mas elas não mais ameaçam a sobrevivência dos Estados. A balança de poder é uma característica desta cultura. No caso do Brasil e da Argentina durante muito tempo perceberam-se como rivais, mas as disputas nunca chegaram a uma guerra de fato.

Estados obedecem à norma da soberania pela força quando são forçados por Estados mais poderosos; por interesse, quando o respeito pela soberania lhes traz maiores benefícios do que se não a respeitassem (cálculo interessado); e por legitimidade quando o princípio realmente é reconhecido, quando se identificam com ele.

O papel de amigo é a base da cultura kantiana. Nesta estrutura as disputas existem, mas os atores irão se comportar segundo as lógicas das comunidades pluralísticas de segurança descritas por Karl Deutsch e da segurança coletiva. No primeiro caso as partes integrantes têm um compromisso em não entrarem em guerra entre si, enquanto que no segundo rege o princípio da ajuda mútua, ou seja, a ameaça a um membro implica uma agressão a todos os outros. Contudo, amigos também podem entrar em disputas, só que neste caso os tipos de poder usados não serão o militar, mas o discursivo, econômico e institucional.

Como nas outras culturas, aqui a internalização também pode ser em três graus. Estados obedeceriam por coerção nos casos de interdependência econômica, fragilidade da civilização moderna ou guerra nuclear. Na internalização de segundo grau

[...] friendship is a strategy, an instrumentality, that states choose in order to obtain benefits for themselves as individuals. There is no identification of Self with Other, no equating nation interests with international interests, no sacrifice for the group except as necessary to realize their own, exogenous interests […]. (WENDT, 1999, p.304).

Desta forma, Wendt afirma que os Estados agem “como se” fossem amigos diferentemente do que ocorre na internalização de terceiro grau onde há uma identificação do Self e do Other, onde o respeito pelas normas não é mais instrumental, mas legítimo. Neste caso ter-se-ia a formação de uma região cognitiva. Wendt chama este fenômeno de identidade coletiva, mas vários outros termos podem ser usados: “we-feeling, solidarity, plural subject, plural, common in group identity, thinking like a team, loyalty and so on”. (WENDT, 1999, p.305).

Identidade coletiva gera, segundo o autor, interesses coletivos, o que implica que tais interesses não são egoístas, leva-se em conta o grupo. Neste caso, os interesses internacionais são parte dos interesses nacionais. Este conceito é importante para o objetivo deste trabalho que é pensar se no caso do Mercosul, Argentina e Brasil agem levando em conta o interesse do grupo.

Portanto, as formas como os atores se comportam no sistema internacional dependem das estruturas que são formadas na interação entre os agentes, os quais por sua vez sofrem influência da cultura na qual estão inseridos. Estruturas e agentes são processos, pois como afirma Wendt (1999), ambos são efeitos dos que as pessoas fazem. Neste sentido é possível pensar na mudança de estrutura.

Com efeito, afirma-se que, por um lado, o comportamento dos agentes se define com base nas condições estruturais em que se encontram imersos; por outro, seu comportamento não se define inteiramente fundado nessas estruturas, motivo pelo qual elas próprias se transformam, já que os agentes são capazes de construir novas estruturas e redefinir as antigas. (RAMALHO DA ROCHA, 2002, p.209-210).

A mudança de uma estrutura para outra pode ocorrer, do ponto de vista construtivista de Wendt, pelo interacionismo simbólico no qual Estados não estão apenas tentando adquirir o que eles querem, mas buscando sustentar as concepções do Self e do Other, isto é, na interação não são apenas os comportamentos que são afetados, mas também as identidades dos atores que são a base dos interesses. O autor aponta duas maneiras através das quais identidades podem ser mudadas pelo interacionismo simbólico: a seleção natural e a seleção cultural, esta última destacada por Wendt (1999).

