CARLOS GOMES
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
No modo de produção alimentar assiste-se, no decorrer de alguns milénios, a uma especialização progressivamente mais acentuada na utilização dos meios de trabalho com reflexos na separação entre o trabalho doméstico e de recolha de plantas, o trabalho agrícola e pastoril, a caça e a pesca, a extracção de silex e outras matérias-primas, a manufactura de artefactos. Aparecem os primeiros seres humanos que dedicam todo ou parte do seu tempo, duma forma predominante, a estas actividades.
Não se trata já duma simples atribuição de tarefas com base na idade, no sexo ou na aptidão dos indivíduos, de acordo com as diferenças naturais entre os membros da comunidade, mas numa divisão de trabalho que se concretizou em várias áreas com os consequentes efeitos nas relações económicas e sociais entre os homens. Não será fácil estabelecer uma ordenação temporal nesta divisão social do trabalho.
Com a introdução de pesados instrumentos agrícolas, o trabalho dos campos tornou-se demasiado árduo e a criação de gado demasiado perigosa. Este trabalhos passaram a estar mais reservados aos homens, que assim passam a deter uma maior intervenção na posse dos meios de trabalho e dos alimentos produzidos. Lavrar a terra é um trabalho mais duro e era feito pelos homens com a ajuda de animais de tracção. A evolução para a criação do gado transumante constituiu um factor decisivo dessa mutação. A criação de gado, a caça e o cultivo de cereais passaram a ser trabalhos essencialmente realizados por homens.
Formaram-se campos de actividade nos quais o homem foi substituindo gradualmente a mulher, reservando esta a sua actividade para a recolha directa de plantas comestíveis, a horticultura ou a criação de animais domésticos, fiação ou tecelagem, o trabalho doméstico. Esta mudança deu lugar a uma divisão social de trabalho por sexos, com reflexo na posição social e na instituição da família.
A continuação da caça e da pesca, a par da actividade agrícola, pastoril ou artesã, motivou uma separação e maior especialização daquelas actividades.
A procura de matérias-primas e a manufactura de artefactos de pedra, madeira ou osso e, mais tarde, a olaria e a cerâmica, originaram um tipo de especialização em actividades que se isolaram das restantes. À medida que a manufactura de utensílios e instrumentos de trabalho se torna mais complexa e intensa, certos indivíduos mais hábeis e engenhosos passam a dedicar a quase totalidade do seu tempo a essa tarefa. A especialização artesanal foi o resultado directo do sedentarismo e do desenvolvimento da produção agrícola. A separação entre a agricultura e o artesanato origina uma outra divisão social do trabalho.
Em muitos casos, os artesãos continuaram a trabalhar por conta da colectividade, como ainda acontece actualmente, realizando-se a troca no seio da comunidade como situação excepcional. Os artefactos produzidos passaram a ser também objecto de permuta com outras camadas sociais, em vez de produzidos e consumidos apenas por toda a comunidade no seu conjunto.
As tribos que povoam territórios dotados de ricas pastagens tendem a abandonar a agricultura em proveito da criação de animais, o que conduziu à existência dum grupo social definido que deu origem às comunidades nómadas. A criação de gado começa a formar um ramo produtivo diferente. As tribos pastoris separam-se das restantes dedicadas prioritariamente ao plantio ou à sementeira.
Os excedentes de produção de alimentos, possibilitaram o aparecimento de indivíduos total ou parcialmente dedicados a um trabalho mental e criativo que exerceu grande influência na expansão artística e científica e sobretudo no desenvolvimento dos mitos e religiões. Surge uma separação entre trabalho físico e intelectual e o aparecimento de indivíduos que não intervêm directamente na produção material, mas beneficiam na repartição comunal dos bens produzidos.
Antes o homem era simultaneamente caçador, recolector, artesão, pescador e guerreiro, exercendo a sua actividade em agrupamentos muito homogéneos. Com o novo tipo de vida os camponeses e os pastores exercem uma actividade mais isolada, as populações dos acampamentos ou das aldeias sentem-se indefesas e necessitam de protecção para si próprios e para os bens produzidos e guardados. Surge assim um grupo de guerreiros com a missão de defender as pessoas e os bens.
Com os sacerdotes e os guerreiros criou-se uma nova actividade caracterizada pelos serviços prestados à comunidade por uma camada de indivíduos especializados que acabaram por vir a exercer um domínio na governação das tribos e das futuras aldeias.
O avanço no processo de divisão do
trabalho contribuiu para um aumento do nível de produtividade com a
consequente obtenção dum excedente de bens de consumo. O produtor deixou
de se limitar a consagrar grande parte ou todo o seu esforço diário à
garantia dos meios de subsistência. Esta mudança representou
inevitavelmente profundas alterações na estrutura e no desenvolvimento
económico e social, tornou-se a condição fundamental da divisão social do
trabalho e gerou o embrião da formação posterior de classes sociais.