A seleção cultural é um processo através do qual certos comportamentos são transmitidos e podem ocorrer mediante dois mecanismos: a imitação e o aprendizado social. “Identities and interests are acquired by imitation when actors adopt the self-understandings of those whom they perceive as ‘successful’, and as such imitation tends to make populations more homogeneous.” (WENDT, 1999, p.325). Por exemplo, o capitalismo seria visto como um modelo de sucesso e por isso seria “imitado” por países não-socialistas. Mas Wendt alerta que a imitação depende do contexto cultural porque em cada momento histórico “sucesso” pode adquirir diferentes significados.

Em relação ao aprendizado social, diferentemente dos racionalistas que falam apenas de efeitos sobre o comportamento ou aprendizado simples, os construtivistas argumentam que pode ocorrer o chamado aprendizado complexo, isto é, identidades e interesses também podem ser afetados na integração. A grosso modo isto ocorre da seguinte forma: atores moldam e reforçam suas identidades e interesses a partir da forma como são tratados pelos outros, como se estes fossem “espelhos” nos qual o Self vê projetada sua imagem.

Em um primeiro contato entre atores ainda não existem idéias compartilhadas e cada um traz consigo uma base material e idéias sobre quem são. A atribuição de identidade ao outro só pode ocorrer a partir da interação. Wend (1999) descreve este processo. Primeiro Ego toma alguma ação e Alter percebe isto como o papel que Ego quer ter e quer que ele tenha na interação. Caso Alter mude suas concepções por causa da ação de Ego ocorreu aprendizado – simples ou complexo. A mudança significa que Alter refletiu sobre a informação de Ego e mudou em função dela. Alter então toma uma ação e Ego irá responder depois de interpretá-la, e assim por diante, até que ambos decidam que a interação terminou. Neste processo é que se forma o conhecimento compartilhado ou cultura e, portanto, as identidades e interesses. Deste modo, novas informações adquiridas durante o processo podem levar os atores a uma reflexão e a uma mudança na sua definição da situação podendo até mesmo ocorrer a formação de novas identidades.

Deste modo, a interação pode conduzir à formação de identidades coletivas. Caso um ator adote comportamentos pró-sociais em relação ao outro ainda que seu propósito seja auto-interessado, abre-se a possibilidade de se formar uma identidade coletiva e a partir daí interesses coletivos. Isto pode ocorrer porque, segundo Wendt (1999), atores podem fazer certas coisas mesmo que ainda não tenham as identidades que as práticas eventualmente irão criar. “States might initially engage in prosocial policies for egoist reasons, for example (and in a Lockean structure this is exactly what we woul expect), but if sustained over time such policies will erode egoistic identities and create collective ones.” (WENDT, 1999, p.342).

Wendt (1999) aponta quatro mecanismos que explicam as razões que levam Estados de uma cultura Lockeana a se engajarem em políticas de segurança social e iniciarem, deste modo, a formação de uma identidade coletiva. Três destas variáveis são chamadas de causas ativas – interdependência, destino comum e homogeneidade -, a quarta é uma causa passiva – o auto-controle. Esta última permite aos Estados eliminarem o medo de serem “engolidos” pelo Outro.

“Actors are interdependent when the outcome of an interaction for each depends on the choices of the others.” (WENDT, 1999, p.344). A interdependência deve ser objetiva para que leve à identidade coletiva, isto é, se há identidade coletiva todos os atores sentirão ganhos e perdas. Uma das maneiras de levar atores a atitudes cooperativas é por meio dos discursos. Wendt afirma que se um líder em seu discurso fala sobre o que “nós” deveríamos fazer consegue levar à formação de uma identidade coletiva muito mais rápido do que um tipo de comunicação não verbal, porque indica ao outro sua expectativa de que ele irá cooperar.

O problema da interdependência é que ela pode gerar o medo de ser explorado, pois os atores ficam mais vulneráveis uns aos outros. Por esta razão que Wendt ressalta a importância da variável passiva, isto é, deve haver a garantia de que o os outros vão se auto-controlar.

“Actors face a common fate when their individual survival, fitness, or welfare depends on what happens to the group as a whole” (WENDT, 1999, p.349). O destino comum é definido por uma terceira parte que faz com que as duas primeiras formem um grupo. O autor dá o exemplo dos nativos americanos que sofreram um destino comum nas mãos dos europeus. Um inimigo externo comum seria outro exemplo.

A homogeneidade por sua vez são características semelhantes dos Estados que também podem conduzir a uma identidade coletiva. Tais semelhanças podem ser de identidade corporativa – isomorfismo, função, poder causal - ou de tipo – forma de organização política. Contudo, isto não significa que Estados semelhantes não entrarão em conflitos ou que a diversidade não permite um comportamento pacífico.

It is only to say that internal differences may be one source of external conflict. Other thing being equal, therefore, the reduction of those differences will increase the coincidence of states’ interests, and that in turn promote collective identity formation by reducing the rationale for egoistic identities […] (WENDT, 1999, p.354).

Apesar de as três causas ativas poderem levar a uma identidade coletiva se não combinadas com a causa passiva do auto-controle, isto não se torna possível pois os Estados temerão ser engolidos por aqueles com os quais ele se identifica. Causas externas como o poder das grandes potências ou tecnologia militar, podem restringir comportamentos, assim como as instituições como a soberania e a não-violência, mas ambos podem ser abandonados em certo momento. Então o problema está em saber como atores vão se auto-restringir.

Wendt aponta que uma maneira é pela internalização em terceiro grau da comunidade pluralística de segurança através da obediência repetida dos Estados ao longo do tempo. Outra é por meio da externalização ou transposição de políticas domésticas em seu comportamento externo, ou seja, em virtude de pressão doméstica ou hábitos Estados tendem a se comportar no sistema internacional da mesma forma que conduzem sua política doméstica. Estados democráticos, por exemplo. Uma terceira forma seriam iniciativas unilaterais onde um ator sacrifica certas coisas em nome do grupo.

Portanto, para que possa ocorrer a formação de uma identidade coletiva segundo o modelo teórico de Wendt, deve existir ao menos uma causa ativa (interdependência, homogeneidade ou destino comum) combinada com a causa passiva que dará a garantia aos atores de que eles não serão engolidos pelo grupo.

Em seu artigo “Anarchy is what States make of it: the construction of power politics”, Wendt (1992), também explica como é possível mudar a lógica da anarquia tendo em vista o final da Guerra Fria. O autor parte da pergunta de como é possível mudar uma estrutura se esta depende da identidade. De acordo com Wendt, existe uma identidade que é definida na relação com o outro que ele chama de “mim”. Porém, atores têm liberdade de escolha e de tomada de papéis. Portanto, também existe uma subjetividade, um “eu”, que não depende dos outros. Assim, atores podem fazer escolhas a partir de uma reflexão crítica e mudar seu comportamento. Porém, existem condições para que isto ocorra: deve haver uma razão para refletir sobre si mesmo - novas situações sociais que não podem ser mantidas com antigas auto-concepções - e os custos esperados com a mudança de papéis não podem ser maiores do que as recompensas.

Neste sentido, Wendt (1992) divide em quatro estágios a passagem de uma cultura lockeana para uma cultura kantiana, os quais são:

1. colapso do consenso sobre a identidade

2. exame/análise crítica das antigas idéias sobre o self e o other e, conseqüentemente da estrutura de interação que é sustentada por idéias.

3. mudança das identidades e interesses dos outros que ajudavam a sustentar aquela cultura (prática do altercasting)

4. reciprocidade do alter: as iniciativas de ego são bem sucedidas e alter também modifica suas práticas, recompensando as iniciativas de ego, o que incentiva novas práticas semelhantes. Com o tempo a identificação positiva é institucionalizada e houve, portanto, a criação de nova base intersubjetiva para a interação dando início a compromissos com as novas identidades e interesses. Neste processo, pode assim, haver a formação de uma identidade coletiva.

Portanto, a Teoria Construtivista, e em especial o modelo teórico de Wendt pode ajudar a entender as mudanças nas estruturas. Neste sentido, tal teoria possui ferramentas que possibilitam a compreensão da mudança no comportamento de Argentina e Brasil a partir da década de 1980, isto é, a passagem da rivalidade à cooperação, ou, em outros termos, a mudança da cultura anárquica Lockeana para a Kantina.